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Sistema Holter e Síndrome Coronária Aguda. Após um quadro de síndrome coronária aguda (SCA), seja infarto com ou sem

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Sistema Holter e Síndrome Coronária Aguda

Dalmo Antonio Ribeiro Moreira

Chefe da Seção Médica de Eletrofisiologia e Arritmias Cardíacas Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Após um quadro de síndrome coronária aguda (SCA), seja infarto com ou sem supradesnivelamento do segmento ST, a grande preocupação do clínico é estabelecer o prognóstico do paciente. Felizmente, após o advento da era trombolítica, observou-se uma melhora significativa na evolução clínica particularmente pela abordagem precoce e com o salvamento do miocárdico isquêmico, impedindo que a área infartada se estendesse1. Os maiores benefícios desta forma de tratar se traduziram na redução dos quadros de insuficiência cardíaca bem como de arritmias, supraventriculares e ventriculares. Por essa razão a comparação do prognóstico dos pacientes tratados nas eras pré e pós fibrinolítica perde a razão exceto para se confirmar que realmente na atualidade a taxa de sobrevida é maior e a prevalência de arritmias é menor.

São escassas as informações sobre os mais diferentes tipos de arritmias detectadas na internação de pacientes com SCA. Um estudo recente apresentou resultados da monitorização de 278 indivíduos internados numa unidade de emergência com quadro de dor torácica e SCA confirmada por exames complementares2. Esses resultados foram obtidos por meio de monitorização eletrocardiográfica contínua na época da admissão hospitalar, ou seja na fase aguda. Os resultados estão na tabela 1.

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Tabela 1 - Arritmias cardíacas e distúrbios da condução cardíacos documentados em 278 pacientes internados com diagnóstico de SCA (segundo Wikler e cols).

Arritmia e distúbio de condução N %

Arritmias (pode haver >1)

Extras-sístoles ventriculares (<50/h) 60 22 Taquicardia ventricular não sustentada(>150 bpm) 42 15

(entre 6 e 14 batimentos)

Taquicardia supraventricular (>150 bpm) 37 13 Fibrilação atrial (predominante ou intermitente) 28 10 Taquicardia ventricular sustentada (>30 seg) 3 01

Assistolia 2 01

Torsades de pointes 1 <1

Defeitos de condução (pode haver>1)

BAV segundo grau 3 01

Bloqueio de ramo direito 26 09

Bloqueio divisional anterior esquerdo 13 05

Bloqueio de ramo esquerdo 8 03

Bloqueio divisional posterior esquerdo 2 <1

A aparente influência das arritmias na fase aguda do infarto parece menor quando se tem a possibilidade de avaliar outros aspectos do comprometimento cardíaco, não apenas do ritmo, mas da frequência cardíaca influenciada pelo tônus autonômico por meio da eletrocardiografia dinâmica pelo sistema Holter, conhecida como variabilidade da frequência cardíaca (VFC). Existem várias publicações relacionando a queda da VFC com o prognóstico mais sombrio dos pacientes após o infarto (ver adiante), independentemente da presença de arritmias, sendo assim uma variável empregada para estratificação de risco pós infarto. A turbulência da frequência cardíaca, uma técnica pouco difundida ainda em nosso meio, analisa o comportamento da frequência cardíaca após uma ectopia ventricular e que também avalia o efeito do sistema nervoso autônomo sobre o coração. Por fim, a análise do eletrocardiograma de alta resolução e da microalternância da onda T, por meio de softwares sofisticados que investigam a presença e as características funcionais do substrato

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arritmogênico. Após a alta da unidade de terapia intensiva, a monitorização eletrocardiográfica continua, por 24 horas ou mais pode ser empregada para detecção e extensão da isquemia miocárdica. Todas essas técnicas podem ser empregadas para estabelecer estratégias de tratamento e avaliar a sua eficácia. O Holter permite que toda essa investigação seja feita de maneira não invasiva3,4.

Nesse capítulo serão discutidos a importância e o papel da monitorização eletrocardiográfica contínua, pelo Holter ou looper recorder, em pacientes com SCA no que diz respeito a arritmias ventriculares e a isquemia miocárdica.

Monitorização eletrocardiográfica e arritmias cardíacas

Arritmias ventriculares

Arritmias ventriculares surgem em pacientes com SCA em duas fases, com prognósticos distintos. Nas primeiras 24 horas, as ectopias ventriculares e até a taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) podem ocorrer pelo mecanismo de automatismo anormal ou atividade deflagrada por pós-potenciais tardios5,6. O sistema nervoso simpático desempenha papel fundamental visto que sua atividade encontra-se exacerbada nessa fase. Além disso, a isquemia miocárdica aguda provoca alterações na capacidade da membrana em manter seu equilíbrio eletrolítico, facilitando a fuga de potassio e acumulando cálcio no interior da célula. Essas duas condições diminuem o potencial de repouso transmembrana, aproximando-o do limiar de disparo celular, favorecendo o surgimento de arritmias pelo mecanismo do automatismo anormal. O cálcio intracelular por outro lado, pode favorecer surgimento de ectopias por

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automatismo deflagrado por pós-potenciais além de provocar retardo da condução do impulso elétrico por seu acúmulo nas junções comunicantes, resultando em desacoplamento elétrico entre células5. As alterações da eletrofisiologia cardíaca são heterogêneas dentro do próprio tecido isquêmico, sendo maiores em algumas regiões menores em outras. A recuperação da excitabilidade celular traduzida pela duração da refratariedade da célula, varia entre tecidos adjacentes, sendo menor quanto menor o potencial de repouso celular. Essa dispersão das propriedades eletrofisiológicas é importante para gênese de arritmias e agravada com a persistência do quadro isquêmico (figura 1). A hiperatividade adrenérgica pode sensibilizar todo esse sistema facilitando o surgimento das ectopias e também de taquiarritmias ventriculares pois, o aumento da frequência sinusal, pode provocar ativações diferentes em áreas com propriedades elétricas distintas, causar fragmentação da frente de onda e precipitar fibrilação ventricular. Essa possibilidade aumenta em caso de manutenção do quadro isquêmico pois as catecolaminas reduzem o limiar para fibrilação ventricular nessa condição5-8.

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Figura 1 – Representação esquemática da dispersão da repolarização ventricular em área isquêmica. Observe que na fase de repolarização, correspondente às ondas T, existem células com diferentes graus de recuperação da excitabilidade, que se traduz por períodos refratários distintos. Essa dispersão se intensifica pela intensa atividade adrenérgica e também após uma ectopia ventricular. Em vigência de isquemia, ectopias ventriculares podem deflagrar fibrilação ventricular (Segundo Moreira DAR).

Após as 24/48 horas, as arritmias ventriculares surgem em decorrência de um circuito reentrante já estabelecido. Na borda entre o miocárdio isquêmico e sadio, a reentrada de batimentos cardíacos normais gera as ectopias que podem se manifestar como extra-sístoles ventriculares, TVNS ou taquicardia ventricular sustentada (TVS). A gravidade dessa arritmia está diretamente

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relacionada com a extensão da área isquêmica e, o grau de disfunção ventricular, pode influenciar de maneira maior ou menor o surgimento da taquicardia ventricular. Já é conhecida de longa data a relação entre a frequência das ectopias, o grau de acometimento da função ventricular e o prognóstico dos pacientes. Menores frações de ejeção associadas a mais ectopias, causam pior prognóstico a médio e longo prazo7-9. (Tabela 1)

Tabela 2 - Relação entre fração de ejeção e arritmias ventriculares detectadas ao Holter, observada no estudo Multicenter Investigation for Limitation of Infarct Size (segundo Bigger JT e cols9).

