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Comentários Técnicos e OPP Novembro 2020
COMENTÁRIO TÉCNICO E CONTRIBUTO OPP
Estratégia Nacional de Combate à Pobreza
Comentário Técnico e Contributo OPP
Estratégia Nacional de Combate à Pobreza
O presente documento surge na sequência de solicitação do contributo da OPP a propósito da construção de uma Estratégia Nacional de Combate à Pobreza e segue a estrutura proposta pela Comissão de Coordenação de preparação de uma proposta para essa Estratégia. Que prioridades deveriam ser consideradas na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza (indique de 1 a 5, por ordem decrescente de relevância).
1. Promover a Autonomia, a Inclusão e a Coesão Social. É imperativo promover a
autonomia e a integração psicossocial de pessoas em risco ou situação de pobreza, de sem‐abrigo, com deficiência, migrantes e de outras vulnerabilidades socioeconómicas, através da criação de respostas de intervenção psicológica e psicossocial, de inclusão habitacional, educacional, laboral e social. Devem ser criados serviços comunitários, que integrem Psicólogos, numa intervenção preventiva, de empoderamento e liderança individual e comunitária, promovendo a sustentabilidade e a coesão social. Os Psicólogos devem ainda participar no desenho e desenvolvimento de políticas públicas para a integração psicossocial e a erradição da pobreza.
2. Promover a Empregabilidade e a Qualificação do Capital Humano. No sentido de
combater o desemprego e a precaridade laboral, é necessário promover activamente o emprego através de programas de promoção da empregabilidade e da qualificação do capital humano, do desenvolvimento de competências pessoais (incluindo sócio‐ emocionais) e profissionais (nomeadamente, competências orientadas para o futuro da transição digital e ecológica) – a nível individual e comunitário, baseados nas evidências de custo‐efectividade provenientes da ciência psicológica.
3. Promover a Saúde Psicológica, a Resiliência e as Competências Transversais de Vida.
A Saude Psicológica determina as escolhas dos cidadãos e a adopção de comportamentos pró‐sociais e pró‐saúde, dela depende também a produtividade, o bem‐estar, a resiliência e a capacidade de adaptação. Sabemos que a pobreza pode ter impacto e pode produzir dificuldades e problemas de Saúde Psicológica, bem como outras desigualdades. Nesse sentido, é essencial prevenir os problemas de Saúde Psicológica e garantir o acesso aos serviços e Cuidados de Saúde Psicológica. É ainda necessário dotar os cidadãos de competências transversais de vida que os capacitem para a auto‐determinação, a agência pessoal e auto‐controlo e a cidadania activa. A
construção de resiliência é essencial para enfrentar os desafios da situação de pobreza e dos períodos de crise socioeconómica.
4. Apoiar a Parentalidade e a Infância. O apoio à parentalidade e à infância são uma
vertente fundamental da luta contra a pobreza. É necessário reforçar a intervenção junto das famílias em situação de vulnerabilidade e investir em programas de promoção da parentalidade positiva e do desenvolvimento social e emocional na infância.
5. Promover a Literacia em Saúde e em Saúde Psicológica e na área Financeira. A
promoção da Literacia em Saúde e em Saúde Psicológica e Financeira devem ser consideradas estratégias de combate à pobreza. A sua promoção permitirá apoiar os processos de tomada de decisão sobre as questões da saúde, saúde psicológica e financeira das pessoas em risco e situação de pobreza através do reconhecimento e modificação de crenças erróneas acerca da saúde e das decisões financeiras, prevenção de enviesamentos cognitivos que afectam estes processos de tomada de decisão e facilitação de mudanças no comportamento, incluindo o financeiro. No combate à pobreza, em particular nas políticas públicas e no que é do seu conhecimento directo: O que está mal e deve ser mudado?
Em Portugal, já em 2018, os dados revelavam que 21,6% da população vivia em risco de pobreza ou exclusão social (60% residiam no Norte ou Centro do país e 17,3% tinham menos de 18 anos). As mulheres são mais vulneráveis (24% em risco) e acumulam outras dimensões de desigualdade, como quando pertencem a famílias monoparentais ou são idosas que vivem sós.
