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O ensino plurilíngue na escola pública: desafios em tempos de globalização. Organizadoras: Del Carmen Daher Telma Pereira Mônica Savedra

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Organizadoras: Del Carmen Daher Telma Pereira Mônica Savedra

plurilíngue na

escola pública:

desafios em

tempos de

globalização

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Organizadoras: Del Carmen Daher Telma Pereira Monica Savedra

plurilíngue na

escola pública:

desafios em

tempos de

globalização

Rio de Janeiro

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1ª edição / dezembro 2020

Projeto gráfico e diagramação: Mauro Corrêa Filho Revisão: Débora Amaral da Costa

Esta obra utiliza a Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC-BY-NC).

20-52812 CDD-370.1934

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

O ensino plurilíngue na escola pública [livro eletrônico] : desafios em tempos de

globalização / organização Del Carmen Daher , Telma Pereira , Mônica Savedra. -- 1. ed. -- Rio de Janeiro : Editorarte, 2020.

PDF

ISBN 978-65-88423-01-1

1. BNCC - Base Nacional Comum Curricular 2.

Educação 3. Globalização 4. Idiomas - Estudo e ensino 5. Políticas públicas de educação 6. Sociologia

educacional I. Daher, Del Carmen. II. Pereira, Telma. III. Savedra, Mônica.

Índices para catálogo sistemático:

1. Educação : Aspectos socioculturais : Sociologia educacional 370.1934

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Prefácio 6

Margarete Schlatter

Apresentação 16

Del Carmen Daher, Telma Pereira, Mônica Savedra

“Sem o inglês, nossos jovens não têm nenhuma possibilidade

na vida”(?): embates discursivos em versões da BNCC de Língua estrangeira 18

Alice Moraes Rego de Souza

Avaliações em larga escala no âmbito das políticas educacionais 33

Lidiane dos Santos Oliveira

Educação em língua espanhola para crianças e formação

de professores na Universidade Federal Fluminense 47

Dayala Paiva de Medeiros Vargens

De super-normal a super-héros: pedagogia de projetos e motivação discente 60

Victor Augusto Menezes Ribeiro

Panorama crítico do processo de implantação do ensino de línguas estrangeiras

nos anos iniciais do ensino fundamental do município de Niterói 76

Marina Mello de Menezes Felix de Souza

O percurso de uma nova realidade: o ensino bi/plurilingue público

no municipio de São Gonçalo 93

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A negação do ensino de línguas no Estado do Rio de Janeiro e a pseudonecessidade da base nacional comum curricular os impactos

para os estudantes da rede estadual 106

Shayane França Lopes

Representações sociolinguísticas e processos de construção de identidades

no ensino fundamental 120

Débora Amaral da Costa

Ensino plurilingue e intercultural no ensino fundamental: a experiência da introdução do ensino de alemão em escolas públicas municipais do Rio de Janeiro 134

Ebal Sant’Anna Bolacio Filho, Gabriela Marques-Schäfer, Mergenfel A. Vaz Ferreira, Michelle Valadão Vermelho Almeida

O (não) lugar da língua espanhola e da língua francesa nas salas de aula

no município do Rio de Janeiro 153

Graziele Ferreira dos Anjos

Caminhos para o ensino de línguas adicionais nos anos iniciais

do ensino fundamental: a experiência da oficina de francês 168

Camilla dos Santos Ferreira

O ensino de inglês nas escolas municipais do Rio de Janeiro e o

Programa Rio Criança Global: uma análise discursiva 182

Nathália da Silva de Oliveira Peixoto

O ensino de alemão na rede municipal do Rio de Janeiro:

ações, desafios, descobertas e soluções 197

Josué Santos de Souza

Ações glotopolíticas para o ensino de alemão na rede pública do Rio de Janeiro 214

Stephanie Godiva

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Um dos saberes primeiros, indispensáveis a quem, chegando a favelas ou a realidades marcadas pela traição a nosso direito de ser, pretende que sua presença se vá tornando convivência, que seu estar no contexto vá virando estar com ele, é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade. É o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constato o que ocorre mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar. (FREIRE, 1996, p. 76-77, grifos do autor)

O convite para o prefácio do livro “O ensino plurilíngue na escola pública: desafios em tempos de globalização” chega no momento em que estou, com um grupo de professores e futuros professores, compartilhando experiências, conhecimentos e energias para lidar com uma série de atos normativos recentes que impactam a nossa vida profissional. De um lado, a pandemia evidencia como nunca o descaso histórico pela educação pública e os desafios intransponíveis de acesso a uma vida escolar plena de oportunidades de aprendizagem. De outro, a ruptura de um processo que sistematizava resultados do debate público sobre uma base curricular para a Educação Básica, resultou, na área de línguas estrangeiras (mas não somente), em uma BNCC com retrocessos e que não (re)conhece as adversidades a que está submetido o trabalho escolar na escola

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pública1. Também demandam análise as Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue2 e as tentativas renovadas de alterar dispositivos da LDB e do ECA para permitir a educação domiciliar no âmbito da Educação Básica3. Soma-se a esses documentos normativos recentes4, a Base Nacional Curricular Formação5, que, coerente com as demais ações políticas, relaciona melhoria de qualidade na educação e na formação profissional com a elaboração de um currículo comum, reativando um ideário de competências e habilidades a serem aferidas por sistemas de avaliação, que classificam, em níveis municipal, estadual, nacional e internacional, estudantes, professores e instituições de ensino.

Desde uma perspectiva econômica, indicadores internacionais e nacionais de educação6 são dados relevantes para comparar desempenhos, discutir qualidade 1 Para um histórico do processo de construção da BNCC, confira: AGUIAR; TUTTMAN, 2020 e TARLAU;

MOELLER (2020). Entre os retrocessos da BNCC relacionados à língua estrangeira estão, por exemplo, a imposição do inglês e a desarticulação e incoerência na organização dos conteúdos curriculares, que não levam em conta debates contemporâneos que tratam de práticas plurilíngues, gêneros do discurso, entre outros. Para uma discussão sobre a adoção da concepção inglês como língua franca, ver DUBOC, 2019. Para dossiês recentes de estudos sobre análise da BNCC, sua implementação e implicações para a formação de professores, confira: RETRATOS DA ESCOLA, v. 13, n. 25, 2019; EM ABERTO, v. 33 n. 107, 2020; TEXTURA, v. 22, n. 50, 2020. 2 BRASIL, MEC/CNE. Parecer CNE/CEN No 2/2020:

http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2020-pdf/156861-pceb002-20/file, acesso em 3 de novembro de 2020.

3 Projeto de Lei 2401/2019: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/ fichadetramitacao?idProposicao=2198615. Para um breve histórico da discussão, confira https://novaescola. org.br/conteudo/17020/educacao-domiciliar-os-pais-podem-optar-por-substituir-a-escola-no-brasil, acesso em 3 de novembro de 2020.

4 Para conferir esses e outros atos normativos e resoluções do MEC, acesse: http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/atos-normativos--sumulas-pareceres-e-resolucoes?id=12767, acesso em 3 de novembro de 2020.

5 BRASIL. BNC Formação. Brasília-DF, 2019: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&vie w=download&alias=135951-rcp002-19&category_slug=dezembro-2019-pdf&Itemid=30192, acesso em 3 de novembro de 2020.

6 Por exemplo, o Programa Internacional de avaliação de Alunos (PISA) (https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/pisa), o Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE)

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(https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-educacional e tomar decisões sobre políticas e financiamento na área da educação. Ao mesmo tempo em que poderíamos supor que uma avaliação bem elaborada poderia, de fato, indicar caminhos para buscar melhorias de ensino, tais resultados, no entanto, pouco contribuem quando interpretados isoladamente para gerar análises superficiais e implacáveis de fracasso escolar e déficit de formação profissional, desconsiderando os inúmeros fatores que constroem as condições da vida escolar. As leituras equivocadas de tais indicadores insistem em responsabilizar a escola pública e, muito fortemente, os professores por não fazerem o suficiente para transformar uma sociedade de profundas desigualdades sociais em uma sociedade em que a qualidade da vida humana importa. E a implicação perversa dessa responsabilização é sobrecarregar ainda mais os professores, psicológica, física e intelectualmente, pressionando-os a lidar com a falta de confiança na sua formação e no seu trabalho de enfrentamento diário dos desafios e obstáculos que encontram na escola. Nesse enquadre, soam ainda mais urgentes as perguntas de Freire (1996, p. 77): “Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo?”.