Variáveis Mortalidade total Morte súbita R.relativo

ESV< 10 FE> 40% 5 2 1

ESV>10 FE<40% 19 10 6

ESV<10 FE>40% 20 8 5

ESV>10 FE<40% 40 18 11

Arritmias ventriculares em pacientes com infarto com supradesnivelamento do segmento ST

Em infartos com supradesnivelamento do segmento ST, caracterizando portanto, a lesão miocárdica transmural, as ectopias ventriculares e a TVNS ocorrem em até 11% dos casos após a trombólise e em até 8% dos pacientes reperfundidos, nas primeiras 24 horas de evolução10. Taquicardias ventriculares mais graves, particularmente a TVS são bem menos frequentes,

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manifestando-se em cerca de 3% dos casos nas primeiras 48 horas após a internação10. A taquicardia ventricular polimórfica ocorre pela presença de isquemia miocárdica.

O prognóstico dos pacientes com ectopias ventriculares e TNVS é bom quando ocorrem até 24 horas após o infarto11,12. Estudos mais antigos sinalizavam que a TVNS após as 24 ou 48 horas poderia ter impacto negativo na sobrevida, associando-se com maior risco de TVS e até morte cardíaca súbita por fibrilação ventricular seja ainda no hospital ou após a alta13,14. Entretanto, conforme comentado anteriormente, após a era trombolítica, a TVNS deixa de ter importante valor prognóstico quando outras variáveis, como a fração de ejeção, passa a ser considerada1,15.

Um estudo que avaliou o prognóstico da TVNS após o infarto demonstrou que essa arritmia não identificava pacientes de alto risco para morte súbita a longo prazo. Em 325 sobreviventes consecutivos de infarto do miocárdio, o Holter foi realizado 10±6 dias após o evento agudo. Todos os pacientes foram submetidos a angiografia coronária e cineventriculografia para avaliação da função do ventrículo esquerdo. Além disso, foi determinada a VFC pelo Holter. A média de acompanhamento foi de 30±22 meses. A prevalência da TVNS foi de 9%. A TVNS associada a disfunção ventricular, foi observada em apenas 2,4% dos casos. No seguimento clínico, 25 pacientes atingiram os objetivos finais do estudo, composto de morte cardíaca, TVS ou fibrilação ventricular ressuscitada. Apenas os dados da VFC e fração de ejeção, além do estado da artéria responsável pelo infarto, foram preditores de eventos arrítmicos pela análise univariada. A TVNS causou um risco relativo de 2,6 quanto ao objetivo primário do estudo mas sem valor preditivo se somente os eventos arrítmicos

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fossem considerados. Pela análise multivariada, apenas a baixa VFC, baixa fração de ejeção e o estado da artéria relacionada ao infarto associaram-se com os objetivos finais do estudo16. Resultados similares foram observados no estudo DANAMI-2 que realizou Holter em 1017 pacientes com infarto com supradesnivelamento de ST tratados por meio de angioplastia primária ou fibrinólise. A prevalência de TVNS foi similar em ambas as formas de tratamento e não houve associação com maior taxa de mortalidade17. Makikallio e cols, numa avaliação de 2130 pacientes após infarto, com idade média de 59 anos e com seguimento médio de 1112 dias, demonstraram que a TVNS detectada ao Holter só tem valor prognóstico significativo para morte súbita quando associa-se a fração de ejeção acima de 35%. Ao contrário do conhecimento já estabelecido, de que pacientes com piores graus de disfunção ventricular são os de maior risco para morte súbita após o infarto, nos pacientes deste estudo com fração de ejeção abaixo de 35% a TVNS não identificou pacientes com pior prognóstico18. Isso talvez se deva ao grau acentuado de disfunção ventricular, que mais se associa a morte por insuficiência cardíaca. Por outro lado, pacientes com melhores frações de ejeção podem apresentar maiores efeitos da atividade adrenérgica sobre o coração, e estas podem causar maior instabilidade elétrica ventricular e, portanto, morte súbita arrítmica. No estudo CARISMA19 que avaliou os resultados da monitorização eletrocardiográfica no período pós-infarto, a incidência de TVNS foi de 13%, detectada pelo monitor de eventos implantado de 2 a 5 dias após o evento agudo em 297 pacientes com fração de ejeção <40%. A TVNS foi a arritmia ventricular mais frequente e não se associou a maior risco de morte súbita na evolução clínica. Desse modo, com a reperfusão

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precoce e uso de beta-bloqueadores, a TVNS deixou de ser um preditor independente de morte súbita em pacientes após a fase aguda do infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, particularmente quando se considera o estado da função ventricular.

Após a era trombolítica o estudo ATRAMI foi o único que associou a TVNS documentada no período pós infarto com maior risco de morte súbita. Numa avaliação de 1071 pacientes com infarto recente (até um mês de evolução), a TVNS detectada ao Holter foi um preditor independente de prognóstico adverso20.

Arritmias ventriculares em pacientes com infarto sem supradesnivelamento do segmento ST

Nos pacientes com infarto sem supradesnivelamento do segmento ST, as ectopias ventriculares são frequentemente registradas e, especialmente a TVNS, ocorre em 18 a 25% dos casos10. Essa prevalência é documentada mesmo nos indivíduos submetidos a tratamento por meio de revascularização miocárdica e tratamento farmacológico otimizado. Episódios com quatro a 7 batimentos associam-se de maneira independente a maior risco de morte cardíaca súbita, especialmente quando há isquemia. Durante monitorização eletrocardiográfica por 7 dias, buscando a presença de ectopias e também de isquemia miocárdica em pacientes do estudo MERLIN-TIMI 36, a TVNS foi documentada em 56,4% dos casos21. Episódios de quatro a 7 ou até acima de 8 batimentos, documentados particularmente após 48 horas do evento agudo, associaram-se com maior risco de morte súbita principalmente quando havia

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isquemia concomitante22. A coexistência de TVNS com isquemia indicava um risco morte súbita da ordem de 10% em três meses. Por outro lado o prognóstico parecia não sofrer qualquer alteração quando a TVNS era documentada antes das 48 horas decorridas do infarto22.

A taquicardia ventricular sustentada (TVS) ou fibrilação ventricular são eventos menos frequentes, ocorrendo em cerca de 1,5% dos pacientes com infarto sem supradesnivelamento de ST, ocorrendo a grande maioria (60%) após as 48 horas do infarto10. No estudo EARLY ACS a TVS e a fibrilação ventricular que ocorreram na fase precoce como também na fase mais tardia do infarto (>48 horas) foram preditoras de maior risco de óbito23. Desse modo o prognóstico das arritmias ventriculares em pacientes com infarto sem supradesnivelamento de ST parece ser mais sombrio e o Holter de 24 horas tem um papel preponderante na estratificação de risco dessa população.

O Holter na insuficiência coronária crônica

Nessa condição o Holter é um procedimento importante como método auxiliar na estratificação de risco para eventos arrítmicos potencialmente fatais. Além de detectar arritmias ventriculares isoladas, acopladas e até TVNS, outras informações podem ser obtidas pela monitorização eletrocardiográfica de 24 horas, principalmente testes que avaliam a influência do sistema nervoso autônomo sobre o circuito arritmogênico. Os estudos clínicos indicam que a associação de dados baseados na investigação eletrocardiográfica como a variabilidade do intervalo RR, a turbulência de frequência cardíaca,

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microalternância das ondas T podem auxiliar o clínico na identificação de pacientes com risco maior para morte súbita de origem arrítmica. O eletrocardiograma de alta resolução, um procedimento que avalia a presença de um substrato arrítmico em coronariopatas crônicos é outra ferramenta auxiliar e que também pode ser obtida pelo Holter.

