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NARRATIVAS E CONTRA-NARRATIVAS AFRICANAS SOBRE A DISSIDÊNCIA SEXUAL

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Revista de Humanidades e Letras ISSN: 2359-2354 Vol. 5 | Nº. 2 | Ano 2019 Caterina Rea UNILAB

NARRATIVAS E CONTRA-NARRATIVAS

AFRICANAS SOBRE A DISSIDÊNCIA SEXUAL

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RESUMO

O objetivo deste texto consiste em apresentar as principais narrativas sobre dissidência sexual na África. Tais narrativas apontam, de um lado, para o caráter não-africano da homossexualidade e, por outro, para a ideia de que o continente africano seria, homogeneamente, marcado por formas, particularmente, violentas e opressoras de homofobia. Mostraremos como estes discursos encarnam uma nova forma de nacionalismo que passa pela racialização/nacionalização das sexualidades e pela sexualização da raça e da nacionalidade. A partir desta nova lógica nacionalista, as questões de gênero e de sexualidade correm o risco, hoje, de se tornar a marca da oposição entre Ocidente e não-Ocidente. Perante esta situação, a crítica queer africana propõe uma leitura não-dicotômica, ao mesmo tempo anticolonialista e antinacionalista, do gênero e das sexualidades africanas.

Palavras-chaves: Dissidência sexual, Homofobia, Crítica queer africana.

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RESUMÉ

Le but de ce texte est de présenter les principales narratives sur la dissidence sexuelle en Afrique. Ces récits renvoient d'une part au caractère non africain de l'homosexualité et, d'autre part, à l'idée que le continent africain serait marqué de manière homogène par des formes d'homophobie particulièrement violentes et oppressives. Nous montrerons comment ces discours incarnent une nouvelle forme de nationalisme passant par la racialisation / nationalisation des sexualités et par la sexualisation de la race et de la nationalité. À partir de cette nouvelle logique nationaliste, les questions de genre et de sexualité courent le risque aujourd'hui de devenir la marque de l'opposition entre l'Occident et le non-Occident. Face à cette situation, la critique queer africaine propose une lecture non dichotomique, à la fois anticoloniale et anti-nationaliste du genre et de la sexualité africains.

Mots clés : Dissidence sexuelle, Homophobie, Critique queer africaine.

Site/Contato

www.capoeirahumanidadeseletras.com.br capoeira.revista@gmail.com

Editores

Marcos Carvalho Lopes

marcosclopes@unilab.edu.br

Pedro Acosta-Leyva

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Narrativas e contra-narrativas africanas sobre a dissidência sexual

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NARRATIVAS E CONTRA-NARRATIVAS AFRICANAS

SOBRE A DISSIDÊNCIA SEXUAL

Caterina Rea1

Introdução

O tema abordado neste capítulo é originado das pesquisas atuais que estou conduzindo sobre a gênese e o desenvolvimento de uma produção teórica feminista e queer no continente africano. Esta pesquisa está vinculada ao projeto cadastrado no Fluxo Contínuo da PROPPG/UNILAB (2016-2017), intitulado: “Dissidência sexual, Interseccionalidade e Teoria Queer na África: um primeiro mapeamento” e no projeto PIBIC (2017-2018), “Diversidade sexual, homofobia e debate sobre teoria queer em contextos africanos: uma primeira abordagem” mediante os quais visamos a realizar traduções de textos africanos queer e feministas, ainda pouco conhecidos no Brasil. É interessante notar como a África está se transformando, nestes últimos anos, em um rico laboratório de produções teóricas e militantes, no campo do feminismo e da dissidência sexual. Como a maioria destas publicações está em língua inglesa, é preciso realizar traduções para que elas circulem no Brasil e possam ser usadas em sala de aula. Além do objetivo de realizar as traduções, tais projetos visam a disponibilizar um conhecimento sobre estas reflexões, sobre as diferentes correntes feministas e as posições ligadas à dissidência sexual em contextos africanos, documentando a riqueza e a complexidade teórica e política destas produções.

O debate ao redor de práticas e vivências no campo do gênero e da sexualidade é um tema recorrente entre xs estudantes da UNILAB, e muitas tensões têm já se manifestado entre africanxs e brasileirxs, relativamente às maneiras de tratar as mulheres e as minorias sexuais, nos

