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Evidências em Obesidade e Síndrome Metabólica

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Academic year: 2021

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EDIÇÃO

TEMÁTICA

NUTRIÇÃO, FOME

E SACIEDADE

Evidências em Obesidade

e Síndrome Metabólica

R E V I S T A

ESTÁ É UMA PUBLICAÇÃO DA ABESO NÚMERO 108 | JANEIRO / FEVEREIRO 2021

ENTREVISTA EXCLUSIVA:

CARLOS AUGUSTO

MONTEIRO

“O ultraprocessamento

é uma linha divisória

que não devemos cruzar”

• por que os

ultraprocessados

são obesogênicos

• a importância

da matriz alimentar

• qual a solução e quando

a tecnologia ajuda

NO CÉREBRO

Alterações nos neurônios

do hipotálamo que regulam

a ingestão de comida

POLÍTICAS PÚBLICAS

Elas avançam devagar

até por falta de consenso sobre

as causas do excesso de peso

CONSCIENHEALTH

Qual seria o efeito

de reduzir ultraprocessados

(2)

DIRETORIA 2021 Presidente

Dra. Cintia Cercato

Vice-Presidente

Dr. Fabio Trujilho

Primeira Secretária

Dra. Jacqueline Rizzolli

Segunda Secretária

Dra. Cynthia Valério

Tesoureira

Dra. Maria Edna de Melo

Sede

Rua Mato Grosso, 306 Cj. 1711

Higienópolis - São Paulo - SP CEP: 01239-040 Tel.: (11) 3079-2298 Fax:(11) 3079-1732 E-mail: info@abeso.org.br Secretária Letícia Fioratti REVISTA ABESO – EVIDÊNCIAS EM OBESIDADE E SÍNDROME METABÓLICA Editor científico Dr. Rodrigo Lamounier Editora responsável

Lúcia Helena de Oliveira

Direção de Arte e Projeto Gráfico Guilherme Freitas Revisão Lívia Teixeira Foto da capa @zahar2000 at Freepik Fotos e ilustrações Freepik Edição VITAMINA Conteúdo Tel.: (11) 94278-5635 E-mail: ola@vitaminaconteudo.com.br Impressão Companygraf E-mail: comercial@cpny.com.br Tel.: (11) 5668-5422 Periodicidade: bimestral Tiragem: 3.000 exemplares

W W W . A B E S O . O R G . B R

Os anúncios publicados nesta revista são de inteira responsabilidade dos anun-ciantes. Não nos responsabilizamos pelo conteúdo comercial. Os artigos publica-dos na Revista Abeso – Evidências em

Obesidade refletem a opinião dos

au-tores, não necessariamente a da Abeso.

PALAVRA DA PRESIDENTE

SIGA A ABESO NO INSTAGRAM EM: @abeso_eviden

ciasemobesidade

É

com entusiasmo que assumo a presidência da Abeso nos anos de 2021 e 2022. Agradeço a todos pela oportunidade de estar à frente dessa associação em tempos que ainda estão tão difíceis. Virada de ano sempre traz um gostinho de esperança, mas todos estamos cansados da pandemia provocada pelo coronavírus.

No entanto, a possibilidade de ter uma vacina capaz de reduzir as formas graves da doença nos motiva. Tanto porque muitos de nós, profissionais de saúde, estamos bastante expostos ao vírus, quanto pela chance de proteger nossos pacientes portadores de obesidade, os quais fazem parte da população de risco para essa infecção. É nosso dever esclarecer todos sobre a importância da vacinação, pois essa medida só terá impacto se for coletiva, alcançando milhares de pessoas.

Ano novo também nos incentiva a revisar projetos e a desenhar novas metas. E posso dizer que a nossa diretoria começa bastante animada em contribuir cada vez mais para o enfrentamento da obesidade como doença, desde a prevenção até o tratamento. Continuaremos orientando e cobrando políticas públicas ao governo.

ANO NOVO,

DIRETORIA NOVA!

O combate ao tratamento antiético e desrespeitoso permanecerá no nosso radar. Prosseguiremos disseminando conhecimento baseado nas melhores evidências científicas tanto para a população geral quanto para os profissionais de saúde que cuidam do paciente com excesso de peso.

Para fazer tudo isso é fundamental um time experiente. E que honra contar com pessoas tão competentes na nova diretoria! O vice-presidente é o Fabio

Trujilho, endocrinologista da

Bahia que tem no seu currículo a presidência da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Como primeira secretária, a endocrinologista

Jacqueline Rizzolli, do Rio

Grande do Sul, que também estará à frente do maior congresso de obesidade do país —o CBOSM 2021. Ele que acontecerá entre os dias 23 e 25 de setembro na cidade serrana gaúcha de Gramado. A segunda

secretária é a Cynthia Valério, do Rio de Janeiro, que

tem na bagagem a coordenação do departamento de

aterosclerose da SBEM. Já nossa tesoureira é a

Maria Edna de Melo,

que foi presidente da Abeso em 2017-2018 e que seguirá contribuindo para o crescimento e a representatividade da nossa associação. Um grande 2021 para todos nós!

Dra. Cintia Cercato

Presidente da Abeso

EXPEDIENTE

No site, na revista bimensal

e nas redes sociais, a Abeso

reforça o seu compromisso

de sempre divulgar

as principais evidências do

vasto campo de estudos

da obesidade, incluindo

pesquisas da Medicina,

da Nutrição e de outras áreas

que, atuando em conjunto,

ajudam a enfrentar uma das

doenças crônicas mais sérias

e complexas da atualidade.

#OBESIDADE EU ME ATUALIZO

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plataformas e mantenha-se

sempre atualizado.

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3

(3)

EDITORIAL

Entre quatro e sete anos depois, os pesquisadores avaliaram os comportamentos alimentares e o IMC de todas as crianças do estudo. E, entre aquelas da intervenção, descobriram uma redução de 35% no alto consumo de ultraprocessados.

Embora tenham calculado o IMC, este não foi um desfecho primário e os resultados não sugeriram uma diferença significativa entre os dois grupos. Na verdade, foi encontrada uma proporção maior (38%) de crianças no grupo da intervenção que estavam acima do peso em relação ao grupo controle (31%).

O QUEBRA-CABEÇA DE COMO MELHORAR A SAÚDE

Temos, então, um quebra-cabeças, embora os especialistas em nutrição estejam convencidos de que o excesso de alimentos ultraprocessados faz mal

para a saúde. E esses alimentos têm um papel cada vez maior nos sistemas alimentares globais. Será que podemos reduzir nossa dependência deles? E, se pudermos, isso terá algum efeito sobre a saúde da população?

Alguns especialistas em política alimentar não têm a menor paciência com essas questões. Intransigentes, sua resposta para a primeira pergunta é que devemos trabalhar nesse sentido. Precisamos, porém, ter certeza de que as políticas públicas nessa direção terão um impacto positivo.

Não é muito útil fazer as pessoas comerem de maneira diferente, se não for para melhorar a saúde delas nesse processo. O alimento é mais do que algo que fornece nutrientes. Mexer com os sistemas alimentares pode ter efeitos surpreendentes e indesejados. E agir agora para fazer perguntas depois é uma fórmula para erros.

UMA MORDIDA EM

UM ALIMENTO

ULTRAPROCESSADO

CONSCIENHEALTH

POR

TED KYLE, DO WWW.CONSCIENHEALTH.ORG

A

limentos ultraprocessados parecem ser um problema para a saúde humana. A associação entre o seu consumo e alguns desfechos ruins é forte, segundo um fluxo constante de novos estudos. Além disso, temos evidências que apontam para uma ligação causal entre a sua ingestão e o ganho de peso.

Um recente estudo randomizado controlado que saiu no British Journal

of Nutrition afirma que é possível

notar o efeito de consumir esses alimentos logo no início da vida. Bruna Lazzeri e colegas contaram com a participação de 323 jovens mães e seus bebês no Sul do Brasil. Parte delas foi submetida a uma intervenção alimentar saudável na maternidade, que prosseguiu com seis sessões domiciliares no período até 120 dias após o nascimento.

N

o fechamento de um ciclo editorial de dois anos como editor desta revista, retornamos a uma questão central: de onde vem a epidemia de obesidade? Como podemos pensar melhor a evolução dos sistemas alimentares, compreendendo as mudanças dos hábitos nutricionais da população?