O livro “O ensino plurilíngue na escola pública: desafios em tempos de globalização” reúne uma coletânea de resultados de pesquisa que responde a essas perguntas. São resultados de estudos desenvolvidos por professoras e professores de línguas na rede pública do Estado do Rio de Janeiro, em parceria com professoras e professores que atuam em formação docente no Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas e no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, no Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense. Em um movimento de quem não se isola ou “se ‘aconchega’ a si mesmo na solidão” (FREIRE, 1996, p. 37), os participantes autores buscam compreender e reagir criticamente a políticas de línguas para as escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro, no período entre 2000 e 2020. Os temas dos estudos contemplam políticas para o ensino bilíngue, a imposição do inglês como língua franca, avaliações educacionais e os documentos normativos dessas políticas no âmbito

exames-educacionais/erce), o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) (https://www.gov.br/inep/ pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/ideb), acesso em 3 de novembro de 2020.

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estadual e municipal. A relevância das análises aqui reunidas está no vigor profissional e político de estudar e se posicionar sobre questões que impactam o fazer a vida na escola. Conhecer esse grupo de profissionais engajados refletindo sobre seu cotidiano e sobre as políticas públicas, numa perspectiva local e também mais ampla, renova minha convicção de que o que mais importa é agir em parceria: estar junto, estudar junto, pensar junto, fazer junto, brigar junto, posicionar-se junto, escrever junto e, juntos, inspirar novas parcerias.

Inspirada pela leitura da coletânea, as reflexões que trago a seguir tratam dos desafios contemporâneos da escola pública, contexto de trabalho das autoras e dos autores dos textos, e das potencialidades advindas da interlocução e do investimento que fizeram na sua formação profissional e política.

SENSIBILIZAÇÃO E COMPREENSÃO

Chama atenção o fato de que muitas das políticas e ações impulsionadas pelos diagnósticos feitos das escolas, amplamente amparados nas avaliações nacionais, ignoram ou desconhecem com profundidade os inúmeros meandros que constituem as realidades escolares, sobretudo, aquelas situadas nas periferias. Para além do contexto onde se situam as escolas, argumentamos, pois, que o território, o lugar onde a escola habita, é parte constitutiva importante destas instituições, o que lhes imprime dinâmicas, culturas, arranjos e funcionamentos muito próprios. Por esta razão, examinar este espaço social que a escola ocupa é fundamental. (SANTOS; MOREIRA; GANDIN, 2018, p. 766).

Em uma análise das dinâmicas e tensões que envolvem o cotidiano escolar de escolas públicas em contextos de periferia geográfica e socioeconômica, Santos, Moreira e Gandin (2018) discutem a relação entre território, trabalho escolar e currículo. Com base em dados etnográficos abrangendo, entre outros, observações do cotidiano escolar e entrevistas com professores e equipes diretivas de três escolas, descrevem a luta diária e complexa dos professores para dedicar-se ao trabalho pedagógico em meio à gestão da pobreza, função que a escola assume desde a ampliação da oferta escolar e que gradativamente contribuiu para sua “desescolarização” (PEREGRINO, 2006). Os

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autores referem o estudo de Algebaile (2004) para explicar como a expansão das funções da escola resulta de um projeto historicamente construído pelo Estado em sua relação com as populações empobrecidas, em que a ampliação da oferta escolar gradativamente transformou “a escola pública em uma ‘espécie de posto avançado do Estado, para onde convergiriam ações civilizatórias’ (ALGEBAILE, 2004, p. 131)”, sem que esse adensamento de responsabilidades implicasse em um investimento na instituição, para que pudesse assumi-las (SANTOS; MOREIRA; GANDIN, 2018, p. 767) 7.

Santos, Moreira e Gandin (2018) analisaram relatos de professores sobre como percebem suas funções e suas ações no cotidiano escolar. Os depoimentos evidenciam as inúmeras tarefas que assumem em detrimento das atribuições de planejamento de aulas e da docência. A ampliação e a diversificação de trabalho sem precedentes e uma agenda altamente complexa inclui, por exemplo, atendimento de necessidades urgentes de alunos e familiares, mediação de conflitos e tragédias na comunidade escolar, busca e integração de alunos infrequentes, substituição, inclusive em outras áreas, de colegas ausentes ou em licença, reorganização das atividades e constante replanejamento de aulas por conta de interrupções de dias letivos, entre outros. Ao mesmo tempo em que foi constatada uma forte sensação (e muitas vezes frustração) de instabilidade, descontinuidade e de poucos avanços, as equipes gestoras e os professores assumiam, diuturnamente, o trabalho árduo e perseverante de tentar prosseguir com o trabalho escolar, construindo um currículo local e situado que pudesse contemplar as possibilidades de aprendizagem naquelas condições específicas.

Refiro aqui alguns dos desafios contemporâneos da escola pública de modo a contextualizar o lugar de atuação e de fala do grupo de autores deste livro. Ao contrário de pressupor uma relação determinista entre o território e as práticas sociais construídas

7 Segundo os autores, “a desescolarização da escola evidencia uma crise na sua função social”, pois “para realizar as políticas de gestão da pobreza, ao invés de ser fortalecida como instituição, a escola tem o esvaziamento ou precarização de sua tarefa primordial: a educação escolar”; e, ao se tornar “menos escola”, ela produz “uma nova forma de desigualdade: não a desigualdade da exclusão, mas a desigualdade da inclusão precária” (SANTOS; MOREIRA; GANDIN, 2018, p. 768).

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nesses espaços, Santos, Moreira e Gandin (2018, p. 765) entendem que é fundamental que se dê visibilidade às “condições às quais estão submetidas as escolas e o trabalho docente” e às “formas, dentre as quais algumas muito potentes, de realizarem o seu trabalho”. Nesse contexto, as pesquisas desenvolvidas e relatadas nesta coletânea revelam não só a busca ativa em compreender as novas demandas e mudanças impostas pelas políticas públicas mas também a consciência sobre em favor de que e de quem ou contra que e quem estudaram para se posicionar e agir.

RESPONSABILIZAÇÃO E INTERVENÇÃO

A noção de melhoria da qualidade da educação estreitamente vinculada ao aumento do índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) cria efeitos de autorresponsabilização nos professores “gerando sentimentos ambíguos e contraditórios que mesclam crítica e adesão, confiança e repúdio, culpa, vergonha e autodeterminação”, produzindo práticas que reduzem o trabalho pedagógico (e a noção de qualidade) a uma política de resultados. (SANTOS; FERREIRA, 2020)

Se melhorias de qualidade em educação, desde a perspectiva do Estado, significam equiparar indicadores educacionais com os de outros países8, é fundamental que os impactos da expansão do ensino nas escolas públicas sejam respondidos com políticas públicas que promovam as condições de trabalho necessárias para que os professores possam colocar em prática a sua formação sólida na área e também o seu conhecimento sobre as especificidades do contexto onde trabalham. Isso significa, como ponto de partida, contar com uma infraestrutura escolar (o que, inclui, por exemplo, acervo atualizado na biblioteca, laboratórios equipados, internet com banda larga, auditório,

8 Confira o ranking dos países no último relatório PISA (2018): https://www.oecd.org/pisa/publications/ pisa-2018-results.htm; relatório PISA Brasil 2018: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/ B4AQV9zFY7Bv/content/pisa-2018-revela-baixo-desempenho-escolar-em-leitura-matematica-e-ciencias-no-brasil/21206. Confira também reportagem “Como não ser enganado por um indicador de gastos em educação: Investimento percentual do PIB em educação não é correlacionado com melhor desempenho de alunos”, publicada em 9 de outubro de 2020, no site Pindograma (https://pindograma.com.br/2020/10/09/indicadores-edu.html), acesso em 3 de novembro de 2020.