1 Professora Adjunta na UNILAB- Universidade (Federal) da Integração da Lusofonia Afro-brasileira - Campus de São Francisco do Conde - BA. Possui graduação em Filosofia pela Università Cattolica de Milão (Italia), DEA (Diplôme d'Etudes Approfondies) e doutorado em Filosofia pela Université Catholique de Louvain - Belgica e Master 2 em Clinique du Corps et Anthropologie Psychanalytique pela Université Denis Diderot - Paris VII. Trabalhou como "Assistant" em Antropologia Filosofica no Institut Supérieur de Philosophie, Université Catholique de Louvain, como Chargé de cours en Sciences Humaines, Arts et Culture na Université Charles de Gaulle - Lille 3 e como pós-doutoranda no Interdisciplinar em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, no Nucleo Identidades de Gênero e Subjetividade (NIGS). É autora de três livros: "Dénaturaliser le corps. De l'opacité charnelle à l'énigme de la pulsion", L'Harmattan, Paris, 2009, "Psychanalyse sans Oedipe. Antigone, genre et subversion", L'Harmattan, Paris, 2010 e "Corpi senza frontiere. Il sesso come questione politica", Dedalo, 2012. Tem experiência na área de Filosofia, Estudos de gênero, Teoria e Crítica Queer of Colour (QOC), Feminismos transnacionais e Estudos pos-coloniais. Na UNILAB/Campus dos Malês, coordena o Grupo de Pesquisa FEMPOS/Pós-colonialidade, Feminismos e Epistemologias anti-hegemônicas. Desde avril de 2019, integra o Programa de Pós-graduação do Núcleo de Estudos da Mulher (PPGNEIM).

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contextos africanos e no Brasil2. Nesta direção, o perigo é a afirmação de discursos essencialistas que enxergam a África de forma homogênea e monolítica: 1) como um lugar rigorosamente heterossexual, onde a homossexualidade, como o feminismo, seriam importações ou imposições estrangeiras, ou 2) como continente homofóbico, intolerante contra a dissidência sexual e machista. Como escrevem Awondo, Geschiere e Reid, a propósito da questão homossexual, tais imagens são compartilhadas pelos “líderes religiosos e políticos africanos que (...) insistem na necessidade de proteger a África dos vícios importados, e pela mídia e os militantes ocidentais que acreditam ter de enfrentar a evidente homofobia do continente”, (AWONDO; GESCHIERE; REID, 2013: 113). É assim que “tais visões pressupõem uma oposição radical entre uma África homofóbica e um Ocidente pretensamente tolerante. Elas ignoram, porém, que a realidade de práticas e expressões homofóbicas fazem parte da vida quotidiana, também nos países ditos tolerantes”, (AWONDO; GESCHIERE; REID, 2013: 113). Tais posições e imagens alimentam o chamado fenômeno dos nacionalismos sexuais, que distorcem os objetivos atuais do feminismo e do ativismo queer.

O fenômeno dos nacionalismos sexuais, ou seja, a nacionalização e a racialização da sexualidade, é um fenômeno evidente nos debates feministas e em prol dos direitos LGBT de vários países ocidentais, mas está, também, presente nos países do Sul Global. O termo nacionalismo sexual, hoje largamente usado nas ciências sociais, aponta para o “caráter gendrado e sexual dos nacionalismos” (JAUNAIT; Le RENARD; MARTEU, 2013: 7), pelos quais as fronteiras do que é incluído ou excluído da identidade nacional são definidas a partir do que é considerado normal e legítimo no campo da sexualidade e do gênero. Como explicam os autores, a

produção de discursos e de retóricas nacionalistas que se apoiam sobre as questões de gênero como modo de legitimação e de produção de quadros normativos é o produto de Estados e de movimentos nacionalistas, que se baseiam no gênero para, ao mesmo tempo, assentar sua autoridade política, codificar comportamentos coletivos nos espaços privados e públicos ou inventar uma identidade dita autêntica e tradicional, em particular nos contextos coloniais e pós-coloniais, (JAUNAIT; Le RENARD; MARTEU, 2013: 8).

Nos dias atuais, em particular, as fronteiras dos nacionalismos sexuais se redefinem através da oposição entre um mundo ocidental (euro-americano), apresentado como progressista, moderno e inclusivo das minorias sexuais, e o mundo pós-colonial, considerado atrasado e obscurantista em matéria de gênero e de sexualidade. É assim que “esta visão em termos de blocos civilizacionais alimenta, de outro lado, usos instrumentalizados, por diferentes líderes de

2 Neste texto, usamos o símbolo ‘x’ enquanto uma maneira de criar uma linguagem mais inclusiva e não marcada pelo rígido binarismo de gênero, nem pela imposição da suposta superioridade masculina. Embora ela não faça a unanimidade, no campo dos estudos sobre gênero, sexualidades e outras subalternidades, essa escrita nos parece ser a mais eficaz em apontar para uma pluralização de gêneros não binários, rompendo a normatividade discriminatória e hierárquica da linguagem ordinária.

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países dominados, de uma homofobia patriótica, apresentada como uma forma de resistência antihegemônica”, (JAUNAIT; Le RENARD; MARTEU, 2013: présentation) e anticolonial.

É preciso, então, elaborar sólidos argumentos, com a ajuda de textos teóricos da área de estudos feministas e queer, para desconstruir tais discursos preconceituosos, tanto de ordem sexista e homofóbica, quanto de ordem xenofóbica, nacionalista ou racista, contestando e denunciando a utilização e a instrumentalização de argumentos supostamente “feministas” ou “em prol da diversidade sexual”, para sustentar a ideia da oposição entre um Ocidente supostamente moderno e tolerante e uma África tradicionalista e pré-moderna, caraterizada pela extraordinária violência patriarcal, sexista e homofóbica, como dados intrínsecos à sua cultura.

