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Redes Sociais e Trabalho - Verbete. Por Mauricio Reinert e Mauricio C. Serafim

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Redes Sociais e Trabalho - Verbete Por Mauricio Reinert e Mauricio C. Serafim

Publicado em: Pedro F. Bendassolli, Jairo Eduardo Borges-Andrade (Orgs.). Dicionário de psicologia do trabalho e das organizações. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2015.

Abertura – relação redes sociais e trabalho e sua importância

O acesso ao trabalho foi analisado historicamente a partir de duas perspectivas: uma econômica, utilizando a lógica de mercado de trabalho, ou seja, oferta e demanda determinam possibilidades de emprego e renda; e outra que considera os atributos individuais do trabalhador, ou seja, a obtenção de emprego é função das qualidades e competências do candidato. A partir dos anos 1970 uma terceira perspectiva toma forma e força: a de procurar compreender a mediação da estrutura de redes de relacionamento no acesso ao emprego. Neste caso, o acesso ao trabalho não decorre exclusivamente de fatores econômicos e sociais macroestruturais, e nem apenas de características individuais do trabalhador, mas está associado em certa medida às redes de relacionamentos nas quais os trabalhadores estão inseridos. Um dos pontos-chave dessa abordagem é que as redes influenciam diretamente o acesso à informação e confiança, fatores fundamentais para empregadores e empregados nas decisões sobre contratação e carreira.

Origem do conceito

O enfoque da Análise de Redes Sociais (ARS) está na relação entre os objetos de análise, e não nos atributos de cada objeto analisado isoladamente. Essa abordagem estrutural é sustentada na noção de que há importantes consequências para o indivíduo devido ao padrão de conexão social na qual ele está inserido. Quatro pressupostos a fundamentam: (a)

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indivíduos e suas ações são interdependentes; (b) relacionamentos são canais pelos quais fluem recursos (informações, por exemplo); (c) redes de relacionamentos proporcionam oportunidades ao mesmo tempo em que impõem limites à ação do indivíduo; (d) estruturas são padrões estáveis de relacionamentos entre indivíduos.

A ARS surge a partir de diferentes raízes: da psicologia social, sociologia e antropologia, complementados pela matemática e teoria dos grafos. O seu embrião já pode ser encontrado nos trabalhos de Durkheim, Simmel e Weber. Alguns autores consideram o trabalho de Bronislaw Malinowski (1884-1942), “Argonautas do Pacífico” (publicado em 1922), como a primeira análise de rede realizada nas ciências sociais, em suas expedições e interpretações sobre o kula (grande círculo do comércio simbólico intertribal). Outros pesquisadores contribuíram mais especificamente com seu desenvolvimento no início do século XX. Jacob L. Moreno (1884-1974) foi um dos seus precursores com seus trabalhos seminais sobre sociometria, na qual representava as configurações sociais por meio de sociogramas. Além dele, um grupo de antropólogos de Manchester, liderado por John Barnes (1918-2010), associou matemática e teoria social para compreender conflito e mudança nas estruturas sociais. É atribuído a Barnes a utilização do termo “redes sociais” pela primeira vez, no artigo publicado em 1954 “Class and Committess in a Norwegian Island Parish”. E por fim, os trabalhos desenvolvidos em Harvard, influenciados pelo pesquisador britânico Radcliffe-Brown (1881-1955), procuravam compreender a formação de subgrupos coesos a partir dos relacionamentos informais nos locais de trabalho. Mas esses esforços se mantiveram isolados, o que dificultou maior impacto no meio acadêmico. As pesquisas em ARS recrudescem e se mantiveram periféricas durante o período de 1940a 1960, para ganharem força novamente na década de 1970 devido principalmente a dois fatores. O primeiro foi a disseminação do computador e de softwares que auxiliam a análise