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salas e equipamentos para atividades artísticas, entre outros) e com salários dignos, que permitam a atuação em tempo integral em uma única escola, com o apoio de equipes multidisciplinares para assumir coletivamente as funções atribuídas pelo Estado à escola para além do pedagógico. Se, em vez disso, o investimento para melhorias de qualidade em educação seguir sendo currículos comuns alheios às condições de ensino, avaliações em larga escala alheias às condições de aprendizagem, metodologias inovadoras alheias aos conhecimentos construídos pelos professores na sua formação e na vida escolar, instauram-se políticas de controle pouco eficazes para de fato reverter em melhores resultados. Entendo que o caminho promissor para gerar mudanças é o investimento nas condições para a aprendizagem e a confiança no trabalho de quem está na linha de frente do cotidiano escolar.

COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO DE SI E DO OUTRO

Ao ler os trabalhos reunidos nesta coletânea, pude constatar que as professoras e os professores praticam o que considero ser compromisso de uma educação de qualidade: ao observarem, refletirem, compartilharem e escreverem sobre as políticas públicas que impactam a vida escolar, o grupo assume para si próprio, para a comunidade escolar e acadêmica e, de modo mais amplo, para a sociedade, o protagonismo que a profissão lhes confere e exige. Atuam em todas as dimensões que integram o fazer aprender e ensinar (SCHLATTER; GARCEZ, 2012, p. 16-17): sensibilização (Como é o mundo em que vivemos? O que acontece e como isso nos impacta?), compreensão (Por que o mundo em que vivemos é assim? Quais são os conceitos, as narrativas, os discursos que constroem, explicam, regulamentam, justificam esse mundo?), responsabilização (Quem são os agentes responsáveis por esse mundo ser assim? Qual é a relação que se estabelece entre indivíduos, sociedade e Estado acerca das questões que nos impactam?), e intervenção (Quem pode intervir? De que formas? A favor do quê/quem? Contra o quê/quem?).

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e a universidade e a importância desse diálogo para uma educação de qualidade. Essa relação certamente acontece em muitas dimensões produtivas, mas saliento duas que considero fundamentais para todos os que nela se envolvem. Primeiro, as oportunidades de interlocução continuada sobre a vida na escola entre professores, professores e formadores universitários e entre formadores e o consequente compartilhamento de vivências e conhecimentos sobre como se faz e como pode se fazer escola em toda a sua complexidade e diversidade. Segundo, o registro sistemático e a divulgação do que aprenderam em conjunto, o que, além de fortalecer sua identidade de professor-autor, oferece oportunidades de os participantes desenvolverem-se como professores-autores-formadores (GARCEZ; SCHLATTER, 2017). Como professores-autores, as professoras e professores desta coletânea investiram na diversidade de respostas possíveis, no protagonismo e na autoria “frente a decisões que precisa[ram] tomar diante das diretivas educacionais e das demandas em diferentes contextos de ensino” (GARCEZ, SCHLATTER, 2017, p. 15); formularam e resolveram problemas que vivenciaram localmente na escola e, na convivência produtiva entre participantes mais e menos experientes, compartilham reflexões e recomendações sobre ensinar e aprender nas condições singulares de cada contexto.

Nesta coletânea, também se responsabilizam pelo registro do repertório de conhecimentos construídos, divulgando-os para seus pares, ampliando assim a interlocução e construindo, desse modo, sua identidade de professor-autor-formador. É nessa interlocução com colegas professores, comunidade acadêmica e outros agentes educacionais, que expõem publicamente, modos de organizar o conhecimento aprendido tendo em vista os desafios e as tomadas de decisão relativos ao seu contexto de trabalho, por vezes questionando e outras vezes confirmando convicções. Os saberes do professor-autor construídos a partir das experiências e da reflexão na interlocução com o outro foram aqui registrados e passam a inspirar e a formar outros professores.

PAULO FREIRE, PRESENTE!

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participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade. (FREIRE, 1996, p. 24)

Educar é substantivamente formar. Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado. De testemunhar aos alunos, às vezes com ares de quem possui a verdade, um rotundo desacerto. Pensar certo, pelo contrário, demanda profundidade e não superficialidade na compreensão e na interpretação dos fatos. Supõe a disponibilidade à revisão dos achados, reconhece não apenas a possibilidade de mudar de opção, de apreciação, mas o direito de fazê-lo. Mas como não há pensar certo à margem de princípios éticos, se mudar é uma possibilidade e um direito, cabe a quem muda – exige o pensar certo – que assuma a mudança operada. (FREIRE, 1996, p. 33-34)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, M. A. S.; TUTTMAN, M. T. Políticas educacionais no Brasil e a Base Nacional Comum Curricular: disputas de projetos. Em Aberto, Brasília, v. 33, n. 107, p. 69-94, jan./abr. 2020.

ALGEBAILE, E. B. Escola pública e pobreza: expansão escolar e formação da escola dos pobres no Brasil. Niterói, 2004. 277f. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.

DUBOC, A. P. M. Falando francamente: uma leitura bakhtiniana do conceito de “inglês como língua franca” no componente curricular língua inglesa da BNCC. Revista da Anpoll, v. 1, nº 48, p. 10-22, Florianópolis, Jan./Jun.2019.

FREIRE, p. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GARCEZ, P. M.; SCHLATTER, M. Professores-autores-formadores: Princípios e experiências para a formação de profissionais de educação linguística. In: E. MATEUS; J. R. A. TONELLI (org.), Diálogos (im) pertinentes entre formação de professores e aprendizagem de línguas. São Paulo, Blucher, 2-17. p. 13-36.

PEREGRINO, M. Desigualdade numa escola em mudança: trajetórias e embates na escolarização pública de jovens pobres. Niterói, 2006. 335f. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.

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Aberto, Brasília, v. 33, n. 107, p. 27-44, jan./abr. 2020.

SANTOS, G. S.; MOREIRA, S. C.; GANDIN, A. Desafios do trabalho escolar e do currículo na escola pública: interfaces com o efeito do território periférico. Currículo sem Fronteiras, v. 18, n. 3, p. 760-784, 2018.

SCHLATTER, M.; GARCEZ, P. M. Línguas Adicionais na escola: aprendizagens colaborativas em inglês. Erechim, RS: Edelbra, 2012.

TARLAU, R.; MOELLER, K. O consenso por filantropia: Como uma fundação privada estabeleceu a BNCC no Brasil. Currículo sem Fronteiras, v. 20, n. 2, p. 553-603, maio/ago. 2020.

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A presente publicação reúne trabalhos de pesquisa orientados por professores que atuam com a formação de docentes no Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas (GLE) e no Programa de Estudos de Linguagem (PosLing) do Instituto de Letras e por docentes da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Também são apresentados estudos e pesquisas de docentes de outras instituições de ensino que estão envolvidos com a temática aqui abordada.

O livro parte de uma perspectiva crítica sobre questões relacionadas a políticas de línguas adotadas nas escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro, no período entre 2000 e 2020 e tem interface com o tema prioritário do Programa Institucional de Internacionalização CAPES-PRINT Multilinguismo da UFF, que envolve direitos linguísticos e desigualdades sociais.

Os capítulos aqui apresentados contemplam propostas para ensino bi e plurilíngue nos âmbitos municipal e estadual. A obra inclui discussões teóricas e práticas em torno de questões como: imposição do inglês como língua franca; avaliações educacionais em grande escala e análise de documentos históricos e norteadores para o ensino público relativos às propostas desenvolvidas em escolas localizadas no Rio de Janeiro.

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Com este livro destacamos trabalhos de professores pesquisadores que atuam na sala de aula, vivenciando contradições derivadas de políticas linguísticas e práticas educacionais impostas.

Agradecemos o apoio financeiro dado pelo Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da UFF (Edital 03/2019), sem o qual a presente obra não poderia vir a público, assim como ao CNPq e a CAPES que com suas bolsas de estudos tornaram possíveis várias das pesquisas relatadas nos capítulos deste livro. Por fim, cabe mencionar que a publicação integra propostas do Programa PRINT-CAPES UFF Multilinguismo, Direitos Linguísticos e Desigualdade Social. (CAPES - Código de financiamento 001).

