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Mulher, mãe e presa: uma análise sobre o sistema penitenciário em relação às presidiárias gestantes ou com filhos

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

NATÁLIA CAROLINE KOHLER

MULHER, MÃE E PRESA: UMA ANÁLISE SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO EM RELAÇÃO ÀS PRESIDIÁRIAS GESTANTES OU COM FILHOS

SANTA ROSA (RS) 2019

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NATÁLIA CAROLINE KOHLER

MULHER, MÃE E PRESA: UMA ANÁLISE SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO EM RELAÇÃO ÀS PRESIDIÁRIAS GESTANTES OU COM FILHOS

Monografia final do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, apresentado como requisito parcial para a aprovação no componente curricular Metodologia da Pesquisa Jurídica. DCJS - Departamento de

Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc. Lurdes Aparecida Grossmann Santa Rosa (RS) 2019

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Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada e igualmente a todos que lutam pela igualdade social, pelos direitos humanos e pelas condições de uma vida digna.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais pelo apoio, incentivo e dedicação. Ao meu pai por ser meu exemplo de vida, um homem guerreiro, que batalha pelos seus objetivos. À minha mãe, por me ensinar que na vida precisamos nos moldar às situações e fazer de cada acontecimento um aprendizado, sempre estiveram presentes e me incentivaram com apoio e confiança nas batalhas da vida e com quem aprendi que os desafios são somente um estímulo para a evolução e o desenvolvimento.

À minha orientadora Lurdes Aparecida Grossmann com quem eu tive o privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade, me guiando pelos caminhos do conhecimento.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho: amigos, os colegas de trabalho e de classe, aos professores, muito obrigada!

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“A verdadeira motivação vem de realização, desenvolvimento pessoal, satisfação no trabalho e reconhecimento”.

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RESUMO

Neste trabalho será analisado o sistema penitenciário brasileiro em relação às mulheres, com base nas leis constitucionais e infraconstitucionais, bem como em dados estatísticos, buscando um melhor entendimento do que ocorre dentro do sistema carcerário especificamente em relação a aplicação dos direitos e garantias previstos para as presidiárias gestantes ou que tenham filhos. Verificar-se-á o modelo de execução de pena privativa da liberdade, no Brasil, respeita os direitos fundamentais da mulher encarcerada, principalmente em relação à presidiária gestante e aos seus filhos. Examinar se existe o efetivo respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, do melhor interesse da criança, da humanização da pena e da não transcendência da pena bem como analisar como a prisão domiciliar da mulher-mãe é tratada no âmbito do Poder Judiciário e sugerir outras medidas de humanização da pena para as presidiárias gestantes ou com filhos.

Palavras-chave: Sistema Penitenciário. Presidiárias gestantes. Dignidade.

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ABSTRACT

In this work will be analyzed the Brazilian penitentiary system in relation to the women, based on the constitutional and infra-constitutional laws, as well as in statistical data, seeking a better understanding of what happens inside the prison system specifically in relation to the application of the rights and guarantees foreseen for the pregnant prisoners or that have children. Verify if the model of execution of penalty privativa of the freedom, in Brazil, respects the fundamental rights of the incarcerated woman, mainly in relation to the pregnant inmate and to its children. Examine whether there is effective respect for the principles of human dignity, the best interests of the child, the humanization of the penalty and the nontranscendence of the penalty, and analyze how the home detention of the mother woman is treated within the scope of the Judiciary and suggest other measures of humanization of the penalty for pregnant women or women with children.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 OS PRINCÍPIOS E GARANTIAS DO CUMPRIMENTO DA PENA EM RELAÇÃO ÀS MULHERES ... 10

2.1 Os princípios constitucionais da pena ... 10

2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ... 12

2.1.2 Princípio da humanização das penas ... 14

2.1.3 Princípio da legalidade ... 15

2.1.4 Princípio da personalização ou individualização da pena ... 16

2.1.5 Princípio da isonomia ... 17

2.1.6 Princípio da proporcionalidade das penas ... 18

3 AS PENAS E OS DIREITOS DOS APENADOS ... 20

3.1 Conceito de pena ... 20

3.2 As funções da pena ... 21

3.3 Os direitos dos presos ... 22

3.4 Regras de Bangkok para a proteção da mulher ... 23

4 O SISTEMA CARCERÁRIO E A MULHER GESTANTE OU COM FILHOS ... 26

4.1 A realidade da mulher presa ... 26

4.2 Presidiária, mulher e mãe ... 28

4.3 O cumprimento de pena em regime domiciliar e outras propostas de humanização das penas para as presidiárias gestantes ou com filhos ... 29

4.3.1 Prisão domiciliar ... 30

4.3.2 Anistia, graça e indulto ... 32

5 CONCLUSÃO ... 36

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe a estudar as mulheres encarceradas, em especial as gestantes e com filhos, bem como se o modelo brasileiro de cumprimento das penas privativas de liberdade respeita o direito fundamental da mulher de ser mãe e do filho de ser cuidado por sua genitora, bem como se o modelo de cumprimento das pena privativa de liberdade pelas mulheres obedece aos princípios da dignidade da pessoa humana, do melhor interesse da criança, da humanização da pena e da não transcendência da pena ,objetiva também analisar se a previsão de prisão domiciliar de presas que tenham filhos menores de doze anos é aplicado de forma isonômica ou casuística.

O trabalho mostra-se relevante por contribuir com o debate candente sobre a prisão da mulher-mãe e as consequências do seu encarceramento para os filhos, bem como a situação das mulheres grávidas ou lactantes encarceradas. em um modelo penitenciário falido, onde está longe de respeitar os mais básicos direitos de qualquer ser humano. Trata-se de questão que envolve não só direitos da presidiária, mas questões fundamentais de dignidade da pessoa humana e a possibilidade de a criança conviver com sua mãe e dela obter o carinho tão necessário ao seu desenvolvimento pessoal, quando muitas vezes o recém-nascido só tem a mãe e esta encontra-se encarcerada, sem a possibilidade de acompanhar e participar do crescimento e o desenvolvimento saudável da criança.

Diante dessa realidade há um cotidiano desrespeito aos direitos mais básicos das mulheres que cumprem pena privativa de liberdade, baseando-se nesta realidade que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, conceder Habeas Corpus (HC 143641) que postula que a prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, tira delas o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e ainda priva as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento, constituindo-se em tratamento desumano, cruel e degradante.

Para analisar esta problemática o trabalho foi desenvolvido em três capítulos, o primeiro referente aos princípios e garantias do comprimento da pena em relação às mulheres, já no segundo capítulo busca-se uma análise constitucional da pena e direitos das mulheres encarceradas. O terceiro capítulo será uma análise do sistema

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carcerário, a realidade da mulher, mãe presa e propostas de humanização da pena, bem como regime domiciliar.

Para desenvolver a pesquisa utiliza-se o método é indutivo e pesquisa é bibliográfica, com a utilização de doutrina, jurisprudência e internet.

