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RECURSO. em face da reiterada negativa de acesso às informações por parte do Ministério das Relações Exteriores, pelas razões que passa a expor.

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1 À CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO (CGU)

Pedido Acesso à Informação nº 09200.000058/2012-13

CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, inscrita no CNPJ sob nº 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Barão de Itapetininga, 93, 5º andar, São Paulo/SP, representada por sua diretora executiva e representante legal nos termos de seu Estatuto Social, Sra. LUCIA NADER, vem, respeitosamente, com fundamento no artigo 15 e seguintes da Lei Federal nº 12.527/2011, e no artigo 23 do Decreto nº 7.724/2012, interpor o presente

RECURSO

em face da reiterada negativa de acesso às informações por parte do Ministério das Relações Exteriores, pelas razões que passa a expor.

I – DA TEMPESTIVIDADE

De início, verifica-se que o presente recurso preenche o requisito da tempestividade, posto que a resposta ao recurso interposto pela Recorrente foi recebida no último dia 16 de agosto.

É cediço que o Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012, estabelece o prazo de 10 (dez) dias para interposição de recurso, como se vê:

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Art. 23, caput: “Desprovido o recurso de que trata o parágrafo único do art. 21 ou

infrutífera a reclamação de que trata o art. 22, poderá o requerente apresentar recurso no prazo de dez dias, contado da ciência da decisão, à Controladoria-Geral da União, que deverá se manifestar no prazo de cinco dias, contado do recebimento do recurso”.

Ainda, a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, determina que “os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento” e que “considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal” (art. 66, caput e § 1o,, respectivamente).

Portanto, a apresentação deste recurso obedece ao prazo de dez dias exigido pela legislação sendo, pois, tempestivo.

II – DOS FATOS

No dia em que entrou em vigor a nova Lei de Acesso à Informação Pública, 16 de maio de 2012, a Recorrente enviou ao Exmo. Ministro das Relações Exteriores, Sr. Antonio de Aguiar Patriota, pedido de acesso a informações relativas às posições assumidas pelo Brasil no Grupo de Trabalho Especial de Reflexão sobre o Funcionamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para o Fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (doravante “Grupo de Trabalho”), no âmbito do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Mais especificamente, foram requisitados, nos termos do pedido, “todos os despachos telegráficos, telegramas e outras formas de comunicação que contenham instruções existentes entre Brasília e Delbrasupa entre 29 de maio de 2011 e 25 de fevereiro de 2012 (ou seja, um mês antes e um mês depois do período em que o processo foi conduzido, uma vez que teve início em 29 de junho de 20111a 25 de

janeiro de 20122) referentes ao denominado Fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos

1 Data da criação do Grupo de Trabalho Especial de Reflexão sobre o Funcionamento da CIDH para o

Fortalecimento do SIDH, Washington, D.C.

2 Data da apresentação e adoção do Informe Final do Grupo de Trabalho Especial de Reflexão sobre o

Funcionamento da CIDH para o Fortalecimento do SIDH ao Conselho Permanente da OEA, Washington, D.C.

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3 Humanos, incluindo os pedidos de instrução e as instruções enviadas para posicionamento do Brasil, nas seguintes reuniões do GT entre 14 de julho e 13 de dezembro de 2011”. (doc. 1)

No dia 18 de junho, a resposta do Ministério das Relações Exteriores foi enviada à Recorrente, negando acesso a praticamente todos os documentos solicitados.

Tal decisão foi justificada com base no fato de que “esses expedientes, em sua quase totalidade, foram classificados como reservados, em razão das implicações que poderiam advir sobre a participação do Brasil no processo negociador a divulgação, antes de sua conclusão, de posições ou comentários sobre posições de outros países a respeito”. (doc. 2)

Com efeito, apenas dois telegramas de caráter ostensivo foram enviados – números 01057 e 01153 - sendo um deles referente à anuência do governo brasileiro ao convite da Conectas Direitos Humanos (ou seja, a própria Recorrente) para participar de diálogo com a sociedade civil em 28 de outubro de 2011 e outro sobre a aprovação da agenda de uma sessão especial sobre o tema “Fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos em Seguimento de Mandatos Derivados das Cúpulas das Américas”, que aconteceria no dia 2 de fevereiro do corrente ano, em Washington D.C, nos Estados Unidos.