Contra estes fantasmas que imaginam um “choque sexual de civilizações” (INGLEHAR; NORRIS, 2003, apud FASSIN, 2012: 38), argumentaremos que não existem culturas ou nações inteiramente machistas ou homofóbicas, e culturas ou nações que estariam livres de violências contra as mulheres e contra as minorias sexuais. Todas as culturas e todas as nações produzem atitudes e comportamentos machistas e homofóbicos e todas têm seus sítios de lutas feministas e em prol da dissidência sexual.

É nossa intenção, neste trabalho, colocar em destaque as produções de ativistas e acadêmicxs de diferentes países africanos em matéria de dissidência sexual. Em particular, consideramos o Queer African Reader, a primeira coletânea queer africana, publicada em 2013, e

Reclaiming Afrikan. Queer perspectives on sexual and gender identities, do ano posterior.

Também, levaremos em conta as contribuições da revista Feminist Africa, uma das principais revistas africanas sobre o tema, cuja linha editorial reivindica “um engajamento profundo para transformar as hierarquias de gênero na África” (Editorial de Feminist Africa, 2015).

1. As correntes do feminismo africano

É comum, no Brasil, ao se referir às questões sobre as mulheres na África, citar as posições de autoras como as nigerianas Oyèronké Oyèwumí e Ifi Amadiume, que contestam, porém, a abordagem feminista, em favor de uma leitura afrocentrada do feminino. A questão é que estas autoras consideram o feminismo e mesmo a categoria de gênero como sinônimos de uma perspectiva ocidental/colonial julgada como incompatível com a cultura africana. Contudo, segundo a feminista senegalesa, Fatou Sow, existem duas tendências do debate sobre gênero na África. Fatou Sow menciona, assim,

dois polos significativos da evolução do feminismo na África: Jenda, A Journal of

Culture and African Women Studies e Feminist Africa, ambos criados em 2001 (...). Se

suas reflexões convergem nas preocupações socioculturais, políticas e econômicas sobre as mulheres, sua abordagem é diferente e mesmo oposta. Jenda rejeita as abordagens feministas e Gender, julgadas ocidentais e defende uma leitura puramente africana da questão das mulheres; Feminist Africa apropria-se do conceito e das análises e as

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contextualiza no estudo crítico de seu lugar nas sociedades africanas. As teorias e as análises africanas evoluem, geralmente, entre estes dois polos, (SOW, 2012: 6). O texto de Fatou Sow destaca a existência de leituras propriamente feministas e africanas, abertas para a contestação da hegemonia heterossexual que dominou a África da pós-independência. Uma tal hegemonia heterossexual e a negação da existência da homossexualidade como um fenômeno africano constitui muito mais uma imposição política da era pós-colonial do que uma realidade intrínseca às culturas e aos hábitos da maioria dos povos africanos. Se as principais formas de dominação reconhecidas e abertamente combatidas pelos líderes independentistas são a colonização ocidental, o racismo que dela derivou e as novas manifestações do imperialismo, a presença de formas internas de opressão (machismo, patriarcado, heteronormatividade) não é tematizada, e sim quase totalmente apagada. O anseio da descolonização dos Estados não foi acompanhado por uma mesma preocupação em despatriarcalizar as sedimentações sexistas-racistas e as desigualdades em termos de gênero encrustadas no patriarcado colonial, cujos efeitos sobrevivem em muitas das legislações da pós-independência. Neste contexto, a igualdade entre os sexos e a defesa da dissidência sexual são consideradas como influências estrangeiras e produtos do contato com o mundo ocidental. Contudo, para muitas feministas, como Fatou Sow, negar “o sexismo de nossas culturas, as diferenças de estatuto e as desigualdades entre homens e mulheres” (SOW, 2012: 154) não significa renunciar a descolonizar a mensagem do feminismo ocidental e seu suposto universalismo, que desconhece e apaga as especificidades dos contextos africanos (SOW, 2012). Nesta direção, citamos o texto de uma das principais autoras vinculadas a Feminist Africa, a nígero-britânica, Amina Mama, “Heroínas e vilões: conceituando a violência colonial e contemporânea contra as mulheres na África”. Neste texto, Amina Mama afirma que os regimes da pós-independência não mudaram a situação das mulheres, perpetuando políticas sexuais e de gênero extremamente conservadoras. Preocupados com a restauração da humanidade do homem africano e com a denúncia da opressão colonial e neocolonial, os líderes da pós-independência não chamaram a atenção para a existência de formas internas e locais de opressão/dominação, como a das mulheres e das minorias sexuais, que se tornaram alvo de violências e de legislações punitivas. Reportamos a um trecho de Amina Mama sobre a situação das mulheres na África pós-colonial:

Parece certo que as mulheres africanas adentraram o período pós-colonial com uma imensa desvantagem e sob condições globais que, mesmo sendo, cada vez mais, desfavoráveis para a África como um todo, favoreciam, contudo, os homens, que se arrogaram a autoridade de articular a cultura da nação e a política. Estes antecedentes oferecem uma compreensão do porquê que as sociedades pós-coloniais continuaram sendo opressivas para as mulheres, (MAMA, 1997: 56).