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2 OS PRINCÍPIOS E GARANTIAS DO CUMPRIMENTO DA PENA EM RELAÇÃO ÀS MULHERES

No presente capítulo buscar-se-á abordar os princípios que norteiam a execução penal, em especial no que toca à execução da pena imposta às mulheres. Compreender o significado de tais princípios é necessário para que se obtenha uma visão axiológica da execução penal e seus fundamentos teóricos. A revisão doutrinária, no entanto, demonstra que não há uniformidade entre os autores, razão por que se optou em trazer um breve estudo sobre aqueles que mais são citados.

2.1 Os princípios constitucionais da pena

Ao se falar em princípios jurídicos, não se pode prescindir da análise de seu conceito.

Celso Antônio Bandeira de Mello nos apresenta a seguinte definição:

O princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce, dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente para definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (MELLO, 2013, p.54)

Guilherme de Souza Nucci ressalta que a existência de princípios próprios que regem a execução penal demonstra se tratar de um ramo autônomo do direito, muito embora estreitamente vinculado com ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal (2018, p.i.).

Não há unanimidade na identificação dos princípios norteadores da execução penal. Para Fernando Capez

Os princípios constitucionais do processo são os seguintes:

• Contraditório: as partes envolvidas na relação jurídica processual devem ter ciência de todos os atos e decisões, e oportunidade de se manifestarem previamente a respeito (art. 5o, LV, da CF).

• Ampla defesa: compreende o direito à defesa técnica, efetuada por profissional habilitado, e o direito à autodefesa, que é o direito do acusado de presenciar a realização das provas produzidas contra si, o de oferecer as que tiver e o de ser ouvido antes de qualquer decisão que altere a forma de execução da pena. Quanto à defesa técnica, o sentenciado tem direito à assistência de advogado para a correta defesa de suas prerrogativas, coibindo-se qualquer arbitrariedade. O Estado prestará assistência jurídica aos presos e internados sem recursos financeiros para constituir advogado (arts. 5o, LXXIV, da CF e 11, III, e 15 da LEP). Note-se que a Lei n. 12.313,

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de 19 de agosto de 2010, alterou a LEP, a fim de prever a assistência jurídica ao preso dentro do presídio e atribuir competências à Defensoria Pública[1]. Além disso, quanto ao outro aspecto da ampla defesa, o condenado tem o direito constitucional de ser ouvido e produzir prova, antes de qualquer decisão do Juízo que lhe conceda ou restrinja algum direito, durante a execução da pena. O Juiz, portanto, quando chamado a julgar na execução, exerce função jurisdicional e deve fazê-lo pelo devido processo legal que assegura às partes, Ministério Público e condenado, o direito à prévia audiência, à produção de provas e à ampla defesa. Finalmente, cumpre salientar que a ampla defesa, por ser princípio constitucional, é inatacável e irrestringível pelo ordenamento jurídico inferior (art. 5o, LV, da CF).

• Duplo grau de jurisdição: todas as decisões de conteúdo jurisdicional, que concedam ou restrinjam um direito do sentenciado, submetem-se a recurso para a instância superior.

Das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo [arts. 197 da LEP e 5o, LV, parte final, da CF]. • Publicidade: o processo sigiloso e inquisitivo restringe as garantias da ampla defesa, dando margem ao arbítrio. Os atos processuais da execução penal são públicos, e a publicidade só poderá ser limitada por lei quando a defesa da intimidade do sentenciado ou o interesse social o exigirem (art. 5o, LX, da CF). • Igualdade: trata-se de princípio constitucional que atua em todas as áreas do relacionamento indivíduo-indivíduo e indivíduoEstado. O princípio da igualdade jurisdicional compreende:

– a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5o, caput, da CF);

– a inexistência de juízos ou tribunais de exceção (art. 5o, XXXVII, da CF);

– a consagração do Juiz Natural, pois

ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente [art. 5o, LIII, da CF];

– a indeclinabilidade da prestação jurisdicional a qualquer pessoa (art. 5o, XXXV, da CF);

– a garantia de qualquer pessoa ao processo legal, em caso de privação da liberdade (art. 5o, LIV, da CF);

– o tratamento isonômico que o Juiz deve dispensar às partes integrantes da relação jurídico-processual.

Dessa forma, ninguém poderá sofrer tratamento discriminatório durante a execução penal, salvo as distinções em face do mérito pessoal do sentenciado e das características individuais de cada execução.

Legalidade: o sentenciado terá a execução de sua pena de acordo com o que a lei dispuser. Se ninguém pode ser privado da sua liberdade sem o devido processo legal, não se pode negar o acesso do preso à liberdade quando a lei autorizar. Caso permaneça preso por mais tempo do que for permitido, a prisão se tornará ilegal, e a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária [art. 5o, LXV, da CF]. (CAPEZ, 2012, s.p.)

Norberto Avena, por sua vez, cita como princípios que regem a execução das penas: “[...] princípio da intranscendência da pena; princípio da legalidade; princípio da inderrogabilidade; princípio da proporcionalidade; princípio da individualização da pena e princípio da humanidade” (AVENA, 2014, s.p.)

Para fins deste trabalho, adotaremos como princípios inerentes à execução penal os seguintes: da humanidade das penas; da legalidade; da personalização da pena; princípio da isonomia; da proporcionalidade da pena ou da vedação de excesso.

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2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme anuncia o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.

Ensina Luís Roberto Barroso

A dignidade humana é um valor fundamental. Valores, sejam políticos ou morais, ingressam no mundo do Direito, assumindo, usualmente, a forma de princípios. A dignidade, portanto, é um princípio jurídico de status constitucional. Como valor e como princípio, a dignidade humana funciona tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos fundamentais. Na verdade, ela constitui parte do conteúdo dos direitos fundamentais. (BARROSO, 2017, p.i.)

A consagração do dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro, representa uma decisão “[...]decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do próprio Estado e do exercício do poder estatal [...]” bem como o reconhecimento categórico deque o Estado vive em função da pessoa humana (SARLET in CANOTILHO et. ali, 2019, p.i.).

Não há um consenso quanto ao conceito de dignidade da pessoa humana. De fato, basta que se repita a lição de Luís Roberto Barroso sobre esse ponto:

O constitucionalismo democrático tem por fundamento e objetivo a dignidade da pessoa humana. Após a Segunda Grande Guerra, a dignidade tornou-se um dos grandes consensos éticos do mundo ocidental, materializado em declarações de direitos, convenções internacionais e constituições. Apesar do grande apelo moral e espiritual da expressão, sua grande vagueza tem feito com que ela funcione, em extensa medida, como um espelho: cada um projeta nela a sua própria imagem, os seus valores e convicções. Isso tem feito com que a ideia de dignidade seja frequentemente invocada pelos dois lados do litígio, quando estejam em disputa questões moralmente controvertidas. É o que tem se passado, por exemplo, em discussões sobre aborto, suicídio assistido ou pesquisas com células-tronco embrionárias. S em mencionar o uso indevido do conceito para a decisão de questões triviais, com inconveniente banalização do seu sentido. De conflitos de vizinhança à proibição de brigas de galo, a dignidade é utilizada como uma varinha de condão que resolve problemas, sem maior esforço argumentativo. Naturalmente, não é bom que seja assim. Por essa razão, torna-se necessário um esforço doutrinário para determinar a sua natureza jurídica e o seu conteúdo. (2017, p.i.)