Ou seja, o cerne do pedido – o acesso às informações acerca dos debates ocorridos no âmbito do Grupo de Trabalho, que realizou um total de 23 reuniões ao longo de mais de seis meses - , foi absolutamente ignorado, sem que fossem fornecidas quaisquer informações relevantes acerca do posicionamento do Brasil nesse processo.

Posto que a negativa de acesso à informação por parte do Ministério das Relações Exteriores não respeitou os requisitos mínimos impostos pela Lei nº 12.527/2011 e pelo Decreto nº 7.724/2012, a Recorrente interpôs recurso no último dia 28 de junho arguindo basicamente: (i) a ausência de fundamentos legais para a classificação e a omissão quanto à autoridade classificadora; (ii) a omissão quanto ao fundamento legal da negativa de acesso; (iii) a omissão quanto à indicação da autoridade competente para apreciação do recurso.

Com esses fundamentos, o recurso apresentou três pedidos principais: (i) a reforma da decisão do Ministério das Relações Exteriores que negou acesso à informação; (ii) o

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4 acesso a todas as informações requeridas no pedido protocolado (09200.000058/2012-13) no dia 16 de maio de 2012; (iii) a disponibilização da decisão classificadora dos documentos requisitados quanto ao grau de sigilo, com a apresentação do assunto, do fundamento legal da classificação, do prazo de sigilo e da autoridade classificadora, nos termos do artigo 28 da Lei nº 12.527/2011, e (iv) um pedido subsidiário: a desclassificação das informações indicadas pelo MRE como “reservadas”. (doc. 3)

Na data em que se encerrava o prazo legal para resposta, dia 3 de julho, o Ministério das Relações Exteriores enviou à Recorrente, por meio eletrônico, uma mensagem sui generis, “avisando” que a verdadeira resposta ao recurso seria enviada no dia 5 de julho (doc. 4).

Como se vê, o Ministério informou que a verdadeira resposta seria dada fora do prazo previsto em Lei. Ao que parece, entende o MRE ser opção do órgão indicar a data que lhe convém para atender ao pleito da ora Recorrente. De qualquer modo, a Recorrente houve por bem aguardar a data indicada quando, de fato, a resposta ao recurso chegou mantendo a negativa de acesso à informação sem superar, contudo, o desrespeito à exigência da apresentação de fundamentação legal da classificação, bem como a omissão quanto à autoridade classificadora (doc. 5).

Como a resposta ao recurso negou acesso à informação de maneira não justificada idoneamente, a requerente interpôs novo recurso à Controladoria-Geral da União, seguindo o trâmite previsto no art. 16, §1º, da Lei nº 12.527/2011 (doc. 6). A CGU admitiu o recurso no último dia 31 de julho nos seguintes termos: “Admitindo seu recurso, e entendendo que informações adicionais são necessárias para a decisão, esta CGU determinará que o MRE - Ministério das Relações Exteriores preste esclarecimentos no prazo de 10 (dias), a contar do recebimento do ofício correspondente” (doc. 7).

Contudo, estranhamente, em comunicação posterior, essa Ilustre Controladoria entendeu que, na verdade, não poderia ter admitido o recurso, pois ele deveria ter sido interposto perante o Ministro de Estado das Relações Exteriores (doc. 8). Assim, o recurso foi encaminhado aquele Ministério, que ofereceu resposta no último dia 16 de agosto.

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5 O Ministro de Estado Interino das Relações Exteriores, Ruy Nunes Pinto Nogueira, manteve a negativa de acesso à informação, enviando, contudo, uma lista contendo dados básicos sobre todos os telegramas requeridos, incluindo finalmente a autoridade classificadora de cada documento, como solicitado pela requerente (docs. 9 e 10).

