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Cosmos e Imagem : devaneios artísticos sobre o espaço

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE ARTES

LAURA ANCONA LOPEZ FREIRE

COSMOS E IMAGEM. DEVANEIOS ARTÍSTICOS SOBRE O ESPAÇO.

CAMPINAS 2018

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COSMOS E IMAGEM. DEVANEIOS ARTÍSTICOS SOBRE O ESPAÇO.

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para a obtenção do título de doutora em Artes Visuais.

Thesis presented to the Institute of Arts of the University of Campinas as part of the requirements for obtaining a doctorate in Visual Arts.

ORIENTADOR: PROF. DR. ERNESTO GIOVANI BOCCARA

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA LAURA ANCONA LOPEZ E ORIENTADA PELO PROF. DR.

ERNESTO GIOVANI BOCCARA.

CAMPINAS

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LAURA ANCONA LOPEZ FREIRE

ORIENTADOR: PROF. DR. ERNESTO GIOVANI BOCCARA

MEMBROS:

1. PROF. DR. Ernesto Giovanni Boccara 2. PROFa. DRª. Luise Weiss

3. PROF.DR. Sergio Niculitcheff 4. PROFa.DRª. Rosa Cohen

5. PROF.DR. Fernando da Silva Ramos

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica da aluna.

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Aos que voam

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No processo de conquista do espaço é preciso inferir que a visualidade e a criatividade são primordiais para o conhecimento do cosmo. Esta pesquisa considera que é preciso admitir que a interdisciplinaridade e interatividade conectam várias áreas do saber na construção do projeto de conquista do cosmos, inclusive as artes visuais.

Na jornada espacial pela visualidade, as artes visuais revelam o poder da observação do espaço cósmico e do desenvolvimento de habilidades físicas e intelectuais que criam espaço para o surgimento do projeto de conquista do espaço. Nesta tese, apresentamos imagens capazes de nos fazer entender o papel das artes em relação com ao cosmo.

Verificamos como os nossos antepassados primitivos expressaram sua curiosidade em relação espaço e começaram a investir na atividade do voo pela imaginação e pela arte. Observamos, a partir dos registros artísticos, como esta prática evoluiu com a hibridização das imagens aladas onde animais e humanos poderiam representar corpos celestes ou mesmo habitar o espaço. Vimos que a ideia de voar e conhecer o céu passa pela vontade humana e que a imaginação dinâmica pode produzir figuras e objetos que, materializados e compartilhados, passam a alimentar os devaneios em grupo. Estas novas imagens que se formam em cadeias de sonhos fazem parte do processo de criação da comunidade humana e se reflete em criações de cunho mitológico, religioso e, também, tecnológico. Reforçamos a ideia de viagem de alma para espaços diferentes da terra conhecida. Argumentamos que a tentativa de reprodução da realidade (Stela) e os significados atribuídos aos mitos integradores da natureza humana, animal e cósmica, permitem o conhecimento sobre os significados que trabalham no sentido de permitir o deslocamento, ou a viagem para fora do espaço do domínio terrestre a fim de criar um elo e um pacto entre os mundos com vista a superação da limitação física humana.

Vimos, também, que os princípios de organização e método ocorreram de idealização mental e atuação material também pelos processos artísticos; que a fim de alcançar o espaço celestial e apreender o poder de voo surgiu o conceito de viagem

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documentação e expressão dos sonhos coletivos e individuais a arte expressou as atividades de organização da mente; que a arte inaugurou a pratica de simulação da realidade para fins criativos, de documentação, análise e experimentação; que as primeiras asas não tornaram o voo possível, mas que a repetição da ideia, da observação e da técnica caminharam em direção a realização do desejo humano expresso de voar e viajar para o espaço; que a arte, ao insistir na manutenção da expressão de ideias aparentemente impossíveis, fomentou a busca pelo conhecimento que tornou o voo e, a conquista do espaço, possível.

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In the process of conquest of cosmic space it is necessary to infer that visuality and creativity are primordial for the knowledge of the cosmos. This research considers that it is necessary to admit that interdisciplinarity and interactivity connect several areas of knowledge in the construction of the project of conquest of the cosmos, including the visual arts.

In the space journey through visuality, the visual arts reveal the power of the observation of cosmic space and the development of physical and intellectual abilities that create space for the emergence of the project of conquest of the space. In this thesis we present images capable of making us understand the role of the arts in relation to the cosmos.