Dentre os autores que buscam conceituar a dignidade da pessoa humana, podemos mencionar Fábio Konder Comparato:

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[...] a dignidade da pessoa humana não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita. Daí decorre, como assinalou o filósofo, que todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas. (COMPARATO,1990, p. 20).

André de Carvalho Ramos, a partir das ideias de Kant, afirma que:

[...] a dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência. Consiste em atributo que todo indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo etc. (KANT, 2018, p.i.)

Ainda na lição sobre a dignidade humana é inata ao todo ser humano, é um valor que o identifica como tal, donde surge sua polissemia, sendo possível identificar nela dois elementos caracterizadores:

[...] o elemento positivo e o elemento negativo. O elemento negativo consiste na proibição de se impor tratamento ofensivo, degradante ou ainda discriminação odiosa a um ser humano. Por isso, a própria Constituição dispõe que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III) e ainda determina que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI) (RAMOS, 2018, p.i.)

Segue o autor dizendo:

Já o elemento positivo do conceito de dignidade humana consiste na defesa da existência de condições materiais mínimas de sobrevivência a cada ser humano. Nesse sentido, a Constituição estabelece que a nossa ordem econômica tem “por fim assegurar a todos existência digna” (art. 170, caput). (RAMOS, 2018, p.i.)

Lembra Rogério da Cunha Sanches que o Supremo Tribunal Federal

[...] decidiu que é lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da CF, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes. O (des)respeito aos princípios que regem a execução penal é tema recorrente nos Superiores Tribunais. Ganhou especial destaque recente decisão do STF (ADPF 347) onde os ministros entenderam ter configurado o chamado

‘estado de, coisas inconstitucional’ no sistema penitenciário brasileiro. Denominado pela Corte Constitucional da Colômbia, o ‘estado de coisas inconstitucional’ ocorre quando presente violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades i públicas em modificar a conjuntura, transgressões a exigir a

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atuação não apenas de um órgão, mas 1 sim de uma pluralidade de autoridades. (SANCHES, 2017, p.15)

A dignidade da pessoa humana representa uma importante metanorma que traduz a obrigação do Estado executor considerar o apenado não como uma coisa ou um inimigo, mas como um ser humano igual aos demais.

2.1.2 Princípio da humanização das penas

Ensina Rodrigo Duque Estrada Roig que a origem do princípio da humanização das penas, no nosso ordenamento jurídico, encontra-se nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do princípio da prevalência dos direitos humanos, inscritos, respectivamente, no art. 1º, inciso III e art. 4º, inciso II, ambos de nossa Carta Magna de 1988 (ROIG, 2018, p.i.).

Sobre o princípio em análise, ensina César Roberto Bittencourt que “(e)sse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade físico-psíquica dos condenados.” (2014, p.i.).

A aplicação deste princípio determina, portanto, que:

O réu deve ser tratado como pessoa humana. A Const. Federal brasileira reconhece esse princípio em vários dispositivos (arts. 1º., III, 5º, III, XLVI e XLVII). Deve ser observantes antes do processo (art. 5º, LXI, LXII, LXIII e LXIV), durante este (art. 5º, LIII, LIV, LV, LVI e LVII) e na execução da pena (proibição de penas degradantes, cruéis, de trabalhos forçados, de banimento e da sanção capital – art. 5º, XLVII, XLVIII, XLIX e L). (JESUS, 2013, p. 53)

Na lição de Roig

Como consectário do princípio da humanidade emerge o princípio da secularização, o qual, afirmando a separação entre direito e moral, veda na execução penal a imposição ou consolidação de determinado padrão moral às pessoas presas, assim como obsta a ingerência sobre sua intimidade, livre manifestação de pensamento, liberdade de consciência e autonomia da vontade. Em uma visão redutora da execução penal, a humanidade também se identifica com o imperativo da tolerância (ou alteridade), exigindo do magistrado da execução uma diferente percepção jurídica, social e humana da pessoa presa, capaz de reconhecê-la como sujeito de direitos. Essa nova compreensão do princípio da humanização da pena – cotejada pelo reconhecimento do outro – busca então afastar da apreciação judicial juízos eminentemente morais, retributivos, exemplificantes ou correcionais, bem como considerações subjetivistas, passíveis de subversão discriminatória e retributiva. Busca ainda deslegitimar o manejo da execução como instrumento de recuperação, reeducação, reintegração, ressocialização ou reforma dos indivíduos, típicos da ideologia tratamental positivista. Sob o viés redutor de danos, o princípio da humanidade revela também como mandamento primordial a vedação ao retrocesso humanizador penal, demandando assim que a legislação ampliativa ou concessiva de direitos e garantias individuais em matéria de execução penal se torne imune a

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retrocessos tendentes a prejudicar a humanidade das penas. Recorre-se, para tanto, à analogia em relação à própria determinação constitucional de que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV, da CF). (ROIG, 2018, p.i.)

Pode-se pensar nesse princípio como uma projeção direta sobre a execução penal da metanorma da dignidade da pessoa humana. Como lembra

O princípio da humanização da pena impõe, como se pode notar das lições acima, ao Estado que ao aplicar a pena restritiva de liberdade não olvide que o sujeito apenado continua na condição de ser humano e que assim deve ser tratado, mantendo-se sua dignidade. Recomenda, por outro lado, que não se adotem penas ou medidas durante a execução destas que de qualquer forma impliquem violação a tais direitos, como é o trabalho forçado ou a tortura.

2.1.3 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade determina que não há crime sem lei anterior que o defina e tampouco que se admita aplicação de pena sem prévia cominação legal. Vem descrito no art. 1º do Código Penal (Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal) e art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988 (não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal).

Como ensina Cleber Masson (2017, p. 24) , o antecedente histórico mais seguro deste princípio é a Magna Carta, do rei inglês João sem Terra, de 1215, que estabeleceu em seu art. 39 que “[...] nenhum homem livre poderia ser submetido à pena sem prévia lei em vigor naquela terra” e desenvolveu-se através dos estudos de Feuerbach.

O poder punitivo do Estado não pode ser livre, justamente por que a forma de repressão dos delitos envolve uma grave invasão limitadora de direitos fundamentais do indivíduo a reclamara, pois, o controle desse poder (BITTENCOURT, 2014, p.i.).

Com efeito, o desenvolvimento do princípio da legalidade se deu com Feuerbach, no primeiro quartel do Século XIX, quando o mestre consagrou o brocardo nullum crimen, nulla poena sine lege. Sua importância é tamanha para o direito penal e para o processo penal que a doutrina chega a inadmitir desvios e exceções a ele. Nesse sentido, veja-se a lição de César Roberto Bittencourt: “O princípio da legalidade é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista

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da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça, que somente os regimes totalitários o têm negado” (BITTENCOURT, 2014, p.i.)

Guilherme de Souza Nucci (2018, p.i.) enfatiza, com base nas lições de Luiz Vicente Cernicchiaro, a necessidade de o princípio da legalidade não ser uma garantia meramente formal, não se podendo ignorar a obediência a este princípio na aplicação da pena ou da medida de segurança.