Na mesma resposta, o Ministro respondeu também o recurso que fora interposto frente a negativa do pedido de desclassificação das informações pela Subsecretária-Geral de Assuntos Políticos I, interina (doc. 11). A autoridade máxima do MRE decidiu manter a classificação dos documentos como “reservados” e “secretos”.

De acordo com a previsão do art. 37, §4º, do Decreto 7.724/2012, desprovido o recurso pelo Ministro de Estado, caberia recurso à Comissão Mista de Reavaliação de Informações, porém essa comissão ainda não foi instalada, impossibilitando que a requerente recorra a tal instância dentro do prazo legal.

Frise-se que, não obstante alguns documentos relativos ao posicionamento do Brasil no âmbito do Grupo de Trabalho estarem disponíveis no sítio eletrônico do Grupo de Trabalho, como exposto no pedido e em todos os recursos, esse material não abarca uma série de questões relevantes tratadas especificamente no âmbito do GT, não obstante a tentativa do próprio MRE em fazer a recorrente crer em outro sentido.

Em verdade: (i) as posições do Brasil diante do mecanismo de critérios para a construção do capítulo IV do informe anual da CIDH; (ii) as posições do Brasil com relação a propostas apresentadas durante o processo pelos demais Estados da OEA; (iii) o fluxograma dos processos de tomada de decisão envolvendo diferentes órgãos do Estado brasileiro, como a Presidência da República, o Ministério de Relações Exteriores e sua Missão Permanente do Brasil junto à Organização dos Estados Americanos (Delbrasupa) e a Secretaria de Direitos Humanos.

Merece, pois, reparo a decisão daquele Ministério por parte desta Ilustre Controladoria Geral da União. É o que passamos a expor.

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6 III – DO DIREITO

1. A política de acesso à informação deve privilegiar o interesse público

Antes de tudo, é fundamental sublinhar que as informações requeridas ao Ministério das Relações Exteriores são de extrema relevância para toda a sociedade brasileira, uma vez que tratam do fortalecimento de um sistema que tem como objetivo a garantia da promoção e proteção dos direitos humanos em todos os países das Américas. Desta feita, a troca de informações nesse processo específico não pode ser tratada como “qualquer outra troca de correspondência” com afirma o Requerido, mas deve ser vista pela ótica do respeito ao interesse público.

A nova legislação de acesso à informação pública visa concretizar, de uma vez por todas, o direito constitucional à informação. O ethos dessa legislação sustenta-se fundamentalmente na noção de que a transparência é a regra e o sigilo a exceção. Não é por outro motivo que ela impõe ao poder público o ônus de fundamentar o sigilo das informações sob seu cuidado.

a) Da necessária caracterização de ameaça à segurança da sociedade ou do Estado

O Decreto que regulamenta a nova Lei de Acesso à Informação impõe, antes de tudo, que as informações passíveis de classificação sejam consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado. Veja-se a transcrição exata do caput do artigo 25 do Decreto 7.724/2012:

Art. 25. “São passíveis de classificação as informações consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado, cuja divulgação ou acesso irrestrito possam”:

Logo, apenas são passíveis de classificação aquelas informações que (i) coloquem em grave risco a segurança da sociedade ou do Estado e (ii) incidam nas hipóteses listadas nos incisos do referido artigo.

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7 Em outras palavras, a legislação exige que a publicidade da informação ameace de modo irrefutável a segurança da sociedade ou do Estado. Se e somente se isso ocorrer, devem ser verificadas, em um segundo momento, as situações que justificam a restrição da divulgação.