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possibilidade na vida”(?):

embates discursivos em

versões da BNCC de

Língua estrangeira

Alice Moraes Rego de Souza

(CEFET-RJ)

alice_moraes@globo.com

INTRODUÇÃO

Vivemos duros tempos de ataque à educação, tempos dos que bradam por uma dita “escola sem partido”, a qual, diga-se, é sustentada por sujeitos defensores de bandeiras muito claras, como: a de uma moral cristã que subalterniza e ameaça outras formas de fé; a que atrela o papel da educação básica à formação de mão de obra para o mercado de trabalho; em síntese, a da exclusão de minorias e sua submissão às maiorias – conforme explicitamente declarou Jair Bolsonaro durante sua campanha presidencial, em 2018. Perguntamo-nos, então: seria mesmo uma proposta de “escola sem partido” ou seria “escola com o meu partido”?

RESUMO: A partir dos conceitos de cartografia (KASTRUP, 2015), rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995), interdiscurso, competência discursiva e semântica global (MAINGUENEAU, 2008), discutimos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como consequência de embates discursivos que, quanto ao ensino de Língua Estrangeira, associam a educação a uma perspectiva monolíngue e mercadológica. PALAVRAS-CHAVE: Base Nacional Comum Curricular; Ensino de língua estrangeira; Análise do discurso.

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Entendemos que, ao contrário de uma visão redutora e sensacionalista que associa a formação escolar a uma suposta “doutrinação partidária de esquerda”, a educação é, sempre, campo de disputas entre diferentes modos de significar o mundo e suas relações. Assim, não é possível falar em escola “neutra” ou conhecimento “neutro” – como uns pretendem dissimular – e, portanto, todas as discussões que se dão no campo político-escolar respondem a visões de mundo específicas que favorecem/ excluem mais ou menos determinados grupos.

Não à toa iniciamos o capítulo dando visibilidade a tal questão. Aqui, detemo-nos a tratar do processo de construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), uma política de currículo centralizadora que, dentre uma série de arbitrariedades, impôs o ensino de Língua Inglesa como língua estrangeira a todo território nacional. A nosso ver, não é cabível falar sobre políticas de ensino de língua estrangeira (LE), num contexto de imposição de uma BNCC, sem ter todas essas implicações em mente.

As considerações feitas ao longo do capítulo têm como base os resultados da pesquisa doutoral intitulada “Base Nacional Comum para quê/quem? Uma cartografia de conflitos discursivos na produção de um currículo oficial” (SOUZA, UFF, 2015-2019)1. Assumimos a perspectiva de que “não há língua que não esteja afetada desde sempre pelo político”, pois elas implicam significações de formas sociais e um conjunto de práticas constituídas por discursos sobre a língua admitidos como verdadeiros (ORLANDI, 2007, p.8). Desse modo, conforme assevera Orlandi, cabe indagar que discursos e práticas são esses e, em nosso caso específico, isso se aplica às definições curriculares centralizadoras acerca do ensino de LE, exigidas pela BNCC.

Nosso objetivo, no decorrer desse texto, é justamente este: explicitar e discutir os embates discursivos que constituem o processo de produção da BNCC de língua estrangeira/ língua inglesa, produzindo e normatizando sentidos para o ensino de

1 Pesquisa orientada pela Profa. Dra. Del Carmen Daher, inscrita na linha de pesquisa “Teorias do texto, do discurso e da tradução” do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem, do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF), e no grupo de pesquisa PRÁTICAS de linguagem, trabalho e formação docente (UFF, CNPq).

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LE na educação básica e, consequentemente, constituindo-se como um dispositivo (FOUCAULT, 2018) produtor de subjetividades discentes e docentes. Tal dispositivo participa da constituição, da reprodução e do reforço de relações sociais que mantêm desigualdades históricas e trágicas para o Brasil.

DO SALVACIONISMO À PSEUDO-DEMOCRACIA: A

CONSTRUÇÃO DA BNCC

Para começar, é preciso esclarecer que partimos de uma perspectiva rizomática (DELEUZE; GUATTARI, 1995), por entendermos que a BNCC se funda numa rede de elementos cujas relações são horizontais, múltiplas e infinitas – como nos sugere a imagem botânica do rizoma. Assim, não há um centro de origem – como num esquema arborescente, com raízes, tronco, ramos e folhas – que dê a uma ou outra relação, a uma ou outra linha deste rizoma, um valor hierarquicamente superior, pois o que está em jogo são infindáveis e imprevisíveis relações de saber/ poder que instituem elos e se sobrepõem a outras, silenciando-as e produzindo efeitos de verdade (FOUCAULT, 2003) sobre as necessidades da educação brasileira.

Dito isso e reconhecendo que jamais seremos capazes de explorar todo o rizoma que constitui a construção da BNCC, permitimo-nos o esforço didático de discutir tal processo, partindo de três elementos recorrentes no debate, a saber: o binômio “crise na educação” e “qualidade da educação”; os interesses mercadológicos; e a produção de um sentido de ação democrática atrelado ao documento.

A respeito do binômio “crise” e “qualidade da educação”, pode-se dizer que este é um argumento central na defesa de necessidade da BNCC, pois além da produção do sentido de “crise” que justificaria a urgência de uma “salvação” (RAVITCH, 2013), também entra em jogo o uso da estrutura nominal “qualidade da educação”, produzindo um efeito de sentido consensual. No entanto, conforme Macedo (2014, p. 1536-7),

[...] as diferentes demandas tornadas equivalentes na luta por uma educação de qualidade também não são unitárias [...]. Há, nas políticas curriculares recentes, demandas por equidade, por representatividade de “grupos minoritários”,

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por universalismo epistemológico, por direito ao acesso e a permanência na escola, por profissionalização, entre muitas outras tornadas equivalentes sob o significante qualidade.

Outro elemento essencial a qualquer discussão que envolva a BNCC é o interesse mercadológico. Não é novidade que a educação tem estado na rota dos grandes interesses do mercado, como corrobora Oliveira (2009, p. 752) ao mostrar que “de 2001 a 2008 o setor do ensino privado aumentou seu movimento de capitais de R$ 10 bi para 90!”, mais do que qualquer outro setor na economia do Brasil neste mesmo período. Além disso, no que tange à BNCC, mencionemos o Movimento pela Base Nacional Comum Curricular (MBNC), grupo fundado por Fundação Lemann, Instituto Natura e Itaú BBA, que se origina da articulação entre essas e outras grandes instituições do setor corporativo e financeiro (AVELAR; BALL, 2017).

Tal grupo, cuja atuação e fundação datam de 2013, se incumbiu da discussão e defesa da construção da Base, mobilizando-se para incluir e priorizar tal demanda na agenda educacional brasileira e, para isso, estabeleceu constantes parcerias com membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), do Ministério da Educação (MEC), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional de Dirigentes Municipais da Educação (Undime). Além disso, parte de sua estratégia de adesão foi a de criar cenografias discursivas, segundo as quais seria “colega”, “parceiro” do professor. No entanto, conforme apontam os resultados de nossa pesquisa (SOUZA, 2019), o etos discursivo deste enunciador, com frequência, subalterniza o professor, vendo-o como um “aplicador”, destituindo-o de seu papel autônomo e criativo nos processos educacionais.

Cabe mencionar que o MBNC é um dos agentes que participou da produção de enunciados que criam e acentuam o sentido de “crise” na educação pública, valendo-se principalmente de resultados de avaliações em larga escala – as quais ignoram a especificidade das diferentes comunidades escolares. Não por acaso, são eles mesmos, e seus parceiros privados, os que surgem para oferecer as soluções de gestão, de “treinamento”, de material didático, de avaliação e, ultimamente, de implementação

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da BNCC, frentes típicas da indústria educacional para “salvar” a educação (PERONI; CAETANO, 2015) – o que se torna ainda mais viável, diante de uma proposta de currículo homogêneo para todo o país.

Por fim, quanto à atribuição de um sentido de construção democrática associado à Base, devemos recordar o momento político durante o qual se deu o processo. Iniciado oficialmente em 2015 – quando se publicaram o portal da BNCC e a portaria2 que nomeou o comitê assessor e a comissão de especialistas –, podemos afirmar que tal produção foi marcada por uma ruptura cujos desdobramentos, em síntese, partiram do golpe parlamentar de 2016.

