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Implementada na rede municipal de educação de Niterói em 2014, junto com a inauguração da Escola Municipal Anísio Teixeira, a perspectiva da educação integral é atravessada por diversos discursos e concepções, não se constituindo num conceito único. Com efeito, não há na rede qualquer documento que a defina, o que permite uma amplitude de práticas distintas. Dentre as inúmeras práticas espalhadas pelo mundo, tal perspectiva educacional se confunde muitas vezes com outros termos de

1 Em outro texto (RIBEIRO, 2020), apontei o jogo como outra forma de engajar os alunos no aprendizado de uma língua estrangeira em âmbito escolar, criando sentido para ele. Pinto (2015), por sua vez, discorre sobre o uso de fantoches como mediadores didáticos, elementos que também encorajariam o engajamento.

sentido semelhante, tais como “jornada ampliada”, “escola integrada”, “escola em tempo integral”, dentre outras (SOUZA; CHARLOT, 2016).

Mesmo diante dessa multiplicidade, observa-se como característica comum entre as práticas a ideia de que uma permanência maior do aluno na unidade escolar “deve significar um outro tipo de escola, e não somente a ampliação de um tempo do mesmo” (CAVALIERE, 2007 apud SOUZA; CHARLOT, 2016). Atravessa essas práticas, assim, a noção de uma aprendizagem através do meio, isto é, “através de vivências e não da transmissão direta e meramente formal de conhecimentos” (LEITE; CARVALHO; SAID, 2010, p. 260), considerando a integralidade do ser humano – e não somente seu desenvolvimento “intelectual”, “racional”.

Essa constatação vai ao encontro de minha prática diária na escola. Nela, os alunos permanecem de 8h às 17h, exceto às quartas-feiras, quando saem às 12h para viabilizar a reunião pedagógica coletiva de planejamento dos docentes. Na maior parte desse tempo, os alunos permanecem sob a tutela da professora regente, em sala de aula (ou não, a depender do tipo de atividade realizada) ou em momentos de recreação e de refeição. Na retirada dessa professora, assume a responsabilidade pelo grupo o professor “especialista”. A entrada desse profissional representa, assim, a priori, um tempo a mais de permanência em sala de aula – a menos que ele use com frequência outros espaços educacionais, como é o caso da Educação Física, ou que decida realizar atividades pontuais fora de sala.

Tendo em vista o tempo extenso do aluno no espaço escolar, parece pouco adequada uma pedagogia tradicional, “bancária”, na concepção de Paulo Freire (1987). Isso porque parto da concepção do aluno como um ser múltiplo e complexo, muito além de um “recipiente de informações e conhecimentos” que, nesse caso, disporia de “mais tempo para ser preenchido”.

Como posto, enxerga-se na vivência uma possibilidade outra de aprendizado. Com efeito, a perspectiva escolanovista de educação integral, considerada neste texto e no espaço onde atuo, entende “a educação como vida, e não como preparação para a vida” (LEITE; CARVALHO; SAID, 2010, p. 251). Portanto,

[s]e viver é educar-se e educar-se é viver, os objetivos educacionais e os processos pelos quais se educa são indissociáveis. A escola e suas práticas deixam de ser apenas um instrumento para se alcançar objetivos. A escola passa a ser um ambiente onde se vivem experiências em si mesmas educativas, com significado próprio. Abandona-se assim o sentido prioritário de preparação para algo que virá depois (LEITE; CARVALHO; SAID, 2010, p. 259, grifo meu)

A ênfase sobre a “prioridade” em se preparar o aluno para “algo que virá depois” se relaciona com os aportes de Gert Biesta (2012) sobre as dimensões da educação. À dimensão de qualificação, facilmente mensurável por testes e “particularmente, mas não exclusivamente, ligada a argumentos econômicos” (p. 818), acrescentam-se as de socialização, isto é, de constituição do ser social e relacional, e de subjetivação, de constituição do sujeito.

Se considerarmos igualmente importantes essas duas últimas dimensões, isto é, se consagrarmos a elas o mesmo status que socialmente se dedica à função de qualificação, podemos concordar com Biesta (2012) quando afirma que:

É por isso que uma educação eficaz não é suficiente – e podemos até argumentar que às vezes estratégias educacionais que não são eficazes, como, por exemplo, as que dão oportunidades para alunos explorarem seus próprios modos de pensar, fazer e ser, podem ser mais desejáveis do que as que se orientam efetivamente para um fim pré-especificado (p. 813)

Ainda que soe paradoxal, é nesse momento que se pode enxergar a pedagogia de projetos como uma possibilidade de unir as diferentes dimensões da educação destacadas por Biesta (qualificação, socialização e subjetivação) a uma vivência do aqui-e-agora. Paradoxal, a princípio, porque um projeto pressupõe “uma conduta de antecipação que pressupõe o poder de (...) imaginar o tempo futuro” (PUREN, 2011), isto é, conduz a um fim mais ou menos pré-especificado. Mas nem tanto. Mais importante do que o produto, que certamente agrada e motiva os estudantes ao se ver pronto, interessariam ao professor os processos pelos quais os alunos passam para chegar até ele: seus modos de pensar, fazer e ser.

Ao elaborar um projeto, ainda que num pequeno espaço de tempo, e permitir aos alunos efetuar decisões sobre o que aprender, entro em acordo com uma visão que reconhece que “também importa o que os alunos e estudantes aprendem e para que aprendem – importa, por exemplo, que tipo de cidadãos se supõe que se tornarão e que tipo de democracia se supõe que criarão” (BIESTA, 2008b apud BIESTA, 2008). Isso toma uma forma particularmente motivadora, na medida em que “só aprende quem se mobiliza intelectualmente (quem estuda), e só se mobiliza quem encontra na situação proposta um sentido e uma forma de prazer” (SOUZA; CHARLOT, 2016, p. 1077). Esse sentido e esse prazer podem se relacionar à própria potência criadora de vida, entendida como “uma teia de experiências e, portanto, de aprendizagens variadas” (LEITE; CARVALHO; SAID, 2010, p. 258). Nesse sentido, a língua – materna, adicional, estrangeira – desponta como aquilo que faz acontecer a vida no próprio instante em que se aprende.