Para o controle do peso, sabemos, é determinante o que se come, a nossa alimentação. E, especialmente após a metade do século passado, observamos um aumento escalonado no consumo de alimentos ultraprocessados, ou seja, de produtos

alimentícios de baixo custo e alta palatibilidade, resultantes de uma combinação de nutrientes isolados, além de estabilizantes,

emulsificantes, aromatizantes e edulcorantes. Estudos mostram de forma consistente que pode estar aí a chave do entendimento da atual epidemia de excesso de peso. É o que aborda o artigo da professora Maria Laura Louzada, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em

COMIDA DE

VERDADE PARA

UM FUTURO

MAIS SAUDÁVEL

Nutrição e Saúde (NUPENS) da USP. Mas demos um passo além e também fizemos uma ótima entrevista com o professor Carlos Augusto

Monteiro, coordenador

do mesmo NUPENS e criador do Guia Alimentar para a População Brasileira, uma referência mundial.

Finalmente, temos uma rica contribuição explorando uma outra ponta deste novelo: o professor Licio Velloso, da Universidade Estadual de Campinas, detalha os elos entre a alimentação e os mecanismos relacionados à regulação central da fome e da saciedade, capazes de também contribuir para a gênese do ganho de peso.

Estamos diante de uma mudança de paradigma que nos provoca a revisar o conceito de alimentação saudável, saindo da composição clássica dos macronutrientes da dieta para compreender os riscos de uma alimentação com alto

consumo de ultraprocessados em detrimento de comida de verdade — comida que está na base biológica, filosófica e social do que chamamos de saúde. Para nós, brasileiros, ela pode ser representada pelas frutas abundantes em todas as estações e pelo famoso “PF”, com arroz, feijão e salada. Esta edição é um convite para voltarmos às nossas raízes e olharmos para a nossa cozinha em busca de mais saúde.

Dr. Rodrigo Lamounier

Editor Científico

FO TO © LEANDRO-GODOI/ ABESO

5

CONSCIENHEALTH UMA MORDIDA EM UM ALIMENTO ULTRAPROCESSADO Reduzir o consumo trará benefícios?

ÍNDICE

6

DISTÚRBIOS DA REGULAÇÃO CENTRAL DA FOME E SEU IMPACTO NA SAÚDE

O que acontece no hipotálamo

10

EVOLUÇÃO DOS MODELOS CAUSAIS EM OBESIDADE

Falta consenso sobre as causas da prevalência crescente de excesso de peso

14

ENTREVISTA: CARLOS AUGUSTO MONTEIRO

“O ultraprocessamento é uma linha divisória que não deveríamos cruzar”

(4)

ARTIGO

Por

Licio A. Velloso

Evidências experimentais

sugerem que, na obesidade,

há alterações nos neurônios

hipotalâmicos que regulam

a ingestão de alimentos

CÉREBRO

O

hipotálamo é a região do sistema nervoso central (SNC) que integra e coordena os sinais periféricos acerca do estado nutricional e metabólico. Após a ingestão alimentar, os nutrientes da dieta são processados e absorvidos, gerando sinais de saciedade e adiposidade. Nesse processo, ocorre uma distensão mecânica do trato gastrointestinal e a liberação de hormônios entéricos no plasma, os quais incluem GLP-1, GLP-2, CKK, PYY e GIP, que desempenham papel importante no controle da saciedade.

Além disso, após a absorção e o armazenamento de nutrientes, há produção de insulina e leptina, que participam do controle central da adiposidade. Tanto a insulina quanto a leptina são secretadas em quantidades proporcionais aos sinais de adiposidade. Elas atravessam a barreira hematoencefálica utilizando um sistema saturável de transporte mediado por receptores e se ligam a receptores específicos em núcleos hipotalâmicos especializados no controle da homeostase energética.

No hipotálamo, as três principais regiões controladoras da ingestão alimentar e do gasto energético são: núcleo arqueado, hipotálamo lateral e núcleo paraventricular. Pelo menos dois grupos distintos de neurônios de primeira ordem estão presentes no núcleo arqueado, ambos possuindo receptores para leptina e insulina: neurônios produtores dos neurotransmissores orexigênicos NPY e AgRP (NPY/AgRPérgicos) e neurônios produtores dos neurotransmissores anorexigênicos POMC e CART (POMC/ CARTérgicos). Esses neurônios, então, sinalizam para outras duas subpopulações de neurônios orexigênicos e anorexigênicos de segunda ordem, localizados no hipotálamo lateral e no núcleo paraventricular, respectivamente.

No hipotálamo lateral, conhecido como centro da fome, ocorre a produção dos neuropeptídeos orexigênicos e dos inibidores do gasto energético, orexina e MCH. Por sua vez, no núcleo paraventricular, conhecido como centro da saciedade, ocorre a produção dos neuropeptídeos anorexigênicos e dos indutores do gasto energético CRH e TRH.

FOME E SACIEDADE

Durante um período de jejum prolongado ou em indivíduos com baixo percentual de gordura corporal, as concentrações séricas de leptina e insulina estão predominantemente baixas e a maior parte dos receptores de insulina e leptina no núcleo arqueado está desocupada. Nessa situação, predominam sinais e conexões excitatórios para os neurônios NPY/ AgRPérgicos e sinais e conexões inibitórios para os neurônios POMC/ CARTérgicos. Como resultado, há um aumento da expressão de orexina e MCH no hipotálamo lateral, acompanhado da redução da expressão de TRH e CRH no núcleo paraventricular, com consequente aumento da sensação de fome e diminuição da termogênese.

De modo inverso, após uma refeição ou quando ocorre um ganho de massa de tecido adiposo, mesmo que ele seja discreto, os níveis de insulina e leptina se elevam. Nessa situação, os sinais e as conexões inibitórias para os neurônios NPY/ AgRPérgicos os sinais e as conexões excitatórios para neurônios

POMC/CARTérgicos predominam, resultando em uma redução da expressão de orexina e MCH no hipotálamo lateral e no aumento da expressão de TRH e CRH no núcleo paraventricular, seguida de diminuição da sensação, da fome e um aumento da termogênese.

QUANDO A DIETA É RICA EM GORDURA

Estudos experimentais demonstraram que o consumo de dietas energeticamente densas e, em particular, ricas em gorduras saturadas, resulta no desenvolvimento de resistências hipotalâmica à leptina e à insulina. E, subsequentemente, no desenvolvimento da obesidade. Sabe-se que ácidos graxos de cadeia longa, provenientes principalmente da dieta, interferem com o controle de ingestão alimentar e com o metabolismo de glicose. Ainda, o consumo de uma dieta rica em gordura saturada ativa respostas inflamatórias no hipotálamo que resultam no desenvolvimento de distúrbios de regulação da fome e do gasto energético, dificultando a perda de peso.

A resistência hipotalâmica à ação dos hormônios leptina e insulina é influenciada por fatores genéticos, idade, sedentarismo, hábitos alimentares, estresse e infecções. Entretanto, o consumo de dietas ricas em lipídeos e com elevada densidade energética é o que apresenta maior relevância epidemiológica como fator ambiental participante da gênese da obesidade. Estudos epidemiológicos mostram que o consumo calórico vem aumentando ao longo dos anos devido a avanços na produção, na industrialização e na distribuição de alimentos hipercalóricos, principalmente daqueles

ricos em ácidos graxos saturados e carboidratos.

Estudos realizados ao longo dos últimos quinze anos demonstraram que os ácidos graxos saturados de cadeia longa ativam a sinalização celular do receptor toll-like 4 (TLR4) no hipotálamo, resultando no aumento da expressão de citocinas pró-inflamatórias e induzindo a resistência local à insulina e leptina.