Amina Mama destaca que muitos dos líderes africanos das pós-independências perpetuaram políticas conservadoras em matéria de gênero e de sexualidade, considerando as

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mulheres apenas do ponto de vista reprodutivo e materno e enquanto “portadoras e sustentadoras das tradições e dos costumes, como reservatório da cultura”, (MAMA, 1997: 54).

A partir de uma perspectiva pós-colonial e crítica da hegemonia ocidental, a linha de

Feminist Africa3, assim como as contribuições dos autores queer, intentam traduzir e

contextualizar a crítica feminista das desigualdades de gênero e as reivindicações das sexualidades dissidentes para as realidades africanas. Neste texto, nos deteremos, em particular, nas perspectivas queer, que lutam, ao mesmo tempo, para a liberdade sexual nos países do continente africano e contra a arrogância do neoimperialismo ocidental, que invisibiliza as agências locais e suas reivindicações. Uma tal perspectiva desafia a ideia segundo a qual a África seria culturalmente e sexualmente homogênea e que as relações homoafetivas não seriam compatíveis com o ser africano autêntico. Em particular, objetivamos mostrar as duas principais narrativas, aparentemente opostas uma à outra, mas, em realidade, próximas, que xs militantes queer africanxs têm de enfrentar para afirmar as próprias posições: a primeira encarna os fundamentalismos religiosos e os nacionalismos políticos locais, que negam o caráter africano da homossexualidade, enquanto a segunda encarna as lógicas neocoloniais e os interesses de países ocidentais, aos quais estão vinculadas as agendas políticas LGBT globais, responsáveis por reproduzir a “história única da homofobia africana”, (NDASHE, 2013).

2. Narrativas queer e críticas anti-hegemônicas

No prefácio do livro Reclaiming Afrikan: Queer Perspectives on sexual and gender

identities, Zethu Matebeni e Jabu Pereira consideram que

os últimos anos representaram um verdadeiro desafio para as pessoas não-conformes em termos de sexualidade e de gênero na África. Várias leis, legislações, tipos de fundamentalismos tradicionais e religiosos foram reforçados no intuito de policiar e regular as sexualidades e as identidades de gênero não-conformes. As leis coloniais introduziram códigos penais, comumente conhecidos como leis da sodomia, que criminalizavam os chamados ‘atos sexuais contra a natureza’. Vimos como estas leis continuam existindo nos tempos pós-coloniais – sendo que foram mantidas e promovidas, mais recentemente, nos anos 1990 pelos discursos incendiários homofóbicos do presidente do Zimbabué, que se estenderam aos países vizinhos, do leste ao oeste do continente. Em certos países (exemplos atuais incluem Uganda, Gambia e Nigéria), estas legislações visam a eliminar pessoas consideradas homossexuais e transexuais – seja com a prisão, a morte e outras penalidades, seja com situações sociais de grande violência, tais como o ostracismo, o estupro e o homicídio, (MATEBENI; PEREIRA, 2014: 7)4.

Matebeni e Pereira continuam explicando que esta situação está enraizada nas ideias de muitos líderes religiosos e políticos africanos, segundo os quais a heterossexualidade seria a única forma sociosexual reconhecida e valorizada no continente. A homossexualidade é, assim, quase

3 Vale a pena lembrar que a política editorial da revista Feminist Africa inclui a ampla discussão sobre sexualidades e que várias autoras do Queer African Reader são colaboradoras desta revista.

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totalmente apagada (MBEMBE, 2005); e vista como uma conduta não-africana e supostamente incompatível com o ser africano. Estes discursos “contra as ricas histórias e a existência de pessoas com diversas orientações e práticas sexuais na África”, (MATEBENI; PREIRA, 2014: 7) acabam excluindo de forma violenta a dissidência sexual e de gênero das tradições culturais, políticas e religiosas africanas5.

As produções de vários autores queers de diferentes partes do continente se situam, então, no contexto deste endurecimento das legislações anti-homossexuais, e conduzem a leituras lúcidas sobre os principais discursos que dominam o debate sobre a dissidência sexual, assim como, às diversas formas de dominação que os atravessam. As palavras da militante nigeriana, Sokari Ekine, coeditora do Queer African Reader, vão nesta direção. A autora aponta que:

a retórica sobre a homossexualidade enquanto não africana baseia-se na noção essencialista de uma africanidade autêntica, por sua vez, fundada na crença de que teria algo intrínseco à África, nomeado ‘cultura africana ou tradições africanas’. Mas, trata-se de algo mais do que uma simples definição do autêntico; trata-se do poder de determinar quem conta enquanto ser humano e quais vidas contam enquanto vidas, (EKINE, 2013: 80).