We checked how our primitive ancestors expressed their curiosity about space and began to invest in the activity of flying by art and imagination.We observed, from the artistic records, how this practice evolved with the hybridization of winged images where animals and humans could represent celestial bodies or even inhabit space. We have seen that the idea of flying and knowing the sky passes through the human will and that the dynamic imagination can produce figures and objects that, materialized and shared, begin to feed group daydreams. These new images, formed in chains of dreams, are part of the human community process of creating and appear in mythological, religious and technological creations. We reinforce the idea of the “soul travel” to the unknown world. We argue that the attempt to reproduce the reality, and the meanings attributed to the integrating myths of human, animal, and cosmic nature, allow us to access the knowledge about the meanings about traveling out of the terrestrial space domain and the creation of a pact between the worlds to overcoming human physical limitations.

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Imagem 1 – Dias A. Anywhere is my Land, 1968. Acrylic on canvas, 130 x 195 cm. Fonte: Catálogo da Exposição “Antonio Dias – Anywhere is my Land”. Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2010. p. 105.

Imagem 2 – Carta Marina, Autor Olaus Magnus (1490-1557). Disponível em: <http://gallery.lib.umn.edu/exhibits/show/olausmagnus>. Acesso em 6 set. 2017. Imagem 3 – Carta marítima renascentista. National library of Sweden. Disponível em: <https://champagnewhisky.files.wordpress.com/2013/09/whales-attacking-ship.jpg>.

Acesso em 6 set. 2017.

Imagem 4 – Homem na lua. Disponível em: <

http://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/425062-695-a7f/w976h550/14_15_ghg_lua2.jpg>. Acesso em 6 jan. 2016.

Imagem 5 – Sonda Mars Reconnaissance Orbiter. Disponível em:

<http://www.jpl.nasa.gov/news/news.php?release=2006-109>. Acesso em 27 nov.

2015.

Imagem 6 – Sonda Philae. Disponível em:

<http://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/15/ciencia/1416042437_504851.html>. Acesso em 23 mar. 2016.

Imagem 7 – Stela de Rocher des Doms. Molasse calcário burdigalienne para bryozaires. Formato: H: 26 cm; l. max: 17 cm; max. espessura: 10 cm.

Imagem 8 – Löwenmensch (Homem-Leão), material: marfim, dimensões: 29,6 cm/ altura, 5,6 cm/ largura e 5,9 cm/ espessura fonte: Archaeology Magazine

Archaeological Institute of America). Disponível em

<http://archive.archaeology.org/1203/features/stadelhole_hohlenstein_paleolithic_low

enmensch.html>. Acesso em 28.12.2016.

Imagens 9 e 10 – Ba-bird do Nattional Museum Ancient Egypt.

Disponível em:

<

https://i.pinimg.com/736x/ee/f9/de/eef9defec8f9d46dd391eac6969b4319--national-museum-ancient-egypt.jpg>. Acesso em 6 set. 2017. E Ba-bird do Boston Museum of

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CAMPBELL, Joseph. As transformações do mito através do tempo. São Paulo: Cultrix; 1997. p. 25.

Imagem 12 – Roman Relief of Daedalus and Icarus – Daedalus and Icarus, antique bas-relief; in the Villa Albani, Rome. Alinari/Art Resource, New York”. Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/Daedalus-Greek-mythology>. Acesso em 6 set. 2017.

Imagem 13 – Dedalus – “Tommaso Piroli, Daedalus and fallen Icarus; Antiquités d’Herculanum Volume 3 (Francesco and Pietro Piranesi), Paris, 1804.” Disponível em: <https://www.tumblr.com/search/francesco%20piranesi>. Acesso em 6 set. 2017.

Imagem 14 – Cervid with internal drawing. Fotografia da autora, 2015. Em: LOMMEL, Andreas. Shamanism: The Beginnings of Art. New York/Toronto: Mc Graw-Hill Book, 1967.

Imagem 15 – Máscara – Em LOMMEL, Andreas. Shamanism: The Beginnings of Art. New York/Toronto: Mc Graw-Hill Book, 1967. Fotografia da autora.

Imagem 16 – Touro alado Assírio. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ass%C3%ADria>. Acesso em 6 jan. 2016.

Imagem 17 – Gênio sumério com cabeça de águia – Throne room of ashurnasirpal II Disponível em: <https://farm1.staticflickr.com/22/27444776_eb8e02bfc9.jpg> e

<http://www.jstor.org/stable/3046178?refreqid=excelsior%3Aec270d5c9a01c6ae1eaf

0bbb432469d5&seq=11#page_scan_tab_contents>. Acesso em 16 ago 2017.

Imagem 18 – Plaque with Agnus Dei on a Cross between Emblems of the Four

Evangelists (aproximadamente 1000-1050). Disponível em:

<http://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/17.190.38>. Acesso em 6 set.

