• Nenhum resultado encontrado

Gênero e sexualidade a partir de Foucault: o longo processo histórico de normalização e normatização dos corpos e das condutas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Gênero e sexualidade a partir de Foucault: o longo processo histórico de normalização e normatização dos corpos e das condutas"

Copied!
44
0
0

Texto

(1)

ANA PAULA KRAVCZUK RODRIGUES

GÊNERO E SEXUALIDADE A PARTIR DE FOUCAULT: O LONGO PROCESSO HISTÓRICO DE NORMALIZAÇÃO E NORMATIZAÇÃO DOS CORPOS E DAS

CONDUTAS

Ijuí (RS) 2016

(2)

ANA PAULA KRAVCZUK RODRIGUES

GÊNERO E SEXUALIDADE A PARTIR DE FOUCAULT: O LONGO PROCESSO HISTÓRICO DE NORMALIZAÇÃO E NORMATIZAÇÃO DOS CORPOS E DAS

CONDUTAS

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DECJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc. Joice Nielsson

Ijuí (RS) 2016

(3)

Dedico este trabalho aos meus pais, pelo apoio incondicional, paciência e respeito.

(4)

AGRADECIMENTOS

À minha mãe e meu pai, pelo apoio, compreensão e dedicação em fazer eu me sentir amparada em todos os momentos, especialmente nos mais conturbados.

Aos meus irmãos, Roberto e Celso, pelo carinho, discussões e companheirismo em casa e ao longo do curso.

À minha orientadora, Joice, com quem eu pude compreender por qual caminho eu quero seguir após o término da graduação, me apoiando na escolha do tema, sempre disponível e preocupada com a qualidade da pesquisa.

Aos meus queridos e queridas, amigos e amigas, que tanto me ouviram falar sobre gênero, desconstrução e sexualidade, e me incentivaram a escrever sobre o que gosto. Especialmente nos momentos finais, nos quais me fiz um pouco impaciente e mesmo assim tive apoio.

(5)

“Que é loucura: ser cavaleiro andante ou segui-lo como escudeiro? De nós dois, quem o louco verdadeiro? O que, acordado, sonha doidamente? O que, mesmo vendado, vê o real e segue o sonho

de um doido pelas bruxas embruxado?”

(6)

RESUMO

A presente pesquisa monográfica faz uma análise de como, ao longo do tempo, foram produzidos uma série de padrões comportamentais que deveriam ser seguidos pelas pessoas em relação a questões de sexualidade, padrões corporais e de gênero, configurando-se um longo processo de normalização das condutas. Este processo histórico é perpassado por relações de poder. Desta forma, objetiva-se compreender, a partir da obra do filósofo francês Michel Foucault, a vinculação entre o Poder e o Direito, enquanto instrumento de manifestação que normatizaram os padrões de conduta, permitindo aqueles considerados ‘normais’ e criminalizado aqueles tidos como desviantes. Nesse sentido, o primeiro capítulo abordará o estudo do Poder em Michel Foucault, primeiramente enquanto microfísica e posteriormente enquanto biopolítica. O segundo capítulo analisará de que forma o poder foi instituído e manifesto no controle do corpo e da sexualidade, analisando de que modo este poder interfere na constituição das identidades e das subjetividades de gênero de cada um, criando de padrões de identidade que desrespeito a subjetividade do sujeito. A metodologia utilizada baseou-se em pesquisa bibliográfica, principalmente nas obras de Michel Foucault e em analises atuais sobre as implicações das mesmas em nosso mundo atual.

Palavras-Chave: Gênero. Sexualidade. Corpos. Condutas. Michel Foucault. Normalização.

(7)

ABSTRACT

This paper aimes to make an analysis of how, over time, have been produced a series of behavioral patterns that should be followed by people in relation to issues of sexuality, body patterns and gender, configuring a long process of normalization of conducts. This historic process is filled by power relations. In this way, the objective is to understand, from the work of the french philosopher Michel Foucault, the binding between the power and the Law, as an instrument of manifestation that normalized standards of conduct, allowing those considered 'normal' and criminalised those taken as deviatings. In this sense, the first chapter will discuss the study of power in Michel Foucault, first while microphisics and subsequently while biopolitics. The second chapter will examine how the power was instituted and manifest in the control of the body and of sexuality, analyzing how this power interferes in the constitution of identities and of gender subjectivities of each one, creating standards of identity that disregard the subjectivity of the subject. The methodology used was based on a bibliographic search, mainly in the works of Michel Foucault and in current analyzes on the implications of the same in our world today.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...9

1 OS PODERES EM MICHEL FOUCAULT...11

1.1 Poder disciplinar...14

1.2 Biopoder...17

2 O CONTROLE DO CORPO E DA SEXUALIDADE...21

2.1 A história da sexualidade...22

2.1.1 A vontade de saber...22

2.1.2 O uso dos prazeres...27

2.1.3 O cuidado de si...30

2.2 Normalização das condutas e da sexualidade...32

CONCLUSÃO... ... ...40

(9)

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa de conclusão de curso apresenta uma análise acerca de como, ao longo do tempo, foram produzidos uma série de padrões comportamentais que deveriam ser seguidos pelas pessoas em relação a questões de sexualidade, padrões corporais e gênero, configurando-se um longo processo de normalização das condutas. Este processo histórico é perpassado por relações de poder.

Para que este trabalho fosse concluído foram realizadas pesquisas bibliográficas em meio eletrônico e físico, principalmente nas obras do filósofo francês Michel Foucault e em análises atuais sobre as implicações destas em nosso mundo atual. Também foi realizada uma pesquisa do tipo genealógica, na qual se faz uma análise tomando como referência a dimensão histórica para que seja possível compreender as formas que o discurso se instaurou e de que maneira isto ocorreu.

Deste modo, o objetivo é a compreensão, a partir das obras de Foucault, da vinculação entre o Poder e Sexualidade e Gênero, considerando o poder enquanto instrumento de manifestação que normatiza(ram) os padrões de conduta, os corpos e as subjetividades dos indivíduos e das populações, permitindo aqueles considerados “normais” e criminalizando aqueles que seriam considerados como desviantes.

No primeiro momento é feita uma abordagem sobre o estudo genealógico do Poder em Michel Foucault, inicialmente enquanto microfísica e posteriormente enquanto biopolítica. O objetivo foi analisar de que modo o poder se manifesta, enquanto micro-poderes, poderes disciplinares e biopolíticas, configurando-se em instrumentos e relações nas quais tod@s estamos envoltos. Este poder acaba por moldar o corpo e a mente, garantindo assim o pleno controle sobre o cidadão da modernidade.

(10)

O segundo momento foi destinado para abordar em forma de análise a forma com que o poder foi instituído e se manifestou no controle do corpo e da sexualidade, buscando compreender de que maneira o poder interfere na constituição das identidades e das subjetividades de gênero de cada indivíduo. Apesar de Foucault não ter se referido especificamente ao gênero, o desenvolvimento de seus estudos foi crucial para os posteriores desdobramentos da teoria feminista. Ao controlar o corpo, a sexualidade e as subjetividades de cada indivíduo, as relações de poder também perpassam e moldam as construções de gênero de nossa sociedade patriarcal.

Com base nesses estudos se observa nítidas contribuições para que seja feita uma reflexão sobre uma nova ética, a partir da problemática foucaultiana, que tem respaldo na contestação dos discursos de normalização, indo contra uma constante submissão que o sujeito sofre pela moralidade religiosa e/ou legal.

(11)

1 O PODER EM MICHEL FOUCAULT

Ao embarcar no estudo sobre o poder, o filósofo francês Michel Foucault inicia a construção de suas compreensões críticas analisando as relações de poder ao contrário da concepção tradicional, que considera o Estado como detentor do poder, instituído e estruturado. As grandes questões que envolvem essa problemática, conforme destacam Diniz e Oliveira (2014), seriam: Como a minoria que acredita deter o poder contém a maioria? Como o processo histórico influenciou na construção na mudança das modalidades de poder? Como os indivíduos reagem frente à uma tentativa de dominação das instituições?