Sabemos que a pobreza vive de mão dada com o desemprego, a instabilidade laboral, a ausência de recursos financeiros, as dificuldades no acesso à educação e à saúde de qualidade e a má qualidade da habitação. Sabemos ainda que estes determinantes sócio‐económicos têm uma relação forte e cíclica com problemas de saúde psicológica como a baixa‐auto‐ estima, os elevados níveis de stress, a ansiedade ou a depressão. E sabemos também que, durante a pandemia COVID‐19, tal como durante os períodos de crise socioeconómica, estes factores se agravam, juntamente com o estigma, a vergonha, a discriminação e a exclusão associadas à pobreza e aos problemas de saúde psicológica.
O desemprego e a perda de rendimentos, devidos à pandemia, sobretudo no caso dos trabalhadores informais (que não têm acesso, por exemplo, a subsídio de desemprego), podem empurrar ainda mais milhares de cidadãos portugueses para situações de pobreza. Os
dados indicam que a pobreza ou a exclusão social atingem uma proporção alarmante nos cidadãos em situação de desemprego: 58,4%. De acordo com dados da OCDE, Portugal, é dos países desenvolvidos onde é mais difícil sair da situação de pobreza – pode demorar até cinco gerações para que as crianças pertencentes a uma família que esteja na base da distribuição de rendimentos consigam um salário médio.
Sabemos, através da literatura científica, que as crianças que crescem em ambiente de pobreza têm mais probabilidade de apresentar problemas de comportamento e de Saúde Psicológica/Mental, bem como menor desempenho cognitivo (linguagem, atenção, planeamento e tomada de decisão). E que tal também se relaciona com a falta de disponibilidade para a parentalidade que a pobreza e a escassez impõe. Quando as famílias têm condições de rendimento mínimas, a pressão sob os pais é menor, libertando‐lhe espaço mental e temporal para cuidarem dos filhos e para planearem, o que depois se espelha no seu comportamento.
Eldar Shafir, um Psicólogo americano, explica este fenómeno através de uma teoria ou “mentalidade de escassez”, de acordo com a qual nos comportamos de forma diferente quando percepcionamos que algo (dinheiro, amigos, comida, tempo, etc.) é escasso. Apesar de alguns benefícios a curto‐prazo, este tipo de mentalidade diminui a possibilidade de pensar a longo prazo, de considerar diferentes perspectivas ou de valorizar o que é mais importante para nós. Desta forma, a pobreza pode levar as pessoas a tomar más decisões, porque lhes ocupa o espaço e a disponibilidade mentais com um problema financeiro do qual dependem as respostas às necessidades básicas. A pobreza pode actuar como causa ou consequência de problemas de Saúde Psicológica (por exemplo, pode constituir um factor de stresse que contribui para desencadear uma depressão ou pode resultar da diminuição do estatuto socioeconómico em função de uma perturbação depressiva).
Simultaneamente, acontece um aumento da exclusão social dos cidadãos em situação de pobreza, de processos de marginalização, de rupturas ao nível dos vínculos sociais. Desta forma, às dimensões económicas da pobreza são agregadas as relacionais. Também nestes casos, as investigações demonstram que os indivíduos em sociedades com maiores desigualdades sociais têm pior Saúde Psicológica e bem‐estar emocional. Sendo que cidadãos em desvantagem social que experienciam problemas de Saúde Psicológica podem, em contextos de crise socioeconómica, ficar numa situação ainda mais desvantajosa.
Como mudar?
As políticas públicas devem ter os cidadãos como preocupação central, orientando‐se para o crescimento socioeconómico no sentido do desenvolvimento, da coesão social e do bem‐ estar de todos os cidadãos. É necessário investir mais na promoção do emprego e da estabilidade laboral, através de programas de promoção da empregabilidade e da qualificação do capital humano (desenvolvimento de competências pessoais e profissionais, nomeadamente as orientadas para o futuro da transição digital e ecológica). É necessário promover a Saúde Psicológica (enquanto determinante socioeconómico fundamental e transversal) e garantir o acesso a serviços e cuidados de Saúde, bem como o apoio da parentalidade e da infância. As políticas públicas devem contribuir para a promoção da Saúde Psicológica e do bem‐estar e para a construção de comunidades resilientes. No combate à pobreza, em particular nas políticas públicas e no que é do seu conhecimento directo: O que está bem e deve ser reforçado? Os incentivos financeiros e os apoios às famílias. O desenvolvimento de competências nos indíviduos e famílias. O desenvolvimento da resiliência nos indivíduos, famílias e comunidades. Alguma sugestão de melhoria? Os incentivos financeiros são importantes para as pessoas em situação de pobreza, dando espaço mental/recursos cognitivos para que consigam planear, tomar melhores decisões e fazer face às suas principais preocupações. No entanto, estes incentivos nem sempre estão programados da forma mais eficiente do ponto de vista psicológico. Os psicólogos podem colaborar com as organizações para desenhar estes apoios de uma forma que promovam a auto‐eficácia, autonomia e bem‐estar dos seus beneficiários. Os programas de apoio às famílias já em curso têm fundos limitados e muitas famílias não podem beneficiar deles. É necessário que estes programas estejam adaptados a nível local, às necessidades que determinadas comunidades sentem. A pobreza começa bem antes da vida adulta. A pobreza afeta o desenvolvimento infantil e o desempenho educacional das crianças, existindo um grande fosso entre as crianças de famílias em situação de pobreza e as crianças em situação mais avantajada. É necessário reforçar o desenvolvimento educativo, a resiliência psicológica e o desenvolvimento socio‐emocional para que os jovens possam ter sucesso escolar. Pode ser necessário repensar os apoios aos estudantes em situação de pobreza nas escolas, seguindo as evidências da Psicologia para tornar estas intervenções mais eficazes.