DISTÚRBIOS

DA REGULAÇÃO

CENTRAL DA FOME

E SEU IMPACTO

NA SAÚDE

(5)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cavadas C, Aveleira C, Souza GFP, Velloso LA. The pathophysiology of defective proteostasis in the hypothalamus - from obesity to ageing. Nat Rev Endocrinol 2016 Dec;12(12):723-733. doi: 10.1038/ nrendo.2016.107. Sewaybricker LE, Schur EA, Melhorn SJ, Campos BM, Askren MK, Noguei-ra GAS, Zambon MP, Antonio MARGM, Cendes F, Velloso LA, Guerra--Junior G. Initial evidence for hypothalamic gliosis in children with obesity by quantitative T2 MRI and implications for blood oxygen--level dependent response to glucose ingestion. 2019 Feb;14(2):e12486. doi: 10.1111/ ijpo.12486. Thaler JP, Guyenet SJ, Dorfman MD, Wisse BE, Schwartz MW. Hypothalamic in-flammation: marker or mechanism of obesity pathogene-sis? Diabetes. 2013 Aug;62(8):2629-34. doi: 10.2337/ db12-1605. van de Sande-Lee S, Melhorn SJ, Rachid B, Rodovalho S, De-Lima-Junior JC, Pedro T, Beltramini GC, Eliton A. Chaim EA, Pareja JC, Cen-des F, Maravilla KR, Schur EA, Vellosp LA. Radiologic evidence that hy-pothalamic gliosis is improved after bariatric surgery in obese women with type 2 diabetes. Int J Obes 2020 Jan;44(1):178-185. doi: 10.1038/ s41366-019-0399-8.

LICIO AUGUSTO VELLOSO é professor titular de Medicina na Universidade

Estadual de Campinas, no interior paulista, onde também coordena

o Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades.

ARTIGO

uma mensuração adequada de sua função. Na última década, os avanços em neuroimagem têm contribuído para a caracterização da função

hipotalâmica na obesidade humana. Técnicas como a ressonância magnética funcional e a tomografia por emissão de pósitrons (PET) permitem, de forma não-invasiva, detectar alterações dinâmicas no funcionamento de regiões do sistema nervoso central que sejam associadas a processos comportamentais e cognitivos. Dentre essas técnicas, a ressonância magnética funcional traz algumas vantagens em relação à PET: é mais acessível, sua resolução espacial e temporal é superior, não requer a administração de marcadores exógenos e não envolve exposição à radiação.

ATIVIDADE DIFERENTE EM PESSOAS MAGRAS E COM OBESIDADE

Por meio da ressonância magnética funcional, é possível detectar mudanças no sinal BOLD (blood oxygenation level dependent), que reflete a concentração de desoxihemoglobina no sangue circulante. Esta possui propriedades paramagnéticas, funcionando como um contraste endógeno. O aumento da atividade neuronal local resulta em aumento do fluxo sanguíneo para aquela região específica, maior do que o necessário para suprir a demanda de oxigênio. Isso resulta em uma menor concentração de desoxihemoglobina em relação ao nível basal, que pode ser detectada pela ressonância magnética funcional.

Alguns estudos de neuroimagem, tanto de ressonância magnética funcional quanto de PET, demonstraram que existem

diferenças significativas na atividade hipotalâmica em resposta à ingestão alimentar entre indivíduos magros e obesos. Nesse contexto, uma

pergunta importante diz respeito à possível reversibilidade das alterações hipotalâmicas em pessoas que são submetidas à perda de peso.

Em um estudo que avaliou pacientes submetidos à cirurgia bariátrica observou-se que indivíduos com obesidade apresentam padrões distintos de atividade funcional quando comparados a indivíduos magros — principalmente no hipotálamo, no córtex somatossensorial e no orbitofrontal — e que estas alterações são parcialmente revertidas após redução da massa corporal. Não se sabe se uma perda de peso ainda maior ou por um período mais prolongado após a cirurgia poderia resultariam em uma restauração completa da disfunção.

Se o fenômeno de apoptose neuronal descrito em roedores também ocorrer em seres humanos, a reversão completa pode não ser possível. Nesse sentido, outro estudo utilizando ressonância magnética estrutural encontrou evidências de aumento de glicose no hipotálamo mediobasal de seres humanos com obesidade, sugerindo que, de forma semelhante ao que ocorre em animais, essa condição está associada à lesão neuronal no hipotálamo.

O CÉREBRO DE JOVENS COM EXCESSO DE PESO

Mais preocupante ainda, estudos recentes avaliando o hipotálamo de crianças e adolescentes com obesidade revelou que, de forma similar aos adultos, os jovens com muito excesso de peso também apresentam alterações funcionais e estruturais do hipotálamo. Isto sugere que períodos relativamente curtos de obesidade são suficientes para causar danos hipotalâmicos.

Em conclusão, há hoje evidência experimental robusta indicando que o hipotálamo é severamente danificado na obesidade. Estudos com seres humanos, ainda

incipientes, têm reproduzido pelos métodos disponíveis os achados dos modelos animais de obesidade. No futuro, o avanço de métodos de imagem poderá ajudar no refinamento da caracterização da disfunção hipotalâmica em seres humanos e deve contribuir para estudos clínicos que eventualmente levem ao desenvolvimento

de abordagens terapêuticas mais eficientes.

A persistência da resposta inflamatória resulta ainda na ativação de vias apoptóticas, levando à perda de neurônios anorexigênicos do tipo POMC, envolvidos com o controle da ingestão alimentar. Dessa maneira, o consumo prolongado de uma dieta rica em ácidos graxos saturados perpetuaria o estado inflamatório, atingindo proporções sistêmicas. Entretanto, estudos recentes mostram que o desenvolvimento da inflamação hipotalâmica precede o estabelecimento do fenótipo obeso.

Ao contrário do que ocorre em tecidos periféricos, onde o processo inflamatório pode levar semanas para ocorrer, em modelos animais o consumo de uma dieta rica em ácidos graxos saturados é capaz de aumentar a produção de citocinas inflamatórias no hipotálamo com apenas um dia de ingestão alimentar, quando ainda não há alterações significativas na massa adiposa. Se o consumo for estendido por mais tempo, ocorre disfunção neuronal, glicose alta e finalmente apoptose de neurônios.

Tais distúrbios resultam não apenas em ganho de peso, mas também contribuem para o desenvolvimento da intolerância à glicose ao interferir com o controle da produção hepática de glicose e com a secreção de insulina, por meio de conexões autonômicas entre o hipotálamo e os órgãos-alvo, fígado e ilhota pancreática.

As evidências acerca da disfunção hipotalâmica na obesidade obtidas por meio de estudos experimentais fundamentaram pesquisas clínicas que tiveram por objetivo saber se seres humanos com obesidade teriam também algum tipo de disfunção hipotalâmica. Historicamente, o estudo do hipotálamo humano foi comprometido devido à falta de metodologias que permitissem

(6)

ARTIGO

Por

Maria Laura da Costa Louzada

EVOLUÇÃO

DOS MODELOS

CAUSAIS EM

OBESIDADE

Ainda falta consenso sobre o que explicaria

a prevalência crescente de excesso de peso.

Mas cada vez mais se aceita a ideia

de que uma alimentação baseada

em alimentos ultraprocessados pode

ser a maior responsável pelo problema

que observamos em todo mundo

SAÚDE

PÚBLICA

A

pesar de quase duas décadas de

recomendações de entidades internacionais, a implementação de políticas de enfrentamento da obesidade tem sido lenta e inconsistente. Esse progresso é intrínseco à complexidade do problema e se deve, pelo menos em parte, ao fato de que suas causas ainda não são um consenso.

Principalmente nas culturais ocidentais, a obesidade tem sido considerada, muitas vezes, uma falha do indivíduo e pessoas com obesidade são frequentemente culpadas por sua doença. Essa visão simplista, no entanto, esconde os meandros inerentes à maneira como usamos a energia dos alimentos.

De fato, os determinantes do balanço energético são complexos e multifacetados. Para ilustrar isso, já foram propostos modelos conceituais que discutem os papéis interdependentes das características genéticas e perinatais, dos comportamentos, do ambiente e do sistema econômico na obesidade.

O Foresight Obesity Systems Map foi o primeiro modelo conceitual a mostrar a obesidade como consequência de sistemas adaptativos complexos. Ele possui uma estrutura centrada no balanço

energético com círculos concêntricos que representam mais de uma centena de variáveis capazes de

influenciar aquele balanço. Essas variáveis estão agrupadas em temas que incluem as características genéticas e biológicas, a atividade física, o consumo alimentar, os aspectos psicológicos individuais, o ambiente físico e alimentar e as influências sociais.