Em verdade, o princípio da legalidade estabelece uma vinculação dos Poderes Públicos à lei, criando um ambiente de proteção à segurança jurídica, liberdade e igualdade, garantindo ao legislador a competência para adotar as decisões básicas em matéria penal (PRADO, 2011, p. 158).

Roig, assinala que:

No âmbito da execução penal, o princípio encontra-se materializado no art. 45 da LEP, segundo o qual ‘não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar’, funcionando como instrumento de contenção da discricionariedade da Administração Penitenciária e do arbítrio judicial, sempre que acionados de maneira lesiva aos direitos fundamentais das pessoas privadas da liberdade. A aplicação do princípio da legalidade supõe não apenas que as faltas e sanções estejam legalmente previstas, mas que sejam ainda estritamente interpretadas, sob pena de tornar sem sentido o princípio (ROIG, 2018, p.i.)

O princípio da legalidade, junto ao princípio da humanização da pena e, de resto com os demais princípios que norteiam o direito penal e processual penal, busca limitar a sanha punitiva do Estado, estabelecendo os modelos e os contornos dentro dos quais se pode agir na aplicação e execução da pena.

2.1.4 Princípio da personalização ou individualização da pena

A Constituição Federal de 1988 garante ao indivíduo que a pena que se lhe aplique deve ser devidamente individualizada. É o que se extrai do inciso XLVI do art. 5º da Lei Maior.

Salo de Carvalho ensina que historicamente recebe tratamento constitucional apenas na Constituição de 1946, reproduzida na reforma de 1967 com o acréscimo da pessoalidade para, na atual Carta Magna, sofrer alteração para elencar, de forma exemplificativa, as espécies de penas adotadas no Brasil (2013).

No entendimento de Roig, sobre o princípio em tela aplicado à execução penal, diz:

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A individualização da pena tem seu fundamento expresso no art. 5º, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988, significando em primeiro lugar, que as autoridades responsáveis pela execução penal possuem a obrigação de enxergar o preso como verdadeiro indivíduo, na acepção humana do termo, considerando suas reais necessidades como sujeito de direitos. Daí decorre a exigência de que as autoridades administrativa e judicial dispensem um olhar humanamente tolerante, capaz de considerar a concreta experiência social e a assistência e oportunidades dispensadas à pessoa presa. Além disso, partindo das premissas de que o princípio individualizador possui assento constitucional e que a Constituição de 1988 instituiu o dever jurídico-constitucional de minimização de danos, faz-se necessário concluir que a individualização da execução somente se mostra constitucional quando operada no sentido redutor de danos (como, por exemplo, a flexibilização as regras do regime de cumprimento de pena, permitindo a imposição de regime menos gravoso não em função do texto de lei, mas em virtude da necessidade de individualização). De fato, como excepcionalização do princípio da legalidade, a individualização da pena não pode ser empregada em prejuízo do condenado (tal como ocorre na requisição de exames criminológicos). Em matéria de execução da pena, individualização significa também a vedação de apelo a considerações relativas à espécie abstrata do delito, fato este que retiraria da agência judicial o poder discursivo e argumentativo de, individualizadamente, limitar com racionalidade o poder punitivo. (ROIG, 2018, p.i.)

O princípio da individualização da pena desenvolve-se sob o aspecto legislativo, judicial e administrativo. No campo legislativo, representa os limites abstratos mínimo e máximo descritos no tipo penal, assim como as circunstâncias que influem positiva ou negativamente sobre esses limites; no âmbito judicial é respeitada quando o magistrado efetua a dosimetria da pena a ser aplicada no caso concreto, sempre dentro dos limites previstos pelo legislador; por fim, no âmbito administrativo, ocorre durante a execução da pena, fazendo com que o Estado trate cada condenado como indivíduo, sempre buscando a retribuição, prevenção e ressocialização (MASSON, 2017, p. 49-50).

É precisa a síntese feita por Uadi Lamego Bulos “Pelo princípio constitucional criminal da individualização punitiva, a pena deve ser adaptada ao condenado, consideradas as características do sujeito ativo e do crime” (BULOS, 2015, p. 652).

Pelo princípio da individualização, adapta-se a pena às características do condenado, de forma a se obter a pena mais justa possível e capaz de, ao mesmo tempo, retribuir o crime e prevenir a reincidência, atingido o seu escopo ressocializador.

2.1.5 Princípio da isonomia

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“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]” (BRASIL, 1988).

No dizer de Cléber Masson

No Direito Penal, importa em dizer que as pessoas (nacionais ou estrangeiras) em igual situação devem receber idêntico tratamento jurídico, e aquelas que se encontram em posições diferentes merecem um enquadramento diverso, tanto por parte do legislador como também do juiz (MASSON, 2018, p. 67)

Como decorrência deste princípio podemos mencionar a proibição de tratamento diferenciado entre presos que tenham cometido crimes semelhantes e que apresentem a mesma periculosidade e justifica o tratamento diferenciado aos mesmos.

2.1.6 Princípio da proporcionalidade das penas

Colhe-se da doutrina de Damásio Evangelista de Jesus a seguinte lição:

Chamado também de ‘princípio da proibição de excesso’, determina que a pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato. Significa que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor. Daí dizer-se que a culpabilidade é a medida da pena. (JESUS, 2013, p. 53).

Em lição, Masson afirma que o princípio da proporcionalidade das penas pode ser encarado sobre três enfoques

Na proporcionalidade abstrata (ou legislativa), são eleitas penas mais apropriadas para cada infração penal (seleção qualitativa), bem como as respectivas graduações – mínimo e máximo (seleção quantitativa). Na proporcionalidade concreta (ou judicial), orienta-se o magistrado no julgamento da ação penal, promovendo a individualização da pena adequada ao caso concreto. Finalmente, na proporcionalidade executória (ou administrativa) incidem regras inerentes ao cumprimento da pena, levando-se em conta as condições pessoais e o mérito do condenado. (MASSON, 2017, p. 56).

Especificamente no âmbito da execução penal:

O princípio da proporcionalidade é, na essência, um princípio corretor de iniquidades no âmbito da execução. Conjuga-se com a ideia de razoabilidade para evitar excessos e atrela-se ao princípio da isonomia para justificar a necessidade de tratamento equânime entre presos provisórios e condenados, nacionais e estrangeiros, pessoas submetidas a penas em sentido estrito e medidas de segurança. (ROIG, 2018, p.i.)

A pena deve revelar correspondência em sua gravidade com o desvalor da ação criminosa e personalidade do agente criminoso. É resultante da intersecção

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entre o princípio da igualdade e o princípio da isonomia, servindo a um só tempo para evitar abusos por parte do Estado e para quantificar de forma justa e suficiente a pena.

A pena não retira do sujeito todos os seus direitos através um processo de “coisificação”. Há um limite traçado para a aplicação da sanha punitivista estatal desenhada por princípios de fundo constitucional que buscam preservar o apenado de aflições que vão além da pena imposta.

O Estado não pode agir como uma espécie de vingador público, mas como agente de recuperação do apenado, guiando sua atuação no plano legislativo e fático pelos limites traçados pela ordem jurídica, especialmente pela constituição.