Essa é a única interpretação possível. Qualquer entendimento contrário a esse resultaria no completo esvaziamento de uma legislação que é fruto e símbolo de uma nova lógica de gestão da coisa pública. Não é difícil imaginar um cenário de total ineficácia da lei caso aqueles órgãos públicos que tratam de negociações entre Estados simplesmente classificassem toda e qualquer informação em seu poder sob os frágeis argumentos de que essas informações teriam sido fornecidas em caráter sigiloso e sua divulgação poderia interferir na condução de processos negociadores, sem embasar como elas poriam em risco a segurança do Estado ou da sociedade, condições únicas para a exceção à publicidade.

Na resposta assinada pelo Ministro de Estado Interino, a autoridade máxima do MRE afirma, ao arrepio do espírito republicano que fundamenta a Constituição Federal de 1988, que as informações que incidem no artigo 25 do Decreto “são, como regra, informações que devem ser classificadas por se enquadrarem em categoria de informações cuja divulgação ou acesso irrestrito causaria prejuízo aos próprios objetivos que o Estado almeja concretizar”.

Com todo respeito, o Ministério demonstra, no mínimo, uma compreensão equivocada do texto legal. Isso porque o referido artigo coloca que essas informações são passíveis de classificação. Ele não impõe, portanto, que o sigilo seja a regra. Muito ao contrário, sabe-se que o espírito da nova legislação é justamente devolver ao público informações das quais ele é titular, permitindo alguma forma de controle social da Administração Pública.

Nesse sentido, cabe relembrar ao MRE que “a interpretação de legislação e demais atos de governo haverá de ser sempre desempenhada – pela Administração ou pelo Judiciário – de modo a, exaltando a harmonia do sistema jurídico, valorizar condigna e adequadamente os seus princípios fundamentais, buscando dar-lhes eficácia e fazer com que todos os comportamentos se curvem às suas exigências.”3

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8 Em outras palavras, em um Estado (Republicano) de Direito, como o Brasil, a única interpretação possível das normas é aquela que se harmonize com os princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. E, como se sabe, há expressa disposição constitucional no sentido de assegurar, como direito fundamental, que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII, CF).

Assim sendo, não se pode admitir, sob qualquer hipótese, que órgãos do Estado se pretendam imunizados perante a nova lei de acesso à informação e, pior, como fez o MRE, sob o argumento de que é da natureza da própria atividade desempenhada ser sigilosa. Nada mais contrário aos ventos republicanos que sopram do texto constitucional.

O argumento alegado pelo MRE dá a entender que o órgão está menos atento a questões de segurança, como exige a lei, e mais preocupado com a “reputação” brasileira, o que é também um argumento ilegal – não previsto em Lei – e por isso não pode ser considerado. Nesse sentido, cumpre destacar que um dos pilares do Estado democrático de Direito é o princípio da legalidade, impondo que nenhuma expressão da vontade estatal pode ser não amparada em lei.

Desse modo, resta evidente a insuficiência da fundamentação legal que embasa a negativa de acesso, na medida em que o disposto no caput do artigo 25 do regulamento da Lei de Acesso, do que dependem todos seus incisos, foi enfrentado de maneira errônea.

Em verdade, a argumentação insuficiente quanto a esse ponto não possui outra razão senão o fato de que a publicidade das informações requeridas certamente não colocaria em risco a segurança da sociedade, tampouco do Estado. Muito ao contrário, a divulgação dessas informações confere à sociedade a possibilidade de acompanhar as posições do governo brasileiro, que ela mesma elegeu, resultado que só tem a beneficiar o interesse público.

Além disso, o acesso a informações como essas colocaria fim a uma forma de gerir a Política sem transparência e sem o escrutínio da população, forma esta que contraria os ideais republicanos insculpidos na Constituição Federal de 1988 que deveriam guiar as

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9 ações do governo brasileiro, inclusive no que tange à condução de sua Política Externa. Afinal, nunca é demais lembrar que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, como disposto expressamente no artigo 4º, II, da Constituição.