Embora esses modelos sejam importantes para explicar as diferenças entre os indivíduos no risco de terem obesidade, eles são menos úteis para a compreensão do motivo pelo qual essa doença se tornou uma epidemia. Nesse sentido, admite-se que o aumento global da prevalência de obesidade seja uma consequência previsível da interação entre a preferência em estocar energia na forma de gordura, evolutivamente selecionada devido à frequente exposição à escassez de comida, e os ambientes onde há abundância de alimentos.

Alguns determinantes da obesidade, como o ambiente físico, podem ter efeitos importantes sobre os comportamentos individuais. No entanto, eles não mudaram universalmente para se tornarem mais obesogênicos nas últimas décadas. Por exemplo, a redução da atividade física que ocorreu na primeira metade do século XX nos Estados Unidos foi acompanhada por reduções correspondentes na demanda por alimentos, e, nessa medida, não levou a aumentos relevantes na prevalência da obesidade. O ponto de inflexão do balanço energético e o consequente aumento da obesidade ocorreram apenas a partir dos anos 1960-1970, quando mudanças substanciais no sistema alimentar determinaram aumentos contínuos na ingestão de alimentos.

Apesar disso, a teoria sobre como as mudanças nos padrões de consumo determinaram um desequilíbrio do balanço energético ainda está em disputa. De fato, a história da pesquisa sobre a causa da obesidade é repleta de hipóteses concorrentes.

Uma dessas hipóteses se baseia no truísmo “uma caloria é uma caloria”, ou seja, o que importa é menos o tipo de alimentação e mais a quantidade de calorias ingeridas. Assim, a causa da obesidade seria o aumento global da disponibilidade de calorias e a solução, aconselhar o indivíduo a comer menos. Essa hipótese se traduz também em um incentivo a dietas com restrição de gordura, baseado no fato de que esse nutriente contém alta densidade de energia.

Defendida por cientistas e afinada com os interesses da indústria, essa ideia

ganhou ampla aceitação, tornando-se, até recentemente, hegemônica. Ela foi endossada por diversos documentos de entidades técnico-científicas e políticas públicas de vários países. O Guia Alimentar para a População Americana de 2005 sugeriu que “uma redução de 50 a 100 calorias por dia pode impedir o ganho gradual de peso”, considerando irrelevante a diferenciação entre tipos de alimentos. Especialistas em saúde pública fizeram campanha pela rotulagem mandatória de calorias. Houve uma explosão de produtos light e diet com reduzido teor de gorduras e calorias.

Embora essa lógica seja intuitiva e inquestionável do ponto de vista matemático, a realidade não é tão simples e as evidências desafiam essa hipótese. O primeiro grande questionamento é baseado no fato de que consumo e gasto calóricos são indissociáveis. Portanto, a redução das calorias consumidas necessariamente resultará em um impulso compensatório para reduzir a energia gasta e vice-versa, a menos que exista uma causa anterior que provoque um distúrbio no controle da saciedade. Sendo assim, o balanço energético positivo seria muito mais um sintoma do que a causa da obesidade. E, de fato, cada vez mais estudos mostram que os tratamentos com balanço energético negativo eram ineficazes, particularmente a longo prazo.

Em segundo lugar, o corpo humano não funciona como uma bomba de calorimetria: há muito tempo já se reconhecem diferenças nos efeitos fisiológicos relacionados ao peso de diversas fontes de calorias. Além disso, a tentativa de culpar o aumento da disponibilidade de calorias pela epidemia global de obesidade normalmente ignora a constatação de que esse aumento não se distribuiu igualmente por todos os grupos de alimentos.

Uma segunda hipótese defende que, mais do que um distúrbio no consumo de energia, a causa da obesidade estaria em um aumento na produção de insulina em resposta ao consumo excessivo de carboidratos. Esse distúrbio acarretaria um depósito excessivo de gordura corporal sem a devida resposta compensatória de saciedade. E, dessa forma, o tratamento

da obesidade se daria por meio de dietas altamente restritas em carboidratos.

Alguns autores entendem que essa hipótese avançou na explicação causal do aumento global da obesidade ao salientar, pelo menos parcialmente, a importância da qualidade dos alimentos. Ainda assim, essa hipótese perdeu muito prestígio por ter se traduzido em estímulos a dietas de baixa adesão e sem efetividade a longo prazo, que promoviam o consumo irrestrito de gordura. Outros autores também apontam que parte das críticas a essa teoria veio de interpretações equivocadas das evidências e do forte combate por parte da indústria alimentícia.

Mais importante do que isso, no entanto, é que, com o passar dos anos, o avanço dos métodos de pesquisa começou a demonstrar que ambas as hipóteses, que se baseavam em modelos nutriente-centrados e reducionistas, eram insuficientes para o entendimento das causas da trajetória pandêmica da obesidade.

Começaram a se revelar igualmente importantes o entendimento das interações sinérgicas dos nutrientes entre si e com outros fitoquímicos presentes nos alimentos, dos efeitos de substâncias modificadas industrialmente, das características da matriz alimentar, das inúmeras possíveis combinações entre os alimentos e suas formas de preparo, além das circunstâncias que envolvem o ato de comer.

Digno de nota é o ensaio clínico randomizado realizado por Gardner e col., envolvendo 609 indivíduos. Esse ensaio avaliou durante seis meses mudanças de peso em dois grupos de indivíduos que receberam dietas baseadas em alimentos não processados ou minimamente processados, uma delas com baixo teor de gorduras e a outra com baixo teor de carboidratos. Nos dois grupos, observou-se uma redução importante do peso dos participantes.

Em um comentário publicado em 2009, emergiu uma nova e

potencialmente revolucionária hipótese: “a questão não é tanto os nutrientes, nem mesmo os alimentos, mas aquilo

(7)

que se faz com os alimentos antes do seu consumo”. Segundo essa hipótese, mudanças na natureza do processamento dos alimentos seriam o elemento-chave para explicar o aumento da obesidade. Essas mudanças comprometeriam a integridade da matriz alimentar, aumentariam o teor da dieta em carboidratos refinados e gorduras, enquanto diminuiriam o teor de fibras e proteínas. Além disso, induziriam modos não saudáveis de comer como a troca de refeições completas por lanches. Todas essas consequências acabariam por diminuir o poder de saciedade da alimentação.

Assim sendo, a causa básica da pandemia da obesidade seria a progressiva substituição de padrões tradicionais de alimentação por padrões baseados em produtos alimentícios prontos para consumo, baratos e

convenientes, que, mais tarde, viriam a ser chamados de alimentos ultraprocessados.

Os primeiros estudos que levaram em conta o processamento de alimentos focaram no papel de itens isolados e mostraram a associação de produtos como bebidas açucaradas e fast-food com o ganho de peso. Ao mesmo tempo, alimentos como frutas e padrões alimentares tradicionais, feito a dieta Mediterrânea, se mostraram fatores de proteção. Mas testar a nova hipótese exigia também uma nova métrica para classificar os alimentos.

Classificações convencionais agrupam os alimentos de acordo com o seu perfil de nutrientes. Por exemplo, pertencem à mesma categoria grãos de arroz ou de trigo, pães, cereais matinais e barras de cereais por serem, todos, fontes de carboidrato. Essas classificações foram de fundamental importância em um período em que a maior parte das doenças relacionadas à alimentação era causada por deficiências de nutrientes. No entanto, em um cenário de transição nutricional, passaram a se tornar obsoletas.

Em 2010, uma equipe de

investigadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) propôs uma classificação de alimentos, hoje denominada NOVA, que os divide

segundo as características do processamento industrial.

A DIVISÃO NA CLASSIFICAÇÃO NOVA

Nela, existem quatro grupos:

Primeiro grupo

Inclui alimentos in natura ou

minimamente processados. São as partes comestíveis de plantas ou de animais, logo após sua separação da natureza ou submetidas a processos que não envolvem a adição de novas substâncias ao alimento in natura.

Segundo grupo

É composto pelos ingredientes culinários processados. Engloba substâncias extraídas diretamente de alimentos do primeiro grupo ou da natureza e consumidas como itens de preparações culinárias, tais como açúcar, sal e gorduras.