Quando Michel Temer assumiu a presidência interinamente, em maio de 2016 (e, a partir de agosto, de modo definitivo), efetuou – apoiado pela maioria do Congresso Nacional – uma série de outras mudanças no campo educacional: revogou nomeações feitas por Dilma ao CNE; modificou a composição do Fórum Nacional de Educação (FNE); alterou a organização da Conferência Nacional de Educação (CONAE); modificou o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); aprovou a Emenda Constitucional n.95/2016 – teto de gastos para educação e saúde –; sancionou a Medida Provisória 746/2016, convertida na Lei 13.415/2017 (que modifica a LDB, instituindo a reforma do ensino médio, tendo como uma das medidas a obrigatoriedade do ensino da língua inglesa nesta etapa de escolarização). Conforme apontam Souza, Giorgi e Sampaio (2019, p. 103-4), todas essas medidas demarcam discursivamente o posicionamento do novo governo no tocante à educação e sinalizam

a ruptura que se estabelece com o movimento que vinha se consolidando no país, nos últimos anos, em termos de democratização não só do acesso ao ensino público, mas dos mecanismos de gestão e deliberação acerca de políticas educacionais. Elas constituem a conjuntura em que se forma uma trama que favorece uma visão neoliberal, neoconservadora e centralizadora, construindo a educação pública como espaço cada vez mais aberto para a atuação da iniciativa privada e, por outro lado, promovendo a dissolução de articulações em defesa da formação humana crítica.

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Tal ruptura tem seus efeitos na construção da BNCC, visto a nova configuração do MEC, com Mendonça Filho como chefe da pasta, Maria Helena Guimarães de Castro como secretária executiva e Rossieli Soares como secretário da Educação Básica. Trata-se de um MEC afinado com as demandas privatistas, uma vez que Maria Helena foi uma das fundadoras do Todos pela Educação (TPE), além de apoiadora do MBNC, e Rossieli Soares foi o vice-presidente do Consed (2015-2016) – conselho que apoia o MBNC e tem como parceiros uma gama de agentes privados, como Fundação Roberto Marinho, Fundação Itaú Social, Fundação Lemann. Esse novo MEC designou um comitê gestor para prosseguir com a construção da BNCC e a reforma do ensino médio, incumbindo-lhe também de definir uma nova equipe de redatores.

Em abril de 2017, divulgou-se uma suposta terceira versão da BNCC. Dizemos “suposta”, pois esta versão diverge das duas anteriores (a preliminar de 2015 e a segunda versão de 2016) em termos de perspectiva educacional – por exemplo, assumindo a pedagogia de competências que sequer havia sido considerada –, portanto, tratou-se de uma nova primeira versão que se sobrepôs às discussões feitas durante a consulta pública e os seminários estaduais3 (SOUZA, 2019). Esta é a versão que, bem como a homologada, exclui o componente curricular Língua Estrangeira (LE) e o substitui por Língua Inglesa, na contramão de um continuum de normativas e pesquisas no campo do ensino de LE que valorizam o plurilinguismo e o respeito à escolha da língua pela comunidade escolar.

Em síntese, feito este percurso, se retomamos a imagem de um rizoma, podemos entender que, a partir do golpe de 2016, outras articulações se instituem ou se fortalecem no que concerne à educação e aos interesses do mercado, e isso fica marcado também no que diz respeito ao ensino de LE. Eis o foco das próximas seções.

3 A consulta pública foi um período – de 09/2015 a 03/2016 – em que toda a população poderia contribuir com sugestões para a BNCC, a partir de sua versão preliminar. Os seminários estaduais, conduzidos por Consed e Undime de junho a agosto de 2016, foram eventos realizados em todas as capitais brasileiras, com número restrito de docentes participantes, nos quais, com base em perguntas fechadas, discutiu-se a segunda versão da BNCC. Ambos os mecanismos foram muito criticados quanto ao seu potencial efetivamente democrático.

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“LÍNGUA FRANCA”: RELAÇÕES INTERDISCURSIVAS E

RUPTURAS NA BNCC

A esta altura, o leitor pode estar se perguntando a razão de, até agora, não termos tratado especificamente da questão da LE na BNCC. O caminho que optamos percorrer, considerando os resultados da pesquisa que fundamenta este capítulo (SOUZA, 2019), mostra que definições curriculares não se desvinculam de todo um contexto sócio-político no qual elas se produzem. Desse modo, a escolha do inglês como LE obrigatória se apresenta como mais uma pista dos posicionamentos assumidos por sujeitos e instituições atuantes neste processo.

Na evocada pesquisa (SOUZA, 2019), inicialmente, fizemos um movimento cartográfico, dialogando com propostas de Kastrup (2015) e aproximando-as dos estudos de linguagem, na perspectiva discursiva (MAINGUENEAU, 2008). Assim, mapeamos percursos, atores sociais que protagonizaram debates sobre a BNCC, legislações produzidas, enunciados diversos que compunham essa rede de relações, por fim, dando visibilidade aos embates entre práticas discursivas do campo das políticas de educação que entraram em jogo e que foram priorizados na versão final do documento.

Dentre inúmeros elementos mapeados, podemos destacar, no que concerne ao ensino de LE, já em 2015, a atuação do Consed e de Maria Helena Guimarães de Castro – ambos apoiadores de agentes privados – em defesa do ensino obrigatório de inglês:

Ponto polêmico nas discussões do final de semana foi a defesa pela obrigatoriedade do ensino de inglês. Ao final, os secretários concordaram que o ensino da língua estrangeira deve ser obrigatório no ensino médio. “Sem o inglês, os nossos jovens não têm nenhuma possibilidade na vida. Pode haver outras línguas, mas o inglês é o mínimo”, defendeu diretora executiva da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), Maria Helena Guimarães, convidada como observadora. [...] (CONSED, 2015, on-line).

Fora do contexto mais específico da BNCC, podemos acrescentar a nosso mapa outras ações com tendências monolíngues e mercadológicas que já vinham sendo

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tomadas, configurando práticas discursivas e não discursivas que sustentaram a priorização do ensino de inglês, como o Programa Rio Criança Global, empreendido pela Prefeitura do Rio de Janeiro de 2009 a 2016 – questão discutida com mais detalhes em outros dois capítulos deste livro.

O esforço cartográfico feito na pesquisa mapeou sujeitos, instituições, normativas, eventos, mas também discursos/ práticas discursivas. Ao falarmos em práticas discursivas, estamos partindo do que Maingueneau (2008) propõe em sua gênese dos discursos, considerando os conceitos de interdiscurso, competência discursiva e semântica global. Entendendo que o discurso é “um sistema de regras que define a especificidade de uma enunciação” (MAINGUENEAU, 2008, p.19), o teórico postula que todo discurso carrega em si, necessariamente, o Outro, aquele que se sacrifica para que se constitua sua própria identidade (MAINGUENEAU, 2008, p.36-7). Souza (2019), partindo da cartografia do contexto de produção da BNCC, encontra pistas de tais relações interdiscursivas, como entre discursos de luta pela educação pública laica para formação cidadã; de defesa dos interesses mercadológicos na educação para formação de mão de obra; e o neoconservador. Todas essas relações interdiscursivas em concorrência constituem a produção da BNCC e disputam um projeto de educação no qual se inclui a necessidade de definir uma LE a ser estudada.

Aprofundando suas reflexões sobre o interdiscurso, Maingueneau (2008) defende a existência de uma competência discursiva, isto é, de um sistema de restrições que determina enunciados dizíveis a partir de uma dada formação discursiva. Tal sistema de restrições não seria algo superficial, mas sim algo que condiciona radicalmente todo o enunciado, em termos de como se constitui seu enunciador, de vocabulário empregado, de modos de tratamento da temática, de intertextualidade, ou seja, condiciona sua semântica global. Assim, observando certas regularidades nos enunciados da BNCC no contexto anterior ao golpe de 2016 (segunda versão do documento, doravante BNCC2-2016) e no contexto posterior, com a última versão (doravante BNCC-final), foi possível perceber a presença de ao menos duas formações discursivas conflitantes, tendo a supressão da LE pela Língua Inglesa como um dos pontos nodais dessa ruptura.