Paralelamente importa desenvolver competências, particularmente sócio‐emocionais, nos indivíduos e nas famílias, além de resiliência, algo também fundamental nas próprias comunidades, criando e capacitando estruturas de resposta a problemas e desafios das comunidades, contingentes aos problemas e próximas (acessíveis) às pessoas. No combate à pobreza, em particular nas políticas públicas e no que é do seu conhecimento directo: O que não existe e deveria ser criado? Incluir o conhecimento e as evidências de custo‐efectividade provenientes da ciência psicológica na construção de políticas pública de combate à pobreza.
Criar respostas de intervenção psicológica e psicossocial, de inclusão habitacional, laboral, educacional e social. Melhorar a articulação entre entidades e instituições sociais que intervêm no combate à pobreza. Promover a Empregabilidade e a Qualificação do Capital Humano. Promover a Saúde Psicológica, a Resiliência. Apoiar a parentalidade. Promover a Literacia em Saúde e em Saúde Psicológica e Literacia Financeira. Como fazer? Incluir o conhecimento e as evidências de custo‐efectividade provenientes da ciência psicológica na construção de políticas pública de combate à pobreza, através da participação de Psicólogos no desenho e desenvolvimento de políticas públicas para a integração psicossocial e a erradição da pobreza.
Criar respostas de intervenção psicológica e psicossocial, de inclusão habitacional, laboral, educacional e social, através da constituição de serviços comunitários, que integrem psicólogos, numa intervenção preventiva, de empoderamento e liderança individual e comunitária, promovendo a sustentabilidade e a coesão social.
Melhorar a articulação entre entidades e instituições sociais que intervêm no combate à pobreza, através do desenvolvimento de parcerias entre o Instituto de Segurança Social, as Autarquias e outras entidades, redes e associações locais e nacionais, e com Instituições de Ensino Superior, na prossecução da erradicação da pobreza. Promover a Empregabilidade e a Qualificação do Capital Humano, através da criação
de programas de apoio ao desenvolvimento de competências pessoais (incluindo
sócio‐emocionais) e profissionais (nomeadamente, competências orientadas para o futuro da transição digital e ecológica) – a nível individual e comunitário, baseados nas evidências de custo‐efectividade provenientes da ciência psicológica.
Promover a Saúde Psicológica e a Resiliência, implementando modelos de cuidado próximos dos cidadãos, promotores da Saúde Psicológica e do bem‐estar, que facilitem a identificação precoce de problemas e a implementação de intervenções integradas de prevenção dos problemas de Saúde Mental, nomeadamente através do reforço de recursos humanos especializados como são os psicólogos e de estruturas capacitadas nas comunidades capazes de desenvolverem respostas próximas às pessoas, contingentes às suas necessidades e custo‐efectivas.
Apoiar a parentalidade, através do reforço da intervenção de Psicólogos junto das famílias em situação de vulnerabilidade e do investimento em programas de promoção da parentalidade positiva e do desenvolvimento social e emocional na infância.
Promover a Literacia em Saúde e em Saúde Psicologia e a Literacia Financeira, através estratégias de apoio aos processos de tomada de decisão em saúde e na área financeira das pessoas em risco e situação de pobreza, que permitam facilitar o reconhecimento e a modificação de crenças erróneas acerca das decisões na área da saúde e na área financeiras, prevenindo enviesamentos cognitivos que afectam estes processos de tomada de decisão e promovendo mudanças no comportamento de saúde e financeiro.