Ou seja, pretendendo definir uma autenticidade africana, definida de forma homogênea e essencialista, o discurso dominante das lideranças nacionalistas e religiosas operaria, nas reflexões de Sokari Ekine, como um poder que define e separa as vidas viáveis e respeitáveis das vidas supostamente não viáveis e privadas de valor. Sokari Ekine também argumenta que tais concepções essencialistas são anti-históricas, pois apagam e negam a realidade dos conflitos, das lutas e das transformações historicamente desenvolvidas nos diferentes contextos africanos. A militante nigeriana cita um trecho da feminista Simidele Dosekun, onde ela contesta os processos de essencialização e de naturalização das culturas africanas: o “argumento anti-essencialista não implica que não exista uma tal realidade como África. Não nega as múltiplas condições históricas, materiais e culturais compartilhadas na África, que são em muitos sentidos únicas ao continente e que, de muitas maneiras, formam nossas identidades enquanto africanxs. Nega, porém, que estas condições sejam intrínsecas, naturais e fixas”, (DOSEKUN, 2007: 42).

Segundo destacam Sokari Ekine e Hakima Abbas, na Introdução ao Queer African

Reader, esta “violenta retórica da homofobia populista” não se baseia unicamente nas estratégias

essencialistas das elites nacionalistas locais, mas também no “poder de uma religião importada” (EKINE; ABBAS, 2013: 1). Trata-se, para as autoras, das igrejas evangélicas americanas, cuja influência é muito importante em diferentes países da África, na promoção de legislações

anti-4 O presidente do Zimbabué aqui citado é Robert Mugabe, que chamou os homossexuais de sodomitas e de perversos sexuais. Como refere Neville Hoad, o Zimbabué tem leis anti-sodomia em seus códigos desde o período colonial”, (HOAD, 2007, xii).

5 Numerosas fontes históricas e antropológicas testemunham a existência de relações entre pessoas do mesmo sexo em diferentes culturas africanas, mostrando que a repressão da homossexualidade está mais frequentemente vinculada com os códigos colônias e cristãos, especialmente nos países de colonização inglesa. A história dos mártires de Buganda (1886) testemunha a existência de tais relações: o rei Mwanga, último líder local antes da instauração do governo inglês, mandou matar trinta homens da sua corte, aparentemente por terem se recusado a ter relações sexuais com o rei, de acordo com os preceitos da religião cristã que acabavam de adotar. Para uma exposição sobre os diferentes estudos de caráter etnográfico e antropológico que mostram a existência de relações entre pessoas do mesmo sexo na África, citamos o texto do antropólogo Ndège Gning, no volume 86 da revista Africultures.

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homossexuais. Reportamos, nesta direção, as palavras de David Kato Kisule, professor de escola e militante gay de Uganda, que foi assassinado em 2011 por motivações homofóbicas. David Kato denuncia, em um texto escrito poucas semanas antes de sua morte, o fato de que “os massivos investimentos de grupos religiosos nas comunidades africanas, a difusão recente da homofobia que promove o ódio e a reprodução local da homofobia, de forma institucional, pelos Evangélicos americanos, fez as coisas piorarem para a comunidade LGBTI, nestes países”, (KATO, 2013: 6).

A este propósito, também, são pertinentes os apontamentos de Patrick Awondo, Peter Geschiere e Graeme Reid, sobre o caso de Uganda, onde a ação dos missionários norte-americanos contribuiu para alimentar o “pânico moral” ao redor da homossexualidade. “Os missionários estrangeiros, particularmente os missionários americanos de direita, estão bem integrados à sociedade ugandense e têm uma influência política considerável”, (AWONDO; GESCHIERE; REID, 2013: 104). Tal influência se expressa, em particular, na campanha “contra a adoção de leis que protegem os direitos das pessoas LGBT, em favor de leis que os limitam”, (AWONDO; GESCHIERE; REID, 2013: 105). É preciso, então, constatar que os discursos anti-homossexualidade e a ideologia do caráter não-africano da anti-homossexualidade inscrevem-se, como mostra bem o caso ugandense, em lógicas neocoloniais e na atuação do imperialismo norte-americano, neste contexto. A situação do Quênia, neste aspecto, não é muito diferente, conforme destaca a militante, Gathoni Blessol, ao denunciar a forte relação entre o fundamentalismo evangélico na África e, particularmente no Quênia, e os Estados Unidos. “Muitas das práticas religiosas que temos, aqui, no Quênia são influenciadas pelas noções ocidentais de espiritualidade e religião, que se baseiam no que é masculino, branco, rico e seu Deus – que é representado como um homem caucasiano. Nossos líderes religiosos africanos pregam, para nós, estas doutrinas com acentos estadunidenses” (BLESSOL, 2013: 221), que pouco ou nada têm a ver com as culturas e as espiritualidades dos povos africanos. Existe, assim, uma frequente superposição entre normas sexuais extremamente rígidas e as prescrições de religiões importadas, como o Islão e, sobretudo, o Cristianismo. Em muitos países, permanecem evidentes as heranças coloniais de tais normas que controlam a vida sexual e os papeis de gênero; normas, porém, hoje consideradas como originariamente africanas. Como escreve a feminista ugandense, Sylvia Tamale,

