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Pertença e Medo: Etnografias urbanas sob a ótica da Antropologia das Emoções

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Academic year: 2021

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Pertença e Medo: Etnografias urbanas sob a ótica da

Antropologia das Emoções

Belonging and Fear: Urban ethnographies from the perspective of Anthropology of Emotions

KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Etnografias urbanas sobre pertença e medos na cidade: estudos em antropologa das emoções. Coleção Cadernos do GREM, n° 11. Recife: Bagaço; João Pessoa: GREM, 2017.

O trabalho aqui descrito consiste num conjunto de artigos produzidos dentro do Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções – GREM/UFPB, e tem como foco o processo de crescimento da cidade de João Pessoa – PB a partir da perspectiva da sociologia das emoções. O recorte cronológico empreendido corresponde ao final do século XIX, com o início da República, em alguns momentos retrocendendo para elucidar questões pontuais mas vitais para o trabalho, até o início do XXI. O arcabouço teórico centra-se integralmente em torno do conceito de cultura emotiva, estruturado através de noções, em sua maioria, meadianas e simmelianas. Juntos os trabalhos compõem uma espécie de mosaico (BECKER, 1993) da cidade de João Pessoa.

O primeiro artigo, O lugar como pertença, consiste na narrativa de caráter teórico que sustenta todos os outros artigos temáticos subsequentes. Tomando como argumento a elaboração da filósofa Hanna Arendt sobre sua vinculação emocional com a terra natal, em evidência nos dias de refúgio nos Estados Unidos, tanto em relação ao lugar como à língua, Koury empreende uma vinculação teórica entre lugar e indivíduo. Para o autor,o enraizamento, o desenvolvimento socio-cognitivo do indivíduo, consiste na absorção crítica e dinâmica de uma cultura emotiva específica, própria do lugar onde se vive, vinculando-o assim intimamente, em nível cognitivo, sensível e social, ao lugar. A pertença é, justamente, essa vinculação entre indivíduo e lugar.

A noção de pertença é construída a partir das noções de George Mead (1934) de

eu,a mim e mim. O eu consiste no objeto conceitual relativo ao indivíduo ou sujeito

individual. O a mim diz respeito, enquanto também objeto conceitual, aos objetos da ação do sujeito individual. O mim, por sua vez, seria o conceito da relação entre eu e o a mim. Para o autor, é esta conceituação da relação entre indivíduo e mundo que faz do indivíduo uma pessoa. “Uma tensão entre o eu (sujeito individual) e o a mim (objetos do interesse do eu), conceituais, que elaboram e criam o conceito de mim, e torna o indivíduo um ser no mundo, e o faz pessoa.” (KOURY, 2017). O enraizamento, o autor deixa claro, não é o isolamento do indivíduo em seu lugar, mas, ao contrário, o tornar-se autônomo no mundo a partir da aprendizagem e absorção crítica das ferramentas sócio-cognitivas da cultura emotiva a que se pertence e, a partir desse desenvolvimento, agir no mundo.

O autor segue na direção da relação entre indivíduo, lugar e o outro para caracterizar a falência da res pública na modernidade. Destacando o caráter dinâmico da cultura emotiva, na medida em que é constantemente construída e reformulada através

RESENHA

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dos encontros e experiências dos indivíduos “através das trocas simbólicas, sempre específicas e novas, em processo como pensamento crítico já instituído.” (p. 19), Koury expõe o processo criação de mapas simbólicos da metrópole moderna por parte de seus habitantes. Esses mapas, componentes do nós, quando comparados entre si a partir de sua comparação conceitual com um universo simbólico específico, promovem um reconhecimento mútuo entre indivíduos que se veem como semelhança ou diferença. Koury expõe que, na metrópole moderna, haveria uma aguda dissociação entre o público e o privado. O discurso do progresso conduziria o descarte e a fragmentação da tradição, e a atomização dos indivíduos nesta experiência levaria à desconexão com seu lugar de origem, com o lugar enquanto enraizamento. A subjetividade seria relegada à esfera privada e a coisa pública passaria por um crescente processo de mercantilização e burocratização.