Mesmo os dispositivos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovada pelo Decreto nº 56.435, de 8 de junho de 1965, a que o MRE faz referência para embasar sua preferência pelo sigilo, dizem respeito à inviolabilidade de correspondência oficial e arquivo e documentos das missões diplomáticas (artigos 24 e 27.2), princípio que é plenamente justificável no âmbito do Direito Internacional Público, porém absolutamente distinto da situação em tela, na qual não se usa força ou coerção, mas somente um instrumento democrático de acesso à informação.

Como se vê sob qualquer ótica, carece de fundamentação idônea a resposta do Ministério das Relações Exteriores, merecendo, pois, que esta ilustre Controladoria Geral da União dê provimento a este recurso e restabeleça no caso concreto o espírito da Lei de Acesso à Informação, para que finalmente o órgão do Estado requerido divulgue informações que são de interesse público.

b) Da equivocada aplicação do princípio da reciprocidade

Em sua resposta, o MRE afirma que “a divulgação dessas informações constantes das comunicações telegráficas solicitadas pela requerente e fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais poria em risco a condução zelosa de negociações pelo país, o que fundamenta a necessidade de proteção jurídica nos termos do artigo 23, II, da lei 12.527/11 e pelo artigo 25, II, do Decreto 7.724/2012”.

Cabe destacar, antes de tudo, que, desde seu primeiro pedido, a Requerente fez referência unicamente às comunicações trocadas entre organismos do governo brasileiro (Brasília e Delbrasupa). Ou seja, em nenhum momento foi requisitado acesso à informação de comunicações trocadas entre os demais países que participaram do processo de fortalecimento do Sistema Interamericano no âmbito do Grupo de Trabalho.

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Ainda, o Decreto possibilita a classificação de informações que possam “prejudicar ou pôr em risco informações fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais” (art. 25, III). Ou seja, mesmo que hipoteticamente tivessem sido pedidas informações fornecidas por outros Estados, não é toda e qualquer informação desse tipo que pode ser classificada, mas especificamente aquelas providas em caráter sigiloso. No caso, a informação solicitada não se enquadra na hipótese legal, não podendo ser mantida em sigilo. Ademais, havendo menção a informações de outros Estados nas comunicações solicitadas, caberia ao MRE indicar e comprovar que o documento fora classificado por conter informações fornecidas sob sigilo por terceiros. A lista de documentos enviada pelo Requerido no dia 16 de agosto não indica, de forma explícita, situações como essa nos campos dedicados ao “Fundamento legal” da classificação dos documentos reservados e secretos.

Sempre com o intuito de ter maior clareza sobre as posições do Brasil nesse processo, as informações solicitadas pela Requerente restringem-se unicamente aos telegramas e despachos telegráficos trocados no cerne da comunicação entre órgãos brasileiros. Nesse sentido, não merece prosperar a argumentação apresentada pelo MRE quando aborda o princípio da reciprocidade, afirmando que este princípio impõe a necessidade de respeito ao sigilo das informações prestadas por outras chancelarias.

De fato, é possível que, nas próprias comunicações do governo, haja menções a posicionamentos de outros Estados. Caso isso ocorra, a solução é simples e está consolidada em outros países que adotam legislações de acesso à informação. Basta que o MRE aplique uma tarja preta sobre os nomes de outros Estados, de modo que eles não sejam expostos. Essa fácil medida já seria capaz de preservar o papel do Brasil como negociador.

Assim, requer-se que esta respeitável Controladoria exija que o MRE confira o acesso aos telegramas solicitados utilizando, se necessário, tarjas pretas que encubram nomes de outros Estados.

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11 c) Da análise equivocada quanto ao término do mandato do Grupo de

Trabalho

Ainda que o órgão requerido consiga fazer um exercício de criatividade para construir fundamentos que justifiquem a existência de ameaça à segurança da sociedade e do Estado, na tentativa de cumprir o primeiro requisito explicitamente exigido no artigo 25 do Decreto 7.724/2012, a alegação de prejuízo a negociações em curso também não se sustenta.