Pelo fato da morte súbita ser de causa multifatorial, múltiplos métodos de investigação são empregados para estimativa de sua ocorrência em certos casos e para isso o Holter é um procedimento simples, accessível, de fácil utilização e que pode fornecer muitas informações com bom valor preditivo para eventos cardiovasculares na insuficiência coronária crônica, conforme será discutido a seguir.

Testes que avaliam a Função Autonômica

As influências do sistema nervoso autônomo, especificamente aumento da atividade adrenérgica e redução da atividade vagal, modulam a susceptibilidade para morte cardíaca súbita após o infarto. As catecolaminas em excesso são arritmogênicas e um dado interessante, os seus níveis plasmáticos têm padrões similares às variações diurnas de apresentação da morte súbita24. Indivíduos cuja frequência cardíaca média em repouso é elevada (indicando teoricamente maior atividade de catecolaminas), têm maior risco de morte súbita25. Portanto, a hiperatividade adrenérgica pode ter papel importante na gênese de morte cardíaca e a sua identificação, preferencialmente por métodos não invasivos, pode ser importante.

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Variabilidade da frequência cardíaca

O Holter pode fornecer, além de informações sobre arritmias e a presença de isquemia, dados sobre a influência do sistema nervoso autônomo sobre o coração representada pela VFC e turbulência da frequência cardíaca26.

A VFC é um teste que estuda a influência de sistemas autonômicos, simpático e parasimpático sobre o ciclo sinusal e, de maneira indireta avalia a ação dos mesmos no restante do coração, particularmente sobre os ventrículos26. Ambas as divisões do sistema nervoso atuam de maneira conjunta compensando fisiologicamente oscilações na homeostase e, têm ação antagônica na estabilização das mais diferentes funções fisiológicas. Este efeito autonômico se manifesta por variações na frequência de disparo do nódulo sinusal (acelerações em alguns momentos, desacelerações em outros) e que podem ser dimensionadas por meio de registros especiais.

É importante salientar que o objetivo deste teste não é a pesquisa específica da frequência sinusal mas, por meio da análise da sua variação, determinar qual divisão está efetivamente exercendo seu papel na estabilização de um distúrbio fisiológico. Na doença que se estabelece, é comum a diminuição das variações da frequência sinusal e, quanto maior o quadro de descompensação maior deve ser esta queda. Uma redução da VFC está presente quando a atividade simpática predomina, o contrário ocorre quando predomina a função parasimpática26. Qualquer condição clínica que se associa a um quadro de descompensação e deflagra os mecanismos de compensação por meio do aumento da atividade autonômica simpática por exemplo, poderá apresentar diminuição na variação dos ciclos sinusais. Com a melhora da condição

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subjacente, há redução da atividade simpática e isso pode se manifestar com restabelecimento da variação da frequência sinusal. Na fase aguda de uma síndrome coronária a atividade simpática predomina pois deve ser o primeiro mecanismo de compensação clínica nessa fase precoce. São com esses objetivos que se implementa a pesquisa da VFC nas mais diferentes situações. A VFC é avaliada quando da realização de curtos registros eletrocardiográficos de dois, cinco, 8 até 15 minutos26-28 ou, então, pela gravação do Holter de 24 horas. A análise feita pelo Holter pode sofrer interferências do ritmo circadiano bem como da atividade exercida pelo paciente, daí a maior vantagem dos registros de menor duração. Pode ser obtida no domínio do tempo, quando se empregam análises estatísticas dos diferentes intervalos de frequência cardíaca. Os índices mais empregados para este fim são o SDNN (desvio padrão da média dos intervalos RR) e o pNN50 (definido como percentagem de intervalos RR adjacentes cuja diferença da distância entre eles seja maior que 50 ms)26,28. Estes índices refletem a influência do sistema parasimpático sobre o nódulo sinusal. Outros índices empregados são o SDANNi, que representa o desvio padrão da média dos intervalos RR calculados em intervalos de 5 minutos; RMSSD, que é a raiz quadrada da média das diferenças dos intervalos RR sucessivos elevado ao quadrado. O SDNN e o pNN50 são os mais empregados na clínica (figura 2).26,28

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Figura 2 – Variabilidade do intervalo RR no domínio do tempo obtida pelo sistema Holter. Acima os histogramas indicando, a esquerda, variabilidade normal nas 24 horas de gravação (SDNN de 97 ms; pNN50 de 14,8%) e em intervalos específicos (entre 13:00 e 17:00 h e entre 02:00 e 06:00 h). A direita um paciente com variabilidade de RR menor (SDNN de 72 ms; pNN50 de 0,25%) . Observe a base estreita do histograma. Na porção inferior da figura, o gráfico de frequência cardíaca nas 24 horas de gravação. Observe a esquerda a intensa variação da frequência e, a direita note que o gráfico é quase uma “linha”, indicando muito pouca variação da frequência.

No domínio da frequência, após a obtenção da série temporal dos intervalos RR, é realizada a análise espectral, que determina de modo qualitativo e quantitativo, as diferentes faixas de variação daqueles intervalos (alta frequência entre 0,15 e 0,45 Hertz [Hz]) e baixa frequência (entre 0,0033 e 0,15 Hz). Assim são obtidos pela transformada rápida de Fourier (figura 3), os componentes de ultra-baixa frequência (<0,0033 Hz) que indica quase nenhuma variação entre os intervalos RR; muito-baixa frequência (entre 0,003 e 0,04 Hz); baixa frequência (entre 0,04 e 0,15 Hz); alta frequência (entre 0,15 e 0,5 Hz) e a potência total (0-0,5 Hz). Os componentes de ultra-baixa frequência e muito baixa frequência, por representarem índices com mínima

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variação dos intervalos RR, são determinados apenas em registros prolongados. Além destas faixas de frequência obtém-se também a relação baixa frequência/alta frequência (relação LF/HF)26-28. Os componentes de alta frequência geralmente sinalizam as ações rápidas (batimento a batimento), corretivas da ação parasimpática mediada pelos ciclos respiratórios sobre o ritmo sinusal; os componentes de baixa frequência sinalizam os efeitos corretivos mais lentos da atividade simpática sobre o ritmo sinusal (embora apresentem também alguma influência da atividade vagal)26,28,29. Outros fatores, como processos de termorregulação, tônus vasomotor e o sistema renina-angiotensina também podem estar associados com a modulação da frequência sinusal, afetando particularmente os componentes de muito baixa frequência e ultra-baixa frequência. A relação LF/HF indica o balanço simpato-vagal, sendo um forte índice de influência autonômica sobre a frequência sinusal26,28.

Tanto a análise no domínio do tempo como no domínio da frequência, fornecem informações semelhantes por técnicas diferentes. A diminuição da VFC está associada a maior risco de morte no período pós-infarto30, entretanto, não está ainda claro seu papel na predição de risco de morte súbita de causa arrítmica nesta fase. Isso ocorre pela dificuldade de se determinar o mecanismo real do óbito (se de causa arrítmica ou não) que o paciente apresentou.

A influência de alterações autonômicas sobre a frequência de disparo do nódulo sinusal pode sofrer interferências do estado da doença atual e também pela progressão da doença. Como exemplo, consegue-se determinar a progressão de um quadro de insuficiência cardíaca e até mesmo a mortalidade

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total neste quadro31. É possível que as previsões de morte baseadas na baixa VFC se devam muito mais a cardiopatia subjacente e a presença de arritmias ventriculares na insuficiência cardíaca, por exemplo, do que as influências autonômicas representadas pelas variações da frequência propriamente.