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matemática das redes, pois facilitaram a utilização de uma maior base de dados e por uma gama mais ampla de pesquisadores. O segundo foi o desenvolvimento da ARS em Harvard por meio dos trabalhos de Harrison White (1930- ) e seus estudantes. Eles criaram modelos quantitativos de estruturas sociais baseados em padrões de relações que podem ser observados e medidos, ao invés de atributos e atitudes dos indivíduos. No ressurgimento da ARS em Harvard, um dos alunos de White que deu uma contribuição original foi Mark Granovetter (1943- ), ao pesquisar como o acesso a informações acerca de um emprego por meio da rede de relacionamentos pessoais influencia a mobilidade no mercado de trabalho. Ele encontrou evidências de que o comportamento de busca por trabalho vai além do processo econômico racional descrito pela teoria econômica, constatando que a estrutura da rede de relacionamentos influencia seus resultados.

Definição de redes sociais

Redes Sociais são definidas como a estrutura formada pelos relacionamentos que atores possuem com os outros. Atores podem ser indivíduos ou organizações, e os relacionamentos são as ligações mantidas. Essas podem ser analisadas por meio da freqüência dos contatos (laços fortes ou alta frequência e laços fracos ou baixa frequência), das características do relacionamento (amizade, parentesco, trabalho, entre outras) ou pelo do conteúdo das informações trocadas. Além dos relacionamentos é preciso entender a estrutura que esses relacionamentos formam, pois não apenas os relacionamentos em forma de díades são importantes, mas também a rede maior formada por todos os relacionamentos. A rede pode ser analisada tanto por suas características globais – o tamanho da rede (número de atores participantes), o grau de conexão entre os participantes (número de ligações), a densidade da rede (número de ligações existentes em relação ao

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número de ligações possíveis), o tipo da rede (rede de trabalho, de amizade ou de empresas) – quanto pela posição que um determinado ator ocupa nessa rede, ou seja, a sua centralidade, o grau em que ele serve de intermediário entre os outros participantes, e a distância entre ele e os demais atores da rede.

Utilização

As redes sociais contribuem para a compreensão de acesso ao trabalho por indivíduos, bem como para compreender as relações de trabalho como um todo. Quanto ao acesso individual, o trabalho seminal de Granovetter “Getting a Job: A Study of Contacts and Careers” (publicado em 1974) identifica a importância dos laços fracos no acesso aos melhores empregos. Segundo o autor, isso decorre do fluxo de informações sobre as empresas, os empregados, os cargos, o tipo de trabalho e as vagas de trabalho que perpassam as redes sociais. Ao receber uma informação sobre uma vaga em uma determinada empresa de um conhecido que nela trabalha, o indivíduo pode vir a conhecer detalhes muito além daqueles disponíveis em um anúncio de vaga de emprego: por exemplo, como são as pessoas que lá trabalham, como é a empresa, quais os problemas e dificuldades que podem ser encontradas, bem como o que ela tem de pontos positivos. Essa informação obtida por meio das redes sociais possui, além dos detalhes, qualidades que as diferenciam das informações obtidas por outros meios. A primeira diz respeito ao custo de obtenção que é mais baixo, pois as informações vêm de relacionamentos que já existiam e eram mantidos por outras razões que não a busca por emprego; e a segunda refere-se a confiança nas informações obtidas, visto que como o informante é conhecido é mais fácil avaliar a sua confiabilidade.

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Outra importante contribuição da ARS para a compreensão do trabalho nas organizações ocorre na relação entre padrões de relacionamentos informais nos locais de trabalho e a implementação de decisões gerenciais e estratégias de realização das atividades pretendidas. Confiança, controle e poder estão associados a estrutura de redes formais e informais no ambiente de trabalho e influenciam a tomada de decisão e a realização do trabalho. Dessa forma, compreender a mudança ou manutenção dessas estruturas passa a ser crucial.