Com tais questões em mente, como um investigador da história, ele empenha-se em entender a “microfísica” do poder, examinando “os modos por meio dos quais o poder é constituído e manipulado discursivamente” (SANTOS; WERMUTH, 2015, p. 336). Deste modo, o poder para Foucault (1995) coloca em pauta as relações entre sociedade, entre os indivíduos, definindo que uma relação de poder é a ação que não age direta e imediatamente sobre outrem, mas em si mesma.

Não devemos nos enganar: se falamos do poder das leis, das instituições ou das ideologias, se falamos de estruturas ou mecanismos de poder, é apenas na medida em que supomos que ‘alguns’ exercem um poder sobre os outros. (FOUCAULT, 1995, p.40).

Tais questionamentos, e a necessidade de compreender como o poder está permeando todas as estruturas sociais, levam Foucault (1981) a desenvolver um estudo feito de forma histórica, resgatando suas diferentes formas de domínio, transformações sociais e constituição, naquilo que ele vai determinar de genealogia do poder. Genealogia, ou arqueologia são os termos utilizados por Foucault para estudar essas novas tecnologias de poder, destinados a trazer à luz os discursos suprimidos da sociedade ocidental (SANTOS; LUCAS, 2015). As exumações genealógicas de Foucault, segundo os autores, trazem a tona que as culturas são, de fato, fundamentadas no poder legitimado, e não como elas em geral gostam de afirmar, em ideias de verdade e justiça. Tais sistemas hegemônicos de poder implicam a marginalização e exclusão de certos grupos sociais vulneráveis em nome da ordem. Para Foucault,

A genealogia exige, portanto, a minúcia do saber, um grande número de materiais acumulados, exige paciência. Ela deve construir seus ‘monumentos ciclópicos’ não a golpes de ‘grandes erros benfazejos’ mas de ‘pequenas verdades inaparentes estabelecidas por um método severo’. Em suma, uma certa obstinação na erudição. A genealogia não se opõe à

(12)

história como a visão altiva e profunda do filósofo ao olhar de toupeira do cientista; ela se opõe, ao contrário, ao desdobramento meta-histórico das significações ideais e das indefinidas teleologias. Ela se opõe à pesquisa da ‘origem’. (FOUCAULT, 1979, p. 16)

Como rompimento da concepção clássica de poder, Foucault traz uma abordagem diferenciada. Como dito anteriormente, o poder não pode ser, então, localizado e observado em uma determinada instituição ou no Estado. Diferentemente da tradição da Ciência Política, para Foucault o poder não está localizado ou centrado em uma instituição, e nem tampouco como algo que se transmite por meio de contratos jurídicos ou políticos. O poder não será considerado como algo que o indivíduo possa ser possuidor ou ceder a algum governante. Tem-se o acontecimento do poder como uma relação de forças, estando em todos os lugares, envolvendo toda a estrutura social em relações de poder e estas não podem ser individualizadas ou estarem alheias às pessoas.

É preciso não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras; mas ter bem presente que o poder não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detém exclusivamente e aqueles que não o possuem. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. (FOUCAULT, 2004, p. 193)

Em palavras foucaultianas (2004, p. 175), o poder “não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação”, o poder é principalmente manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma “relação de força”. Essa maneira como o filósofo trata o poder é inovadora. O que realmente importava, então, não era a criação de um novo conceito, mas sim a análise do poder como prática social, que foi constituído historicamente, e suas inúmeras formas de exercício na sociedade. Para Foucault, de acordo com Rocha, (2010), não importava a criação de um novo conceito fechado e estatizado, mas sim um estudo feito de forma analítica. Segundo o autor,

Não que haja propriamente uma teoria geral do poder em Foucault, mas ele o percebe como uma prática social historicamente constituída (episteme) que precisa ser entendida em sua dinâmica de desenvolvimento na realidade crua das relações humanas. Pois, a genealogia de poder de Foucault vai além do costumeiramente trabalhado em direito que é o Estado como produtor, institucionalizador e mantenedor do poder. Há formas de exercício do poder diferentes do Estado, a ele articuladas de maneiras variadas e que são indispensáveis inclusive pra sua sustentação e atuação eficaz. (ROCHA, 2010, p.105).

(13)

O conceito de poder para Foucault não deve ser equivalente aos conceitos de repressão, lei, soberania, instituições e aparelhos do Estado, como comumente é analisado. Foucault não se refere a uma forma de sujeição realizada por leis e regras, nem a um sistema de dominação de uns sobre outros. Ao contrário, poder é entendido como multiplicidade de correlações de forças, como jogo, como estratégias móveis. Ou seja: poder visto como potencialidade criadora, própria do ser humano, que se faz aparecer nas práticas e nas relações humanas. Falamos de poder enquanto relação de forças, enquanto prática, enquanto poder circulante, não estático nem centralizado em um ponto. Falamos de exercício de poder e não de aquisição do mesmo. O poder também não pertence a alguém, isto é, não provem de uma relação entre dominados e dominadores; não é uma instancia dual, binária mas sim uma instancia onipresente, isto é, se produz a cada instante, em todos os pontos, em todas as relações. (BOFF, 2008, p. 190).

No mesmo sentido, afirma Duarte (2008), este mesmo poder é sempre plural, exercido através de práticas distintas e que se transformam, mesmo dentro de instituições sócias. Deste modo, o poder se dá em um conjunto de relações e práticas sociais historicamente constituídas, que atuam por meio de dispositivos estratégicos dos quais ninguém escapa, pois não há espaço da vida em que estes poderes não atuem por meio de seus mecanismos. O que cabe indagar, portanto é, quais “[...] quais são, em sem seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, os diversos mecanismos de poder que se exercem a níveis diferentes da sociedade, em domínios e com extensões tão variados? (FOUCAULT, 1981, p.174).

Todos nós, enquanto seres sociáveis, relacionáveis, estamos de alguma maneira próximos da temática desenvolvida por Foucault. E mais do que isso, acaba nos envolvendo na própria temática, em uma rede de poder, enfim, estamos todos imersos em redes de poderes, que podem ser chamadas de micropoderes.

Inicialmente, ao desenvolver sua genealogia, Foucault identifica, como os filósofos clássicos buscavam justificar o poder a partir da soberania (DINIZ; OLIVEIRA, 2014). Pois, o soberano detinha o direito de “deixar viver” ou “fazer morrer”. São, pois, nas sociedades europeias do século XVIII o contexto no qual surgem novas tecnologias de poder. Elas só serão possíveis com o advento da categoria “sujeito” e são os corpos físicos das pessoas o primeiro espaço no qual fora exercida uma nova forma de poder. (FOUCAULT, 2007, p. 17) Isto ocorre com a institucionalização das escolas, dos hospitais, dos quartéis, das prisões entre outros ambientes denominados como instituições de “sequestro”. Esta denominação é utilizada pelo fato de individualizar o sujeito e usar técnicas disciplinares para docilizá-lo. Ao lado do poder disciplinar, surgirá no final do século XVIII um tipo de poder que será nominado por Foucault de biopoder.

(14)

É o contexto daquelas sociedades que surge o poder disciplinar, “que nasce como uma tecnologia de poder que trata o corpo do homem como uma máquina, objetivando adestrá-lo para transformá-lo em um instrumento útil aos interesses econômicos” (DINIZ E OLIVEIRA. 2014, p. 144). Concomitantemente surge o biopoder, cujo foco não é o corpo individualizado, mas o corpo coletivo. O biopoder, segundo os autores, não se diferencia somente do poder disciplinar, mas também do poder soberano, pois enquanto na soberania havia um direito do soberano “deixar viver” ou “fazer viver”, no biopoder haverá uma tecnologia de poder voltada para o “fazer viver” e o “deixar morrer”, que será um poder que vai se encarregar da preservação da vida, eliminando tudo aquilo que ameaça a preservação e o bem estar da população. Esta é a genealogia do poder que analisaremos adiante.