“O lugar do público torna-se dissociado do lugar do privado, as relações objetivas volvem-se dissociadas das relações subjetivas, e o indivíduo social conforma-se dissociado do socius. A fragmentação e a pulverização das relações entre subjetividades e entre o eu e o a mim tornaram a modernidade, enfim, no discurso modernizante, em um turbilhão que tritura o coletivo e dessignifica a presença do indivíduo, o revelando apenas através de sua compulsão e apatia.” (p. 24).

Por fim, Koury sugere um projeto de superação da situação moderna de desencontro dos mapas simbólicos, da falência da coisa pública e da condenação da individuação na esfera pública.“Polaridades, em movimento dialético, a que o lidar diário de uma gestão cultural e da ação cultural devem estar atentas, atinadas ao viver individual e de grupos e no se expressar sempre em interxruzamentos contraditórios.”(p. 30). Para o autor, trata-se de reconhecer o limiar da sociedade, enquanto momento de passagem das ideias em potência para o vivido real, formado pelos diversos mapas simbólicos, e a partir da identificação destes, planejar um modelo de sociabilidade pública que possa promover o enraizamento e a própria sociabilidade, enquanto se forma.

No artigo Homens comuns pobres na cidade da Parahyba, 1889-1920, Koury se propõe a caracterizar historicamente a classe trabalhadora paraibana a partir do conceito de homem comum pobre. Este consiste nos homens e mulheres residentes em cidades, despossuídos de bens e proprietários, apenas, de sua força de trabalho. Seu objetivo é, através dessa noção, promover uma renovação conceitual para dar conta da heterogeneidade dos homens pobres, ampliando o olhar para além das fábricas, local do trabalhador conceitual clássico na literatura. O recorte cronológico feito diz respeito à mudanças radicais nas condições e posições do trabalhador brasileiro na medida em que a escravidão é abolida e as cidades entram em intenso processo de modernização.

Nesse contexto de crescimento urbano, o autor identifica um discurso modernizador dividido em duas linhas: a estética e a econômica. A primeira diz respeito ao diagnóstico da necessidade de reformas urbanísticas de embelezamentocomo o alinhamento de ruas, o saneamento e a substituição da iluminação à óleo pela elétrica. Na segunda, discutia-se uma série de reformas estruturais como a reforma do cais do Varadouro e a construção de um novo porto, a ampliação e diversificação do comércio e da indústria e a criação de asilos de mendicidade.

Koury identifica neste momento um esforço para reformulação do conceito de trabalho e de trabalhor. No contexto da escravidão, o trabalhador era visto como propriedade de seu patrão, no caso do escravizado, e como propriedade de seu trabalho no caso do trabalhador livre.

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Embora classificados de forma distinta pela sociedade de então, o primeiro, o trabalhador-escravo, pela submissão de sua vontade a outra a ela alheia, tornava-se deste modo, coisa; e o segundo, pela sua liberdade de ofício, podendo teoricamente, inclusive submeter outras vontades a sua própria, era considerado como e enquanto cidadão, porém, pobre, isto é, sem poder e, portanto, desprestigiado, apesar de autônomo no exercício de sua produção, porém, dependente daqueles que lhes possibilitavam este exercício especializado em um emaranhado de laços com os senhores a quem deviam a sua autonomia (KOURY, 2017, p. 37).

Com a abolição da escravidão, se empreende um processo de reformulação dos conceitos de trabalho e trabalhador. Ambos perdem seu caráter de submissão aparente para vincuarem-se à ideia de regeneração e moralização. O trabalho como disciplina passa a ser visto como o mecanismo de integração do homem pobre à sociedade moderna. Por outro lado, o homem comum pobre é visto como potencialmente perigoso, na medida em que depente do trabalho para se educar e moralizar.