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Orlandi, discorrendo sobre a dimensão política atrelada às línguas do mundo, expõe que “reconhecer a existência de múltiplas línguas locais não realiza historicamente o multilingüismo que, nesse caso, seria praticar as múltiplas línguas, em condições sócio-históricas consistentes e politicamente significadas, capazes de universalidade” (2007, p. 61). A autora explica que, apesar de um idealismo acerca do multilinguismo, “em outro lugar, aquele que se sustenta na estrutura de poder que realmente decide, somos dominados pelo monolingüismo da língua de poder, o inglês” (ORLANDI, 2007, p.60). Compreendemos, portanto, que, nos tempos atuais, saímos de um multilinguismo aparente para um monolinguismo assumido, no qual se prioriza o inglês, reflexo do poder político e econômico que o institui como “língua franca”, “universal”. Esse contexto, longe de ser simplesmente um “cenário”, é um exterior constitutivo radical dos discursos que participam do processo de produção da Base e que deixam marcas por meio das escolhas que se registram na BNCC-final.

“DIVERSIDADE” EM DISPUTA: POLÍTICA MULTI OU

MONOLÍNGUE?

Sigamos então com a apresentação de análises feitas a partir da BNCC do Ensino Fundamental de Língua Estrangeira em sua segunda versão (BNCC2-2016) e de Língua Inglesa, na versão homologada (BNCC-final). Buscamos, neste ponto, dar visibilidade aos posicionamentos discursivos em contraste, com base nos já referidos entendimentos de interdiscurso, competência discursiva e semântica global (MAINGUENEAU, 2008).

Priorizamos, conforme Souza (2019), dois aspectos de cada uma das referidas versões da BNCC: o papel que se atribui ao ensino da língua estrangeira / língua inglesa; e o modo de organização do componente LE / Língua Inglesa. Começando pelo papel do ensino de LE e Língua Inglesa, vejamos:

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Quadro 1. Papel do ensino de Língua Estrangeira em versões da BNCC. (grifos nossos)

BNCC2-2016 BNCC-final

“[...] Na sua dimensão educativa, o componente Língua Estrangeira Moderna contribui para a valorização da pluralidade sociocultural e linguística brasileira, de modo a estimular o respeito às diferenças. Lidar com textos em outra(s) língua(s) coloca o/a estudante frente à diversidade. É no encontro com textos em outras línguas que ele/a pode ampliar e aprofundar o acesso a conhecimentos de outras áreas e conhecer outras possibilidades de inserção social. Não se trata, portanto, de compreender um conjunto apenas de conceitos teóricos e categorias linguísticas, para aplicação posterior [...]” (BRASIL, 2016, p.120)

“Nessa proposta, a língua inglesa não é mais aquela do ‘estrangeiro’, oriundo de países hegemônicos, cujos falantes servem de modelo a ser seguido, nem tampouco trata-se de uma variante da língua inglesa. Nessa perspectiva, são acolhidos e legitimados os usos que dela fazem falantes espalhados no mundo inteiro, com diferentes repertórios linguísticos e culturais [...]. Mais ainda, o tratamento do inglês como língua franca o desvincula da noção de pertencimento a um determinado território e, consequentemente, a culturas típicas de comunidades específicas, legitimando os usos da língua inglesa em seus contextos locais.” (BRASIL, 2018, p.239-240)

Primeiro, devemos considerar que estamos diante de um enunciador institucional e toda sua peculiaridade: apesar de se apresentar como voz em uníssono, ele apenas traz à tona posicionamentos que, em meio a conflitos discursivos, acabam sendo priorizados e ganhando valor de registro. Esse enunciador institucional, o MEC, poderia ser entendido como uno, mas, como já apontado, foi composto por diferentes sujeitos no decorrer do processo em análise, portanto, suas publicações deixam marcas das disputas travadas, especialmente, no caso das versões da BNCC. Assim, no que tange ao papel da LE, não apenas vemos uma mudança radical de posicionamento que se relaciona ao favorecimento de uma perspectiva monolíngue em detrimento de uma plurilíngue, como também vemos diferentes modos de abordar a temática da “diversidade”.

De acordo com Souza (2019), a questão da “diversidade” atravessa todo o debate da BNCC, apresentando-se como um tema imposto. Entretanto, distingue-se o modo de apropriação desse tema, o que dá pistas de diferentes formações discursivas (FDs) em ação. Isso porque, conforme Maingueneau (2008, p. 83), os temas impostos

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[...] podem estar presentes de maneiras muito variadas: um tema imposto que é dificilmente compatível com o sistema de restrições globais será integrado, mas marginalmente, enquanto um tema fortemente ligado a esse sistema será hipertrofiado. Pode igualmente ocorrer que os dois discursos atribuam uma importância comparável ao “mesmo” tema imposto, apesar de ele apresentar pequeno grau de conexidade com seus respectivos sistemas.

Os grifos sublinhados no quadro 1 salientam a incorporação da temática da diversidade em cada versão da BNCC. No caso da BNCC2-2016, vemos que a “diversidade” baliza não apenas o modo de compreender o papel do ensino da língua – pautado na sua relação com o social, com as diferentes culturas e identidades –, mas também pauta a não restrição ao ensino de uma língua específica. Por outro lado, tal modo de tratamento da “diversidade” é repelido pelo enunciador da BNCC-final, de forma que se impõe o estudo da Língua Inglesa e, assim, o caminho de incorporação do tema é voltado para a questão da variação linguística do inglês, desconstruindo uma visão redutora de um suposto inglês melhor ou pior e, para isso, reforçando a ideia de “língua franca”. Recuperemos, a esta altura, questões políticas e econômicas associadas a tal incorporação da “diversidade”, visto que “o sucesso do inglês como ‘língua franca’ [...] se deve ao enorme poder de atração do mercado de bens materiais constituídos nessa língua [...] com cauteloso triunfalismo liberal” (LAGARES, 2013, p.390).

Passando à organização do componente curricular, observemos:

Quadro 2. Organização da LE / Língua Inglesa nas versões da BNCC. (SOUZA, 2019)

BNCC2-2016 BNCC-final

práticas sociais Eixos organizadores

Práticas da vida cotidiana Oralidade

Práticas artístico-literárias Escrita

Práticas político-cidadãs Leitura

Práticas investigativas Conhecimentos linguísticos Práticas mediadas pelas tecnologias digitais

Dimensão intercultural Práticas do mundo do trabalho

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Por meio do quadro 2, notamos que a relação língua e sociedade é um tema muito aderente aos enunciados da BNCC2-2016, ao passo que é quase rechaçado pelo enunciado da BNCC-final. Enquanto no primeiro caso a temática sustenta o próprio modo de organização do componente LE, no segundo, ela deixa de ser parâmetro para a organização do ensino da Língua Inglesa e, em seu lugar, assume destaque um parâmetro estritamente linguístico, exceto pela inclusão do eixo “dimensão intercultural”. Em outras palavras, aquilo que era fundante em um enunciado, passa a ser apenas uma pequena parte do outro, evidenciando, novamente, que as duas versões da BNCC a que nos referimos se situam em FDs que se contrastam.

Considerando outro aspecto da semântica global, o próprio vocabulário empregado em cada modo de organização – de um lado, “práticas sociais”, “práticas artístico-literárias” e, de outro, “dimensão intercultural” – chama a atenção para determinados posicionamentos assumidos quanto ao que se entende sobre o ensino de LE. Quanto a isso, entendemos que “(…) além de seu estrito valor semântico, as unidades lexicais tendem a adquirir o estatuto de signos de pertencimento. Entre vários termos a priori equivalentes, os enunciadores serão levados a utilizar aqueles que marcam sua posição no campo discursivo” (MAINGUENEAU, 2008, p. 81).

Pautados nas análises que ora apresentamos, partindo de Souza (2019), no que concerne ao ensino de LE, podemos afirmar que há ao menos dois posicionamentos discursivos em conflito: um que vê a LE como parte de um projeto mais amplo de educação linguística, numa perspectiva multilíngue; e outro que vê a LE numa perspectiva mais utilitarista, monolíngue e mercadológica, tendo sido essa a que ganhou prestígio na BNCC-final, em consonância com as demais pistas dessa ruptura entre projetos educacionais no processo de construção da referida política curricular.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste capítulo, mostramos que as determinações acerca do ensino de LE no contexto da BNCC estão em conformidade com interesses de discursos antagônicos.