1.1 O poder disciplinar

Como já demonstramos, uma das características que se pode perceber na análise do poder de Foucault é um importante deslocamento que ele faz da ideia de poder como algo que é monopolizado pelo Estado, para um poder que é baseado nas relações sociais através de uma rede de “micro-poderes”, ou microfísica do poder. Ou seja, trata-se de analisar o poder partindo não do centro (que é entendido como o Estado), mas das periferias, segundo Diniz e Oliveira (2014). Segundo os autores, para Foucault, era analisando as relações de poder nos níveis periféricos da sociedade que se poderia ter uma noção melhor de como ele torna-se onipresente em todas as estruturas sociais.

Para isso ele vai voltar o seu olhar para instituições como os hospitais, as fábricas, as escolas, os hospícios, os quartéis, entre outros, que vão ajudar a entender como as relações de poder são formadas e como identificar estas várias relações de poder que de certa forma estão fora do Estado.

Deste modo, Michel Foucault dedica-se com afinco à análise do poder disciplinar. A disciplina não é uma instituição, nem um aparelho de Estado. É uma técnica de poder que funciona como uma rede que vai atravessar todas as instituições e aparelhos de Estado. Este instrumento de poder que atua no corpo dos homens usará a punição e a vigilância como principais mecanismos para adestrar e docilizar o sujeito, pois é a partir deles que o homem se adequará às normas estabelecidas nas instituições como um processo de produção que, a partir de uma “tecnologia” disciplinar do corpo, construirá um sujeito com utilidade e docilidade (DINIZ; OLIVEIRA. 2014, p. 150).

(15)

Santos e Wermuth (2015, p. 343) falam de uma espécie de genealogia e domesticação da alma moderna. Esta alma, denominada de consciência também é uma construção do poder disciplinar. Seja como consciência, psique, subjetividade, jamais é uma realidade pré-existente, sobre a qual atuam os mecanismos punitivos, e o investimento politico sobre o corpo, mediante a utilização de uma tecnologia de poder sobre esse corpo. Segundo os autores, “na fabrica, na escola, no hospital, no convento, no regimento militar ou na prisão, trata-se sempre da continuação de uma anatomia politica pela distribuição espacial dos indivíduos e o controle de suas atividades”, ou ainda “pela combinação dos corpos e das forças, de modo a deles extrair a máxima utilidade.”. Ao construir o corpo “parte de um espaço, núcleo de um comportamento, soma de forças que se aglutinam, torna-se possível adestra-lo e torna-lo útil”. A anatomia politica do corpo fabrica pequenas individualidades funcionais e adaptadas mediante investimentos microfísicos.

Segundo Foucault (1987, p. 195), o poder disciplinar é um poder que

Em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura liga-las para multiplica-las e utilizá-las num todo. [...] Adestra as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de elementos individuais – pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmentos combinatórios. A disciplina “fabrica indivíduos; ela é a técnica especifica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício. [...] O sucesso do poder disciplinar se deve sem duvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação, num procedimento que lhe é especifico, o exame.

A ideia de um sujeito útil e dócil é uma concepção positiva utilizada por Foucault para dissociar os termos repressão e dominação que definiam a intervenção violenta do Estado sobre os cidadãos (DINIZ; OLIVERA. 2014). Foucault mostrará com isso que se a dominação capitalista fosse baseada somente na repressão, ela não se manteria por muito tempo. A princípio é fundamental entender que “a disciplina é um tipo de organização do espaço. É uma técnica de distribuição dos indivíduos através da inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório, combinatório” (MACHADO, 2009, p. 173). Essa disciplina é um mecanismo que propiciará uma transformação do sujeito, tirando da “força do corpo” sua “força política” e tornando máxima sua “força útil”. Todavia, apesar de se falar muito em força, “o poder disciplinar não será imposto com uma forma de violência explicita, mas totalmente discreto e sutil, para que não seja percebido, sobretudo pelo fato de já ter existido

(16)

métodos violentos que não alcançaram resultados tão eficazes como a disciplina” (DINIZ; OLIVEIRA, 2014, p. 150).

A disciplina segundo Foucault tem seu marco histórico na medida em que surge com ela uma arte do corpo humano (FOUCAULT, 2010) que não está preocupada somente com a sujeição e o aumento das habilidades do sujeito, mas preocupa-se, sobretudo, com uma relação formada a partir de mecanismos que irão tornar o sujeito tanto mais obediente quanto mais útil. Formar-se-á, segundo Diniz e Oliveira (2014), uma política de coerção partindo de um trabalho minucioso que manipulará de forma calculada os gestos, comportamento e outros elementos do corpo humano inserindo-o em uma espécie de maquinaria do poder que irá esquadrinha-lo, desarticulando-o para que o mesmo seja recomposto. Esse processo chamado de “anatomia política” ou “mecânica do poder”, será o responsável por fazer funcionar as operações com a rapidez e a eficácia que se espera e funcionará como a fabricação de corpos exercitado, submissos e acima de tudo, dóceis. É a partir dessa experiência fundada na disciplina que Foucault analisará o que ele chama de “fabricação dos indivíduos máquina” (Idem).

Especialmente em Vigiar e punir, Foucault analisa esse processo de fabricação tomando por base a figura do soldado. Vimos assim o poder disciplinar tratar o corpo do indivíduo como máquina com o objetivo de adestrá-lo e transformá-lo. A disciplina é um tipo de poder que se dá sobre o corpo individualizado. Paralelo ao poder disciplinar surgiu no final do século XVIII um tipo de poder que se voltará não mais para o individuo em particular, mas para a população, e esse mecanismo de poder será chamado por Foucault de “Biopoder”.

Em síntese, de acordo com Duarte (2008), os micro-poderes disciplinares investem e atuam sobre o corpo, penetram o corpo, forjam-no. Em síntese, a disciplina é uma forma de organização do espaço e de disposição dos homens no espaço visando otimizar seu desempenho, bem como é uma forma de organização, divisão e controle do tempo em que as atividades humanas são desenvolvidas, com o objetivo de produzir rapidez e precisão de movimentos. A estes elementos se acrescentam a vigilância e o exame, considerados como elementos essenciais do poder disciplinar. Foi assim que Foucault descobriu um corpo social produzido pelo investimento produtivo de uma complexa rede de micro-poderes disciplinares que atuavam de maneira a gerir e administrar a vida humana, tendo em vista tornar possível a utilização dos corpos e a exploração otimizada de suas capacidades e potencialidades.

(17)

1.2 O Biopoder

Foi apenas no final do percurso genealógico de sua investigação que Foucault chegou aos conceitos de biopoder e biopolítica, tendo em vista explicar o aparecimento, ao longo do século 18 e, sobretudo, na virada para o século 19, de um poder disciplinador e normalizador que já não se exercia sobre os corpos individualizados, nem se encontrava disseminado no tecido institucional da sociedade, mas se concentrava na figura do Estado e se exercia a título de política estatal com pretensões de administrar a vida e o corpo da população (DUARTE, 2008). Este emergiu como um complemente ao poder disciplinar. Nas palavras do autor “Pois essa técnica não suprime a técnica disciplinar simplesmente porque é de outro nível, está em outra escala [...] e é auxiliada por instrumentos totalmente diferentes”. (FOUCAULT, 2000, p. 289.).