Com a modernização da cidade da Parahyba, verifica-se o deslocamento compulsório e indireto das populações pobres residentes do centro da cidade em favor das medidas de embelezamento. Essas pessoas deslocam-se dos bairros do Varadouro, Tambiá e Trincheiras para outros mais periféricos. Em paralelo, há a criação de várias instituições de mendicância e em “(...)1916, a cidade da Prahyba contava com quatro instituições de caridade: A Santa Casa da Misericórdia, o Azylo da Mendicância, a Instituição de Proteção à Infância, e o Orphanato Don Ulrico(...)” (p. 50). Também, no início do século XX, o Brasil passou por um intenso processo de reformulação dos modelos de prisão que passaram a reger-se pelo ideal de reintegração social através do trabalho.

Por fim, Koury descreve o processo de atualização das fábricas que levou à substituição da figura do artesão pela do operário. O primeiro, detentor do conhecimento integral de seu trabalho é substituído pelo operador de máquina em função do barateamento do processo produtivo decorrente dessa mudança. Há também uma preocupação por partes das elites em represar a classe trabalhadora, evitando sua evasão da região através de uma intensa vigilância.

Em Sob o signo do medo do outro: um estudo sobre pertença e medos, Koury parte da descrição histórica, social e geográfica da constituição da cidade de João Pessoa – PB em seu estado atual para caracterizar a cultura emotiva que configura a interrelação entre os diversos setores da capital. O processo que o autor procura descrever consiste na consequência, em relação à sociabilidade, do processo modernizador e do crescimento urbano da cidade.

A história de João Pessoa é colocada em três partes: a primeira corresponde à sua fundação em 1585 e estruturação em cidade alta e cidade baixa, permanecendo assim até a metade do século XIX; a segunda, indo do período indicado até a década de 1920, corresponde ao início da expansão urbana e das reformas urbanísticas e sanitaristas; a terceira diz respeito ao “maquiar urbano na face rural da cidade” (p. 73) e corresponde à reformas de embelezamento e à intensificação da expansão da malha urbana em direção ao oeste e ao sul.

Há um detalhado porém sintético trabalho de descrição das mudanças na morfologia urbana da cidade, principalmente no que concerne aos deslocamentos da classe trabalhadora. Descreve-se a criação de conjuntos habitacionais como Expedicionários, Jaguaribe, Castelo Branco (I, II e III), Geisel, Cristo, Bancários e Mangabeira (I ao VII). Também descreve-se o processo de valorização das áreas costeiras e arredores da Av. Epitácio Pessoa e as reformas de embelezamento da arquitetura e da estrutura urbana.

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Com o surto de crescimento demográfico, destacando as décadas de 1970 e 1980 como apresentando um crescimento de 62%, e o aumento do tecido urbano, em 140%, Koury verifica uma mudança no modelo relacional da cidade. Parte-se de uma dinâmica bucólica de identificação vicinal para uma caracterizada pelo desconhecimento e pelo medo. A cultura emotiva e social de cada setor da cidade entra em choque com os demais e uma série de instituições de controle do deslocamento e de hábitos é criada para preservar uma homogeneidade interna nesses setores.

A cidade de João Pessoa, deste modo, vivencia montagens culturais e socioespaciais que parecem beneficiar, principalmente, algumas localidades e abandonar outras, criando espaços nobres que isolam alguns e que supervalorizam outros. Política que age como exclusão social, mas que não impede que um indivíduo busque no “território alheio” o que não encontra no território de que “faz parte, e de onde deveria ficar lá, confinado”, como disse em entrevista um morador do bairro de Tambaú referindo-se ao que ele chama de “invasões bárbaras.” (p. 80).

Em Cultura emotiva e pertença nas lentes e crônicas de Walfredo Rodriguez, Koury lê o processo de modernização na cidade de João Pessoa através dos relatos do cronista Walfredo Rodriguez. O autor verifica a experiência de um cidadão da classe alta que vê as mudanças urbanas e de ética social da cidade e olha para o passado bucólico com saudade.