Existe uma inevitável superposição entre tradição, religião (especialmente o Cristianismo e o Islão) e a lei em muitos estudos sobre as culturas sexuais, no continente. Mas, a maioria do que é considerado como cultura na África contemporânea, é, em grande parte, um produto de construções e reinterpretações de autoridades coloniais anteriores em colaboração com patriarcas africanos, (TAMALE, 2011: 20).

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Como defender então a não-africanidade da homossexualidade, quando tais discursos vêm de instâncias religiosas e políticas estrangeiras?

O segundo grupo de discursos que dominam o debate sobre as sexualidades dissidentes na África são os discursos das ONGs internacionais, na maioria dos casos sediadas nos países do Norte (Estados Unidos e Europa), com sua retórica salvacionista e missionária, na compreensão da situação das minorias sexuais africanas. Assim, a maioria destas associações são animadas pela “firme convicção de salvar as vítimas perseguidas do barbarismo brutal da África” (EKINE; ABBAS, 2013: 2), colocando-se enquanto únicos agentes da luta pela libertação sexual no continente. Tais ONGs e associações são responsáveis por espalhar a ideia de uma África dominada por uma “homofobia obsessiva” e intrinsecamente inscrita na sua cultura. Nesta linha crítica, a militante sul africana, Sibongile Ndashe, afirma que a história única da África homofóbica é uma história perigosa: “o ditado ‘África é um continente, não um país’ se torna mais importante na medida em que uma história única continua a impregnar o ativismo LGBTI no continente, por exemplo afirmando que o ativismo não existe e que tem somente homofobia” (NDASHE, 2013: 156).

Contra esta visão estereotipada da África, que apaga e invisibiliza a presença de lutas locais e de uma vasta rede de militantes e acadêmicxs engajadxs, na prática e na teoria, em prol da liberação sexual, xs queers africanxs consideram o modelo ocidental da homossexualidade como inadequado às realidades locais, ou mesmo portador de uma visão colonizadora da vida sexual. Neste ponto, a perspectiva queer africana encontra muitas das reflexões levantadas pela crítica Queer of Color, uma vertente mais recente e transnacional da teoria queer que une pessoas queer racializadas e que contesta a branquitude e o caráter burguês da versão queer dominante. A crítica Queer of Color considera que a contestação do racismo, da colonialidade, do imperialis-mo, das lógicas do mercado neoliberal constitui um momento imprescindível da afirmação das sexualidades e dos gêneros dissidentes. Nesta perspectiva, é preciso “descolonizar as sexualida-des” e desestabilizar a epistemologia ocidental da sexualidade, segundo a qual “o Ocidente é construído como o campeão das subculturas queer ao nível global” (BAKSHI; JIVRAJ; POSOCCO, 2016: 1). Muitos grupos LGBT ocidentais e do Norte Global compartilham esta vi-são embranquecida do queer que considera o Sul como “um local necessariamente homofóbico”, (BAKSHI; JIVRAJ; POSOCCO, 2016: 1), reproduzindo, desta forma, “códigos hegemônicos da colonialidade que sustentam as aventuras neocoloniais e neoimperialistas colocando o Norte Global como o único garante dos direitos humanos de todas as populações, compreendendo as mulheres e os sujeitos queer”, (BAKSHI, JIVRAJ, POSOCCO, 2016: 1-2). Nesta perspectiva, situam-se, também, as críticas da teórica queer de origem indiana, Jasbir Puar, sobre o que ela chamou, no seu livro de 2007, de homonacionalismo. Escreve a este propósito a autora: “Na

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mi-Narrativas e contra-narrativas africanas sobre a dissidência sexual

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nha monografia Terrorist Assemblages: Homonationalism in Queer Times, de 2007, desenvolvo o enquadramento conceitual de “homonacionalismo”, que utilizo para descrever a utilização de “aceitação” e “tolerância” relativamente a sujeitos gays e lésbicas como barômetro de avaliação da legitimidade e capacidade para a soberania nacional” (PUAR, 2015: 298). O discurso do ho-monacionalismo considera o avanço em matéria de direitos de gays e lésbicas, incluindo o casa-mento ou a homoparentalidade, como uma manifestação de “progresso e de modernidade” (PUAR, 2015: 299), supostamente, atingidos pelas democracias liberais ocidentais. Através deste discurso, são as vivências e as práticas ocidentais da homossexualidade a serem pautadas en-quanto modelo universal e único, ao qual as outras culturas deveriam se conformar. Como outrxs autorxs queer racializadxs, Jasbir Puar coloca a pergunta incontornável sobre quais corpos e sub-jetividades estariam sendo excluídos e rejeitados, após a entrada de gays e lésbicas brancxs no padrão da normalidade e da respeitabilidade burguesas das sociedades neoliberais. “A narrativa do progresso dos direitos gays assenta, assim, no apoio do outro racial e sexualizado, para quem esse progresso foi outrora alcançado, mas que se encontra agora a regredir ou que ainda está para advir”, (PUAR, 2015: 299).

