Lendas
do Sul
Simões
São lendas colhidas na tradição oral do nosso
estado, que o Autor reelabora e reconta,
imprimindo seu estilo e conferindo um caráter
literário às histórias populares.
Ambiente: interior do Rio Grande do Sul
Época: tempo mítico, que foge das convenções
A M’Boitatá: “num tempo muito antigo, muito”
A Salamanca do Jarau: por volta de 1650 e 1850
Negrinho do Pastoreio: século XVIII para o XIX
A Mboitatá
“Houve uma noite tão comprida que parecia que nunca mais haveria luz do dia”
Antes tal noite houve uma chuva muito forte, que deixou tudo alagado...
“A cobra grande – boiguaçu, que havia já muitas mãos de luas dormia quieta...”
A boiguaçu come os olhos dos animais mortos e começa a ficar transparente, com a luz dos olhos que comeu...
Torna-se a Boitatá – a Cobra de Fogo que, farta de comer carniça, “cobiçava agora os olhos vivos dos homens”...
Ao morrer, a grande noite acabou, pois ela liberou as
“luzezinhas”: “É um fogo amarelo azulado...” “Quem encontra a Boitatá pode até ficar cego...”
A Salamanca do Jarau
Blau Nunes é o protagonista que procura
o boi barroso e acaba se deparando com “um vulto, de face tristonha e mui branca”. Este pergunta a Blau se ele conhece a
entrada da salamanca. Blau conta então o que ouviu de sua avó charrua:
‘De Salamanca, na Espanha, Mouros vieram e
trouxeram uma fada transformada em uma velhinha e um “condão” (uma pedra mágica).
Fizeram, então, acordo com o Diabo (Anhangá-pitã), que a transformou na Teiniaguá (uma lagartixa com a tal pedra por cabeça). Mas o Diabo “não tomou
O homem triste confirma o relato, dizendo então que
200 anos antes fora um sacristão que prendeu e
alimentou a teiniaguá, que se transformou numa linda princesa, que o seduziu e o desgraçou. O rapaz foi
condenado à morte, mas escapou por encantamento da teiniaguá, indo para o Cerro do Jarau:
“O encantamento que me aprisiona consente que eu acompanhe os homens de alma forte e coração
sereno que quiserem contratar a sorte nesta
salamanca (...) Tu foste o único que veio sem pensar e o único que me saudou como filho de Deus... (...) quando terceira saudação de cristão bafejar estas alturas, o encantamento cessará, (...) cessará
também o encantamento da teiniaguá: e quando isso se der, a salamanca desaparecerá, e todas as
O Santão da salamanca diz para Blau
entrar na furna e enfrentar as sete provas: Blau
passou por feras, corpos mutilados, cobra,
gemidos, parede de fogo, moças e anões com
“alma forte e coração sereno”. Blau foi e
venceu. Podia fazer um pedido à fada: sorte
no jogo, poder de sedução, sabedoria sobre
ervas, destreza nas lutas, poder de
comando, riqueza ou talento para as artes.
Mas não quis nada: recusou os sete desejos.
Na verdade, Blau queria a teiniaguá...
O Santão lhe dá uma onça (moeda) encantada,
com a qual poderia comprar o que quisesse. Blau, antes muito pobre, começou a comprar muitas coisas. De sua guaiaca, as moedas somente saíam uma de cada vez. Daí surgiu o boato que Blau tinha parte com o Diabo... E ele foi ficando cada vez mais solitário. Algum tempo
depois, infeliz, Blau devolve a moeda encantada ao Santão.
Ao cumprimentar o Santão pela terceira vez,
saudando-o como cristão, a magia se desfaz. A “velha
carquincha transformou-se na teiniaguá... e a teiniaguá na princesa moura... a moura numa tapuia formosa; e
logo o vulto de face branca e tristonha tornou a figura do sacristão de S. Tomé, o sacristão, por sua vez, num
Narradores:
Narrador neutro em terceira pessoa;
Blau conta o que contou a avó charrua;
O Santão conta a sua história na missão;
A princesa moura narra a sua origem.
O Negrinho do Pastoreio
Estancieiro “muito cauíla e muito mau”
“só para três viventes ele olhava nos olhos” Aposta na corrida: mil onças de ouro
Negrinho monta o cavalo e perde carreira
Castigo: apanhou no tronco e teve de cuidar de uma tropilha de trinta cavalos durante trinta dias.
Com fome e cansado, adormeceu. E os cavalos fugiram...
o filho
o cavalo
o Negrinho
Não tinha nome nem padrinho
O filho mau do estancieiro mau contou o que
aconteceu. O Negrinho apanhou novamente e o
estancieiro mandou-o procurar os cavalos. O
Negrinho pensou em Nossa Senhora (“que é a
madrinha dos que não têm”), pegou uma vela no
oratório e saiu mancando e chorando pela noite
afora: “(...) por onde o Negrinho ia passando, a
vela benta ia pingando cera no chão; e de cada
pingo nascia uma nova luz, e já eram tantas que
clareavam tudo.” “E assim o Negrinho achou o
pastoreio.” E, de tão cansado, adormeceu.
Então o filho mau do estancieiro mau soltou os
cavalos e avisou o pai, que mandou dar outra surra no Negrinho. Desta vez, tão forte que ele morreu. E, “para não gastar a enxada em fazer uma cova”, mandou atirar o Negrinho num formigueiro.
Os cavalos não foram encontrados, até que o
senhor decidiu ver o que restava no formigueiro e lá encontrou o Negrinho com a “pele lisa e
perfeita”, e junto dele Nossa Senhora e os cavalos. “O senhor caiu de joelhos diante do escravo.”
“Quem perder suas prendas (...) acenda uma vela para o Negrinho do pastoreio...”