2017. (João é a Águia, Lucas é o Touro, Marcos é o leão e Mateus é o homem). Imagem 19 – Constelação de Centauro. Desenho de Johannes Hevelius. Disponível em: <http://www.explicatorium.com/Constelacoes/Constelacoes.php>. Acesso em 6 jan. 2016.

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2016.

Imagem 21 – Gobekle Tepe – Foto de Berthold Steinhilber – Imagem do Artigo Göbekli Tepe – The Stone Age Sanctuaries. New results of ongoing excavations with a special focus on sculptures and high reliefs, de SCHMIDT, Klaus. p. 6. Disponível em: <http://revije.ff.uni-lj.si/DocumentaPraehistorica/article/view/37.21>. Acesso em 13 out. 2016.

Imagem 22 – Nevalı Çori – Imagem do Artigo Göbekli Tepe – the Stone Age Sanctuaries. New results of ogoing excavations with a special focus on sculptures and hight reliefs, de SCHMIDT, Klaus. p. 6. Disponível em: < http://revije.ff.uni-lj.si/DocumentaPraehistorica/article/view/37>. Acesso em 13 out. 2016.

Imagem 23 – Stela of Akhenaten and His Family. Disponível em:

<http://www.globalegyptianmuseum.org/detail.aspx?id=15416>. Acesso em 6 set. 2017.

Imagem 24 – Estela funerária de Nes-Khonsu-pa-Khered. 20ª-21ª dinastias. Pintura sobre madeira. 295 x 175 cm. Museu Egípcio, Turim. Em: Enciclopédia das Artes. Mundo Antigo. p. 160.

Imagem 25 – Vitória alada. National Geographic. Disponível em:

<

http://www.nationalgeographic.com.es/historia/grandes-reportajes/la-victoria-de-samotracia-icono-de-la-grecia-clasica_9389>. Acesso em 14 set. 2016.

Imagem 26 – Design for a flying machine. Leonardo Da Vinci. Em: LAURENZA, Domenico. Leonardo Da Vinci. Arte e voo. Barcelona: Ediciones Folio, 2008. p. 55. Imagens 27, 28, 29, 30 e 31 – Desenhos de Isaac Newton. Em: Cambridge Digital Library. Disponível em: <https://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-ADD-03974/10>. Acesso 27. out. 2016.

Imagens 32, 33, 34, 35, 36 e 37 – Leonardo Da Vinci. Imagem do códice sobre o voo dos pássaros; imagem do estudo sobre o voo natural e artificial; imagem do estudo da comparação entre as capacidades dinâmicas do homem e as andorinhas e imagem das proporções do corpo humano em diferentes posições. Em: LAURENZA, Domenico. Leonardo Da Vinci. Arte e voo. Barcelona: Ediciones Folio, 2008. Entre a

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e 37.

Imagem 38 – Rosca aérea. Leonardo Da Vinci. Em: LAURENZA, Domenico. Leonardo Da Vinci. Arte e voo. Barcelona: Ediciones Folio, 2008. p. 42

Imagem 39 – Diagrama comparativo entre o sistema Epsilon Eridani e o sistema Solar.

Disponível em:

<https://www.nasa.gov/mission_pages/spitzer/multimedia/20081027b.html>. Acesso

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INTRODUÇÃO...pág.14 OBJETIVOS...pág.19 METODOLOGIA...pág.19 DISCUSSÃO GERAL...pág.20 Capítulo I...pág. 20 Capítulo II...pág. 33 Capítulo III...pág.47 Capítulo IV...pág.59 Capítulo V...pág.79 CONCLUSÃO...pág.92 REFERÊNCIAS...pág.99

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INTRODUÇÃO

Imagem 1 – Anywhere is My Land, Antonio Dias

Esta tese foi inspirada por várias experiências pessoais e conversas com amigos, mas é preciso destacar um acontecimento especial que deu início ao tema da pesquisa que será desenvolvida a seguir: o encontro com uma obra de Arte, Anywhere is my Land, de Antônio Dias, um acrílico sobre tela medindo 130 x 195 cm. A contemplação dessa obra me levou a querer estudar as implicações visuais entre arte e ciência do espaço.