Por sua vez, xs queers africanxs denunciam as agendas dos grupos LGBT globais que operam na África como representantes de propósitos homonacionalistas e de interesses imperialistas e neocoloniais do Norte. Retomando as teses formuladas pelo teórico palestino, Joseph Massad (2007), xs queers africanxs identificam as ONGs LGBT estrangeiras atuantes na África com o que Massad chama de “Internacional Gay”, ou seja, “ONGs LGBT, brancas, baseadas no Norte, animadas pelo interesse quase obsessivo de procurar a homofobia em todo o Sul Global” (EKINE, 2013; 85). Assim, segundo Massad, o discurso predominante da Internacional Gay e suas práticas de advocacy encarnam uma visão orientalista da cultura árabe, muçulmana e, em geral, dos países do Sul, vista como fixa e atrasada em matéria de sexualidade e de gênero. Desta maneira, se justificaria a “tarefa missionária” (MASSAD, 2007, 161) e a necessidade de libertar gays e lésbicas destes países “da opressão sob a qual elxs supostamente vivem, transformando-os de praticantes da relação com o mesmo sexo, em sujeitos que se identificam como homossexuais e como gays” (MASSAD, 2007: 162). Tratar-se-ia, então, de impor uma visão única do ser homossexual, que é a ocidental, centrada no coming out, na visibilidade e na reivindicação do acesso a direitos iguais. Ainda é Sokari Ekine a observar que a “noção da gayness compartilhada (Hoad, 2007 e Massad, 2007) é estabelecida por estes grupos brancos, ao mesmo tempo espectacularizando a homofobia africana como um fenômeno geograficamente único, não conectado com histórias locais e globais e essencialmente intrínseco” (EKINE, 2013: 85) às culturas africanas. A ideia de uma condição gay geral e compartilhada é considerada como uma maneira de impor um modelo branco, ocidental,

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americano e burguês de viver a homossexualidade, que não leva em conta as múltiplas maneiras locais de construir e de vivenciar as relações homoafetivas. Assim, xs queers africanxs destacam, na esteira de Massad, a falência destas estratégias que acabam separando e isolando as minorias sexuais do resto das populações africanas, que as consideram como porta-vozes de grupos estrangeiros neocoloniais. Desta forma, a dissidência sexual é rapidamente associada com um “projeto imperial” suscitando a oposição e mesmo a violência dos regimes anti-imperialistas. De fato, a presença das ONGs internacionais implica a influência dos doadores estrangeiros que as financiam, impondo assim os próprios interesses e prioridades aos rumos da luta LGBTI, no continente. Desta forma, como testemunha a militante queniana Gathoni Blessol, o ativismo acaba sendo delimitado e definido por hierarquias impostas pelas entidades doadoras, que privilegiam uma visão da dissidência sexual, separada das outras lutas que importam para as populações africanas. Nas palavras de Gathoni Blessol:

Nossas organizações LGBTI-Q se tornaram, em grande parte, hierarquicamente estruturadas, com mandatos atribuídos pelos financiadores e limitadas no ativismo. Isso deixou muitos poucos espaços LGBTI-Q conscientes, que sejam progressivamente analíticos e radicais e que tenham a habilidade de criar a conscientização em suas comunidades, em relação aos temas que nos afetam como africanos, como os múltiplos níveis de opressões que provêm de nossas realidades socioeconômicas e sócio-políticas como primariamente africanos e depois pessoas queer. Este fato limitou, por sua vez, nosso pensamento sobre o que os financiadores querem e como podemos, da melhor forma, adquirir financiamentos em vez de como podemos incorporar nossas lutas com os outros movimentos pelos direitos sociais, com os quais vivemos e trabalhamos. Como resultado, o quadro burguês deu nascimento a alguns poucos ‘libertadores’ da comunidade LGBTI, que novamente são escolhidos pelos financiadores, (BLESSOL: 2013: 223).

Esta separação do movimento LGBTIQ de outras reivindicações, em particular da luta em prol da justiça social e econômica é também questionada pela feminista sul-africana, Lyn Ossome, que considera importante a rearticulação de uma vasta plataforma transversal de lutas no continente (OSSOME, 2013).