Infelizmente, a realidade demonstra que a violação diária e direta desses princípios básicos que informam a execução penal e que, em última análise, acabam por ferir o metanorma da dignidade da pessoa humana.

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3 AS PENAS E OS DIREITOS DOS APENADOS

Neste capítulo serão abordadas as funções da pena como medida repressiva máxima aos delitos. Partindo da afirmação de que o encarceramento deve ser a medida extrema e sua ameaça a mais grave, passa-se em revista à doutrina penal e aos julgados dos Tribunais Superiores no que se refere aos fins e funções da pena.

Por fim, partindo da compreensão de que aos apenados deve ser garantida a observância de todos os seus direitos não atingidos pela pena e, em especial, sua condição de seres humanos dignos de proteção contra o arbítrio do Estado, analisam-se, observados os limites do presente trabalho, as Regras de Bangkok sobre os direitos dos presos.

3.1 Conceito de pena

A pena é a consequência natural, primária, do crime. A violação de uma norma penal representa (ou deveria representar) a violação de um bem jurídico cuja importância foi considerada máxima pela sociedade.

Diante da ausência de um conceito legal de crime coube à doutrina dizê-lo, e as definições surgidas estavam permeadas da visão própria de seus autores sendo que hoje a doutrina majoritária adota a teoria analítica de crime (GRECO, 2015, p. 193 a 195).

Para Rogério Greco, o conceito analítico de crime busca analisar o que seja a infração penal a partir de seus elementos integrantes de forma não fragmentada, ou seja, considerando o fenômeno crime como um todo unitário (2015, p. 196).

O conceito de delito, embora estudado por diferentes ramos da ciência, é jurídico-penal, como adverte Luis Regis Prado (2011, p. 292). Segundo leciona o mestre

A compreensão do fenômeno delitivo, genericamente considerado, envolve o conjunto das ciências (naturais e humanas), numa aproximação de cunho realmente muldisciplinar. ´[...] Isso significa que o seu objeto, num sistema democrático de justiça, delimitado pela norma jurídico-pena, deve ancorar-se principalmente sobre a prevenção e, em casos de necessidade, sobre a repressão das violações aos bens jurídicos tidos como essenciais” (PRADO, 2011, p. 292)

A importância da análise do conceito de crime a partir dos seus elementos integrantes assume grande importância por conferir um roteiro seguro ao intérprete

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ou aplicador da lei a fim de que cheguem a um resultado igualmente seguro sobre a qualificação de uma conduta como criminosa merecedora de uma resposta estatal que pode chegar a privação da liberdade (GRECO, 2015, p. 201).

Dessa breve exposição do conceito de crime, é possível compreender a importância da pena para o sistema jurídico-penal. Não há crime sem uma punição que lhe seja atrelada. O próprio conceito de crime traz implícita ou explicitamente a ideia de pena. É correta a afirmação de que

Pena e Estado são conceitos intimamente relacionados entre si. O desenvolvimento do Estado está intimamente ligado ao da pena. Para uma melhor compreensão da sanção penal, deve-se analisá-la levando-se em consideração o modelo socioeconômico e a forma de Estado em que se desenvolve esse sistema sancionador. (BITTENCOURT, 2015, p.i.)

Fernando Capez conceitua pena como sendo

[...] sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. (CAPEZ, 2012, p.i.).

A pena é, também, a consequência do exercício do ius puniendi pelo Estado, após o devido processo legal, é a “[...] reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura [...]” (MASSON, 2015, p. i.)

A sanção é a “[...] consequência jurídica da infração penal, consistindo inafastavelmente em efeito da soberania do Estado, que impõe o respeito aos bens jurídicos tutelados e pune a violação aos comandos proibitórios” (ANDREUCCI,

2014, p. i.)

Pena ou sanção é, pois, a consequência legalmente prevista como consequência à prática de uma ação tida por criminosa.

3.2 As funções da pena

Como se pode notar dos conceitos acima transcritos, a definição de pena parte de uma visão retributivista, “[...] como retribuição ao delito perpetrado [...]” (NUCCI, 2018, p. i.).

Porém, como se verá adiante, a pena também busca imprimir nos indivíduos o receio da punição. A pena, assim, produz efeitos antes mesmo de sua aplicação.

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Efeitos que atuam sobre o ânimo do indivíduo como uma espécie de anteparo para evitar o que o delito seja praticado.

Em verdade, a pena não se esgota na simples ideia de vingança e retribuição. Esse pensamento apequena as suas funções e reduz a potência transformadora que tem.

A pena tem uma dupla finalidade que não pode ser ignorada e reduzida a simples discussão teórica. Se de um lado representa uma sanção, retribuindo o indivíduo criminoso pela lesão a um de seus bens como, i.e., a liberdade, por outro lado tem um caráter preventivo.

3.3 Os direitos dos presos

O art. 3º da Lei de Execuções Penais prevê que ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, sendo vedada qualquer discriminação por razão racial, social, religiosa ou política.

Da mesma forma, o art. 38 do Código Penal é claro ao dizer que “[o] preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”.

Como anota Guilherme de Souza Nucci

A punição não significa transformar o ser humano em objeto, logo, continua o condenado, ao cumprir sua pena, e o internado, cumprindo medida de segurança, com todos os direitos humanos fundamentais em pleno vigor. Dispõe o art. 5.º, XLIX, da Constituição

Federal que ‘é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. No mesmo prisma, o art. 38 do Código Penal estipula que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral’. (2018. p.i)

A Lei de Execuções penais traz em seu art. 41 rol de direitos do preso:

Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

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VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

Comentado o dispositivo legal citado, Marcelo Uzeda de Faria explica tratarse o rol acima de uma lista meramente exemplificativa, pontuando que “[...] é impossível esgotar todos os direitos atinentes à pessoa humana, mesmo que se encontre cumprindo pena, sujeitando-se a uma série de restrições” (2015, p. 47). Segue o autor dizendo que “[...] deve-se adotar interpretação extensiva, considerando-se que o preso mantém aqueles direitos que não foram atingidos pela condenação” (idem).

Ao se considerar o preso como sujeito de direitos e, por isso, protegido pelo princípio da dignidade da pessoa humana, é de se reconhecer a ele um conjunto de regras suficientes para garantir todos os direitos que não estejam atingidos pela pena aplicada.

3.4 Regras de Bangkok para a proteção da mulher

As Regras de Bangkok representam um importante diploma de proteção aos Direitos Humanos, adotado pela ONU que aceitou a Recomendação n.º 2010/16, de 22 de julho de 2010, de seu Conselho Econômico e Social, estabelecendo um regramento básico que impulsiona o respeito às mulheres presas.

Apontam Rafael Wolff e Inezil Marinho Jr.