Apresentamos essa obra aqui, impulsionados pelo envolvimento entre obra e observador, como explicado por Bachelard sobre a participação poética. Para ele, “com uma imagem que não é nossa, com uma imagem por vezes bastante singular,

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somos chamados a sonhar em profundidade. O poeta tocou o ponto certo”.2 Esse

observador, capaz de participar de uma criação e, para além da visão bachelardiana, capaz de dar continuidade ao processo de criar, é, para nós, o criador ideal, inserido num processo cíclico de criação dinâmico no qual muitos atores participam, inclusive, atemporalmente, dando vida às inovações em nosso mundo. Expressamos assim a importância da participação do observador em relação à obra poética visual que, com base nela devaneia, se sente inspirado e compartilha da ação criativa.3

Anywhere is my land4 foi também o título de uma exposição de Antônio Dias

na Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2010. O catálogo oferece pouca informação sobre a obra que pode revelar um momento de passagem pessoal do artista, da mudança de um país para o outro.5 Essas viagens foram importantes para

o nascimento da obra, visto que em uma delas o artista se envolveu com o tema da astronomia e da matemática.6

No caráter poético de Anywhere is my land, surgem as referências à astronomia e à matemática. Para quem se detêm no aprofundamento da experiência onírica, salta à vista, prioritariamente, a alusão da visão do cosmos segundo o ponto de vista terreno. O participante observador absorve o conhecimento da Arte. Para nós, os objetos de contemplação são carregados de significados; nesse caso, segundo a historicidade das imagens artísticas do cosmos, o significado maior remete às conquistas espaciais.

2 BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. Tradução Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes,

1996. p. 120.

3 “Gostaríamos tanto de poder demonstrar que a poesia é uma força de síntese para a existência humana! Os

arquétipos são, do nosso ponto de vista, reservas de entusiasmo que nos ajudam a acreditar no mundo, a amar o mundo, a criar o nosso mundo”. BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. Tradução Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 119.

4 Exposição promovida pelo Governo do Estado de São Paulo, pela Pinacoteca do Estado de São Paulo, pelo

Santander Cultural, com a colaboração e organização da Daros Latinamerica com trabalhos de Antônio Dias que integram a Coleção Daros Latinamérica do período de 1960 e 1970. Curadoria: Hans-Michael Herzog. De 11 de setembro a 7 de novembro de 2010.

5 O movimento entre cidades e países parece ter sido uma constante em sua vida – nasceu em Campina Grande

(Paraíba – Brasil) e morou em Maceió (Alagoas – Brasil), Mata Grande (Alagoas – Brasil), Recife (Pernambuco – Brasil), Rio de Janeiro, Paris, Londres, Milão, Nova Iorque, Nepal, Berlim e Colônia. Pela entrevista realizada por Hans-Michael Herzog, ficamos sabendo que a obra foi realizada durante o período do regime militar quando Dias vivia na Europa. No ano de 1968, quando a obra foi realizada, Antônio mudava da França (Paris) para a Itália (Milão), dado que a renovação de sua permissão de residência fora negada. Dias não estava passando por um bom momento. Ele apareceu numa fotografia em uma ocupação do Museu de Arte de Paris.

6 Catálogo, editora Daros Latinamerica AG, distribuição Hajte Cantz Verlag. Exposição Anywhere is my Land.

Antonio Dias. Pinacoteca do Estado de São Paulo. De 11 de setembro a 7 de novembro de 2010. p. 162. O catálogo foi publicado primeiramente por ocasião da exposição no Daros Museum em Zürich e, depois, reeditado para a exposição na Pinacoteca do Estado de São Paulo no Brasil.

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Entendemos que as artes visuais e os artistas são parte visualmente integrante do processo visual que inspira, motiva e participa da tecnologia espacial. Ainda não sabemos todas as implicações dos processos visuais nos desenvolvimentos do pensamento.

Do desenvolvimento da tecnologia espacial, parece-nos tão importante por talvez indicar uma provável alternativa para a sobrevivência da raça humana quando o espaço terrestre se tornar inoperante. Sabemos que as estrelas têm um ciclo de vida e que, sendo o Sol uma estrela, um dia morrerá.7 Como a vida na Terra depende da

luz do Sol, a vida humana será erradicada. Sobreviverão as criaturas capazes de suportar a ausência da luz e do calor do Sol. Há ainda a possibilidade de grandes colisões de nosso planeta com asteroides e cometas. Esses fatos e essas previsões explicam o porquê dos gastos exorbitantes investidos pela Nasa e por outras agências internacionais em espaçonaves e missões espaciais.

Para introduzirmos nossa ideia, guia da participação da Arte nesse processo, esclarecemos que a experiência primeira seria, na história das conquistas do espaço, a imagem inicial que dá início à trajetória visual, passando pela imaginação e pela concretização de imagens do cosmos. Encontraremos nesse caminho nos documentos visuais que atestam o interesse do homem primitivo e moderno pelo espaço.