Isso porque, como explicado desde o primeiro pedido apresentado ao MRE, os documentos requisitados estão circunscritos a um determinado período - que tem como referência o início e o fim do mandato do Grupo de Trabalho Especial de Reflexão sobre o Funcionamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para o Fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (ou seja, de 29/05/2011 a 25/02/2012).

Ainda assim, em sua negativa de acesso às informações, o Ministério das Relações Exteriores alega que “o evento que serviria como termo final da classificação de documentos, ao qual a Lei 12.527/2011 (em seu artigo 24, parágrafo 4º) e a Requerente fazem referência, ainda não ocorreu. O processo de negociação iniciado no GT de Reflexão ainda não possui data de término estabelecida, uma vez que não há ainda definição quanto ao momento de análise e de execução das propostas do Informe do GT”.

Embora seja plenamente factível que negociações sobre o fortalecimento do Sistema Interamericano ainda estejam em curso, não há como confundir dois processos que têm natureza notavelmente distinta. Equivocou-se o respeitável órgão ao alegar que o processo de negociação iniciado no GT ainda não possuiria data de término estabelecida e que o evento que serviria de termo final ainda não teria ocorrido.

Vejamos: o Grupo de Trabalho nasceu do ímpeto de alguns Estados em refletirem sobre o funcionamento do Sistema Interamericano, especialmente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos em junho de 2011. Como indicado exaustivamente pela Requerente em seus recursos anteriores, o GT foi criado para atuar em um período específico, e com data de término estabelecida desde que foi criado. Não poderia ser mais clara a delimitação do prazo de seu mandato prevista nas regras procedimentais adotadas

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12 em 11 de agosto de 2011 (GT/SIDH/-1/11 rev. 3, doc. 12). Isso porque essas regras definem que o Grupo de Trabalho teria que “apresentar suas recomendações até a primeira sessão regular [do Conselho Permanente], em dezembro deste ano [2011]”, o que encerraria o seu mandato.

Não se trata aqui de um exercício de interpretação por parte da Requerente, mas de regras explícitas que definem que a adoção das recomendações pelo Conselho Permanente encerra o seu mandato do GT e colocam fim às negociações neste espaço específico.

Por sua vez, o processo que está em curso atualmente, ao qual o Requerido faz referência, é inegável fruto da Resolução AG/RES 2761 (doc. 13) adotada durante a 42ª Assembleia Geral, em Cochabamba, na Bolívia, no início de junho de 2012, aproximadamente 6 meses após terem sido encerrados os trabalhos do GT e em um espaço de diálogo e negociações distinto. Na referida resolução, está previsto que sejam formuladas propostas para aplicação do Informe Final do GT, a serem apresentadas em Assembleia Geral Extraordinária, no mais tardar durante o primeiro trimestre de 2013.

Ora, mesmo que entendamos que os encaminhamentos previstos na Resolução supracitada venham a instrumentalizar a aplicação das recomendações aprovadas no Informe Final do GT, não se pode afirmar que este seja o mesmo processo que aquele, finalizado em janeiro de 2012. Se a Assembleia Geral determinou que fossem elaboradas propostas para aplicação das recomendações, não há como refutar que o conteúdo do informe em si não será mais objeto de negociações.

Em suma, o pedido de acesso à informação formulado pela Requerente se restringe justamente às negociações conduzidas no âmbito do Grupo de Trabalho, que foi finalizado em janeiro de 2012 com a conclusão do seu mandato. É inclusive por prever a ocorrência de eventos com prazo determinado que a Lei nº 12.527/2011 possibilita o fim da restrição ao acesso antes do prazo máximo da classificação:

Art. 24, § 3o: “Alternativamente aos prazos previstos no § 1o, poderá ser estabelecida como termo

final de restrição de acesso a ocorrência de determinado evento, desde que este ocorra

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13 Mais do que isso, ocorrido tal evento, a informação deve se tornar automaticamente pública:

Art. 24, § 4o: “Transcorrido o prazo de classificação ou consumado o evento que defina o seu termo final, a informação tornar-se-á, automaticamente, de acesso público”.