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Esses discursos constituem não só as definições curriculares de LE, mas também as partes comuns da BNCC e apontam para, de um lado, uma visão privatista – defendendo uma perspectiva centralizadora de educação, pautada na pedagogia das competências e habilidades numa visão neoliberal e neoconservadora, priorizando métodos e materiais –; e o de defesa da educação pública – postulando a autonomia do professor frente a materiais e normativas, estimulando o potencial criativo das comunidades escolares, defendendo a diversidade curricular. (SOUZA, 2019)

Conforme buscamos ressaltar, a escolha do inglês como língua obrigatória, na perspectiva da “língua franca”, sinaliza a constituição do enunciado da BNCC pelo discurso privatista, com seu viés neoliberal. O aspecto neoliberal se reforça, ademais, pelo caráter centralizador da ação, possibilitando maior controle, afinal, uma vez que se imponha o estudo de apenas uma LE, vendem-se mais materiais, mais treinamentos, mais avaliações, tudo em larga escala e para um mesmo fim – o mercado de trabalho. Adicionalmente, o modo de organização do componente Língua Inglesa repele a questão das “práticas sociais”, colocando-a em segundo plano e priorizando aspectos sistêmicos que, exclusivamente por suas designações, não apontam para uma necessária articulação entre língua e sociedade, reforçando um sentido utilitarista da LE, distante de um projeto de formação crítica e emancipatória.

A análise da BNCC2-2016 de LE e da BNCC-final de Língua Inglesa ratifica a existência de uma ruptura no processo de construção da Base, marcada pelo fortalecimento do referido discurso privatista, o qual se vale estrategicamente de processos democráticos – por mais questionáveis que sejam – para legitimar uma nova primeira versão, completamente arbitrária, que em nada se aproxima da anterior. Tanto pelo caráter neoliberal da proposta – que secundariza uma formação crítica –, quanto pelo autoritarismo “velado” de uma prática homogeneizante, a imposição do Inglês e a concepção de língua assumida na última versão da BNCC nos apontam a configuração de um projeto educacional excludente e que mantém ou acentua as desigualdades que assolam, há tempos, nosso país. Um grande e grave problema que nos coloca, como docentes, o dever ético de práticas de resistência, liberdade e ressignificação.

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REFERÊNCIAS

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_______. Base Nacional Comum Curricular. SEB/MEC, Brasília, DF, 2018, https://edisciplinas. usp.br/pluginfile.php/4414481/mod_folder/content/0/BNCC/BNCC_19mar2018_versaofinal. pdf?forcedownload=1, 30/03/2020.

CONSED. Reunidos em Manaus, secretários estaduais de Educação defendem a reformulação do Ensino Médio brasileiro. 03 nov. 2015. Disponível em: <http://www.consed.org.br/central-de-conteudos/ reunidos-em-manaus-secretarios-estaduais-de-educacao-defendem-a-reformulacao-do-ensino-medio-brasileiro>. Acesso em: 30 mar. 2020.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Introdução: Rizoma. In.:______. Mil Platôs – Capitalismo e esquizofrenia. v.1. Trad. Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. São Paulo: Editora 34, 1995.

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2003.

_______. Microfísica do poder. 8. ed. Rio de Janeiro / São Paulo: Paz e Terra, 2018.

KASTRUP, Virgínia. O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. In.: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana. (Orgs.) Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2015. p.32-51.

LAGARES, Xoán Carlos. O espaço político da língua espanhola no mundo. Trabalhos em Linguística Aplicada, v.52, n.2, p.385-408, Campinas, dez. 2013.

MACEDO, Elizabeth. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade produzindo sentidos para educação. Revista e-Curriculum, v.12, n.03, p.1530-1555, São Paulo, out./dez. 2014. OLIVEIRA, Romualdo Pereira de. A transformação da educação em mercadoria no Brasil. Revista Educação e Sociedade, v. 30, n.108, p. 739-760, Campinas, out. 2009.

ORLANDI, Eni P. (org.). Política linguística no Brasil. Campinas: Pontes, 2007.

PERONI, Vera Maria Vidal; CAETANO, Maria Raquel. O público e o privado na educação. Projetos em disputa? Revista Retratos da Escola, v.9, n.17, p.337-352, Brasília, jul./dez. 2015.

RAVITCH, Diane. Reign of error: the hoax of the privatization movement and the danger to America’s public schools. Nova Iorque: Vintage Books, 2013.

SOUZA, Alice Moraes Rego de. Base Nacional Comum para quê/quem? Uma cartografia de conflitos discursivos na produção de um currículo oficial. 2019. 357 f. Tese (Doutorado em Estudos de Linguagem) – Instituto de Letras, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.

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________; GIORGI, Maria Cristina; ALMEIDA, Fabio Sampaio de. Uma análise discursiva da BNCC antes e depois do golpe de 2016: educação para o combate às discriminações? Caderno de Letras da UFF, v. 29, n. 57, p. 97-116, Niterói, 2º semestre 2018.

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políticas educacionais

lidioliveira@yahoo.com.br RESUMO: Este trabalho pretende estabelecer uma relação entre as avaliações em larga escala e as ações do Estado na área da educação. Para tal, examina-se a criação de índices de proficiência e categorias decorrentes dessas provas, como instrumentos norteadores de políticas públicas para área. Para análise, são tomados exemplos da avaliação internacional PISA e considerações de Foucault (2008) acerca do uso das estatísticas.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação em larga escala; Políticas públicas; Educação.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Algumas questões que permeiam o tema avaliação, prática indissociável das diferentes etapas de escolarização obrigatória, tornam-se objeto de discussão de diferentes autores e obras da área da Educação. Na atualidade, é possível perceber que os instrumentos avaliativos também se fazem presentes em outros âmbitos da vida dos indivíduos, extrapolando os limites dos espaços educacionais, mediando a relação entre empresas e clientes ou entre aplicativos e usuários, por exemplo.

No que diz respeito apenas ao contexto escolar, pode-se dizer que a ação de avaliar vem ganhando dimensões diferentes, deixando de ter por eixo apenas o conteúdo aprendido

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por alunos. Passam a ser considerados, então, outros entes do processo de ensino-aprendizagem, os quais se convertem em foco das ações avaliativas governamentais: docentes, gestores, instituições de ensino, currículos, políticas e sistemas educacionais, instaurando o que Ángel Diaz Barriga (2005, p.01-02) chama de era da avaliação.

Assim, para dar conta de examinar não somente um grande número de estudantes, mas também incluir nessa prática todo o aparato de que os sistemas educacionais estão constituídos, o Estado lança mão de ferramentas chamadas avaliações externas ou sistêmicas. Sobre esses instrumentos, Wiebusch (2012) diferencia a avaliação escolar interna – voltada ao fazer pedagógico do professor e produzida por ele – de outra, cuja responsabilidade de elaboração fica a cargo de agentes externos à escola. Ainda no mesmo artigo, a autora aborda alguns dos objetivos associados a esse modelo de provas:

Visando à melhoria da qualidade da educação, a avaliação externa em larga escala busca avaliar o desempenho dos alunos em determinados momentos da escolarização, por meio de fatores associados, testes de proficiência, questionários contextuais, diagnóstico do sistema de ensino. É um instrumento significativo que oferece subsídios para a formulação, a reformulação e o monitoramento de políticas públicas, e também para a gestão da educação em nível de sistemas estadual e municipal em suas respectivas escolas. Esse tipo de avaliação é importante, pois recolhe indicadores comparativos de desempenho que servirão de base para futuras tomadas de decisões no âmbito da escola e nas diferentes esferas do sistema educacional. (WIEBUSCH, 2012, p.03)

Logo, torna-se necessário compreender as avaliações em larga escala das quais o Brasil participa, a natureza dos dados que essas práticas produzem e as implicações de tais exames para as políticas públicas na educação brasileira.