A produção fotográfica da coleção de Walfredo Rodriguez, composta também pelas obras de outros cronitas e fotógrafos, pode ser dividida em duas categorias relativas aos recortes da cidade. A primeira consiste no foco às mudanças urbanas. A segunda diz respeito ao que Koury chama de “pitoresco”. A leitura feita pelo próprio Walfredo na composição de seu Roteiro corresponde a ver o desenvolvimento da cidade a partir das mudanças no espaço urbano, e aqui verifica-se a reprodução de um ideário próprio da modernização conservadora cujas bases se dão numa relação estética e moral.

O olhar de Rodriguez serve, ainda, também, como um pano de fundo para elogios ás iniciativas de particulares em prol do melhoramento de ruas, - como o exemplo dado de um senhor de engenho que gratificava a quem construíssem sobras na antiga província.” (p. 86).

O segundo recorte do Roteiro corresponde à representação de Walfredo da pobreza. Esta, raramente presente, mostra-se apenas através de tipos populares. “Os entregadores ou vendedores de água, de leite, de frutas e comidas típicas, os ascendedores de lampiões a querosene, entre outros, são retratados pelo aspecto pitoresco que os encerra(...)” (p. 87). O que fica evidente então é que não é de fato a probreza que se procura retratar, mesmo que parcamente, mas o sentimento de perda de um tempo e de um espaço próprios de uma estrutura urbana que não se pode mais ter. Assim: “Como a saudade é seletiva, porém, a crônica vem recheando as fotos com quem interessa: a pobreza só a parece através do pitoresco. Não é habitante, é paisagem” (p.89).

As fotos de Walfredo Rodriguez, bem como seu Roteiro, retratam a cidade de João Pessoa em seu momento de modernização excluindo do processo os conflitos sociais e as desvirtuações do capitalismo indutrial que transforma a capital. Ao contrário, os dirigentes e governantes são elogiados em sua medidas e as classes baixas são transformadas em paisagem.

O artigo de “Etnografia visual sobre cultura emotiva, pertença, medos e uso dos

espaços público da Lagoa” tem como ponto de observação a relação humana com a

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-PB desde os anos 30 do século XX. Koury tem contato com estes transeuntes do espaço público Lagoa, como é mais conhecido, e percebe a relação de pertença destas pessoas em relação ao espaço.

Inicialmente o autor realiza uma descrição geográfica e histórica sobre a lagoa dos anos 30 até o período em que ele escreve o artigo. São destacadas as concepções das pessoas em relação umas às outras, um certo olhar de desconfiança, em alguns um olhar de julgamento. Koury transcreve algumas das falas, e é impressionante a diversidade de pensamento entre eles.

Em Frequentadores e Transeuntes, Koury relata a movimentação típica de um centro comercial. Na Lagoa o fluxo sempre foi intenso em horários de comércio, tanto de transeuntes como de pessoas que trabalham nas mediações, também destacando-se o grande fluxo e veículos no local. Koury também, relembra o período boêmio da Lagoa no período da noite, quando ainda havia bares em que as pessoas curtiam uma “nova Lagoa”

“O policiamento escasseia, a partir das 20 horas, e a Lagoa ganha um novo formato para os usuários da noite, com linguagem estética a própria, que a diferencia e atemoriza o cidadão joãopessoense que a frequenta nos períodos diurnos” (p.110).

Segundo o autor, a Lagoa também é ocupada em algumas vezes por grupos religiosos, a exemplo dos evangélicos que se reúnem nos canteiros do Parque para pregações. Turistas de outras cidades, e até mesmo do interior que vem a capital, são parte desta movimentação. Ele também ressalta a decadência do Parque Solon de Lucena após a novas demandas da cidade e a ascensão da orla marítima como espaço de diversão e de habitação para classes mais abastadas.