A partir do século XVIII o homem passa a perceber que é de fato possuidor de um corpo e com isso se reconhece como alguém que pertence a uma espécie. Essa iluminação deu origem a questões que envolvem a vida do homem como algo que deve ser preservado, em um novo cenário que abriu espaço para uma biopolítica voltada para a regulamentação dos processos das massas (DINIZ E OLIVEIRA, 2014). Consequentemente a biopolítica apresentará uma tecnologia e de dispositivos que devem assegurar a vida da população, pois sua meta é controlar aquilo que possa limitar a vida do homem não em particular, mas no conjunto da espécie humana. Para que isso aconteça será usado um dispositivo de poder que Foucault chamará de “Biopoder”, uma ferramenta fundamental para a tecnologia de poder que irá controlar as massas. A respeito do biopoder Foucault diz o seguinte:

(...) essa série de fenômenos que me parece bastante importante, a saber, o conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas características biológicas fundamentais vai poder entrar numa política, numa estratégia política, numa estratégia geral de poder. Em outras palavras, como a sociedade, as sociedades ocidentais modernas, a partir do século XVIII, voltaram a levar em conta o fato biológico fundamental de que o ser humano constitui uma espécie humana. É em linhas gerais o que chamo, o que chamei, para lhe dar um nome, de biopoder. (FOUCAULT, 2008, p. 3)

O surgimento de uma nova tecnologia de exercício do poder como o biopoder mostra que as relações de poder não acontecem somente no plano do sujeito em seu espaço restrito, mas amplia-se também para o espaço da população. Nesse caso, afirmam Dinis e Oliveira (2014), a perspectiva do fenômeno individual de adestramento do sujeito, vai ser ampliada e agora serão levados em conta os fenômenos coletivos. Com isso nasce a preocupação com a

(18)

saúde e o bem estar da população. E para que esses fatores sejam preservados, será iniciada uma política de policiamento para evitar tudo àquilo que possa ameaçar a vida da população. Vários procedimentos são efetivados para alcançar este objetivo de preservar a vida da população, como por exemplo, “[...] uma medicina que vai ter, agora, a função maior de higiene pública, com organismos de coordenação dos tratamentos médicos, de centralização da informação, de normalização do saber [...] e da medicalização da população.” (FOUCAULT, 1999, p. 291). Essas medidas são importantes para que se tenha um certo controle de problemas como o da natalidade e da mortalidade, e esse controle é um dos mecanismo de poder do “biopoder”.

Segundo Foucault,

Mais precisamente, eu diria isto: a disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens na medida em que essa multiplicidade pode e deve redundar em corpos individuais que devem ser vigiados, treinados, utilizados, eventualmente punidos. E, depois, a nova tecnologia que se instala se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida em que eles se resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrario, uma massa global, afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença etc. (FOUCAULT, 1999, p. 291).

Pois, é a partir deste momento que se terá uma complementação do direito de soberania, não com o intuito de excluí-lo, mas na intenção de modificá-lo, tornando-se o inverso e constituindo-se assim um poder que tem a capacidade de “fazer viver” ou pode também “deixar morrer”. Portanto, enquanto no direito de soberania, existia o poder de “deixar viver” ou “fazer morrer”, no biopoder há uma nova tecnologia de poder que deve “fazer viver” ou pode “deixar morrer”. Portanto, a tecnologia do biopoder aparece com dispositivos de poder sobre a população, que exercerá sobre esse homem coletivo o poder de “fazer viver” e “deixar morrer”, algo que está aquém do poder soberano, que ao contrario, era um poder sombrio, e por sua vez consistia em um poder de fazer morrer (DINIZ; OLIVEIRA, 2014).

Deixando de exercer seu direito de impor a morte, o poder soberano garantia a vida. Tratava-se aí da forma de atuação de um poder soberano adaptado à figura de uma sociedade na qual o poder se exercia por meio do confisco, apoderando-se de bens, dos corpos e da própria vida dos súditos. Em suma, afirma Duarte (2008), opera-se aí um importante deslocamento de ênfase: se antes o poder soberano exercia seu direito sobre a vida na medida em que podia matar, de tal modo que nele se encarnava o “direito de fazer morrer ou de deixar

(19)

viver”, a partir do século 19 se opera a transformação decisiva que dá lugar ao biopoder como nova modalidade de exercício do poder soberano, que agora será um “poder de ‘fazer’ viver e ‘deixar’ morrer.

À luz de Foucault, sobre o biopoder:

Foi elemento indispensável ao desenvolvimento do capitalismo, que só pôde ser garantido à custa da inserção controlada dos corpos no aparelho de produção e por meio de um ajustamento dos fenômenos de população aos processos econômicos. Mas o capitalismo exigiu mais do que isso; foi-lhe necessário o crescimento tanto de seu esforço quanto de sua utilizabilidade e sua docilidade; foram-lhe necessários métodos de poder capazes de majorar as forças, as aptidões, a vida em geral, sem por isto torná-las mais difíceis de sujeitar. (FOUCAULT, 1988, p. 132)

O biopoder, então, utiliza de instrumentos estatais buscando exercer o controle sobre os indivíduos e massas, assegurando ter a propriedade sobre suas vidas e seus direitos, tudo a partir do dado biológico humano. Essa tecnologia do poder está intimamente ligada ao momento histórico que está inserida, onde o sujeito se reconhece como individuo social e que pertence a uma espécie, nesse tempo abre-se espaço para uma biopolítica direcionada a regulamentação dos processos das massas. Consequentemente, essa biopolítica necessita de respaldo para a preservação e controle do que possa limitar a vida do indivíduo, no conjunto de sua espécie, assim temos o biopoder (DUARTE, 2008).

Sob as condições impostas pelo exercício do biopoder, o incremento da vida da população não se separa da produção contínua da morte, no interior e no exterior da comunidade entendida como entidade biologicamente homogênea: “São mortos legitimamente aqueles que constituem uma espécie de perigo biológico para os outros” (FOUCAULT, 2001, p. 140). É por isso que no século 19 também se opera uma transformação decisiva no próprio racismo, que deixa de ser um mero ódio entre raças ou a expressão de preconceitos religiosos, econômicos e sociais para se transformar em doutrina política estatal, em instrumento de justificação e implementação da ação mortífera dos Estados. A descoberta da importância política do racismo como forma privilegiada de atuação estatal, fartamente empregada ao longo do surto imperialista europeu do século 19, e radicalizada cotidianamente ao longo do século 20, tendo no nazismo e no stalinismo seu ápice, tem de ser compreendida em termos daquela mutação operada na própria natureza do poder soberano (DUARTE, 2008).

(20)

Segundo Duarte (2008), a descoberta não apenas da biopolítica, mas também do paradoxal modus operandi do biopoder, o qual, para produzir e incentivar de maneira calculada e administrada a vida de uma dada população, tem de impor o genocídio aos corpos populacionais considerados exógenos, é certamente uma das grandes teses que Foucault legou ao futuro.

Com isso, haverá por parte da biopolítica a preocupação com as relações entre a espécie humana e o meio em que ela vive (FOUCAULT, 1999). Sua importância ocorre em função da população necessitar de boas condições do ambiente para preservar sua existência. Os problemas climáticos e geográficos – assim como as epidemias e outras mazelas – vão afetar diretamente a população. Portanto, é a partir das taxas de natalidade e mortalidade, vinculadas às diversas incapacidades biológicas que a biopolítica vai conseguir extrair o conhecimento necessário para a definição de qual área ela deve intervir com seu poder. Esse poder extraído será fundamental para aperfeiçoar os mecanismos de poder que serão baseados numa espécie de previdência, que tem por objetivo – além de alcançar a baixa da morbidade e a alta da natalidade – prolongar a vida da espécie humana. Para isso serão estabelecidos mecanismos reguladores com o intuito de manter o equilíbrio da população. Um exemplo claro desta regulamentação é o controle da sexualidade, visto que é empecilho entre corpo-população, necessitando de disciplina e regulamentação, ou seja, norma. Ilustra o autor:

Se a sexualidade foi importante, foi por uma porção de razões, mas em especial houve estas: de um lado, a sexualidade, enquanto comportamento exatamente corporal, depende de um controle disciplinar, individualizante, em forma de vigilância permanente; e depois, por seus efeitos procriadores, em processos biológicos amplos que concernem não mais ao corpo do indivíduo mas a esse elemento, a essa unidade múltipla constituída pela população. A sexualidade está exatamente na encruzilhada do corpo e da população. Portanto, ela depende da disciplina, mas depende da regulamentação. (FOUCAULT, 2011, p. 289).

A forma como o poder, tanto disciplinar quanto, principalmente o biopoder atuam sobre o corpo e a subjetividade se vinculam com a construção de padrões normalizados de condutas sexuais e de construções de gênero será objeto de analise no próximo capítulo.