Implicações Brasileiras

No Brasil, pesquisas utilizando a ARS têm demonstrado a importância dos relacionamentos pessoais no acesso ao trabalho. Eduardo Marques, ao pesquisar as relações sociais de indivíduos em situação de pobreza, encontra relação entre a sociabilidade dos indivíduos e o trabalho. Mesmo tendo como alvo da pesquisa indivíduos muito diferentes daqueles pesquisados por Granovetter na década de 1970, os resultados de Marques corroboram aquela pesquisa, pois apontam que indivíduos com padrões de sociabilidade mais ampla, ou seja, cuja rede de relacionamentos vão além da família e da vizinhança, possuem mais chance de estarem em situação de trabalho. Além disso, o trabalho dos indivíduos de sociabilidade mais ampla tende a ser de melhor qualidade. Em ambos os casos, os relacionamentos explicavam melhor a relação do indivíduo com o trabalho do que outras variáveis socioeconômicas, tais como renda, idade e status migratório. Outro trabalho de destaque é de Nadya Araújo Guimarães e colegas, que pesquisaram como a articulação entre as redes de relacionamentos e as trajetórias de vida dos indivíduos afeta sua situação no mercado de trabalho. A partir de uma análise mais qualitativa, os pesquisadores

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discutem que a relação entre redes e trabalho precisa ser compreendida a partir da sua interação com as características pessoais dos indivíduos e sua maneira de tecer vínculos e mobilizar sua rede pessoal, as quais podem variam ao longo da sua trajetória de vida. Dessa forma, as redes não podem ser encaradas apenas como fontes de benefícios para o acesso ao trabalho, ao oferecer oportunidades, mas também pode ser fonte de limites à ação dos indivíduos, o que retira o caráter instrumental que poderia ser dado em uma análise mais simplista, quando ela é tratada apenas como uma ferramenta a ser manipulada, com o objetivo de se conseguir um trabalho melhor.

Apreciação crítica

A ARS é uma das abordagens que mais vem se desenvolvendo em ciências sociais, principalmente pelo seu alto poder explicativo e preditivo, bem como pela sua versatilidade ao ser utilizado em conjunto com outras teorias e conceitos, como a organizacional (por exemplo, teoria institucional, nicho organizacional de ecologia populacional, custos de transação, e teoria da dependência de recursos). Apesar de suas qualidades, a ARS apresenta algumas limitações. Uma delas é a falta de conhecimento a priori sobre como as redes são criadas ou como as combinações dessas relações são formadas. Autores como Alain Caillé e Michael Callon, ao tratarem desse ponto, afirmam que falta à abordagem reconhecer que as redes são criadas a partir da aposta primordial na dádiva e na confiança. Uma segunda limitação está nos modelos que ainda são falhos em explicar com exatidão sobre como a ação social modifica as estruturas sociais. Terceiro, no mapeamento das redes, por ter enfoque na estrutura, questões como disputas de poder, a influência das emoções, condutas éticas que desafiam o grupo, mudança de opinião, conflito entre valores pessoais e normas organizacionais, traições e conspirações, possivelmente não serão

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considerados. Isso implica num quarto ponto: a abordagem poderá contribuir no entendimento de como as redes influenciam aspectos psicológicos dos indivíduos no trabalho, mas o inverso – como tais aspectos psicológicos podem afetar a rede – ainda carece de mais desenvolvimento.

Referências Básicas

GRANOVETTER, M. Getting a Job: a study of contacts and careers. Cambridge – MA: Harvard University Press, 1974.

GUIMARÃES, N. A. et al. Trajetórias, Atributos e Relações. Representações sobre redes e obtenção de trabalho. REDES. v. 22, junho, 2012.

MARQUES, E. C. L. As Redes Sociais Importam para a Pobreza Urbana? DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 52, n. 2, p.471-505, 2009.

MARTES, A. C. B. (org.). Redes e sociologia econômica. São Carlos: EdUFSCar, 2009. SCOTT, J. Social Network Analysis. 2 ed. Londres: Sage Publications, 2000.

WASSERMAN, S.; FAUST, K. Social Network Analysis: methods and applications. Nova Iorque: Cambridge University Press, 1999.

SCOTT, J.; CARRINGTON, P. The Sage Handbook of Social Network Analysis. Londres: Sage Publications, 2011.

Referências

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