O primeiro estudo que demonstrou o papel da VFC na identificação de maior risco de óbito no período pós-infarto foi o de Kleiger e cols30. Nesta publicação, pacientes com SDNN abaixo de 100 ms tinham maior risco de óbito em comparação com aqueles cujo SDNN superava os 100 ms. Risco maior (5,3 vezes mais) apresentavam os pacientes com SDNN abaixo de 50 ms. O estudo de Kleiger foi realizado antes da era trombolítica. O mesmo grupo confirmou estes resultados empregando a análise da variabilidade de RR no domínio da frequência32.

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Figura 3 – Apresentação gráfica da variabilidade da frequência cardíaca no domínio da frequência, obtida de uma série de intervalos RR correspondentes a 5 minutos de gravação ao Holter. Na abscissa a variação da frequência em Hertz (Hz) e na ordenada a potencial total (ms2/Hz). Acima as características observadas em um paciente normal e abaixo de um paciente com baixa variabilidade. O gráfico superior mostra que nos 5 minutos de registro existem grandes variações da frequência sinusal representadas pelo componente de alta frequência representado pela atividade vagal (frequência de 0,3 a 0,4 Hz na abcissa) e, também, períodos de menor variação da frequência sinusal (correspondente a frequência entre 0,05 e 0,1Hz) representado pela atividade simpática. Note que a relação simpáto-vagal (LF/HF) é de 0,55, indicando nítido predomínio vagal nessa situação. No gráfico inferior, o paciente não apresenta grandes variações de frequência sinusal porque o componente de maior frequência representado pelo vago está deprimido. Veja que na abcissa, há um grande predomínio da atividade de baixa frequência, até 0,1 Hz, representada pela atividade simpática. A direita de ambos os gráficos os dados numéricos referentes aos valores dos componentes de muito baixa frequência, baixa frequência, frequência alta e a potencia total. Note que a relação simpato-vagal (relação LF/HF) é de 2,18 indicando predomínio da atividade simpática.

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O estudo GISSI 2 entretanto, avaliou 576 pacientes submetidos a trombólise na fase aguda do infarto, empregando o Holter para a análise da VFC, antes da alta hospitalar. Os autores demonstraram que a baixa VFC foi um forte preditor de eventos cardíacos no seguimento clínico33. Na era moderna, em que os beta-bloqueadores têm papel importante no tratamento de pacientes no período pós-infarto, Huikuri e cols. demonstraram que os testes de função autonômica, como a VFC, apresentam menor valor preditivo na identificação de pacientes de risco para morte súbita34. Os beta-bloqueadores muito frequentemente empregados podem influenciar esses resultados.

De acordo com a meta-análise publicada por Bailey e cols, a sensibilidade da VFC para identificação de pacientes com alto risco de óbito no período pós-infarto é de 49,8% (variando entre 37,5 e 62,5%) e especificidade de 85,8% (variando entre 82,1 e 88,9%)3. Deve-se ressaltar no entanto, que a maioria dos estudos nesta publicação, a VFC teve algum valor estatístico principalmente na predição de morte por causas não arrítmicas.

A acurácia preditiva deste teste melhora quando se associa a outros métodos de investigação, como a presença de disfunção ventricular e alterações do eletrocardiograma de alta resolução. Por exemplo, no estudo ATRAMI, pacientes no período pós-infarto do miocárdio que apresentavam baixa VFC tinham risco de óbito 2,3 vezes maior quando se considerava a baixa fração de ejeção e a presença de ectopias ventriculares35.

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Turbulência de frequência cardíaca

É um tipo de investigação que também analisa a influência do sistema nervoso autônomo, após uma extra-sístole ventricular, sobre a frequência cardíaca mediada pelo nódulo sinusal (figura 5)36-38. A resposta normal após a ectopia é o aumento da frequência sinusal seguida de desaceleração da mesma, pois a pausa compensatória causa uma queda transitória da pressão arterial, logo seguida de inibição da atividade vagal. Com o aumento da frequência cardíaca que ocorre em seguida, restabelece-se a condição normal, com estabilização da frequência sinusal. Uma resposta abolida neste teste manifesta-se com ausência de elevação da resposta sinusal, uma indicação não invasiva de depressão da sensibilidade baroreflexa36.

São calculadas duas variáveis nesse teste: uma é conhecida como TO (turbulence onset ou ínicio da turbulência) que corresponde ao período de aceleração precoce da frequência cardíaca logo após a extra-sístole. Pode ser determina pela fórmula36:

TO = ((RR1 + RR2) - (RR-2 + RR-1)) / (RR-2 + RR-1) * 100

RR1 e RR2 correspondem aos intervalos RR após a extra-sístole ventricular; RR-2 e RR-1 correspondem aos intervalos RR antes da extra-sístole.

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A outra variável é a inclinação da fase de desaceleração, conhecida como TS (turbulence slope). Corresponde a inclinação mais íngrime das retas de regressão linear para cada conjunto de cinco intervalos RR sucessivos dentro dos 20 primeiros batimentos sinusais após a extra-sístole ventricular (figura 5).

Figura 5 – Determinação da turbulência da frequência cardíaca. Acima o eletrocardiograma com a extra-sistole ventricular e a curva de pressão arterial logo abaixo. RR-2 e RR-1 indicam os intervalos RR antes da extra-sistole e RR1 e RR2 os intervalo RR após a extra-sistole. Embaixo a esquerda a variável turbulence onset e a direita a turbulence slope. (modificado de http://www.librasch.org/hrt/en/calc.htm39)

A resposta anormal a este teste (figura 6) associa-se a maior risco de morte por todas as causas e mortalidade cardiovascular em pacientes no período pós-infarto do miocárdio. Estudos realizados após o advento da era da reperfusão, confirmam a importância da turbulência de frequência cardíaca como preditor de morte após o infarto do miocárdio4.

Numa complementação, com o objetivo de refinar a técnica de análise da turbulência da frequência cardíaca, ficou demonstrado que a capacidade de desaceleração da frequência sinusal é um importante preditor de óbito após o

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infarto do miocárdio37. Este tipo de procedimento, contudo, ainda não está difundido em nosso meio.

Figura 6 – Turbulência de frequência num paciente de baixo risco no período pós-infarto (A) e num paciente de alto risco (B). Em A observa-se o aumento da frequência cardíaca logo após a pausa compensatória da extra-sístole ventricular, seguida de período de desaceleração. Em B, a frequência cardíaca após a extra-sístole não se modifica. Na ordenada está o intervalo RR e na abcissa o número de batimentos analisados. A frequência cardíaca aumenta no sentido 1500 500 ms.

No estudo REFINE, os resultados da turbulência de frequência cardíaca associada com a microalternância das ondas T, identificaram um em cada cinco pacientes com maior probabilidade de eventos arrítmicos41. Por esta razão, os autores sugerem que os mesmos deveriam ser monitorados com maior atenção e tratados de maneira mais vigorosa com fármacos que reduzem os riscos de complicações no período pós-infarto41. A indicação do CDI baseada somente nos resultados destes exames, pareceu precoce segundo os autores. Por outro lado, quando os resultados eram negativos, quatro de cada cinco pacientes estavam livres daquelas complicações, indicando melhor prognóstico. Estes dois testes foram os que apresentaram a

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maior acurácia preditiva na identificação de pacientes com risco para morte súbita41. As informações mais recentes a respeito da turbulência de frequência cardíaca indicam ser este um método promissor na estratificação de risco de morte súbita cardíaca. Este teste entretanto ainda não foi empregado para guiar o modo de tratar pacientes de risco.