O autor, no decorrer das entrevistas analisa a relação de amor e ódio dos moradores da cidade em relação ao cartão postal da cidade, a Lagoa. Como este é um espaço de grande circulação de pessoas, foram coletadas as entrevistas com diversos moradores da cidade de João Pessoa em que eles relatam suas memórias da juventude e a tristeza de ver a Lagoa com o descaso das autoridades. “Os informantes falam do desamor ao local, também associado à decadência do lugar, pelos equipamentos urbanos lá instalados se encontrarem quebrados e sem manutenção, pela sujeira e pelo odor do lugar.” (p.115)

O autor relata que neste período o Parque Solon de Lucena também era um lugar que despertava alguma insegurança entre os seus frequentadores, devido a alguns delitos e, no período da noite, a prostituição que se localizava em alguns pontos entre as árvores e a má iluminação. Conclusão, a Lagoa, segundo Koury, é parte da cidade e provoca em seus frequentadores uma mistura de emoções, o carinho das boas lembranças e a decadência relativa ao descaso das autoridades.

Em Cultura emotiva, pertença e sentimentos de medo, o autor realiza outra análise, através da entrevista de cerca de 500 pessoas, moradores da cidade, sobre o sentimento do medo. “O objetivo era conhecer os mecanismos utilizados pela população local na conceituação da palavra medo.” (KOURY, 2017,p.29.) Foram apontados 3 tipos de medos, selecionados em categoria a Falta de Fé, A falta de Confiança ou Medo

de Errar, A falta de segurança Familiar ou Pessoal.

No primeiro se situam 50% dos entrevistados, divididos em duas categorias:

medo como falta de fé (13,4%) e medo como falta de confiança ou receio e errar (36,6%). O segundo bloco ficou com os outros 50% dos entrevistados e

apresenta o medo como uma categoria que fala diretamente como a violência

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O primeiro medo, segundo o autor, diz respeito à falta de fé, que pode deixar as pessoas enfraquecidas. Koury também cita que Deus pode apresentar um refúgio e uma paz interior para as pessoas crentes, como pode causar o temor pelos seus castigos, caso uma falha na sua conduta moral, preceitos das práticas religiosas assim como a sociabilidade na comunidade religiosa. Ao mesmo tempo que a segurança através da fé é também citada:

Apesar da fé, - como fundamento de vida e ausência de medo, e da ação evangelizadora em relação aos desviantes ou desviados da certeza e confiança dada pela crença, dos tocados pelo mal, - existem algumas regras de conduta claras ou subentendidas, indicadas em várias entrevistas. Regras de conduta estas que possibilitam o se afastar dos perigos cotidianos. (p.135).

Já a categoria de Falta de Confiança ou Receio de Errar, é caracterizado pelo autor, através da coleta de informações nas entrevistas, como medo do futuro, de fracassar, de não poder ajudar seus familiares, de não ser bem sucedido na vida profissional, as incertezas do amanhã, ansiedade em relação ao futuro. Outra relação com o futuro é o envelhecer, como um medo de ficar só e de isolamento.

A incerteza do amanhã vulnerabiliza assim, até as projeções mais calculadas, estressando os indivíduos e os tornando vulneráveis e com receio de não conseguir, de errar e do fracasso possível a cada ação.(p.149).

Segundo a pesquisa realizada pelo autor em relação a categoria Falta de Segurança Pessoal e Familiar, foi o número mais expressivo em respostas na relação sobre os medos da cidade. 50% dos entrevistados responderam ter medo da falta de segurança. Koury mostra como esses medos mudaram as relações da cidade de João Pessoa, as pessoas têm medo de andar nas ruas, medo dos outros, de pessoas não pertencentes ao bairro, a relação entre os vizinhos, as formas de habitação, incidindo sobre a especulação imobiliária. Muitas pessoas vendem suas casas dando lugar à construção de edifícios ou se mudam para condomínios fechados. Além disso, percebe-se um crescente investimentos em sistemas de percebe-segurança, como instalações de cercas elétricas, câmeras de monitoramento, vigilâncias nas ruas por empresas privadas, entre outras relações de medo. O medo também é potencializado segundo o autor, devido ao aumento do jornalismo sensacionalista que promove a difusão da violência, amedrontando cada vez mais os cidadãos da cidade.