[...] o objetivo do diploma internacional é atentar para as especificidades de gênero no encarceramento feminino, a serem observadas tanto no âmbito da execução penal quanto na prevalência de medidas cautelares alternativas ao

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cárcere, evitandose, quando possível, o ingresso de mulheres no sistema prisional. Logo, ainda que as referidas regras não sejam vinculantes, têm-se que, por estarem em plena sintonia com a Constituição e inúmeros tratados sobre direitos humanos assinados pelo Brasil, terá caráter altamente persuasivo. (MARINHO JUNIOR, 2018)

Apesar de sua importância e de sua aprovação no ano de 2010, somente no ano de 2016 as Regras de Bangkok foram traduzidas para o português. Lembram Rafael Wolff e Inezil Marinho Jr:

Embora as Regras tenham sido aprovadas em Assembleia Geral da ONU ainda no ano de 2010, foram traduzidas para o português apenas no ano de 2016, evidenciando a ausência de aplicabilidade prática até o momento. O fato das referidas regras não estarem contidas em tratado e, portanto, não terem sido internalizadas no nosso ordenamento, também pode explicar a lenta disseminação do seu conteúdo. (MARINHO JUNIOR, 2018)

Isabela Zanette Ronchi, analisando a aplicação das Regras de Bangkok no Brasil aponta que:

O documento aborda diversos assuntos, como higiene pessoal, serviços de cuidados à saúde mental e física das presas, disciplina e sanções, contato com o mundo exterior, regime prisional, mulheres gestantes, com filhos e lactantes. Um dos principais pontos do documento é a defesa da redução do encarceramento provisório, com a utilização de medidas provisórias para evitar o aprisionamento em massa, assunto que merece destaque no Brasil, visto que grande parcela das encarceradas são presas provisórias, o que contribui para a superlotação dos presídios. (RONCHI, 2017)

Ainda, afirma a autora que

O governo brasileiro participou das negociações para a elaboração das Regras de Bangkok e é signatário. Todavia, ainda não foram criadas políticas públicas consistentes para a aplicação das mesmas. Fato esse que demonstra como essa problemática merece destaque, vez que cumprir essa regra é um compromisso internacional assumido pelo Brasil. (RONCHI, 2017)

Em uma realidade onde o número de mulheres levadas ao cárcere aumentou significativamente nas últimas décadas, impactando na elaboração de políticas de segurança pública, administração penitenciária e políticas de combate à desigualdade de gênero, a adoção das Regras de Bangkok representa um avanço no tratamento às presidiárias (CNJ, 2016, p. 9).

Note-se que, segundo levantamento feito em 2014 e publicado no ano de 2016, o Brasil tinha uma população carcerária de 579.781 pessoas sendo que 37.380 eram mulheres e que no período de 2000 a 2014 a população carcerária feminina aumentou assombrosos 567,4% enquanto no mesmo período a população carcerária masculina aumentou 220,20% (CNJ, 2016, p. 9).

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Nesse contexto mostra-se a premência na adoção de medidas eficientes para o tratamento humano digno das presas e, inserindo-se aí, as Regras de Bankok incentivam que:

[...] os Estados membros que elaboraram leis, procedimentos, políticas e práticas para mulheres em prisões ou para alternativas ao encarceramento de mulheres infratoras a tornarem disponíveis essas informações a outros Estados e organizações internacionais, regionais e intergovernamentais relevantes, além de organizações não governamentais, e ajudá-los a desenvolver e implementar capacitação ou outras atividades relacionadas a tais leis, procedimentos, políticas e práticas(CNJ, 2016, p. 15)

Essas regras, como se vê, atuam de forma a estabelecer um conjunto de normas de alcance global que leve ao respeito da mulher em privação de liberdade contra abusos, em especial aqueles decorrentes de preconceito de gênero.

No plano teórico e normativo existem diversas garantias conferidas à mulher presa que buscam reforçar a manutenção de sua condição particular e determinar ao Estado que observe suas necessidades mais básica.

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4 O SISTEMA CARCERÁRIO E A MULHER GESTANTE OU COM FILHOS

Neste capítulo busca-se analisar no plano prático a forma de tratamento dispensado à mulher presa e a atenção aos seus direitos básicos. Analisa-se o número de mulheres presas, as condições em que as mesmas se encontram, bem como a estrutura para mulheres gestantes ou com filhos e a aplicação da prisão domiciliar.

4.1 A realidade da mulher presa

É inegável que:

O encarceramento em massa é um fenômeno observado mundialmente e tem levantado reflexões acerca da necessidade de repensar o aprisionamento como principal resposta do Estado aos conflitos sociais. O Brasil é um dos maiores representantes desse processo, figurando como quarto país com maior população prisional do mundo. Entre as razões que explicam esse fenômeno, podem ser citadas a prisão baseada essencialmente no flagrante — a qual reforça o caráter racista da incidência da justiça criminal — o uso excessivo da prisão provisória e o baixo acesso à defesa técnica de qualidade. (INSTITUTO TERRA, 2017, p. 9)

E, quando consideramos se o aprisionamento feminino, constata-se uma triste realidade brasileira. Dados estatísticos revelam que hoje existem mais de 42.000 (quarenta e duas mil) mulheres presas, número que é mais de 600% (seiscentos por cento) do total registrado no ano de 2000.

Segundo dados extraídos da publicação Infopen Mulheres, no ano de 2015, o Brasil ocupava a quarta posição entre os doze países com as maiores populações carcerárias femininas no mundo (BRASIL, 2018, p. 13).

Esse impressionante número chama a atenção da mídia nacional. Em matéria publicada no sítio eletrônico do jornal Correio Brasiliense, em 11 de junho de 2018, Gabriela Vinhal escreve:

Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias reunidos até junho de 2016, em relação à taxa de aprisionamento de mulheres por 100 mil habitantes, o país deixa de ser o quarto e passa para o terceiro lugar — atrás apenas dos Estados Unidos e da Tailândia, com 40,6. O índice de ocupação, por sua vez, reflete um sistema sem estrutura para manter prisioneiras, com 156,7%. Do total de mulheres presas, ao menos 45% delas aguardam para serem julgadas — um descontrole estrutural por parte do Estado e do Judiciário. Nas carcerárias masculinas, até o mesmo período, havia 726.712 presos — com 97,4% de superlotação, quase dois presos por vaga.

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O levantamento mostra que há crescimento constante na tipificação de crimes, sobretudo tráfico de drogas, que corresponde a 62% das incidências penais. Ou seja, três em cada cinco mulheres que se encontram no sistema prisional respondem por ligação ao tráfico. Entre as tipificações relacionadas, a associação para o tráfico corresponde a 16%, e o tráfico internacional de drogas responde por 2%.

A situação brasileira é bastante grave, o que vem ressaltado no próprio Infopen Mulher de 2018:

Se observarmos em série histórica a evolução da taxa de aprisionamento nos cinco países que mais encarceram mulheres no mundo, é possível observar que a expansão do encarceramento de mulheres no Brasil não encontra parâmetro de comparabilidade entre o grupo de países, (...). Em um período de 16 anos, entre 2000 e 2016, a taxa de aprisionamento de mulheres aumentou em 455% no Brasil (p.13-14)

Ainda conforme informações constantes no Infopen Mulher (BRASIL, 2018, p. 14-15), comparativamente ao crescimento da população carcerária masculina entre os anos 2000 e 2016, há uma enorme diferença. Enquanto a população carcerária feminina aumentou 656% (seiscentos e cinquenta e seis por cento) no mesmo período a população carcerária masculina aumentou 293% (duzentos e noventa e três por cento).