Terceiro grupo

É o dos alimentos processados: produtos fabricados com a adição de alguma substância do segundo grupo a um alimento do primeiro, sendo, em sua maioria, conservas, queijos e pães frescos.

Atenção!

Juntos, os três grupos acima compõem a base das preparações culinárias tradicionais consumidas há séculos pela humanidade.

Quarto grupo

Radicalmente diferentes são os alimentos ultraprocessados, como os definidos neste último grupo da classificação NOVA. Alimentos ultraprocessados são formulações industriais tipicamente prontas para consumo, feitas de inúmeros ingredientes, frequentemente obtidos a partir de colheitas de alto rendimento, como açúcares e xaropes, amidos refinados, gorduras, isolados proteicos, além de restos de animais. Essas formulações são criadas para parecerem, cheirarem e terem gostos “irresistíveis”, usando combinações sofisticadas de flavorizantes, corantes e outros aditivos que modificam os atributos sensoriais. Os alimentos

in natura representam proporção

reduzida na sua lista de ingredientes. Os exemplos incluem bolachas, salgadinhos, refrigerantes e sucos artificias e diversos pratos prontos para consumo.

Evidências consistentes obtidas por meio de estudos realizados em diversos países têm apontado a associação do consumo de alimentos ultraprocessados com a ocorrência de obesidade. Os alimentos ultraprocessados são convenientes e palatáveis e substituem refeições baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados.

Esse tipo de alimento tem, de um lado, uma maior densidade energética, mais açúcar livre e gorduras não saudáveis, e de outro, menos fibra dietética, menos proteína e menos micronutrientes do que alimentos não ultraprocessados. Seu consumo é sistematicamente associado à deterioração da qualidade nutricional da alimentação. E seus ingredientes — que se caracterizam principalmente por açúcares, óleos e gorduras, somados a aditivos que realçam cores, sabores e texturas, além de técnicas de processamento que se utilizam da destruição da matriz alimentar e da retirada de água — fazem com que o seu conteúdo nutricional não seja transmitido com precisão ao cérebro. Isso acaba afetando de forma sem precedentes na história da humanidade a fisiologia dos sistemas de controle da saciedade.

Evidências crescentes demonstram que grande parte desse mecanismo pode estar associada a distúrbios na homeostase da microbiota intestinal, que por sua vez alteram o metabolismo de hormônios os quais possuem um importante papel no controle do apetite. Recentemente, um trial conduzido pelo National Institutes of Health, nos Estados Unidos, comparou o efeito de dietas oferecidas ad libitum com mais de 80% de energia proveniente de ultraprocessados com o resultado de dietas sem ultraprocessados. Mesmo com as refeições projetadas para terem um igual número de calorias e nutrientes variados, os indivíduos expostos à dieta baseada em alimentos ultraprocessados consumiram, em média, 508 calorias a mais por dia e, como esperado, ganharam, em média, 1 kg de peso no período.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASKARI et al. Ultra--processed food and the risk of overweight and obesity: a systematic review and meta-analysis of observational studies.

International Journal of Obesity, v.44, p. 2080–209, 2020. BUTLAND, B. et al. Tackling Obesities: Future Choices. Government Office for Science: London, 2007

MONTEIRO CA et al. Ul-tra-processed foods: what they are and how to iden-tify them. Public Health Nutr.2019;22(5):936-41. SWINBURN, B. A. et al. The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition,

and Climate Change: The Lancet Commission report. Lancet, v. 393, p. 791-846, 2019. SWINBURN, B. A. et al. The global obesity pandemic: shaped by global drivers and local

environments. Lancet, v. 378, p. 804-14, 2011. TAUBES, G. The science of obesity: what do we really know about what makes us fat? An essay by Gary Taubes. BMJ, v. 346, p. f1050, 2013.

Doutora em Nutrição e Saúde Pública pela Universidade

de São Paulo, MARIA LAURA DA COSTA LOUZADA é professora da Faculdade de Saúde Pública na mesma universidade, onde também é pesquisadora do Núcleo de Pesquisas

Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS).

ARTIGO

POLÍTICAS ECONÔMICAS E A INDÚSTRIA DE ALIMENTOS A partir da década de 1980, as políticas econômicas e os acordos comerciais neoliberais formulados por organizações globais favoreceram modificações no sistema alimentar global e a ascensão fenomenal das multinacionais de alimentos. Essas políticas e acordos desregulamentaram a indústria, promoveram o fluxo de capital, abriram os países ao investimento estrangeiro, permitiram que as

transnacionais assumissem as empresas nacionais e restringiram os governos na

possibilidade de introduzirem políticas estatutárias para limitar o seu consumo .

Em muitos países, essa rápida transição causou a chamada dupla carga de doenças. Recentemente, a Comissão de Obesidade do The Lancet publicou um relatório chamando a comunidade para uma nova narrativa do entendimento da obesidade. A publicação destaca a conjunção de três pandemias — a da obesidade, a da desnutrição e a das mudanças climáticas –, que ela chama de “sindemia global”.

A Comissão ainda desenvolveu um modelo conceitual para essa sindemia

(figura 1). Os sistemas naturais dos quais

todo o planeta depende estão no centro e são influenciados por camadas de sistemas humanos que se deslocam de macro para microssistemas.

As principais alavancas da sindemia global foram identificadas como políticas, incentivos ou desincentivos econômicos e normas sociais que, por sua vez, ditam as condições de operação para os grandes macrossistemas, isto é, sistemas alimentares e de transporte, desenho urbano e uso da terra. Por sua vez, os mesossistemas — como escolas, hospitais, locais de trabalho e comunidades — e os microssistemas ou redes sociais — como família, amigos e colegas de trabalho — são fortemente influenciados pelas camadas subjacentes. O alinhamento das três pandemias sob um único guarda-chuva, portanto, tem o potencial de redirecionar o entendimento das causas da obesidade.

Apesar da evolução recente dos modelos causais da obesidade, a tradução desses pensamentos em ações envolve muitos outros fatores que vão além da epidemiologia. A forte oposição do setor privado comercial à implementação de políticas públicas que firam seus interesses econômicos, a falta de vontade política dos governos e a fragilidade de pressão da sociedade civil têm atrasado imensamente a implementação de ações efetivas. É hora de agir!

SAÚDE

PÚBLICA

FIGURA 1

A sindemia global: obesidade, desnutrição e mudanças climáticas

A figura abaixo é um modelo conceitual para entendê-la

Fonte: Swinburne et al., 2019 (tradução IDEC)

Famílias Comunidades Círculos Sociais

Escolas H

ospitais Locais de trabalho Espaços p

úblicos Comida T

ransporte Desenho urbano Uso d

o solo

Normas Economia Políti cas

Sistemas naturais

Obesidade Desnutrição Mudanças climáticas Saúde e bem-estar humano Saúde e bem-estar ecológico Governança Sistemas macro Sistemas intermediário Sistemas micro

(8)

ARTIGO

Por

Rodrigo Lamounier

de temperar, cozinhar, acrescentar manteiga ou óleo e, quem sabe, açúcar. É assim até com o arroz e o feijão. Você não conseguiria comê-los tal qual eles vêm da agricultura. É a indústria que irá secar esses grãos e empacotá-los, transformando-os em alimentos minimamente processados. Depois, já na sua casa, você irá misturá-los com sal, óleo, criando os pratos. Ou nem ficariam comestíveis. Há também uma economia de tempo. No passado, as pessoas cozinhavam com banha e, para isso, tinham de, primeiro, matar o porco, aí então separar toda a gordura… Hoje, a indústria produz óleo de soja, que é bem mais barato, mais prático e mais saudável, inclusive. Mas repare que, até a metade do século passado, nós ainda estávamos falando em alimentos minimamente processados.

RODRIGO LAMOUNIER — Foi nesse período que surgiram os ultraprocessados, correto?