Nos dois últimos capítulos, o autor vai falar em específicos de dois bairros acompanhados por ele em pesquisa, um o bairro do Varadouro e o bairro do Varjão/Rangel. O que é analisado especificamente são os medos, as relações de solidariedade entre os moradores destes bairros, a relação com os outros de fora e a visão da cidade em geral sobre o bairro em si. O Varadouro um dos bairros mais antigos cidade de João Pessoa se encontra em decadência habitacional. Hoje é um bairro abandonado pelos poderes públicos, neste mesmo bairro se encontra a Rua da Areia, muito conhecida pelos seus prostíbulos, e o Porto do Capim, uma comunidade ribeirinha do Rio Sanhauá, onde nasceu a cidade.

O Porto do Capim sofre com as tentativas de desapropriação desta comunidade por parte das autoridades, para transformar o lugar em um ponto turístico. Ainda se conserva o sentimento da solidariedade dentro destas comunidades, mas com o deslocamento de alguns vizinhos e chegada de outros mais novos, as relações vão se desfazendo. O autor também destaca a necessidade, nestes bairros, de diferenciação entre outras comunidades próximas. Alguns entrevistados procuraram se mostrar “trabalhadores”, como uma forma de retirar o estigma da cidade que vê as comunidades como um lugar perigoso. Os “perigosos” são apontados como pertencentes sempre à outras comunidades, normalmente próximas, que vazam a sua má fama para a

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comunidade “de bem” do entrevistado. Sempre há a tentativa de mostrar como o bairro é um lugar bom de se morar, ao mesmo tempo em eu alguns entrevistados dizem que se tivesse condições sairiam do bairro.

Já segundo a pesquisa do autor sobre o Varjão/ Rangel1, é importante destacar que este bairro tem nome difuso, ou seja, Rangel é um nome adotado pelas linhas de ônibus, pelos moradores e mapas, o Varjão é atrelado à imagem de um bairro perigoso, com uma localização mais periférica dentro do próprio bairro. Neste artigo, Koury se debruça sobre as relações pessoais desta comunidade, sobre o sentimento de pertença, sobre o desconfiar do outro, a insegurança dentro do próprio bairro.

“O Rangel é um bairro calmo, aprazível, bom de morar. Não há violência no Rangel. Já no Varjão é tudo ao contrário: é um lugar de violência, de desassossego, de gente mal-educada, de drogas, de gente não temente a Deus, enfim. E o Varjão/Rangel são dois bairros em um como uma moeda de duas faces: um lado equilibrado, o outro não, sempre dependendo do lugar da informação”. (p.292).

Assim como no Varadouro, é possível identificar pela ótica do autor, a relação do outro como causador da má fama do bairro, ou seja, o perigo vem de fora e deixa suas ocorrências aqui. Outra observação de Koury diz respeito ao fato de que alguns moradores em ruas fronteiriças ao Bairro do Cristo Redentor2, se declaram moradores do Cristo e não do Rangel : “ [...] uma intensa demonstração de que não pertencem ao Varjão/ Rangel. Isso complexifíca o conjunto de afirmações e negações sobre o que é o bairro e o que é o morar no Varjão/ Rangel.” (p. 288)

Outra observação do autor se refere às mudanças das relações de solidariedade comum nos bairros da cidade de João Pessoa nos últimos anos. Nas entrevistas, os moradores demonstram sempre um distanciamento dos vizinhos, cada um vivendo sua vida sem interferir na outra, sem frequentar mais a residência um do outro, e apenas se cumprimentando nos encontros da rua etc.

Referências

BECKER, Howard S. A história de vida e o mosaico científico. In: Howard Becker.

Métodos de pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Hucitec, 1993, p. 101-115.

MEAD, George Herbert. Mind, self and society. Chicago: University of Chicago Press, 1934.

Diego Novaes Ana Beatriz Ramos de Oliveira

1

Koury cita no artigo que a mudança do nome do bairro está em processo pela Lei n.º1574, de 04/09/1998 na Câmara Municipal de João Pessoa.

2

O Varjão/Rangel fica na zona leste de João Pessoa, próximo a Mata do Buraquinho e de outros bairros como Cruz das Armas, Jaguaribe e o Bairro do Cristo Redentor.

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