(21)

2 O CONTROLE DO CORPO E DA SEXUALIDADE

A partir do momento em que passou à análise dos dispositivos de produção da sexualidade, Foucault percebeu que o sexo e, portanto, a própria vida, se tornaram alvos privilegiados da atuação de um poder disciplinar que já não tratava simplesmente de regrar comportamentos individuais ou individualizados, mas que pretendia normalizar a própria conduta da espécie, bem como regrar, manipular, incentivar e observar macro-fenômenos como as taxas de natalidade e mortalidade, as condições sanitárias das grandes cidades, o fluxo das infecções e contaminações, a duração e as condições da vida, etc. A partir do século 19, já não importava mais apenas disciplinar as condutas, mas também implantar um gerenciamento planificado da vida das populações (DUARTE, 2008).

Assim, o que se produz por meio da atuação específica do biopoder não é mais apenas o indivíduo dócil e útil, mas é a própria gestão calculada da vida do corpo social. Deste modo, afirma Duarte, compreende-se porque o sexo se torna o alvo de toda uma disputa política: a partir do século 19, ele é o foco de um controle disciplinar do corpo individual, ao mesmo tempo em que está diretamente relacionado aos fenômenos de regulação das populações, conferindo um acesso do poder soberano à vida da própria espécie. A sexualidade, tal como produzida por toda uma rede de saberes e poderes que agem sobre o corpo individual e sobre o corpo social, isto é, o sexo como produto do que Foucault chamou de dispositivo da sexualidade, será então a chave para a análise e para a produção da individualidade e da coletividade.

Naturalmente nossa sociedade está constante transformação e as relações sociais cada vez mais complexas, e isso fez com que o corpo e a sexualidade fossem compreendidos como objetos de disciplina e controle social nas relações de poder. Na verdade, Foucault já vai perceber, a partir da sua obra A História da Sexualidade, que a forma mais ‘fácil’ de controlar as pessoas era através do controle de seu corpo, e vai demonstrar como isto aconteceu ao longo da história. Mais precisamente, estas relações de poder são construídas sob a ótima do masculino, conforme já afirmava Simone de Beauvoir (1980) havendo, então, uma submissão do corpo e da sexualidade do feminino ao biopoder exercido pela sociedade, chamada de patriarcal.

(22)

2.1 A história da sexualidade

Ao falar da história da sexualidade, Foucault busca abordar este assunto através de três formas. A primeira é o questionamento das práticas de discurso e de como os saberes se formaram e se desenvolveram, desde estudos referentes à reprodução até níveis comportamentais. A segunda se dá com uma análise dos sistemas de força que regulamentam as práticas sexuais e instalam regramentos e normas amparadas pelas instituições, como as pedagógicas, médicas, religiosas e judiciárias. Por último, mas não de forma definitiva, é feita uma interpretação da maneira através da qual os indivíduos passam a valores suas condutas, sentimentos, sensações, prazeres, se reconhecendo como sujeitos desse objeto de estudo, a sexualidade (FOUCAULT, 2001).

Para que se posso começar a entender de que forma conhecemos e vivenciados a sexualidade, é preciso ser feito um estudo a começar por suas raízes, porém isso não significa que Foucault quis buscar um ponto definitivo onde as investidas sobre a sexualidade se tiveram seu nascimento/gênese, o seu alvo é mais distante.

2.1.1 A Vontade de Saber

Michel Foucault publicou em 1976 o primeiro volume da História da Sexualidade, intitulado “A vontade de saber”, fazendo, então, uma abordagem inicial a uma série de estudos históricos. Em uma primeira análise se pode notar a existência de algumas teses principais dentro desse primeiro volume. O filósofo nos ensina que o desabrochar histórico do século XIX é pontuado, também, por repressão, controle e recrutamento.

A busca por apresentar uma história da sexualidade dos três últimos séculos, nos quais houve uma repressão do discurso sobre o sexo em contrapartida com a propagação de discursos que resultariam em uma ciência sexual (scientia sexualis), a qual vai exponencialmente diversificar e condenar as formas que seriam consideradas não naturais da sexualidade. Desenvolve-se, também, uma nova concepção de poder, que se torna sinônimo de repressão, mas realiza, além de tudo, uma provocação mascarada. Ao final se tem a tentativa de libertar o sexo, ou da ideia de que fazemos do sexo, de uma opressiva escravização social, mostrando que essa tentativa nada mais é do que um notável mecanismo de poder, que objetiva nos prender em seu próprio pano.

(23)

Em A Vontade de Saber o pensamento foucaultiano é mais amplo e geral em questão de elementos e questionamentos, nos dando uma visão da situação na qual suas ideias estão e quais direções elas poderão, ou não, tomar. Perpassa-se o discurso da sexualidade, então, pela proliferação e repressão, além de sua ligação com as relações de poder. Neste momento inaugural existem elementos tanto de uma visão arqueológica, quanto de uma visão genealógica, como se tem referência os primeiros e últimos escritos do filósofo francês, Arqueologia do Saber (1969) e Microfísica do Poder (1979), respectivamente.

A arqueologia no discurso sobre sexualidade se demonstra quando não se busca com exatidão o momento em que algo teve sua gênese.

A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras (...); ela se dirige ao discurso em seu volume próprio, na qualidade de monumento. Não se trata de uma disciplina interpretativa: não busca um “outro” discurso mais oculto. Recusa-se a ser “alegórica”. (FOUCAULT, 1969, p. 159).

Já esse aspecto genealógico do discurso pode ser percebido quando é tomada por base a dimensão histórica para que se possa compreender as formas de proliferação no caminho da sociedade ocidental. Logo nas primeiras páginas de A Vontade de Saber, Foucault nos faz perceber que sua crítica seria que ao se pensar em teorias sobre determinado assunto o risco de que este assunto perdesse o tom de simplicidade é alto, podendo este mesmo assunto ganhar arabescos a partir de um destaque falso. E dessa maneira, diz:

Diz-se que no início do século XVII ainda vigorava uma certa franqueza. As práticas não procuravam o segredo; as palavras eram ditas sem reticência excessiva e, as coisas, sem demasiado disfarce; tinha-se com o ilícito uma tolerante familiaridade. Eram frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da decência, se comparados com os do século XIX. Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças astutas vagando, sem incômodo nem escândalo, entre os risos dos adultos: os corpos “pavoneavam”. Um rápido crepúsculo se teria seguido à luz meridiana, até as noites monótonas da burguesia vitoriana. A sexualidade é, então, cuidadosamente encerrada. Muda-se para dentro de casa. A família conjugal a confisca. E absorve-a, inteiramente, na seriedade da função de reproduzir. (FOUCAULT, 2001, p. 9).

Toda a base de crítica foucaultiana se deita sobre a construção de uma ciência do sexo, sob uma perspectiva científica e de repressão, estando o discurso sobre a sexualidade

(24)

entrelaçado com as relações de poder. Dessa forma que este primeiro livro é gerado, a partir de um relacionamento entre poder, sexualidade e saber.

O início de sua argumentação traz a imagem da moral vitoriana, sociedade que vive, desde meados do século XVIII, com a sexualidade permeada pela hipocrisia, mudez e freios. A família modelo conjugal incita o silêncio e se resume a sua função de reprodução para fins de procriação, tudo que não tangesse as linhas de dentro desse modelo era visto como era negado e jogado ao silêncio.

São desmoralizadas as sexualidades tidas como ilegítimas, sendo designadas apenas a lugares que gerassem retorno de capital, mantendo em mente que, em uma época de Revolução Industrial onde a mão de obra é vastamente explorada não deveriam ser gastas energias nos prazeres e derivados, esta é a visão histórica. Da perspectiva política, praticar quaisquer dessas condutas “ilegítimas” seria um desafio e confronto aos poderes já estabelecidos.