Eletrocardiograma de alta resolução (ECGAR)

Este teste não invasivo avalia especificamente as características do substrato arritmogênico. Em condições normais, após completada a despolarização ventricular, o ventrículo se repolariza e um novo ciclo se inicia. Em pacientes com história de infarto do miocárdio entretanto, uma área doente, formada por células normais, entremeadas com células em processo de degeneração, dá origem a condução lenta do impulso naquele local. A atividade elétrica tecidual sadia apresenta eletrogramas de características normais, curta duração, ascensão e queda rápidas. Nas áreas doentes os eletrogramas são de baixa amplitude, fracionados, longa duração que chegam a ultrapassar a duração do complexo QRS, ou seja, mesmo após completada a despolarização ventricular, alguma ativação ainda ocorre na área doente (figura 7). Caso, ao completar-se esta ativação, a frente de onda encontra tecido fora da refratariedade a sua frente, um novo batimento, agora de origem ectópica poderá surgir pelo mecanismo de reentrada.

Os potenciais fracionados de áreas não sadias, só podem ser detectados por meio de eletrodos intracavitários. Com algoritmos especiais e utilizando as derivações ortogonais X, Y e Z, com sistema de filtragem que diminui a

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interferência de sinais de baixa amplitude (como tremores musculares, interferências eletromagnéticas externas) e amplificação apropriada dos sinais entretanto, o eletrocardiograma pode ser registrado e, após manipulações por software específico, aqueles potenciais elétricos da área doente poderão ser

detectados de maneira não invasiva. Esta é a base da eletrocardiografia de alta resolução. Em outras palavras, um sistema capaz de identificar a presença de potenciais elétricos manifestados por eletrogramas que representam ativações de áreas doentes do miocárdio e que podem ser indicativos da presença de microcircuitos reentrantes nos ventrículos42.

Figura 7 – Características dos eletrogramas obtidos de tecidos normais (à esquerda) e tecidos doentes (à direita). Observe que os eletrogramas de tecido normal são de ascensão e queda rápidas e terminam juntamente com os complexos QRS após completada a despolarização. Em tecidos doentes, aqueles potenciais são de baixa amplitude, longa duração, ultrapassando o limite do QRS, indicando que a despolarização ventricular ainda não terminou. Estes eletrogramas doentes são indicativos da presença de um circuito arritmogênico e podem ser captados por um sistema especial, dotado de um software de análise apropriado (ECGAR).

As variáveis avaliadas pelo ECGAR são: a duração do complexo QRS (normal até 114 ms); a duração da porção terminal do complexo QRS abaixo de 40 µVolt (conhecido como LAS; normal abaixo de 38 ms); a raiz quadrada média

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da voltagem dos 40 ms finais do QRS (conhecido como RMS; normal > 20 µV). Na prática clínica, entretanto, a duração do QRS filtrado é a variável mais valorizada. Quando os valores correspondentes estão alterados o paciente tem ECGAR positivo, indicando a presença de potenciais tardios42.

O aumento da duração do QRS ao ECGAR em indivíduos com complexos QRS normais, indica um risco maior para eventos cardíacos, ou seja morte súbita de origem arrítmica43-45. Além disso, o ECGAR anormal prediz a indução de taquicardia ventricular sustentada pela estimulação ventricular programada, tanto na cardiopatia isquêmica como não isquêmica45. Esta técnica de estratificação de risco identifica de maneira consistente os pacientes com maior risco de recorrências de taquicardia ventricular na miocardiopatia isquêmica, mas não na miocardiopatia não isquêmica. Na presença de outros fatores de risco para morte súbita, como a taquicardia ventricular não sustentada e disfunção ventricular, o ECGAR tem papel importante na estratificação de risco. No estudo MUSTT a combinação duração de QRS > 114 ms ao ECGAR e fração de ejeção <30% identificou os pacientes de maior risco para morte súbita. Neste estudo, dos 1268 pacientes que se submeteram ao ECGAR, este esteve alterado (QRSd >114 ms) em 553 (44%). Do total, 230 pacientes (18%) tiveram morte súbita de causa arrítmica. Daqueles com ECGAR alterado e fração de ejeção < 30%, 36% tiveram mortalidade súbita em 5 anos enquanto que, aqueles com fração de ejeção entre 30 e 40% e ECGAR normal, a incidência de morte arrítmica foi de 13%45.

Na era da reperfusão e revascularização miocárdica precoces, o papel do ECGAR na predição de evento arrítmico tornou-me menos útil porque maior massa muscular pode ser preservada com menor possibilidade de formação do

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substrato arritmogênico. O estudo CABG Patch Trial avaliou o risco de eventos arrítmicos graves em 900 pacientes com disfunção ventricular e ECGAR alterado e submetidos a revascularização miocárdica, randomizados para tratamento profilático com CDI (446 pacientes)46. Os resultados foram comparados com outro grupo de características clínicas similares mas que não receberam o CDI (454 pacientes). O objetivo primário do estudo foi a mortalidade global. Num seguimento clínico de 32±16 meses, houve 101 óbitos no grupo tratado com CDI e 95 no grupo com tratamento convencional (razão de risco=1,07; p=0,64)46. É possível que a revascularização miocárdica com a melhora da perfusão, possa ter modificado o substrato arritmogênico e consequentemente o prognóstico, independentemente dos resultados do ECGAR e da fração de ejeção. Houve redução de 45% da mortalidade arrítmica pelo CDI, entretanto a mortalidade global não reduziu devido ao aumento do número de mortes não arrítmicas.

Bailey e cols sugerem que a associação dos dados do ECGAR com a fração de ejeção devem ser as etapas iniciais na estratificação de risco para morte súbita no período pós-infarto3. Pacientes com ECGAR e fração de ejeção normais têm baixo risco de eventos cardíacos arrítmicos (2% em 5 anos de segmento), enquanto que, quando estes testes estão alterados, a taxa de eventos sobe para 38%. Pacientes do grupo intermediário ou seja, um ou outro teste alterado, deverão ser avaliados por outras técnicas como a VFC e até mesmo a estimulação ventricular programada. A sensibilidade do ECGAR foi de 62,4% e a especificidade de 77,4% para identificar pacientes de risco para morte súbita de causa arrítmica na meta-análise publicada por Bailey e cols3.

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Figura 8 – Exemplo de traçados de eletrocardiograma de alta resolução obtidos de um indivíduo com coração normal (esquerda) e outro com história pregressa de infarto do miocárdio, fração de ejeção de 41% e taquicardia ventricular não sustentada ao Holter de 24 h (direita). Observe que as três variáveis (QRSd, LAS e RMS) estão alteradas no indivíduo doente. A estimulação ventricular programada neste paciente induziu taquicardia ventricular sustentada e no mesmo foi implantado um CDI. Paciente preenchia os critérios do estudo MUSTT.

A dificuldade na utilização do ECGAR na estratificação de risco em pacientes com infarto agudo ou após esta fase, está relacionada ao período em que esse procedimento deve ser realizado para ser útil do ponto de vista prognóstico. Alguns estudos realizaram o procedimento na fase aguda, outros ainda na fase de internação e outros após 30 dias decorridos do infarto, o que pode trazer resultados conflitantes. É possível que na fase aguda do infarto, essa seja uma técnica de pouca utilização pois muitas vezes o substrato arritmogênico ainda não se formou.

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Microalternância da onda T

É a variação súbita na amplitude da onda T e que está associada a maior risco de morte súbita ou eventos arrítmicos ventriculares potencialmente graves (figura 9)47-51. A alternância da onda T geralmente ocorre em frequências cardíacas mais elevadas do que aquela observada em repouso, por essa razão é importante que o exame seja realizado com o paciente atingindo frequência sinusal acima de 110 bpm, observada ao Holter, teste de esforço ou estimulação atrial. Este procedimento não deve ser realizado em pacientes com fibrilação atrial.