CARLOS A. MONTEIRO

—Exato. Primeiro nos Estados Unidos e, depois, em outros países, surgiram os tais ultraprocessados, que não são mais alimentos exatamente, embora se pareçam com alimentos. Eles são, isso sim, formulações de ingredientes que a indústria desenvolveu com muita ciência e tecnologia, combinando açúcares, isolados proteicos obtidos de diversas fontes e aditivos. Com isso, surgiram produtos de baixíssimo custo e com uma vida de prateleira enorme. Entre os exemplos de ultraprocessados muito antigos estão os biscoitos e os refrigerantes, mas hoje existem dezenas ou centenas de milhares deles — mais recentes, os substitutos da carne com isolados proteicos de soja ou de ervilha também servem para ilustrar. E a realidade, penso, é que os nutricionistas não se deram conta disso, do significado de as pessoas deixarem de comer alimentos para

consumirem ultraprocessados.

RODRIGO LAMOUNIER

— E qual seria o grande problema

que passou despercebido? CARLOS A. MONTEIRO —

Na verdade, são dois. Um deles tem a ver com os tais nutrientes

críticos, sobretudo para doenças crônicas — como o açúcar, o sódio, as gorduras saturadas e as fibras. O ultraprocessamento leva a produtos que são particularmente ruins nesse aspecto. Isso porque, na produção de um ultraprocessado, é preciso tirar as fibras e a água, aumentando a densidade energética. Acrescenta-se muito açúcar, que é barato e tem uma grande palatabilidade. São usadas gorduras não saudáveis, como a hidrogenada e a de palma, e bastante sódio, porque esses produtos precisam durar muito. Outra questão: o conteúdo de proteínas diminui. Na formulação, há tanta gordura, tanto açúcar e tanto amido que literalmente sobra pouco para as proteínas. Estudos apontam que, quanto mais alimentos ultraprocessados uma população consome, menor é o seu aporte de fibras e maior o de gorduras e açúcares. Não vou falar do sódio porque, no caso deste, depende um pouco de cada país. Mas só o restante já é o suficiente para a gente dizer que o ultraprocessamento implica no excesso de nutrientes não saudáveis, o que os torna a receita perfeita para a obesidade e para um monte de outras doenças crônicas. Eles são o vetor que leva o indivíduo a ter uma dieta nutricionalmente desequilibrada.

RODRIGO LAMOUNIER — E os aditivos?

CARLOS A. MONTEIRO — Eles

são um segundo problema: você introduz no organismo uma série de elementos químicos que não fariam parte da alimentação, os xenobióticos. Eles são substâncias que não estão naturalmente presentes nos alimentos e com as quais, até por conta disso, o nosso organismo não está acostumado a lidar. Para você ideia, hoje existem mais de 2 mil aromatizantes, milhares de emulsificantes — muitos deles associados a males cardiovasculares —, adoçantes artificiais e corantes, também envolvidos com doenças. A indústria fala: são todos aprovados. Mas qual o teste que ela faz? Ela se restringe a verificar se animais de laboratório desenvolvem algum tipo de câncer. Não há, por exemplo, uma

avaliação de como esses xenobióticos interferem no microbioma — zero! E a gente sabe que parte dos efeitos negativos têm a ver com isso que simplesmente nunca foi avaliado.

RODRIGO LAMOUNIER — Sem contar a quantidade, não é mesmo?

CARLOS A. MONTEIRO — Sim.

Quando você analisa um aditivo, avalia um por um isoladamente e naquele produto específico. Você não sabe como será o restante da alimentação da pessoa. A regulação dos aditivos é do século 20. Ora, nós estamos no século 21, onde um americano médio ingere 30, 40 tipos de aditivos todos os dias. E, além dos aditivos, temos entre os tais xenobióticos algumas substâncias que são formadas pelas condições do processamento. Muitos alimentos são submetidos à extrusão, com alta temperatura e alta pressão. E isso provoca o aparecimento de acrilamida, por exemplo, uma substância associada a vários problemas. Um terceiro grupo de xenobióticos, que é uma coisa muito recente, são moléculas das próprias embalagens — o bisfenol é a mais conhecida, porém existem várias. Elas passam lentamente para o produto, como já foi demonstrado. E como esses produtos têm uma vida útil de um, dois, três anos, você vai tendo uma passagem dessas moléculas cada vez maior. Não existe regulação disso.

ENTREVISTA:

CARLOS AUGUSTO MONTEIRO

“O ULTRAPROCESSAMENTO É UMA LINHA

DIVISÓRIA QUE NÃO DEVERÍAMOS CRUZAR”

O médico, com pós-doutorado em nutrição humana,

criador do Guia Alimentar para a População Brasileira, esclarece conceitos importantes para que todos

entendam o papel dos ultraprocessados na obesidade e em outras doenças crônicas

ENTREVISTA

RODRIGO LAMOUNIER — O “Guia Alimentar para a População Brasileira” traz, sem dúvida, uma classificação inovadora que, pelos congressos internacionais que acompanho, vem influenciando políticas públicas em diversos outros países, como a Suécia e Israel. Mas ele deixa de maneira um tanto secundária, digamos assim, a visão clássica da nutrição em relação à composição de macronutrientes que, até então, caracterizava aquilo que chamamos de uma alimentação equilibrada e saudável. Pergunto: nessa nova visão oferecida pelo Guia, o que seria uma alimentação saudável?

CARLOS A. MONTEIRO — O Guia

foi lançado em 2014, mas quando ele começou a ser produzido, ainda em 2011, a gente considerou as abordagens que outros guias seguiam.

E foi fácil perceber que a alimentação é algo muito dinâmico. Hoje ela é de um jeito, mas há dois anos era diferente e há vinte anos, mais diferente ainda. Assim, ela vai ser diferente daqui a uma ou duas décadas. E isso porque o sistema alimentar se modifica, inclusive em função dos avanços da ciência e da tecnologia. Daí, respondendo a sua pergunta, o que é uma alimentação saudável e as recomendações para tê-la é algo que precisa ser revisado o tempo todo.

RODRIGO LAMOUNIER — Então, nessa reflexão ao longo do tempo, a questão do processamento de alimentos ganhou um novo peso…

CARLOS A. MONTEIRO — Muito

antes de iniciar o trabalho para a criação do Guia Alimentar, por volta de 2005

e 2006, quando focava a relação entre alimentação, saúde e doença, a gente percebeu que o papel do processamento de alimentos tinha se modificado. Durante muito tempo, a sua principal função era aumentar o prazo de validade, a tal vida de prateleira. Aliás, isso era e continua sendo extremamente importante. É algo essencial para a segurança alimentar e até mesmo para diminuir a perda de alimentos. Um outro papel do processamento seria facilitar a preparação da comida. Ora, somos omnívoros, ou seja, comemos de tudo. Mas eu vou lhe dizer que só comemos de tudo porque aprendemos a preparar esses alimentos. Pense: existem as frutas e algumas hortaliças que você ingere sem nenhum tipo de processamento. No entanto, a maior parte dos alimentos a gente só consegue comer depois

“Quanto mais

alimentos

ultraprocessados

uma população

consome, menor

é o seu aporte

de fibras e maior

o de gorduras

e açúcares.”

(9)

ARTIGO

ENTREVISTA

RODRIGO LAMOUNIER — E qual seria o impacto na obesidade?

CARLOS A. MONTEIRO — Este é um

ponto importante. Podemos dizer que o nosso sistema de regulação do balanço energético já não funciona tão bem com a alimentação tradicional e questões relacionadas à evolução explicariam isso. Mas, quando você troca esse padrão que tem alimentos de verdade por formulações, tudo desanda de vez. Essas formulações são construídas em laboratório e têm uma proporção entre açúcares, gorduras e aditivos trabalhada de modo a maximizar a aceitação dos consumidores. A indústria teria o tal do

bliss point, que seria aquela combinação

que maximiza a palatabilidade de um produto. No caso do açúcar, por exemplo, vamos imaginar a fabricação de um biscoito: a indústria coloca 5 gramas desse ingrediente, depois 7 gramas, depois 10… Ela só deixa de acrescentá-lo quando a bancada de indivíduos que está fazendo a análise sensorial diz para parar porque está se tornando enjoativo. O açúcar é a caloria mais barata que há. E a indústria faz a mesma coisa com a gordura, até alcançar uma formulação que explode a palatabilidade. Note: não existe na natureza um alimento que tenha muito açúcar e muita gordura ao mesmo tempo. Se ele tem bastante açúcar, terá pouca gordura e vice-versa. Você tem estudos com neuroimagem mostrando que esse tipo de combinação interfere nas áreas que controlam o apetite e a saciedade. Eu costumo dizer que o ultraprocessado é obesogênico by design, porque ele é todo feito para ser muito palatável e para a pessoa consumir a maior quantidade de porções possível. Se você junta o desequilíbrio de nutrientes, a forte presença de xenobióticos e a capacidade de afetar negativamente os controles por trás da regulação do balanço energético, você tem o caminho para levar ao cenário atual da obesidade.