É preciso, desta forma, destacar que, mesmo que tais retóricas sejam opostas uma à outra, e provenham de instâncias políticas diferentes – os fundamentalismos e os nacionalismos internos que negam qualquer forma de compatibilidade entre homossexualidade e africanidade, e as ONGs LGBT internacionais que reproduzem uma história única da homofobia africana –, elas se encontram na comum consideração de que a África, suas culturas e tradições seriam algo fixo, homogêneo, imutável e quase a-histórico. Ou seja, além da aparente oposição, estes dois discursos contribuem para perpetuar a visão de uma África culturalmente única e uniforme, não sujeita a mudanças provocadas pelas contínuas tensões entre suas forças sociais e movimentos internos. É para além destas duas retóricas, então, que é possível reconhecer o trabalho teórico e militante dxs queers africanxs, e suas agencias.

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Narrativas e contra-narrativas africanas sobre a dissidência sexual

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Conclusão

Em conclusão, gostaríamos de enfatizar a ideia, defendida pelxs queers africanxs, segundo a qual a África e a africanidade têm de ser pensadas como identidades plurais, que “elas são históricas e, como tais, são construções contingentes” (DOSEKUM, 2007: 42), abertas para transformações e atravessadas por conflitos entre os diferentes grupos sociais e políticos que as compõem. Retomando as palavras de Chimamanda Ngozi, por sua vez usadas por Keguro Macharia (2010), a “história única” é muito perigosa, pois ela limita o pensamento nos limites de ideias preconceituosas, sejam elas derivadas de uma lógica nacionalista e essencialista interna ou de uma lógica imperialista, euroamericanocêntrica e neocolonial imposta através da perspectiva salvacionista do Norte. Africanidade, negritude e queerness podem se encontrar, com a condição de que nenhuma delas seja entendida como uma identidade pura, fixa, homogênea e, em quanto tal, supostamente meta-histórica.

Rejeitando a ideia de uma África homogênea, culturalmente e sexualmente unitária, as perspectivas queer e feminista africanas, que aqui apresentamos, contestam a ideia de que haja formas de consciência, de prática ou formas de existência que possam ser eliminadas enquanto não-africanas ou anti-africanas (DOSEKUM, 2007; EKINE, 2013). Retomamos, assim, as palavras da filósofa e feminista nigeriana, Bibi Bakare-Yusuf, quando, no final de sua brilhante crítica a Oyèronké Oyèwumí, aponta para à necessidade de “abrir um espaço onde a multiplicidade de existências contraditórias possa ser engajada de forma produtiva nas nossas teorizações. É nessa maneira que podemos entender e manter a África e seus saberes locais no plural”, (BAKARE-YUSUF, 2004, 11). Este chamado para uma África plural aparece também no prefácio da coletânea Reclaiming Afrikan, onde Zethu Matebeni e Jabu Pereira explicam o sentido do uso do “k” na escrita do termo Afrikan: “Nós usamos deliberadamente o K em Afrikan para enfatizar a necessidade de reivindicar nossa existência nesse continente. Como pessoas queer, fomos excluídos na África. Fomos espoliados de nossos pertences e de nossas relações. Por estas razões, nós criamos a nossa versão de Áfrika” (MATEBENI; PEREIRA, 2014: 6). Ou seja, uma versão plural e complexa de África e de ser africanxs, onde haja amplo espaço para a dissidência sexual, seu ativismo e suas formas de criatividade intelectuais, políticas e artísticas.

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Caterina Rea

Professora Adjunta na UNILAB- Universidade (Federal) da Integração da Lusofonia Afro-brasileira - Campus de São Francisco do Conde - BA. Possui graduação em Filosofia pela Università Cattolica de Milão (Italia), DEA (Diplôme d'Etudes Approfondies) e doutorado em Filosofia pela Université Catholique de Louvain - Belgica e Master 2 em Clinique du Corps et Anthropologie Psychanalytique pela Université Denis Diderot - Paris VII. Trabalhou como "Assistant" em Antropologia Filosofica no Institut Supérieur de Philosophie, Université Catholique de Louvain, como Chargé de cours en Sciences Humaines, Arts et Culture na Université Charles de Gaulle - Lille 3 e como pós-doutoranda no Interdisciplinar em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, no Nucleo Identidades de Gênero e Subjetividade (NIGS). É autora de três livros: "Dénaturaliser le corps. De l'opacité charnelle à l'énigme de la pulsion", L'Harmattan, Paris, 2009, "Psychanalyse sans Oedipe. Antigone, genre et subversion", L'Harmattan, Paris, 2010 e "Corpi senza frontiere. Il sesso come questione politica", Dedalo, 2012. Tem experiência na área de Filosofia, Estudos de gênero, Teoria e Crítica Queer of Colour (QOC), Feminismos transnacionais e Estudos pos-coloniais. Na UNILAB/Campus dos Malês, coordena o Grupo de Pesquisa FEMPOS/Pós-colonialidade, Feminismos e Epistemologias anti-hegemônicas. Desde avril de 2019, integra o Programa de Pós-graduação do Núcleo de Estudos da Mulher (PPGNEIM).

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