O teste avalia a vulnerabilidade para o surgimento de bloqueio funcional da condução do impulso, que facilita o rompimento de frentes de onda de despolarização levando ao surgimento de taquicardia ou fibrilação ventricular, conforme comentado no início deste capítulo, quando se descreveu os mecanismos arritmogênicos responsáveis pelas arritmias da fase aguda do infarto.

A microalternância de onda T tem como mecanismo básico a variação da duração do potencial de ação do miócito, provavelmente mediado por correntes de cálcio, que se intensifica com o aumento da frequência cardíaca50,52. Os potenciais de ação em diferentes durações nos diversos ciclos favorecem o surgimento de bloqueio unidirecional na propagação do impulso facilitando a excitação reentrante. De maneira geral a microalternância de T não é visível a olho nu (figura 9), sendo necessários equipamentos e softwares especiais para processamentos de sinas para sua obtenção.

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Figura 9 – Conceito de onda T alternante. Acima o eletrocardiograma com ondas T normais, de morfologia e amplitude constantes. Abaixo as setas apontam para ondas T de amplitudes variadas a cada ciclo (pequena-grande).

Dois tipos de técnicas são empregadas para sua detecção: a análise espectral e a média móvel modificada47,48. Esta última técnica foi desenvolvida para captação de sinais eletrocardiográficos para serem analisados por meio do Holter de 24 horas e não se utiliza a análise espectral como acontecia originalmente. Além disso, não é necessária frequência cardíaca elevada e podem ser utilizados eletrodos convencionais para sua obtenção51. Todos estes aspectos tornam o procedimento mais acessível, permitindo ser utilizado em maior escala, particularmente em estudos clínicos. O resultado esperado nesse teste é ausência de microalternância (resultado negativo) ou alternância presente (resultado positivo) ou parcialmente presente (resultado

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intermediário). Para fins investigacionais e clínicos, o resultado positivo e o intermediário são considerados como alterados.

Numa meta-análise que incluiu 2608 pacientes com história de insuficiência cardíaca, miocardiopatia isquêmica e não isquêmica, e indivíduos com coração normal, a microalternância de onda T alterada apresentou um valor preditivo positivo de 19,3% para eventos arrítmicos54. Não houve diferença entre cardiopatia isquêmica e não isquêmica. O que mais chamou atenção no entanto, foi o elevado valor preditivo negativo de 97,2%. Tal resultado pode sugerir que a terapia com CDI não é necessária caso este teste seja negativo, mesmo em pacientes com disfunção ventricular grave. Isso ficou claro no estudo publicado por Bloomfield e cols. que avaliaram a microalternância de T em 549 pacientes com fração de ejeção 40% (média=25%) no período pós infarto, sem história de arritmia ventricular prévia55. Os objetivos primários do estudo foram mortalidade por todas as causas e taquicardia ventricular sustentada não fatal. Na evolução em dois anos, a taxa de eventos foi de 15% nos pacientes com alternância não negativa e 2,5% no grupo com alternância. Neste último grupo, pacientes com fração de ejeção ≤30% tinham uma taxa de eventos de apenas 3,5%, em comparação com os pacientes com teste de alternância não negativo e fração de ejeção entre 31 e 40%. Estes dados sugerem que resultado negativo para teste de microalternância de onda T auxilia o clínico na decisão terapêutica quanto a indicação de CDI quando houver comprometimento da função ventricular. Microalternância negativa de onda T, mesmo em pacientes com baixa fração de ejeção, reduz a probabilidade de benefício do CDI quanto a prevenção primária de morte súbita arrítmica. Resultados similares foram observados em pacientes com

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miocardiopatia não isquêmica, no qual o valor preditivo negativo da microalternância da onda T negativa foi superior a 97%56. A crítica a este estudo entretanto, foi a baixa incidência de eventos arrítmicos e morte, tanto no grupo com microalternância negativa como nos testes anormais. Por essa razão a não indicação de CDI baseado no resultado negativo do teste da microalternância de T deve ser realizada com cautela, particularmente em pacientes com insuficiência cardíaca57, devendo ser levado em consideração outras variáveis. O máximo que eventualmente pode ser comentado é que pacientes com fração de ejeção ≤30% parece se beneficiar menos do CDI e o paciente deve estar ciente disso e auxiliar o médico na decisão da melhor forma de tratar.

Pelo fato da fração de ejeção isoladamente apresentar baixa sensibilidade na predição de risco de morte súbita e a estimulação ventricular programada ser um exame invasivo com aquele objetivo, foi idealizado um estudo que comparou os resultados do teste de microalternância de T com a estimulação ventricular programada (estudo ABCD – Alternans Before Cardioverter Defibrillator)58. Foram incluídos 566 pacientes, com fração de ejeção ≤40% , com TVNS mas sem a forma sustentada, seguidos por 1,9 ano. Os pacientes foram submetidos aos dois testes de estratificação de risco e o CDI foi indicado quando um dos testes era positivo. Na evolução, choque pelo CDI ou morte súbita ocorreu em 7,5% dos pacientes no primeiro ano e 14,5% no segundo ano. O valor preditivo positivo da microalternância de onda T foi de 10% e do estudo eletrofisiológico 11%. O valor preditivo negativo da microalternância de T foi de 95%, sendo o mesmo para o exame invasivo. A taxa de eventos foi 2,1 vezes maior nos pacientes com microalternância

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positiva e 2,4 vezes com a estimulação ventricular programada. Quando ambos os testes eram negativos a taxa de eventos era baixa (apenas 2%). Estes resultados confirmam a importância do valor preditivo negativo da microalternância de onda T na estratificação de risco destes pacientes58.

Pacientes que se submetem a angioplastia com ou sem implante de stents e que evoluem com taquiarritmias ventriculares após a reperfusão miocárdica apresentam maior intensidade de alternância de ondas T em comparação com pacientes sem arritmias. Esse dado indica que essa técnica pode ser empregada para monitorar pacientes com risco para arritmias potencialmente malignas durante a desobstrução arterial mecânica59.

A microalternância de onda T detectada após o infarto ainda na fase de hospitalização, sinaliza que esses pacientes têm maior risco de obstrução da microcirculação coronária e que por sua vez, se correlacionaria com maior grau de disfunção ventricular e angina recorrente60. Nessa condição, a microalternância de onda T é indicativo de piora do quadro isquêmico durante a a evolução clínica, muito mais do que preditor de taquiarritmias ventriculares60. A pesquisa da microalternância de onda T adiciona valor preditivo a outros testes de investigação utilizados, como a fração de ejeção, taquicardia ventricular não sustentada ao Holter e até a estimulação ventricular programada. As informações atuais indicam que a microalternância de onda T é um fator de risco para morte súbita, deve-se evitar entretanto, sua utilização isolada na estratificação de risco em pacientes no período pós-infarto ou em pacientes com miocardiopatia não isquêmica4.