Ao exemplo das crianças, vistas como não detentoras de sexo, volta-se a incitação ao silêncio e os olhos são vendados toda vez que a sexualidade fosse se manifestar. Esse comportamento proibidor é trazido por Foucault como hipótese repressiva:

Isso seria próprio da repressão e é o que distingue das interdições mantidas pela simples Lei Penal: a repressão funciona, de certo, como condenação ao desaparecimento, mas também como injunção ao silêncio, afirmação da inexistência e, consequentemente, constatação de que, em tudo isso, não há nada para dizer, nem para ver, nem para saber. Assim mancharia, com sua lógica capenga, a hipocrisia de nossas sociedades burguesas. (FOUCAULT, 2001, p. 10)

Foucault (2001, p. 17), chega a questionar se existiu mesmo uma ruptura entre a Idade da repressão e a análise crítica da repressão, logo em seguida. Ao fazer esse questionamento, temos que pensar que o filosófico não teve a intenção de refutar a existência da hipótese repressiva e os reflexos dela, que remetem a termos como proibição, silenciamento, repressão, censura. Mas criar uma crítica de que a ideia da história da sexualidade e do sexo se reduziu a estes termos, dificultando a produção do saber.

Realizando a interpretação dessa hipótese, se percebe que essas características negativas que foram citadas, além de estarem relacionadas com o poder, servem como um

(25)

instrumento de incitação. A partir disto, não se fala mais em perspectiva de restrição, mas uma perspectiva de instigação, que fomenta o discurso produzindo o saber.

Desconstruindo os valores e a atenção voltada, na maioria das vezes, apenas à característica impeditiva, é nítido que, ao mesmo tempo, existia uma proibição do que seria dito sobre sexualidade de lado, e de outro havia uma instigação sobre o mesmo tema, a vontade de saber. É fato que, ao analisar os estudos do filósofo, não há de se ver a história da sexualidade como uma restrição, é justamente esta ideia que é refutada, sem ser negada sua existência. O autor Roberto Machado ilustra:

O poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma “positividade”. E é justamente esse aspecto que explica o fato de ele ter como alvo o corpo humano, não para sucitá-lo, adestrá-lo. Não se explica inteiramente o poder quando se procura caracterizá-lo por sua força repressiva. (2006, p. 172)

É-nos chamada a atenção para o sexo, para as técnicas que são usadas pelo poder e por quais meios de discurso a sexualidade pode regular o indivíduo. Reiterando, Foucault nega a interdição, pois, para ele, os termos negativos como silêncio e censura são uma produção discursiva. Falando desses meios de discurso temos diversos exemples que apenas intensificam a sexualidade. A igreja, por meio das confissões, já que até em pensamentos o sexo é revelado; a literatura que traz o sexo detalhado, com exemplo no escritor Marquês de Sade; a medicina em conjunto com a psiquiatria e o judiciário, ao estudar perversões; e a própria racionalidade, que vê a “necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e públicos e não pelo rigor da proibição”. (FOUCAULT, 2001, p. 31).

Falando em racionalidade, podem ser citados outros variados exemplos que são lembrados nesse primeiro título A Vontade de Saber, como controle de natalidade, economia política da população, interditar o sexo das crianças, sexo adolescente como sendo um problema público, demografia. A valorização do segredo em torno do sexo é uma característica das sociedades modernas.

Quando se qualifica o discurso, surgem sexualidades úteis e conservadoras. Entre elas está a monogamia heterossexual como regra, pois não iria de encontro à lei jurídica e natural. Pois a homossexualidade aparece como personagem da sexualidade, mas como uma espécie de hermafroditismo da alma, da prática da sodomia, como ressalta o próprio Foucault em seu texto. São criados diversos nomes e personagens, como exibicionistas, fetichistas,

(26)

ginecomastos, mulheres disparêunicas, entre outros. Mesmo que já existissem, apenas agora seriam pauta no discurso:

A mecânica do poder que ardosamente persegue todo esse despropósito só pretende suprimi-lo atribuindo-lhe uma realidade analítica, visível e permanente: escrava-a nos corpos, introdu-lo nas condutas, torna-o princípio de classificação e de inteligibilidade e o constitui em razão de ser e ordem natural da desordem. Exclusão dessas milhares de sexualidades aberrantes? Não, especificação, distribuição regional de cada uma delas. Trata-se, através de disseminação, de semeá-las no real e incorpora-las no indivíduo. (FOUCAULT, p. 51).

A dupla intencionalidade do controle tem duas faces: prazer e poder. Há essa propagação/proliferação de prazes específicos e de sexualidades dispares. Cada vez mais nítido que o sexo não é necessariamente interditado, temos como exemplos disto os próprios sujeitos. Essa ciência vai ser chamada de scientia sexualis, produção de verdade sobre a sexualidade. Diferindo-se da ars erotica, arte de iniciação que não prevalece aqui no ocidente e nem em nosso contexto social. (FOUCAULT, 2001, p. 67).

A identificação do indivíduo (é) foi feita, por muito tempo, com referência aos vínculos que este tem com outros indivíduos (família, por exemplo). Em seguida, pelo discurso que era capaz de criar sobre si mesmo, sua verdade. E nesse aspecto, de autenticação do indivíduo, a confissão, já citada, é um instrumento usado pelo poder. Portanto, por um lado temos a “interdição” (ou obrigatoriedade) de esconder o sexo, temos por outro o “dever” de confessá-lo. Ao tratar da confissão, o autor traz desde uma codificação clínica do “fazer falar” até a medicalização dos efeitos da confissão.

Assim, de início o sexo estaria escondido do sujeito, necessitando de um exame clínico para que fosse resgatado inconscientemente. O interlocutor decifraria o sexo de outrem. Cria-se um poder-saber sobre o sujeito: “Nós dizemos a sua verdade, decifrando o que dela ele nos diz, e ele nos diz a nossa, liberando o que estamos oculto”. (FOUCAULT, p. 79). Dessa forma que é criado o dispositivo da sexualidade, fundamentado nos instintos que regulam os desejos (interno), criando tal e qual o sujeito que conhecemos atualmente.

Atenta-se, novamente, ao que Foucault chama de poder:

Multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte, os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se

(27)

originam e cujo esforço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatis, na formalação de leis, nas hegemonias sociais. (1988, p. 102-103).

O poder é algo complexo e não se resumo em uma única ação ou força, porém este é o ponto mais nebuloso dessa obra. Logo há uma tentativa de equilíbrio ao trazer uma construção histórica de estratégias ligadas à sexualidade, como a histerilização do corpo da mulher, o poder pedagógico do sexo da criança, condutas sociais de procriação e psiquiatria do poder sobre perversões. Dois dispositivos são postos face a face, o da aliança e o da sexualidade. No da sexualidade se tem toda uma estratégia de vigilância e no outro uma ligação direta com o que é considerado lícito e tradicional.

Foucault (2001, p.139) apresenta, então, um conceito para sexualidade, como sendo um conjunto de efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos, nas relações sociais, por um certo dispositivo pertencente a uma tecnologia política complexa. O que ocorre na difusão desse dispositivo é que o elemento repressor vai gerar uma separação de classes.

Quando a hipótese repressiva é refutada pelo filósofo, é por motivo de não ser o centro de sua análise. Mas volta a aparecer quando se fala dessa difusão do dispositivo da sexualidade, dizendo que a diferenciação social não se afirmará pela qualidade sexual do corpo, mas pela intensidade de sua repressão (FOUCAULT, 2001, p.141). Repreende-se, justamente, o que fora incitado. Surge uma nova organização sobre a vida, que podemos chamar de biopoder, onde a sociedade normaliza a vida e o corpo. O dispositivo sexualidade é o precursor para que questões como desejo e sexo fossem levantadas. E nesse contexto, o filósofo usa a palavra “sexo” como propriamente da relação sexual.

Quer dizer que, o fato de que o desejo e as relações são frutos da construção social. Ao final desse primeiro título sobre sexualidade, Foucault (2001) ainda diz não acreditar que, ao se dizer sim ao sexo, se esteja dizendo não ao poder; ao contrário, se está seguindo a linha do dispositivo geral da sexualidade.