E a distribuição do quantitativo de mulheres presas varia conforme a unidade da federação. São Paulo lidera o número de presas, com 15.104 mulheres enquanto o Amapá possui apenas 107 presidiárias. O Estado do Rio Grande do Sul encontrase na quinta posição, tendo 1.967 mulheres presas. (BRASIL, 2018, p. 15-16).

Ocorre que uma parcela significativa destas mulheres encontram-se presas sem condenação. Conforme os dados do Infopen Mulher (BRASIL, 2018, p. 19-21) a média nacional em 2016 era de 45% (quarenta e cinco por cento) de mulheres presas sem condenação. O Estado do Amazonas, no entanto, possuía no período 81% (oitenta e um por cento) de sua população carcerária feminina presa em razão de algum tipo de prisão cautelar. No Estado do Rio Grande do Sul, naquele ano de 2016, os dados mostram que 39% (trinta e nove por cento) das mulheres presas não estavam no cárcere em razão de condenação.

Ora, a prisão preventiva é [...] uma prisão provisória, de natureza cautelar e processual, decretada pelo juiz, de ofício ou a requerimento, durante inquérito policial ou processo pena, quando presentes certos pressupostos ou requisitos legais” (FEITOZA, 2010, p. 889, grifo do autor). Na lição de Guilherme de Souza Nucci “[...]

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é uma medida cautelar de constrição da liberdade do indiciado ou réu, por razões de necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos em lei” (NUCCI, 2011, p. 654). Como é fácil notar, o preso preventivo encontra-se privado de liberdade sem que tenha sido julgado e condenado definitivamente, após o exercício do seu pleno direito de defesa, ou seja, cerca de 45% (quarenta e cinco por cento) das mulheres mantidas no cárcere não estão lá para cumprirem eventual pena, estão lá por uma medida cautelar excepcional e que deveria durar por um período breve.

O perfil da mulher presa também foi traçado. Conforme informações do sítio eletrônico mulhresemprisao.org.br elas têm baixa escolaridade (cerca de metade tem apenas o ensino fundamental), metade tem menos de trinta anos, a maioria é negra e solteira, apresentam dificuldade para arranjar empregos, a maioria é mãe e encontram-se presas por envolvimento com o tráfico (2018).

Como acentuado na Edição n.º 51 da revista Pensar o Direito, publicado pelo IPEA em 2015, intitulada Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão

Jovem, de baixa renda, em geral mãe, presa provisória suspeita de crime relacionado ao tráfico de drogas ou contra o patrimônio; e, em menor proporção, condenadas por crimes dessa natureza – este é o perfil da maioria das mulheres em situação prisional no Brasil, inclusive das grávidas e puérperas1 que estão encarceradas nas unidades femininas (2015, p. 15).

Revela-se um perfil das mulheres privadas de liberdade. Um “tipo” favorito de um sistema encarcerador e voltado à punição. Um sistema que ignora as peculiaridades dos seus “clientes” e, quando estes são as mulheres, estabelece uma rotina de tratamento desumano e desumanizador.

4.2 Presidiária, mulher e mãe

Homens e mulheres presos – quer seja a prisão definitiva, quer seja cautelar – gozam de um conjunto de direitos básicos, não atingidos pela condenação.

Tanto é assim que a própria Lei de Execuções Penais traz em seu art. 3º a expressa previsão de que “ao condenado [...] serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” e em seu parágrafo único proíbe distinção em razão de raça, religião ou convicção política.

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Nosso sistema penitenciário foi pensado para, em tese, fornecer aos apenados uma série de assistências, como previsto no art. 11 da LEP: assistência material, à saúde, assistência jurídica, educacional, social e religiosa. No entanto, para as mulheres, há ainda a garantia de assistência à maternidade, sendo assegurado nos estabelecimentos penitenciários destinados à mulher a existência de berçários onde elas poderão cuidar de seus filhos, inclusive alimentando-os, até os seis meses de idade.

Também é garantido que nos estabelecimentos penais destinados ao preso do sexo feminino os agentes que atuam em suas dependências internas serão também do sexo feminino (LEP, art. 83, §3º).

Embora a proteção à maternidade seja garantida pela Lei de Execuções Penais, a realidade mostra que ainda não foi possível garantir a efetivação destes direitos às presas grávidas. Como revela Nana Queiroz em matéria publicada no sítio eletrônico da revista Galileu

Nenhuma grávida ou mãe que amamenta tem regalias na cadeia. Em geral, as camas são dadas às mais antigas. Se não contarem com a caridade das demais, as mães têm de dormir no chão com seus bebês. Sim, bebês também vivem em presídios brasileiros (confira os números abaixo). A lei garante à criança o direito de ser amamentada pela mãe até, ao menos, os seis meses de idade. Apesar de tecnologias como caneleiras eletrônicas já permitirem que a amamentação seja feita em prisão domiciliar, isso raramente acontece. ‘A violação de direitos humanos com relação às gestantes é generalizada’, diz a ativista Heidi. Além disso, os relatos de tortura são comuns mesmo entre grávidas. Um caso chocante é o de Aline, uma traficante que, durante a detenção em Belém do Pará, tomou uma paulada na barriga e ouviu do policial: ‘Não reclame, esse é mais um vagabundinho vindo para o mundo’.(Revista Galileu, 2015, grifos do autor)

Há um evidente tratamento desumano a que é submetida a mulher levada à prisão. A falta de estrutura mínima para dar amparo as suas necessidades mais básicas evidenciam uma negligência estatal para com o respeito aos direitos fundamentais que lhes são garantidos.

4.3 O cumprimento de pena em regime domiciliar e outras propostas de humanização das penas para as presidiárias gestantes ou com filhos

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O crescimento acelerado da população prisional feminina – fenômeno que não está restrito ao Brasil – ascendeu o debate sobre a necessidade de adoção de medidas que reduzam o número de encarceradas.

Como referido no relatório “Mulheres em prisão: desafios e possibilidades para reduzir a prisão provisória das mulheres”, produzido pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e publicado em 2017 “[...] é possível identificar um crescimento importante na atenção conferida pelo poder público ao encarceramento feminino” (p. 14), como por exemplo a publicação da tradução das Regras de Bangkok pelo Conselho Nacional de Justiça e a promulgação da Lei n.º 13.257/2016 chamada de Marco Legal de Atenção à Primeira Infância (2017, p. 14-15).

4.3.1 Prisão domiciliar

Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar ensinam que

“A prisão domiciliar é medida cautelar cerceadora da liberdade [...] e tem lugar toda vez que a execução da prisão preventiva não seja recomendada em cadeia pública (para os presos provisórios) ou em prisão especial (para os acusados que detêm essa prerrogativa por força de lei), em razão de condições especiais, mormente as relacionadas à idade e à saúde do agente. (RODRIGUES, 2017, p. 956).

No ano de 2016 foi sancionada a Lei n° 13.257 que alterou entre outros, o artigo 318 do Código de Processo Penal, passando a prever a possibilidade de o juiz substituir a prisão provisória pela domiciliar nos casos de mulher gestante e com filho menor de doze anos.