RODRIGO LAMOUNIER — O problema então, pelo que vejo, vai além do desequilíbrio de nutrientes… CARLOS A. MONTEIRO — Sim.

Você até encontra os ultraprocessados

premium, que eventualmente têm a adição

de fibras e proteínas, com adoçantes

no lugar de açúcar ou com uma gordura um pouquinho melhor. Ainda assim, esse ultraprocessado provavelmente vai enganar o cérebro em sua capacidade de regulação energética e você vai consumir uma quantidade maior desse alimento.

RODRIGO LAMOUNIER — Qual seria, na sua opinião, a solução?

CARLOS A. MONTEIRO — Ela não

seria reformular os ultraprocessados, como alguns imaginam. Não seria substituir o açúcar por adoçantes, tirar o excesso sal e colocar um pouco de fibras e vitaminas. Mesmo fazendo isso tudo, esse alimento continuará sendo um ultraprocessado e, como tal, ele

seguirá desencadeando a maior parte dos problemas que mencionei. Por isso mesmo, o nosso Guia Alimentar privilegia a classificação NOVA, considerando inclusive os tipos de processamento a que os alimentos são submetidos na hora de fazer as recomendações.

RODRIGO LAMOUNIER — Mas a tecnologia também não teria um papel importante no sentido de criar fontes de uma alimentação mais saudável?

CARLOS A. MONTEIRO

— Precisamos ter uma perspectiva histórica. A humanidade foi em frente porque passou a usar o fogo e a cozinhar, ampliando as suas possibilidades de consumo alimentar.

Aí veio a transformação artesanal, quando você tem grãos de trigo que viram farinha e, depois, um pão. Isso, lá nos primórdios, já era um processamento. Quando acontece a Revolução Industrial temos um salto em escala — não se assa mais o pão apenas para consumo próprio e o de seus vizinhos. E após esse período, o da industrialização, a tecnologia avança demais. Vamos pegar o exemplo da pasteurização do leite: ela foi incrível, garantindo o consumo seguro desse alimento, que passou a durar quatro ou cinco dias. Depois, a partir dessa tecnologia amigável, por assim dizer, eis que surge a ultra-pasteurizacão, a dos leites UHT, que nos proporciona uma validade de dois ou três meses. No entanto, continua sendo um método de temperatura que, em vez de diminuir a população de bactérias do leite, consegue esterilizá-lo. Há perdas e ganhos. Se você não colocar alguns estabilizantes no UHT, esse leite não vai estragar — afinal, está estéril —, mas fisicamente começará a formar uns grumos. E na classificação NOVA a gente teve esse cuidado: o uso do estabilizante por si não caracteriza o ultraprocessamento. No Guia, a maior parte dos alimentos do grupo 1 não tem aditivos, mas alguns até os contêm. Só que eles são desse tipo, como estabilizantes ou antioxidantes. O congelamento é outro exemplo de tecnologia que evoluiu e que traz benefícios. Você hoje encontra vegetais congelados que não perdem seus nutrientes. Um camarão ou um peixe que é congelado assim que é pescado fica excelente do ponto de vista organoléptico. Onde quero chegar: a ciência e a tecnologia de alimentos continuam sendo muito importantes e eu poderia dar vários outros exemplos. Mas o ultraprocessamento é uma linha divisória que você não pode cruzar.

RODRIGO LAMOUNIER

— Poderia nos dar uma ideia ainda mais

clara desse limite?

CARLOS A. MONTEIRO — Ele,

em essência, contém a ideia de você destruir um alimento, separando tudo o que está em sua matriz, para com esses componentes isolados construir produtos, recombinando a gordura de um com a proteína de outro e a gordura de um

“Não existe

na natureza um

alimento que tenha

muito açúcar

e muita gordura

ao mesmo tempo.

Já o ultraprocessado

é obesogênico

by design.”

terceiro, criando uma quarta coisa, bem diferente daquilo que encontramos na natureza — e, ainda por cima, levando aquela porção de substâncias estranhas. O que a ciência vem mostrando é que a forma como os componentes estão distribuídos em determinado alimento na natureza não é gratuita. Um exemplo: as fibras e os compostos fenólicos dos cereais estão combinados de uma maneira muito especial que protege este segundo elemento da destruição no estômago — justamente porque os compostos fenólicos estão grudados na fibra. Com isso, ele alcança o cólon, onde as bactérias vão digerir as fibras, liberando-os aos poucos. E, quando são liberados lentamente, eles são cardioprotetores. Mas, se tiver uma concentração muito alta desses mesmos compostos, eles passam a ser oxidantes. Isso é uma indicação de que existe um limite até onde você pode processar um alimento. Você pode pasteurizar, congelar, transformar um alimento em farinha… Você pode, enfim, fazer uma série de coisas, desde que mantenha a matriz alimentar. Por isso que, quando a gente fala que um ultraprocessado não é mais alimento, não é uma questão de retórica. Ora, você até pode encontrar substâncias, sobretudo os macronutrientes, naquele produto, eventualmente em uma proporção idêntica à de um alimento original. Mas não vai achar ali a mesma sinergia. Em resumo, sempre que você processa qualquer alimento, você tem chance de perder ou ganhar. Eu diria que, até os alimentos minimamente processados, você em geral ganha mais do que perde. No ultraprocessamento, porém, há uma inversão dessa relação e você perde muito mais do que ganha invariavelmente.

RODRIGO LAMOUNIER — E como o cidadão comum vai saber se ele passou essa linha ou não?

CARLOS A. MONTEIRO — Aí entra

o Guia Alimentar. Primeiro, ele sabe que, quando vai à feira e compra um tomate, ali está uma matriz na íntegra. O problema seria o alimento empacotado que, por lei, precisa exibir a sua lista de ingredientes. A primeira orientação do Guia Alimentar é olhar se, nela, existem mais do que dez, quinze, vinte ingredientes, porque aí há o risco de ser um ultraprocessado. Pode

até não ser — talvez seja uma granola com vários cereais ali dentro. Mas é um primeiro alerta. Na sequência — o que é até mais importante do que reparar na quantidade —, a pessoa deve prestar atenção em quais são esses ingredientes.

RODRIGO LAMOUNIER — E essa lista sempre vai daquilo que existe em maior proporção para o que está presente em menor quantidade, certo?

CARLOS A. MONTEIRO — Isso

mesmo. Aí, existem dois marcadores importantes para reconhecer que você está diante de um ultraprocessado. Se encontrar na lista algo que não está na sua cozinha — ou seja, não é carne, arroz, tomate, farinha, mas, quem sabe, dextrose, isolado proteico de soja, amido modificado e outros —, é para fica esperto. O segundo marcador são determinadas classes de aditivos que, como são usados em pequenas quantidades, aparecem no final da lista de ingredientes.

RODRIGO LAMOUNIER

— Quais seriam?

CARLOS A. MONTEIRO —

Basicamente aqueles que têm um efeito cosmético, como corantes, emulsificantes e aromatizantes— mesmo que esteja escrito que é “aroma natural de morango” ou do que for. Por que precisa ter o aroma de uma fruta? Porque ou a fruta de verdade não está ali presente ou está em muito pouca quantidade. Hoje existem aplicativos, como o Desrotulando, que ajudam o consumidor, analisando esses marcadores pelo código de barras. Portanto, embora o conceito de alimento ultraprocessados seja complexo — às vezes, até profissionais de saúde têm alguma dificuldade para compreender o que seria a matriz alimentar —, começam a aparecer formas práticas de descobrir quais são esses produtos. Bom deixar claro que a indústria não faz isso porque quer abastecer um supermercado com produtos ruins. A lógica é a de reduzir custos, que é a mesma de outros setores. Vamos pensar na indústria automotiva: hoje você compra um carro zero e boa parte dele é feita de plástico, um material mais barato e mais leve, que também ajuda a reduzir o consumo de combustível. Todo mundo ganha nesse caso. A indústria lucra mais e o consumidor economiza nos

postos de abastecimento. Mas, no setor de alimentação, a fórmula para aumentar o lucro produz doenças. E a questão é que essa indústria é muito poderosa.