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Arritmias ventriculares na insuficiência coronária crônica

É conhecido o fato de que a pacientes com história de infarto podem evoluir com ectopias ventriculares que se originam na borda entre a área necrótica e o miocárdio isquêmico. A condução lenta do impulso numa direção e o bloqueio em outra pode favorecer ao mecanismo de reentrada que gera a ectopia. Pacientes com insuficiência coronária são os mais amplamente avaliados nos estudos que envolvem as extra-sístoles ventriculares, pois representam a população de maior risco para morte súbita de causa arrítmica. Segundo Bigger, a prevalência de extra-sístoles ventriculares aumenta após a terceira semana da fase aguda do infarto do miocárdio9. Cerca de 30% dos pacientes apresentam três ou mais extra-sístoles ventriculares por hora, 20% acima de 10 por hora, e 10% mais de 30 por hora. A mortalidade é três a quatro vezes maior em pacientes cuja frequência é igual ou maior que 10 extra-sístoles por hora9,61. Não somente as arritmias precoces do período pós infarto influenciam o prognóstico. Alguns dados demonstram que as extra-sístoles detectadas até um ano depois, estão fortemente associadas com maior mortalidade total e súbita nesta população62.

As ectopias ventriculares podem ser uma evidência de maior comprometimento da fração de ejeção ventricular, pois a sua frequência é maior quanto maior o grau de falência do ventrículo esquerdo9. A presença de isquemia miocárdica pode também ser um fator que influencia a malignidade das extra-sístoles ventriculares pois esta pode ser um fator instabilizador do circuito arritmogênico e gerar uma taquicardia ventricular potencialmente fatal e fibrilação ventricular.

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As extra-sístoles ventriculares são um sinal preditor independente de mortalidade após o sexto mês do infarto do miocárdio62. Em pacientes com mesma fração de ejeção, a mortalidade é significativamente maior naqueles com extra-sístoles ventriculares62,63. Ao contrário destas, a disfunção ventricular identifica pacientes de maior risco para morte nos seis primeiros meses pós-infarto9. A associação entre maior grau de disfunção ventricular e ectopia ventricular frequente e complexa (acopladas, polimórficas e taquicardia ventricular não sustentada) aponta para um maior risco de morte nesta população. Do mesmo modo, a TVNS (registro de pelo menos três extra-sístoles ventriculares consecutivas), aumenta de 2,5 vezes o risco de morte súbita, independentemente da média horária das extra-sístoles isoladas64,65. O número de episódios e de batimentos por episódio de taquicardia, bem como, a duração destes, parece não influenciar a taxa de mortalidade64. Esta observação, contudo, não foi confirmada num estudo envolvendo pacientes submetidos a tratamento trombolítico na fase aguda do infarto e seguidos por até seis meses após a alta hospitalar1. Neste, 20% dos pacientes tinham mais de 10 extra-sístoles por hora ao Holter realizado antes de deixar o hospital. A mortalidade súbita e total (5,5%) foi maior em comparação àqueles com frequência menor que 10 extra-sístoles por hora (2,7%), mesmo quando tinham a mesma fração de ejeção. A ausência de influência da arritmia no prognóstico, talvez se deva ao efeito do agente trombolítico na redução da progressão do infarto66. A presença das ectopias não necessariamente indica maior instabilidade elétrica ventricular como causa provável de morte mas, maior comprometimento da função ventricular, sendo portanto, marcadores de pacientes mais graves.

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Na angina de Prinzmetal, ectopias ventriculares isoladas até taquicardia ventricular não sustentada podem ser registradas em cerca de 50% dos casos, durante os episódios de vasoespasmo, coincidentes com a elevação máxima do segmento ST. São mais frequentes durante episódios dolorosos do que quando assintomáticos e também durante o vasoespasmo mais que na fase de resperfusão66 (figura 10).

Figura 10 – Paciente de 53 anos, em repouso, apresentando angina de Prinzmetal evoluindo com taquicardia ventricular não sustentada, documentada ao Holter as 17:44 h (canal 1, MC1; canal 2 MC5; canal 3 equivalente a D3). Observe nos canais 2 e 3 supradesnivelamento do ponto J, com padrão de corrente de lesão subepicárdica. Paciente assintomático. O tratamento com diltiazem aboliu as alterações de repolarização ventricular e a taquicardia ventricular.

Isquemia miocárdica silenciosa

Apesar da redução da taxa de mortalidade por doença cardiovascular nas últimas décadas esta é ainda a maior causa de morte no mundo, representada por infarto do miocárdio e morte súbita. A isquemia miocárdica é o principal fator envolvido e, a forma silenciosa, tem um papel fundamental nessa

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condição pois está presente na grande maioria dos pacientes com doença coronária67. A isquemia silenciosa é uma manifestação não rara em pacientes com insuficiência coronariana e do ponto de vista clínico, como o próprio nome diz, manifesta-se sem que o paciente apresente sintomatologia quando do registro de alterações isquêmicas do segmento ST-T. Essas alterações são registradas geralmente durante as atividades regulares de rotina ou durante a noite. Em outras palavras, a isquemia silenciosa é a presença efetiva de isquemia sem o correspondente sintoma anginoso68. Está associada à evolução clínica desfavorável nos pacientes com doença coronária, no que diz respeito ao infarto, reinfarto, insuficiência cardíaca e morte por arritmias. A monitorização eletrocardiográfica pelo sistema Holter é o método indicado para avaliação desses pacientes, com objetivo de se detectar a frequência dos episódios de isquemia e quantificar a duração das alterações do segmento ST e ondas T (avaliação da carga isquêmica). Esses dados são importantes para se estimar o grau de comprometimento miocárdico pela isquemia, estabelecer a repercussão da doença além de auxiliar na estratégia terapêutica bem como avaliar o seu sucesso.

A isquemia pode ocorrer em indivíduos com doença coronária estável, no período pós infarto, antes da ocorrência do infarto, no pós operatório de revascularização miocárdica e também no período pós angioplastia68,69. São pacientes de risco para esse evento os hipertensos, diabéticos, idosos e também as mulheres70. Em coronariopatas crônicos, o Holter é uma técnica extremamente útil particularmente pelo fato de poder detectar o processo isquêmico durante atividades rotineiras, submetidos ao estresse ou realizando esforços regulares ambulatorialmente. O surgimento da isquemia pode não ter

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relação com esforço físico, sendo detectada somente no repouso ou a noite, o que tornaria o teste ergométrico pouco útil no diagnóstico e no manejo clínico desses pacientes. Monitorizações por tempo mais prolongado, quando há suspeita clínica de doença coronária ou com SCA estabelecida, podem ser realizadas durante internação hospitalar para aumentar a sensibilidade diagnóstica da técnica e confirmar os períodos em que a isquemia surge. A estabilidade da doença coronária pode ser confirmada pela redução da carga isquêmica, após a implementação de um esquema terapêutico, farmacológico ou não.

A capacidade do método em fazer o diagnóstico está relacionada com a probabilidade pré-teste do paciente ter a doença. Esse conceito é fundamental para a interpretação dos resultados. A sensibilidade do sistema aumenta quando o paciente é sabidamente coronariopata, tendo sido submetido ou não a um procedimento terapêutico. O mesmo raciocínio deve ser feito com relação a sua especificidade, pois raramente detecta-se alterações típicas de ST-T em paciente não coronariopata. Em outras palavras, nessa população a presença de resultados falso negativos e falso positivos é baixa, o que torna essa técnica altamente custo efetiva no diagnóstico e tratamento da isquemia miocárdica nessa população.

Os sistemas de gravação atuais sofreram um avanço significativo na capacidade de detecção dos sinais eletrocardiográficos, permitindo o registro de baixa frequência das alterações do segmento ST com boa sensibilidade. Por essa razão, e também pela qualidade do sinais obtidos, a monitorização eletrocardiográfica contínua tornou-se uma rotina na investigação de pacientes com suspeita de isquemia miocárdica67,69.