A alteração é significativa, como se nota da comparação entre a redação anterior desse artigo com a que lhe foi dada pela Marco da Primeira Infância:

Art. 318 do Código de Processo Penal

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Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I – maior de 80 (oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivos de doença grave;

III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante a partir do7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I – maior de 80 (oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivos de doença grave;

III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa com deficiência; IV – gestante;

V – mulher com filho até 12 (doze) anos de idade incompletos;

VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

Essa mudança legal demonstra que

[...] houve um avanço no reconhecimento legal do impacto da prisão da mulher que é mãe para os filhos e dependentes, de modo a ser priorizada uma alternativa à prisão provisória nesses casos. Sobre isso, é importante observar que, sendo a prisão domiciliar um substitutivo da prisão preventiva, seu uso também deve ser excepcional, de tal forma que a regra na fase pré-processual segue sendo a liberdade. (ITTC, 2017, p. 16).

Comentando o art. 318 do Código de Processo Penal, Renato Brasileiro aponta que, com relação às presas gestantes, em que pese não se exigir mais que ela esteja no sétimo mês de gestação para ter direito à prisão domiciliar, é necessário que a substituição somente pode ocorrer quando o estabelecimento prisional não possuir capacidade para atendê-la (2017, p. 922). O autor considera, ainda, que se trata de uma substituição temporária, afirmando que “[a] despeito do silencio do legislador acerca do termo ad quem dessa prisão domiciliar, conclui-se que o direito à substituição cessa com o nascimento ou, ao menos, findo o puerpério, que se estende, em média, por cerca de três meses após o parto.” (2017, p. 922, grifo do original) sendo possível a manutenção da prisão domiciliar com fundamento em outra hipótese.

Ainda na lição de Renato Brasileiro, ao comentar a hipótese de substituição trazida no inciso V do art. 318 do Código de Processo Penal:

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[...] a nova hipótese de substituição da prisão preventiva pela domiciliar do art. 318, inciso V, incluído pela Lei n. 13.257/16, visa atender ao melhor interesse da criança (CF, art. 227, caput), permitindo que mãe e filho façam uso do direito à convivência familiar em local diverso do cárcere. Encontra raízes em importante documento internacional intitulado Regras de Bangkok, que são

Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Tais

Regras propõem um olhar diferenciado para as especificidades de gênero no encarceramento feminino, tanto no campo da execução penal, como também na priorização de medidas não privativas de liberdade, ou seja, que evitem a entrada de mulheres no sistema carcerário.

A propósito, nos autos do Habeas Corpus n. 134.069/DF (Rei. Min. Gilmar Mendes, j.21/06/2016), a 2a Turma do STF concedeu a ordem para fins de determinar a substituição de prisão preventiva por domiciliar de paciente, acusada de tráfico de drogas, que dera à luz enquanto se encontrava encarcerada, para que a criança e a mãe pudessem permanecer juntas em ambiente que não lhes causasse danos. O novel inciso V do art. 318 do CPP deve ser interpretado com extrema cautela. Isso porque, à primeira vista, fica a impressão de que o simples fato de a mulher ter filho de até 12

(doze) anos de idade incompletos daria a ela, automaticamente, o direito de ter sua prisão preventiva substituída pela prisão domiciliar, o que não é correto. Na verdade, se considerarmos que o próprio

Marco Civil da Primeira Infância introduziu diversas mudanças no

CPP, tornando obrigatória a colheita de informações da (o) investigada (o) quanto à existência de filhos, respectivas idades, se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável

pelos cuidados dos filhos (CPP, art. 6o, inciso X, art. 185, §10, art. 304,

§4°, todos com redação determinada pelo art. 41 da Lei n. 13.257/16), fica evidente que, para fins de concessão do benefício da prisão domiciliar cautelar, incumbe à interessada comprovar que não há nenhuma outra pessoa que possa cuidar do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Logo, se houver familiares (v.g., avó, tia, pai) em liberdade que possam ficar responsáveis por esse filho, não há por que se determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar.

A prisão domiciliar, hoje, mostra-se como uma das mais promissoras formas de manter um mínimo de dignidade a mulher levada ao cárcere e, sobretudo, garantir que tenha uma convivência sadia e necessária com seu filho ou que cuide de forma efetiva de sua gestação.

4.3.2 Anistia, graça e indulto

O Código Penal traz como formas de extinção da punibilidade a anistia a graça e o indulto (art. 107, inciso II). São “[...] espécies de indulgência, clemência soberana ou graça em sentido amplo. Trata-se da renúncia do Estado ao direito de punir”

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(CAPEZ; PRADO, 2012). No mesmo sentido é a lição de Damásio Evangelista de Jesus (2012, p. 737) para quem os institutos da anistia, da graça e do indulto representam a indulgência soberana do Estado que renuncia seu direito de punir, “[...] fundamentando-se na equidade, no sentido de temperar os rigores da Justiça”.

Segundo Cesar Roberto Bittencourt (2017)

[...] indulto é um importante instrumento de política penitenciária cuja legitimidade vem de séculos passados e historicamente tem sido adotado em toda nossa legislação codificada, como o principal meio de enfrentamento do grave problema do encarceramento massivo brasileiro, como demonstramos acima, cuja ressocialização não é objeto da prática penitenciária em nosso sistema. (BITTENCOURT, 2017)

Embora refira-se ao indulto, fato é que a anistia e a graça também aí se incluem. A anistia “[...] é a exclusão, por lei ordinária com efeitos retroativos, de um ou mais fatos criminosos do campo de incidência do Direito Penal” (MASSON, 2017, p. 1011). É o esquecimento da infração penal concedida em casos excepcionais “[...] para apaziguar os ânimos, acalmar as paixões sociais, etc.” (JESUS, 2012, p. 737).

O indulto é, como ensina Nucci (2019)

[...] a clemência destinada a um grupo de sentenciados, tendo em vista a duração das penas aplicadas, podendo exigir requisitos subjetivos (tais como primariedade, comportamento carcerário, antecedentes) e objetivos (v.g.cumprimento de certo montante da pena, exclusão de certos tipos de crimes

A graça, por seu turno “[...] é um benefício individual concedido mediante provocação da parte interessada [...]” (CAPEZ e PRADO, 2012) ou, como conceitua

Nucci (2019) “[é] a clemência destinada a uma pessoa determinada, não dizendo respeito a fatos criminosos”.

Como resumiu César Roberto Bittencourt em artigo publicado no site jurídico Conjur em 2017, sob o título “Indulto é o único meio político legítimo usado para reduzir superlotação carcerária”:

Anistia, graça e indulto constituem algumas das formas mais antigas de extinção da punibilidade, conhecidas no passado como clemência soberana — indulgencia princípios —, e justificavam-se pela necessidade, não raro, de atenuar os rigores exagerados das sanções penais, muitas vezes desproporcionais ao crime praticado, como tem ocorrido nos últimos tempos. A anistia, já se disse, é o “esquecimento jurídico” do ilícito e tem por objeto fatos (não pessoas) definidos como crimes, de regra, políticos, militares ou eleitorais, excluindo-se, normalmente, os crimes comuns. A anistia pode ser concedida antes ou depois da condenação e, como o indulto, pode ser total ou parcial.

Referências

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