A conclusão lógica é que, se as informações requeridas são especificamente restritas ao Grupo de Trabalho, o qual tinha um termo final e objeto muito bem definidos desde o momento de sua criação, e que já está sendo conduzido um processo para a implementação do seu produto final, a restrição imposta pelo MRE não deve prosperar.

Não obstante, mesmo que se entenda pela não conclusão desse processo, como defende o Requerido, é crucial que seja definido algum evento anterior aos cinco ou quinze anos de sigilo como termo final desse processo. Para isso, não há outro momento que não a ocasião da adoção das propostas para aplicação do Informe do GT, que ocorrerá no mais tardar no primeiro trimestre de 2013, como bem indica o Requerido.

A resolução AG/RES 2761 determina com clareza quando as propostas para a aplicação das recomendações contidas no informe final deverão ser adotadas, sendo imperativo que o MRE reconheça esse termo final, reduzindo o período de sigilo das informações requeridas, visto que falta muito menos tempo para o primeiro trimestre de 2013 do que os 5 anos de sigilo dos documentos “reservados” e dos 15 anos de sigilo dos documentos “secretos”.

Cabe ainda esclarecer que este prazo não poderia ser estendido ate á execução das propostas, como propõe o órgão requerido. Uma vez que a fase de execução é atingida, não existem mais negociações em curso. Ademais, a execução das propostas a serem adotadas até o primeiro trimestre de 2013 marcará um novo e distinto processo, em que se determinou que caberá à própria Comissão Interamericana de Direitos Humanos levar a cabo a execução das propostas adotadas, conforme regras regulamentárias e no exercício da sua independência e autonomia.

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14 Ou seja, a atuação do Brasil e sua interlocução e negociação com outros países serão finalizadas quando do advento da adoção das propostas na Assembleia Geral Extraordinária, entre dezembro de 2012 e março de 2013, no mais tardar.

Depois deste prazo, torna-se ainda mais injustificável que o sigilo dos documentos seja mantido com base na posição e reputação do Brasil como interlocutor. Este é um processo de interesse público e não há como conceber que essas informações permaneçam classificadas por 5 ou 15 anos, como indicado pelo Requerido, pois isto iria de encontro ao espírito da lei de acesso à informação.

Assim, cabe a esta Ilustre Controladoria requerer, em primeiro lugar, que o MRE conceda acesso às informações solicitadas. Subsidiariamente, caso o primeiro pedido não seja atendido, que o Ministério defina a Assembleia Geral Extraordinária convocada pela AG/RES 2761 como o evento que, uma vez ocorrido, determina o termo final para o sigilo, em linha ao artigo 24 da Lei nº 12.527/2011, ou até estabeleça outro termo anterior à fase de execução das propostas que serão adotadas até no máximo março de 2013, como acima argumentado.

2. Subsidiariamente, a necessária desclassificação

Como já exposto, as informações são passíveis de classificação quando “consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado” (Decreto nº 7. 724/2012, art. 25, caput).

Conforme já argumentado, a publicidade das informações requeridas certamente não coloca em risco a segurança da sociedade e do Estado. Tanto é assim que, em nenhuma de suas manifestações, o órgão requerido enfrentou de fato essa condição sine qua non esmiuçada no Decreto nº 7.724/2012.

Da mesma forma, não há que se falar em sigilo decorrente do fornecimento de informações em caráter sigiloso por outros Estados, pois apenas se requer acesso a comunicações trocadas entre organismos do governo brasileiro.

Ademais, o argumento de que a divulgação dos documentos antes da conclusão do processo negociador poderia ter implicações na participação do Brasil nesse processo não

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15 se sustenta, uma vez que os telegramas requeridos restringem-se a um período determinado, o qual já se iniciou e já se encerrou, como exaustivamente explicado.