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Mecanismo da isquemia silenciosa

O mecanismo pelo qual a isquemia não causa sintomas é disputado por várias teorias. Pode-se argumentar duas possibilidades: a) a falta de um estimulo suficientemente intenso para provocar a dor; b) deficiência do sistema que percebe a dor, apesar do estimulo doloroso ser intenso. Alguns autores argumentam que o grau de deficiência de fluxo sanguíneo não seria tão sério ou seria menos grave em comparação aos quadros isquêmicos mais severos, não sendo atingido nessa condição, um limiar isquêmico crítico. Outra possibilidade seria a deficiência de condução de impulsos nociceptivos pela rede neural afetada por uma neuropatia, como acontece no diabetes. Outra teoria seria que o aumento de beta endorfinas endógenas poderia diminuir a percepção de dor pelo sistema nervoso central em alguns indivíduos. Mais recentemente um estudo demonstrou que pacientes coronariopatas não produziriam lactato durante o processo isquêmico, enquanto aqueles com angina teriam essa produção aumentada, assumindo portanto, ser essa substância o fator estimulante que provocaria a dor durante a angina.67,71,72 Todas as explicações acima podem ser criticadas. Um argumento contra a teoria da intensidade do estímulo é como explicar o infarto assintomático em pacientes com processo isquêmico grave e silencioso? Nessa condição a intensidade do estímulo seria supralimiar. Por outro lado, como explicar num mesmo doente, a presença de angina e de isquemia silenciosa, que desafiaria a teoria da percepção dolorosa. Em outras palavras, ambas as teorias não satisfazem a resposta do mecanismo da isquemia silenciosa.

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As alterações assintomáticas do segmento ST manifestam-se geralmente durante rotinas diárias mas não relacionadas a esforços intensos, geralmente mais a atividades sedentárias, indicando provavelmente a presença de algum fator deflagrador ainda não conhecido. Nesse caso um mecanismo metabólico, por exemplo, poderia estar envolvido.

Fisiopatologia da isquemia miocárdica silenciosa

A isquemia surge quando há redução significativa da luz arterial coronária, ou seja, redução do fluxo de sangue quando ocorre oclusão vascular ou, na presença de uma lesão, a oferta de oxigênio diminui proporcionalmente a um consumo exacerbado. A oclusão vascular total provoca supradesnivelamento do segmento ST como manifestação de uma corrente de lesão subpicárdica. Por outro lado, o aumento do consumo mediante presença de uma lesão fixa causa redução do fluxo de sangue primeiramente no subendocárdio e isso se manifestaria como infradesnivelamento do segmento ST. Essa última é a forma de manifestação eletrocardiográfica mais frequente da isquemia miocárdica silenciosa ao eletrocardiograma (figura 11).

Do ponto de vista fisiopatológico estudos clínicos têm demonstrado que a isquemia silenciosa ocorre por aumento da demanda miocárdica por oxigênio. Tanto o aumento da frequência cardíaca (em média 5 batimentos ou mais) e também da pressão arterial sistólica (cerca de 10 mmHg ou mais) são achados mais frequentes que precedem o surgimento da isquemia miocárdica silenciosa

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Figura 11 – Paciente de 58 anos, sexo feminino, com história de doença coronária estável, sem infarto prévio, em uso de ácido acetil-salicílico, atorvastatina e metoprolol. Diagnóstico clínico confirmado pela cintilografia miocárdica que apresentou quadro isquêmico transitório em região lateral. Registro de Holter com três canais simultâneos (canal superior derivação bipolar similar a MC1, segundo canal similar a MC5 e, terceiro canal, similar a D3). No traçado superior (registrado à 00:34:30 h) não se observam alterações significativas do segmento ST nos três canais. No traçado inferior, à 01:21:01 h registra-se depressão significativa do segmento ST no canal 2 (variando entre 3 e 4 mm) compatível com quadro de corrente de lesão subendocárdica. Houve registro destas alterações em outros quatro horários, todos eles no período da madrugada. Não houve relato de sintomas durante esses registros. Essa é a forma de apresentação eletrocardiográfica característica da isquemia silenciosa.

em coronariopatas. Tais eventos são mais frequentes no período matinal, entre 6:00 e 12:00 h. Esse é o período no qual a atividade simpática é maior, responsável tanto por alterações da frequência cardíaca como da pressão

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arterial. Esse achado pode ter implicações terapêuticas particularmente quanto a escolha da forma de tratar esses pacientes67,73.

Após o desencadeamento da isquemia uma sequência de eventos estaria em curso, iniciando-se com alterações do relaxamento ventricular, seguida de falha na contração muscular. Ambas as condições advém da redução de energia para o miocárdio ventricular. A seguir, o aumento da pressão diastólica de enchimento seria a consequência dos eventos anteriores. Somente a partir dessas alterações é que surgem as modificações do segmento ST-T e a seguir o quadro anginoso74.

Prognóstico de pacientes com isquemia silenciosa ao Holter

Pacientes com SCA instável têm pior prognóstico quanto a eventos cardiovasculares e morte cardiovascular quando evoluem com quadro isquêmico silencioso. Por outro lado, as alterações do segmento ST-T compatíveis com isquemia são documentadas em quase metade da população de indivíduos com coronariopatia estável73 e dentre estes, 75% dos episódios isquêmicos são silenciosos Além disso, a carga isquêmica detectada, acarreta prognóstico muito mais sombrio do que as alterações de ST desencadeadas durante o teste de esforço nessa mesma população76. Isso talvez se explique pela presença intermitente da isquemia durante a maior parte do tempo, muito mais do que aquela registrada somente ao esforço, além de sinalizar coronariopatia mais extensa e complexa.

Em pacientes com SCA com angina instável tratados farmacologicamente, o registro de isquemia silenciosa ao Holter de 48 horas é preditora de máu prognóstico, tanto na evolução de 30 dias como ate dois anos após o evento

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agudo77. No estudo MERLIN_TIMI 36 (Metabolic Efficiency with Ranolazine for Less Ischemia in Non-ST-Elevation Acute Coronary Syndrome Thrombolysis in Myocardial Infarction 36), os pacientes nos quais se detectou isquemia à monitorização eletrocardiográfica após um procedimento terapêutico (a maioria submeteu-se a angioplastia) evoluíram com máu prognóstico em comparação àqueles sem isquemia, com desfechos cardiovasculares desfavoráveis, incluindo morte cardiovascular78. Similar aos pacientes com coronariopatia estável, aqueles com angina instável e que persistem com alterações isquêmicas ao Holter, mesmo apesar de receberem tratamento otimizado para coronariopatia, geralmente apresentam lesão coronária complexa e trombo intraluminal e, por esta razão o prognóstico não é bom nessa condição79. Essa é uma informação prática importante e que pode influenciar a maneira de tratar esses pacientes.

Isquemia miocárdica detectada de 5 a 7 dias após o infarto do miocárdio indica possibilidade duas vezes maior de eventos cardíacos adversos, tais como reinfarto não fatal, morte ou angina instável na evolução clínica80.

A isquemia silenciosa é um fator de risco importante para eventos cardíacos em pacientes com SCA. A abolição dos episódios de isquemia detectadas pelo Holter associa-se com evolução clínica por outro lado, a presença da isquemia mesmo com terapia farmacológica otimizada (beta-bloqueadores, ácido acetil-salicílico, estatinas, antagonistas de canal de cálcio e inibidores da enzima de conversão da angiotensina), indica que outra forma mais agressiva de terapia deve estar indicada, como a intervenção coronária percutânea ou a revascularização miocárdica cirúrgica81.

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Concluindo, a monitorização eletrocardiográfica pelo Holter é uma ferramenta muito útil para estratificação de risco de pacientes com doença coronária. Além de estabelecer o grau de acometimento pela doença, auxilia no prognóstico e também na tomada da melhor decisão terapêutica.

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Referências

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