PANORAMA DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA NO BRASIL

Desde 1983, há registros de avaliações aplicadas em larga escala pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), as quais, em um primeiro momento, estavam direcionadas ao ensino superior. Os exames realizados naquele tempo até a atualidade, embora

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com nomes diferentes, contam com similitudes estruturais, como a coleta de dados a respeito do corpo docente, do projeto pedagógico e da infraestrutura das instituições de ensino. Vianna (2003) chama a atenção, no entanto, para a polêmica que coexiste à execução dessas provas, no que tange à recusa de muitos alunos e professores em participar de suas edições. As críticas pautam-se principalmente ao peso dado às notas dos alunos, em detrimento do conhecimento científico, programas de pesquisa e extensão desenvolvidos pelas universidades. Além disso, o autor aponta também a utilização comercial dos escores obtidos nas redes privadas de educação superior.

Ao mesmo tempo, de acordo com Luckesi (2013), a educação básica também passou por diferentes fases de avaliações sistêmicas. Nessa esfera, o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB), criado em 1988 e ainda hoje em vigor no primeiro e segundo segmentos do Ensino Fundamental, é uma das principais ferramentas governamentais para coletar dados acerca dessa etapa da escolaridade de crianças e adolescentes. A partir de 2005, o SAEB ganha dois de seus instrumentos mais relevantes, a prova Brasil e a “provinha” Brasil, organizadas por meio de questões nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática, além de questionários socioeconômicos, direcionados a turmas do quinto e do nono anos.

Em convergência à proposta de avaliação em larga escala da educação básica, também o Ensino Médio passou a ser avaliado, a partir de 1998, com a criação do chamado ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio. Dez anos mais tarde, o exame ganharia status de processo seletivo, configurando o único meio de ingresso na maior parte das universidades públicas federais do país.

Todas as provas mencionadas até o momento têm o Governo Federal, junto a educadores especialistas, como elaboradores das matrizes de referência e das questões dos exames. De igual modo, é responsabilidade do Governo Federal a logística, tabulação e análise dos resultados. Porém, vale ressaltar que outros programas avaliativos também foram postos em prática por governos estaduais e prefeituras municipais, seguindo parâmetros estruturadores das provas de nível nacional, a fim de reunir informações acerca de sistemas educativos regionais.

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Na esfera do município do Rio de Janeiro, por exemplo, a prefeitura conta desde 2009 com a chamada Prova Rio, a qual avalia alunos do 3º e do 7º anos, por meio de questões de Português e Matemática. A partir do desempenho dos estudantes, é gerado um índice de desenvolvimento da escola, chamado de IDE-RIO, pautado nos mesmos princípios norteadores da Prova Brasil. Assim, os exames em larga escala municipais são também uma forma de avaliação preliminar para os alunos que farão as provas do Saeb nos anos subsequentes.

Associado aos exames anuais, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro também desenvolveu provas únicas bimestrais, as quais devem figurar como principal instrumento avaliativo usado pelos professores, conforme consta da Resolução SME n.º 1123, de 24 de janeiro de 2011:

Art. 10 A Secretaria Municipal de Educação realizará, anualmente, avaliação de rede, visando monitorar e replanejar, sempre que necessário, as suas ações. Parágrafo único O nível central da Secretaria Municipal de Educação enviará às escolas, bimestralmente, provas para serem aplicadas a todos os alunos, visando ao acompanhamento de seu processo de aprendizagem.

De igual modo, a Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro avaliou anualmente seus alunos de 2008 a 2016, por meio do SAERJ – Sistema de avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro. Assim como os demais exemplos citados, a avaliação estadual era aplicada uma vez ao ano e concentrava-se nas áreas de Português e Matemática. Voltava-se, no entanto, a todas as séries atendidas pela SEEDUC/RJ, tendo por base a matriz de referência do próprio SAEB, conforme consta na Resolução SEEDUC/RJ nº 4.437, de 29 de março de 2010:

Art. 1º - Fica instituído o Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro - SAERJ, que avaliará anualmente o desempenho dos alunos da rede de ensino desta Secretaria de Estado com o objetivo de produzir um diagnóstico apurado da realidade educacional, com consequentes desdobramentos regionais e por unidades escolares, que permita ao governo estadual a formulação, monitoramento e reformulação das políticas educacionais.

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Art. 2º - Os alunos serão avaliados nas disciplinas de Português e Matemática, por meio de prova padrão a ser aplicada a todos os alunos de um mesmo ano/série, assegurando-se a todos igualdade de condições no processo avaliativo.

Ao longo de sua aplicação, o SAERJ foi acrescido de avaliações externas bimestrais que ficaram conhecidas como “SAERJINHO”, estruturadas a partir do currículo mínimo do estado. As provas aplicadas nas escolas estaduais tinham por objetivo gerar o Índice Anual de Desenvolvimento da Educação Básica do Rio de Janeiro – IDERJ, e o Índice Bimestral de Desenvolvimento da Educação Básica do Rio de Janeiro - IDERJINHO.

A mesma prática de exames em larga escala – que abrangem o rendimento dos alunos, questionários socioeconômicos e dados sobre a gestão e infraestrutura escolar – pode ser observada em outros estados brasileiros. Em pesquisa realizada por Perboni (2016), até o ano de 2014, dentre os 27 entes da federação formados pelos estados e o Distrito Federal, 21 deles dispunham de avaliações externas, demandadas por seus respectivos governos. Nota-se, pois, a recorrência desse tipo de avaliação em todo o território nacional.

No que diz respeito à configuração, é válido ressaltar que provas estaduais e municipais baseiam-se na mesma estrutura do SAEB, desenvolvida pelo MEC. Este sistema torna-se, assim, uma das principais ferramentas geradoras de estatísticas para conhecimento da educação brasileira, uma vez que a média dos resultados alcançados pelos estudantes e os dados do censo escolar entram na composição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado em 2007. O índice escalona instituições públicas de ensino, atribuindo-lhes um escore que varia de zero a dez. De acordo com o portal do Governo Federal1:

O índice também é importante condutor de política pública em prol da qualidade da educação. É a ferramenta para acompanhamento das metas de qualidade para a educação básica, que tem estabelecido, como meta para 2022, alcançar média 6 – valor que corresponde a um sistema educacional de qualidade comparável ao dos países desenvolvidos.

1 Disponível no portal do Inep para apresentação dos índices e programas avaliativos, consultado em http:// portal.inep.gov.br/ideb, em 20 de abril de 2020.

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Ampliando o espectro alcançado por esse modelo de exame, há ainda provas aplicadas em nível internacional, a fim de comparar sistemas educacionais de diferentes lugares do mundo, utilizando-se de um instrumento único. Observa-se por característica central não serem idealizadas ou desenvolvidas por Estados e seus respectivos órgãos responsáveis pela educação, mas por entidades supranacionais, cujos objetivos podem se distanciar das áreas educacionais. Um desses casos é o exame Pisa - Programme for

International Student Assessment, desenvolvido pela Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Trienalmente, o Pisa é aplicado a alunos na faixa dos 15 anos de idade que estejam matriculados a partir do 7º ano de escolaridade. O exame tem caráter amostral, isto é, não abarca a totalidade de alunos enquadrados nesse perfil em todos os locais onde ocorre sua aplicação. São selecionados escolas e estudantes para participar do programa internacional, a fim de obter dados a respeito de três “campos do saber” – leitura, matemática e ciências.

Na última edição do referido exame internacional, ocorrida em 2018, participaram 79 economias mundiais, dentre elas o Brasil. A adesão a este teste é voluntária e demanda recursos federais para a participação e aplicação nas escolas brasileiras. Fica a cargo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) a responsabilidade de pôr em prática este processo avaliativo no país e tabular seus resultados na forma de relatórios institucionais. No entanto, o órgão público brasileiro não atua como produtor de questões para estes testes, também chamadas de itens, as quais são produzidas por um consórcio internacional. O instituto também não tem influência na seleção de conteúdos que constituem as matrizes de referência, estabelecida internacionalmente.

Trata-se, portanto, de um modelo importado de avaliação educacional produzido por uma entidade transnacional, cujas ações são voltadas majoritariamente para o crescimento econômico de seus países-membro. A respeito dessa relação entre economia e educação, expõe Ferreira (2011, p.83) que as preocupações da OCDE com as diferenças nos sistemas educacionais sejam materializadas no Pisa ou em outras ações similares,

Referências

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