Frente à negativa do pedido de desclassificação pelo Ministro de Estado, de acordo com o trâmite previsto nos artigos 37, §4º e 47, III, do Decreto 7.724/2012 e no artigo 17, §2º da Lei 12.527/2012, caberia recurso à Comissão Mista de Reavaliação de Informações. Ocorre que essa comissão ainda não foi instalada, inviabilizando que se faça o protocolo do recurso.

Resta, portanto, requerer a esta Controladoria que aprecie o pedido de desclassificação da informação ou, ao menos, tome providências imediatas para que tal comissão seja prontamente instalada. Afinal, o direito de ver seu pleito apreciado por mais uma instância superior e externa ao órgão requerido configura direito líquido e certo da recorrente.

Ressalte-se que a nova legislação busca encerrar uma cultura de opacidade do Estado brasileiro, tendo a preocupação de exigir que a classificação de informações como sigilosas observe o interesse público da informação e utilize o critério menos restritivo possível (artigo 24, § 5o, da Lei nº 12.527/2011, e artigo 27, caput, do Decreto nº 7.724/2012).

IV – CONCLUSÃO E PEDIDO

Cediço que o direito à informação inclui tanto a obrigação de que os órgãos públicos disponibilizem certas informações, independentemente de requerimentos, quanto a necessidade de que esses órgãos garantam o acesso a informações que lhes forem solicitadas.

Tal direito está explicitamente previsto na Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, XXXIII), que também impõe à Administração Pública o respeito ao princípio da publicidade (artigo 37, caput) e que assuma a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem (Art. 216. § 2º).

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16 A Lei nº 12.527/2011 regulamenta esses dispositivos constitucionais, estabelecendo um novo marco legislativo em que a transparência é a regra, e o sigilo, exceção. Essa legislação entende a informação como dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato (art. 4º, I) e estabelece que qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações (art. 10).

Logo, no estrito cumprimento da legislação e dos princípios constitucionais do direito à informação (artigo 5º, inciso XXXIII) e da publicidade da Administração Pública (artigo 37, caput), é urgente que os despachos telegráficos, telegramas e outras formas de comunicação requisitados pela ora recorrente sejam tornados públicos.

Não custa destacar, nesse sentido, ensinamento do professor Tércio Sampaio Ferraz Jr., asseverando que “uma Constituição não é apenas o seu texto, mas é, principalmente, uma prática.”4

É hora, pois, de exercê-la no âmbito do Ministério das Relações Exteriores. Diante de todo o exposto, requer-se seja recebido e provido o presente recurso, no prazo de 5 (cinco) dias previsto no § 2º do artigo 23 do Decreto 7.724/2012, para que seja determinada a reforma da decisão do Ministério das Relações Exteriores que negou acesso à informação, de modo que:

(i) Seja determinado o acesso a todas as informações requeridas no pedido protocolado (09200.000058/2012-13) no dia 16 de maio de 2012, considerando-se a insuficiência de fundamentação legal da classificação, sugerindo-se ao MRE que, caso necessário, encubra os nomes de outros Estados por meio da aplicação de uma tarja preta sobre eles;

(ii) Subsidiariamente, sejam desclassificadas as informações indicadas pelo órgão requerido como sendo “reservadas” e “secretas”.

(iii) Caso indeferido o pedido anterior, seja definido o primeiro trimestre de 2013 como prazo para desclassificação das informações, nos termos do artigo 24 da

(17)

17 Lei 12.527/2011;

(iv) Caso qualquer dos pedidos requeridos anteriormente seja deferido, seja determinado ao Executivo Federal – possivelmente à Secretaria da Casa Civil – prazo razoável para a instalação da Comissão Mista de Reavaliação de Informações, visto que sua inexistência está cerceando direito líquido e certo da requerente e contrariando o próprio espírito da lei de acesso à informação.

São Paulo, 27 de agosto de 2012

Lucia Nader

Diretora Executiva da Conectas Direitos Humanos lucia.nader@conectas.org

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