2.1.2 O Uso dos Prazeres

No segundo volume da História da Sexualidade, publicado em 1984, Foucault desmonta seu pensamento em relação ao projeto inicial apresentado no primeiro volume. Faz-se uma retomada à Antiguidade, realizando uma análiFaz-se das práticas que rodeavam o Faz-sexo na

(28)

Grécia Antiga. Logo em seguida entra a religião, representada pelo cristianismo alterando o cenário quando faz a ligação entre o sexo e o pecado. O estudo genealógico do filósofo gira em torno de como o indivíduo, homem ocidental, se tornou um sujeito de desejo.

Sexualidade é uma expressão nascida do século XIX, é uma produção da conduta. Porém, para Foucault, sexo também pode ser tido como discurso. O discurso se difere da ideologia, pois esta é a idealização das coisas, enquanto o discurso é o que se diz em si. O poder traz a sexualidade como um instrumento de controle do indivíduo e das massas, deixando de lado o erotismo localizado. Assim o autor assinala:

O próprio termo "sexualidade" surgiu tardiamente, no início do Século XIX. É um fato que não deve ser subestimado nem superinterpretado. Ele assinala algo diferente de um remanejamento de vocabulário; mas não marca, evidentemente, a brusca emergência daquilo a que se refere. (FOUCAULT, p. 9)

No projeto inicial foi feita uma correlação entre campos de saber, exemplos de normatividade e formas das quais o sujeito forma sua subjetividade. Já no segundo momento, o foco é em como os sujeitos se reconhecem como sexuais. Enfatiza-se, porém, que o objetivo não é uma descrição de condições práticas ou regras que representem o comportamento sexual, mas sim uma investigação de como indivíduos se reconheceram como sujeitos portadores de uma sexualidade. Portanto, a ênfase é em homens enquanto sujeitos sexuais que produzem a história como é vista hoje.

O objetivo primordial foi estudar esse campo histórico vasto e complexo, onde indivíduos dotados de moral são convocados a serem sujeitos morais da conduta sexual. E, ainda, é questionado como houve a transição e transformação desse pensamento grego à doutrina cristã. Esse título indica como o pensamento médico e filosófico, ao longo da história, catalogou esse uso dos prazeres e formou temas severos sobre relações com o corpo, com a esposa, com rapazes e com a verdade. Relacionado ao último se encontra a sabedoria, ocorrendo um transpasse na ligação desejo e verdade pela sexualidade. Assim, começa-se a compreensão da tríade foucaultiana saber-poder-prazer. (FOUCAULT, 2007)

Para o filósofo não há existência do sujeito sem noção de poder. A sexualidade, por si só, é uma construção onde se entrelaçam a preocupação com a moral, com a ética e as técnicas e as práticas em relação a si próprio. Assim o Uso dos Prazeres segue uma construção a partir da interação de jogos de verdade com regras de conduta. Então, para os gregos antigos

(29)

o ato sexual era visto como algo positivo. Já para os cristãos, era algo associado ao mal, passaram a excluir uma série de atitudes ao verem a queda na infidelidade, homossexualismo e na não-castidade. A partir daí, pregou-se uma abstenção, rigidez e respeito à interdição, sujeitado o individuo ao requisito cristão em torno do sexo.

Assim, inicia-se uma doutrinação sexual, incluindo a organização prisional do século XIII que provocou uma codificação da experiência moral. Porém, a moral na Antiguidade greco-romana era orientada para a prática em si e não se direcionava às interdições impostas quanto às relações. Na Grécia Antiga a homossexualidade era livre, fazendo parte de ritos que eram mantidos por mestres e seus pupilos, tudo em nome da busca pela sabedoria (FOUCAULT, 2007). A explicação das práticas de si, anteriormente citada, se dá quando invadimos a Idade Antiga e entendemos que os gregos não possuíam instituições de sequestro, como foi o caso da igreja, fundamentada no século IV. O que havia era uma técnica com a atenção voltada para o corpo, um cuidado de si que influenciava nas práticas sexuais.

Em relação aos rapazes, havia inquietamento quanto ao uso dos prazeres. Os homens gregos podiam escolher livremente entre qualquer dos sexos (gênero), pois o homossexualismo era permitido pela lei e pela opinião pública, havendo uma grande tolerância. Um dos únicos questionamentos existentes era em torno do relacionamento de homens com idades diferentes, pois a passividade era mal vista no homem adulto, já, supostamente, dotado de uma formação moral e sexual. A homossexualidade tinha seu papel, também, na pedagogia, explica-se: a condução do aprendiz pelo mestre, o homem mais vivido e sábio. Dentro da sociedade havia a homossexualidade, que estava ligada à corte, como uma relação aberta, que configurava amor, já que sem a regulação de uma instituição, a conduta estava na relação em si. O casamento era restrito ao espaço menos nobre.

Ao trabalhar o conceito de moral, Foucault considera que podemos ter duas compreensões, que esta pode ser um conjunto de regras e valores de ação propostas aos indivíduos por intermédio de aparelhos prescritivos diversos ou o comportamento real dos indivíduos em relação às regras e valores que são impostos. Existe uma tensão entre estas duas faces, porém também existe uma semelhança, que é a forma pela qual é preciso se conduzir. Assim, as práticas demonstram uma enorme importância, pois apresentam o sujeito moral como sujeito de suas próprias ações, independendo de qual instituição ele esteja inserido (FOUCAULT, 2007).

(30)

2.1.3 O cuidado de si

No terceiro volume da História da Sexualidade, também publicado em 1984, a problemática do desejo continua sendo o cerne principal. O estudo do cuidado de si parte de uma relação subjetiva entre sujeito e verdade. Foucault fixou como de sua pesquisa a noção de epiméleia heautoû existente entre gregos, romanos e helênicos, entre um período do século V a.C até o século II d.C. O autor confessa que o que é pertinente é a questão do sujeito, que é colocada em uma estrutura diferente pelo preceito délfico de conhecer a si mesmo, na conduta de si e por si e, ainda, em relação com o outro. Estando presente em mente que délfico refere-se à cidade histórica de Delfos ou ao refere-seu oráculo, considerado na Antiguidade grega como portador de poderes proféticos.

Nessa referência délfica, segundo Foucault, não havia relação com fundamentos da moral e nem com os deuses, pois para ir a Delfos, além de prudência, o indivíduo necessitava lembrar-se que, sendo ser mortal, deveria conhecer a si mesmo. De forma que não devia contar demais com sua própria força nem afrontar-se com as potências que são as da divindade. Olhando por uma perspectiva histórica, coube, então a Sócrates estabelecer bases para que a noção do cuidado de si tivesse espaço no campo filosófico (FOUCAULT, 1985)

Como citado anteriormente, a ideia de epimeleia heautou (ideia grega) foi usada como base para a noção do cuidado de si. Esta ideia se referia a uma atividade geral, seria uma forma de atenção, a forma como nos modificamos e purificamos para que possamos nos transformar e transfigurar. Um conjunto de práticas e requisitos que funcionavam como exercícios, que definiriam os destinos, quais sejam: da cultura, da filosofia, da moral e, ainda, da espiritualidade ocidentais.

Enfim, com a noção de epimeleia heautou, tem-se todo um corpus definindo uma maneira de ser, uma atitude, formas de reflexão, práticas que constituem uma espécie de fenômeno extremamente importante, não somente na história das representações, nem somente na história das noções ou das teorias, mas na própria história da subjetividade ou, se quisermos, na história das práticas da subjetividade. (FOUCAULT, 1985, p.15)

Para o filósofo francês inquietava-se com o preceito do cuidado de si, devido as inúmeras tentativas em se colocar essa noção dentro do conhecimento de si. Pois esse cuidado de si seria, então, um suporte para todas as formas e práticas de existência do sujeito. Havia

(31)

ainda o termo que surgia dos gregos, gnothi seauton, tão prestigiado em detrimento da expressão epimeleia heautou.

Agora da perspectiva epitemológica, o estudo foucaultiano para o cuidado de si é produzido com base na história sendo um fenômeno cultural, em virtude de sua aceitação geral em certas noções sobre o governo de si e de outro como forma de liberdade. Procura-se compreender como esse fenômeno cultural conseguiu se inserir na história do pensamento, de modo tão marcante que modifique/comprometa o modo de ser do sujeito moderno e, inclusive, do sujeito contemporâneo.