RODRIGO LAMOUNIER — E vale notar que são conglomerados.

CARLOS A. MONTEIRO — Exato.

E eles compram o açúcar, o cacau e tudo mais do país onde for mais barato. Daí que fica difícil para para a indústria nacional competir. O dinheiro que esses conglomerados lucram, por sua vez, permite altos investimentos em um marketing sofisticado para os ultraprocessados. E as pessoas vão trocando o seu padrão tradicional de alimentação por esses produtos. Sempre digo que você pode ter dois carros ou dois aparelhos de televisão. Mas, com a dieta, não: ela tem um limite determinado. Você vai consumir suas 2 mil, 2,5 mil calorias por dia. E, quando faz isso por meio de ultraprocessado, o espaço para a alimentação tradicional necessariamente vai diminuindo. É uma pena. Em qualquer país do mundo, a fração da dieta preenchida por alimentos tradicionais é infinitamente mais saudável e equilibrada em termos nutricionais do que a fração ocupada pelos ultraprocessados — fração que, infelizmente, não para de aumentar.

RODRIGO LAMOUNIER

— Vários estudos relacionam o consumo

de frutose com doenças crônicas, como as cardiovaculares. E a frutose, mencionada nesses trabalhos, é a que aparece no xarope de milho dos ultraprocessados. Ela não tem a ver com o açúcar das frutas, mas as pessoas acabam confundindo. Não existiam muitas dúvidas conceituais como esta?

CARLOS A. MONTEIRO — A fruta é

excelente para eu explicar para um leigo o conceito de matriz original dos alimentos. Nela, você tem a sacarose e a frutose. O fato é que os estudos mostram que consumir fruta é fator de proteção e o mesmo açúcar dessa fruta no refrigerante é fator de risco. Por quê? Porque o que interessa seria qual é o outro nutriente que está ao lado dessa frutose ou com o que ela esta ligada. Não importa tanto a proporção, que pode ser até semelhante nas duas opções.

(10)

ARTIGO

ENTREVISTA

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais,

o endocrinologista RODRIGO LAMOUNIER é presidente da SBEM-MG e presidente do XXIII Congresso Brasileiro de Diabetes. RODRIGO LAMOUNIER

— É o caso do refrigerante e do suco

de laranja, por exemplo… CARLOS A. MONTEIRO

— E este não é o único de exemplo que temos de um produto ultraprocessado com os mesmos nutrientes de um alimento orginal, só que funcionando de um jeito diferente. Na realidade, é o que acontece sempre. Os alimentos da natureza têm um design inteligente. E aí temos um problema da própria ciência. Eu participo de discussões internacionais sobre adoçantes. Os estudos comparam refrigerantes com açúcar e refrigerantes adoçados artificialmente. Mas então eu questiono: por que não comparam com a água?! É como se não houvesse água. E, nessas horas, o que a indústria fala? Que as pessoas precisam de prazer, como se a água fosse uma opção entediante e chata. Voltamos ao marketing.

RODRIGO LAMOUNIER — E os suplementos? Hoje, boa parte dos ultraprocessados premium é enriquecida em proteína, seja a caseína, o whey… Essas opções vêm sendo abordadas inclusive em congressos médicos. Não seriam ultraprocessadas também?

CARLOS A. MONTEIRO

— Sim. E eu colocaria na mesma

situação esses substitutos de carne e de leite. Eles são rotulados como saudáveis e balanceados. O Gyorgy Scrinis, professor da Universidade de Melbourne, na Austrália, criou a expressão “nutricionismo” para a pseudo-ciência da Nutrição, que reduz a alimentação a nutrientes isoladamente, a requerimentos e à gestão. Acho que se aplica aqui: se você é homem, pesa tantos quilos e faz atividade física assim, então você precisa de tantos gramas de proteína, outros tantos de cálcio… Por aí vai. E a indústria cria produtos que oferecem exatamente essa fórmula.

RODRIGO LAMOUNIER

— É um pouco a ideia da comida

de astronauta, não?

CARLOS A. MONTEIRO

— E com um halo de saudável! Qual seria o problema? Esses produtos, incluindo fórmulas para emagrecer, confundem a ciência de nutrição, com toda a sua complexidade, e a sinergia entre os nutrientes com esse nutricionismo, sem qualquer garantia de as que coisas vão sair conforme os textos de requerimentos. Quem consome esses produtos entra em uma área desconhecida. Aquela proteína que não está mais no alimento pode ser uma roubada. No mínimo, pelo princípio da precaução, como dizemos na saúde pública, todos deveriam tomar muito cuidado. A indústria, claro, retruca. Pede provas de que o seu produto possa fazer mal. Mas é impossível para a ciência responder — e o mesmo vale para os aditivos — porque, para ter ideia, só nos Estados Unidos você tem de 2 mil a 3 mil novos ultraprocessados por ano, cada um único em sua composição. Ou eu coloco todos os laboratórios do mundo para testar o impacto de todos esses produtos contra todas as doenças possíveis e imagináveis ou, então, vou assumir que alguns resultados os quais eu já tenho em relação a alguns desses produtos são o suficiente para mostrar que eu não deveria trocar a alimentação tradicional por nada disso. Na minha opinião, deveríamos inverter o ônus da prova: os ultraprocessados é que deveriam mostrar evidências de que são saudáveis, contratando todos os

COMO SE TORNAR

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Se você é médico

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#OBESIDADE

EU ME

ATUALIZO

laboratórios do planeta para fazer todos os testes… E isso não vai acontecer.

RODRIGO LAMOUNIER

— No início dos anos 2000, o senhor

certa vez declarou que as pessoas estavam comendo menos feijão e ficando mais obesas...

CARLOS A. MONTEIRO

— Nosso grupo na Universidade de São Paulo tem uma tradição de trabalhar com indicadores de saúde e consumo alimentar, iniciada nos anos 1990. E começamos a notar que, a cada POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE), as pessoas iam consumindo menos arroz, feijão e também comprando menos óleo, sal e açúcar. Pensamos que, tudo bem, a diminuição do consumo de arroz e feijão era chata, mas que levar menos óleo, sal e açúcar para casa podia ser bom. Aí fomos ver e notamos que as pessoas continuavam consumindo esses três ingredientes, mas dentro de bolos prontos, macarrão instantâneo, biscoitos. Essa, eu diria, foi a nossa primeira pista, apontando para os ultraprocessados. Mas o feijão sempre foi um marcador importante. Se alguém compra feijão, é sinal de que cozinha e não fica diante do fogão só por 15 minutos, porque é uma preparação que demanda mais tempo. No Brasil, o feijão no carrinho indica que provavelmente aquela família se alimenta com salada, arroz, bife, com comida de verdade, enfim.

“A indústria não

quer abastecer um

supermercado com

produtos ruins.

A lógica é a de

reduzir custos.

Mas, no setor

de alimentação,

a fórmula para

aumentar o lucro

produz doenças.”

18 REVISTA ABESO

(11)

O Padrão é a Saúde

Histórias reais inspiram

Conheça a série “O Padrão é a Saúde”, uma produção

inédita do movimento Saúde Não Se Pesa, disponível

em nosso canal no YouTube. São quatro episódios

contando histórias reais de pessoas com obesidade

para inspirar e engajar seus pacientes.

Participação especial

Dra. Cintia Cercato

diretora da ABESO

EPISÓDIO 1:

Fabiane, 45 anos, conta como desenvolveu uma válvula

de escape na alimentação após três gestações.

EPISÓDIO 2:

Fabiano, 37 anos, tornou-se um triatleta amador

durante o processo de manter o seu peso perdido.

EPISÓDIO 3:

Thayná, 24 anos, relata como é viver com obesidade

desde a infância.

EPISÓDIO 4:

Delzuith, 73 anos, fala sobre os preconceitos

enfrentados por conta do seu peso.

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Referências

Documentos relacionados

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