Deve-se atentar à análise do sujeito de subjetividade, ou seja, analisar quais seriam as formas pelas quais o sujeito era constituído e de como ele se reconhecera como sujeito. Perpassando as ciências entre os séculos XVII e XVIII e os jogos de verdade nas relações de poder, o estudo também objetivava estabelecer esses jogos na relação consigo mesmo, trabalhando a constituição de si próprio como sujeito, recolhendo como campo de investigação o que se poderia chamar de história do homem de desejo (FOUCAULT, 1985, p. 195).

Foucault afirma acerca do cuidado de si que temos “(...) o paradoxo de um preceito do cuidado de si e que, para nós, mais significa egoísmo ou volta sobre si e que, durante tantos séculos, foi, ao contrário, um princípio positivo, princípio positivo matricial relativamente a morais extremamente rigorosas”. (1985, p.17). Analisando seus estudos, a noção de cuidado de si percorre toda a filosofia antiga e chega até o início do cristianismo. Deve ser compreendido que a trajetória nasce com o personagem de Sócrates, incitando, explicitamente, o cuidado de si.

Na leitura em Foucault, a noção de cuidado de si entre gregos e romanos deve ser compreendida como um dever, um conjunto de procedimentos. Esta é a problemática principal, que do ponto de vista filosófico, é a busca dos cuidados com a alma, a verdade e a razão. O estudo rege-se entre platônicos e neoplatônicos, epicuristas, estoicos e cínicos, em seus variados pensamentos filosóficos. O conjunto de em torno das expressões gregas traz significados como conhecer-te a si mesmo, provar-se a si mesmo e renunciar a si, transpassando exercícios de respiração, abstinência e resistência. (FOUCAULT, 1985)

Nesse título, a condição filosófica, para o autor é de deixar de colocarmos a questão do poder entre o bem e o mal, mas a colocarmos em termos de existência. O papel da filosofia é fazer ver aquilo que vemos (FOUCAULT, 1985, p. 43). Ainda, denomina o redirecionamento de sua teoria quanto às formas de análises filosóficas e científicas como um progresso de

(32)

conhecimentos. Pois, por um lado acaba por interrogar sobre as práticas discursivas que articulam o saber e, por outro, sobre as relações múltiplas, estratégias e técnicas que articulam o exercício dos poderes. Em um último momento, redireciona seu estudo, então, para as formas e modalidades da relação consigo mesmo, por meio das quais o indivíduo se constituía e se reconhecia como sujeito (FOUCAULT, p. 195). Basicamente, o sujeito deve conhecer a si mesmo para que, assim, possa saber como modificar sua relação consigo mesmo e com os outros, numa incessante busca pelo que é a verdade.

2.2 Normalização das condutas e da sexualidade

A partir do relato feito até o momento, relatando a genealogia do poder e sua relação com o controle da sexualidade, percebe-se os processos denominado de normalização das condutas. Na verdade, Foucault já vai perceber, a partir da sua obra A História da

Sexualidade, que a forma mais ‘fácil’ de controlar as pessoas era através do controle de seu

corpo, e vai demonstrar como isto aconteceu ao longo da história. Este controle do corpo e da alma, da subjetividade vai impor um padrão de conduta socialmente aceitável, tornando desviante os padrões de condutas e comportamentos que não se adequarem neste padrão.

O paradigma da normalidade nos traz diversas possibilidades de uso, pois, afinal, o que é normalidade? Usamos muito este termo em produções acadêmicas, em falas cotidianas, não precisando, necessariamente, ter um único significado. Por definição “normalidade” seria o que condiz com a norma, um hábito, um exemplo. Assim traz uma definição de um dicionário de filosofia, que o “normal” seria uma conformidade com a norma, um equilíbrio. Cria-se uma lista de especificidades das quais caracterizam, inclusive, as condutas dos seres sociais. Esse processo de classificação das condutas em normais e anormais é visto historicamente, quando da escravidão, da mudança de valores morais e éticos, da visão sobre relacionamentos, padrões estéticos, etc. E de qualquer forma, sempre é possível identificar quais seriam os padrões aceitos diante da sociedade.

A julgar pelos momentos históricos, cada grupo social cria um determinado comportamento que constitui uma normalidade, dependendo da natureza das coisas. Quando um indivíduo se comporta de forma diversa temos a anormalidade, o que não é bem visto pelo grupo social, pois, simplesmente, não é o exemplo imposto. A normalidade é invariável, impossibilidade de modificação ou flexibilização, o que torna as coisas um pouco

(33)

contraditórias é que até a nossa noção de normalidade é variada de tempos em tempos. Trabalhando com um cenário histórico pós-moderno, uma pessoa é considerada normal quando está mais próxima do que chamamos de ideal, ou seja, quanto mais encaixe houver com os padrões de saúde/relacionamento/vida social, mais normal alguém seria considerado.

O meio social em si cria definições para normal e anormal, estabelecendo o destino de quem se encaixa em determinada conceituação dentro da sociedade, mas isso não quer dizer que as definições sejam unânimes. O que se percebe a partir de Foucault é que estes padrões sociais são permeados por relações de poder, sejam ele poder disciplinar ou biopolítica. Portanto, são através dos dispositivos de poder que os padrões de comportamento e condutas vai sendo moldados no cotidiano. Deste modo, enquanto construção social permeada por relações de poder, o que acontece é que ao coexistirem, normal e anormal, ao mesmo tempo que um indivíduo considerado normal em uma comunidade, pode ser considerado anormal em outra, considerando as duas no mesmo espaço social. A exemplo disto têm as comunidades de apoio a diferentes causas dentro de um mesmo espaço social.

As condutas anormais, que fogem da normalização, acabam se tornando instrumentos do poder para que as mesmas condutas sejam reguladas (normatizadas) e, nesse sentido, é clara a conclusão de que a norma não pretende apenas o regramento, mas também a punição para quem foge do estabelecido. Essa noção de normal/anormal vai ser estudada por Foucault no campo da ciência, onde se têm as práticas clínicas de psiquiatria, entre o final do século XVII e o início do século XIX. Ele trata o poder psiquiátrico como um “intensificador da realidade”, que funciona como um poder suplementar dado à realidade, sendo uma maneira de regrar em uma tentativa de dominação. O que nos remete ao controle pelo poder novamente, onde o indivíduo está sujeito a uma vontade e um saber alheio.

É necessário o entendimento desse campo da psiquiatria para os estudos em Foucault, pois sua composição de aulas no curso de 1975 dedica-se ao estudo do “monstro humano”. Anteriormente a essa data, a figura do monstro remetia diretamente a de “transgressão”, pois consistiria em um ser que transgredia a ordem natural, fosse ela civil ou religiosa, ou ambas. Já ao fim do século XVII, esse termo será substituído pela noção de irregularidade, a exemplo do sujeito hermafrodita (FOUCAULT, 2010).

Referências

Documentos relacionados

Logo chegarão no mercado também, segundo Da Roz (2003), polímeros feitos à partir de amido de milho, arroz e até de mandioca, o denominado amido termoplástico. Estes novos

a) O primeiro adiantamento corresponde a 30% do valor do apoio aprovado para cada ano e é concedido após a decisão de aprovação da candidatura (1.º ano) ou da alteração

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

O desenvolvimento do software Face Match - Human Face Image Retrieval Software compreende 3 etapas de desenvolvimento, no qual a primeira etapa está completa e consiste do

Com base na literatura revisada, conclui-se pela importância da implantação de um protocolo de atendimento e execução de exame de Ressonância Magnética em

Para entender o supermercado como possível espaço de exercício cidadão, ainda, é importante retomar alguns pontos tratados anteriormente: (a) as compras entendidas como

Aos alunos das turmas de Recursos Hídricos em Geografia (20111) e Análise Ambiental II (20112) pela oportunidade de aprendizado com os estágios de docência. Ao Geógrafo e

*No mesmo dia, saindo da sala do segundo ano, fomos a sala do primeiro ano, quando entramos os alunos já estavam em sala, depois de nos acomodarmos a professora pediu que