Para Bachelard (1996), na “formação do espírito científico, o primeiro obstáculo é a experiência primeira, a experiência colocada antes e acima da crítica —

7 Sobre vida e morte das estrelas e o surgimento do planeta Terra, Stephen Hawkings afirma que “As regiões

externas da estrela às vezes podem ser expelidas em uma enorme explosão chamada supernova, que ofuscaria o brilho de todas as demais estrelas na sua galáxia. Parte dos elementos mais pesados produzidos próximo ao fim da vida da estrela seria arremessada de volta para o gás da galáxia e forneceria parte da matéria-prima para a geração seguinte de estrelas. Nosso próprio Sol contém cerca de 2% desses elementos mais pesados, pois é uma estrela de segunda ou terceira geração, formada há cerca de cinco bilhões de anos a partir de uma nuvem de gás em rotação contendo restos de supernovas anteriores. A maior parte do gás nessa nuvem entrou na formação do Sol ou foi expelida, mas uma pequena quantidade dos elementos mais pesados se agrupou para formar os corpos que hoje orbitam o Sol na condição de planetas, como a Terra”. HAWKINGS, Stephen. Uma breve história do tempo. Tradução Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Digital Intrinseca, 2015. Ebook. Capítulo 8: A origem e o destino do Universo, parágrafo 8.(Não havendo regra definida pela ABNT para citação em livros digitais sem paginação, como no Kindle ou Kobo, nos quais a paginaçãodepende do tamanho da fonte e do aparelho, optamos por citar o capítulo do livro e o número do parágrafo, o que viabiliza sua verificação em qualquer meio, digital ou eletrônico).

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crítica esta que é, necessariamente, um elemento integrante do espírito científico”.8 A

crítica, no discurso de Bachelard, aparece como elemento de resistência à experiência de primeira Natureza, primitiva, e é decisiva para o surgimento do espírito científico. Acredita que o pensamento pré-científico “faz parte do século” e que, para que a crítica exista é preciso que exista, antes, essa experiência. Por isso, não podemos deixar de esclarecer que, antes das palavras, as análises, os pensamentos e os questionamentos apresentados a seguir foram inspirados pela contemplação de uma obra de arte visual: Anywhere is my Land. Trata-se aqui do pensamento nascente da poesia da obra pelo observador de devaneios, sobre esse ponto de vista, da obra que impulsiona, motiva e se reflete na extensão da imaginação e na análise factual do pesquisador. Uma imagem representa muito mais do que podemos escrever sobre ela, da mesma forma que escrever sobre música não dá conta de explicar a magia e a emoção que ela suscita. Dessa forma, a experiência artística é sublime. Nenhuma tese pode ser tão espetacular e profunda quanto a própria obra, por esse motivo iniciamos nossa tese apresentando todas as obras visuais que guiaram e inspiraram esta pesquisa. As palavras a seguir sobre artes visuais e ciência são espiadas pela perspectiva acadêmica, muito embora não estejam destituídas de tudo aquilo que não se pode traduzir em palavras e que só se pode entender pela visualização da arte.

De agora em diante, cabe-nos procurar entender o papel da arte nesse processo de descobertas espaciais.

8 BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Disponível em:

<https://cartaslivres.wordpress.com/2011/08/16/livro-bachelard-gason-a-formacao-do-espirito-cientifico>. Acesso em 9 maio 2016. Título original: La Formation de l’esprit scientifique: Contribution à une psychanalyse de la connaissance. p. 21.

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OBJETIVOS

Presumimos que as Artes Visuais fazem parte de um processo de criação que compartilha processos formadores da ciência espacial, nosso objetivo é desenvolver essa ideia e verificar de que forma as artes visuais participam desse caminho. A princípio, acreditamos que as artes participam do processo de formação e ideação de diversas ciências. Escolhemos as ciências espaciais pela natureza poética da ideia de viajar a outros planetas e, também, pela aparente distância entre arte e ciência, o que torna o tema um desafio a ser empreendido numa tese que, se espera, seja original.

METODOLOGIA

Como critério de escolha das obras escolhemos imagens capazes de representar o caminho visual e intelectual, formado a partir da observação, da imaginação, da compreensão e da ação criativa sobre o: (1) Cosmos e (2) voo. No primeiro caso sobre o cosmos, temos a observação do espaço e sua representação em imagens artísticas, depois a observação do espaço aliada à observação da imagem artística leva a outras reflexões. Consequentemente, surgem novas ideias criativas e novas imagens derivantes dessas últimas observações. O processo de transformação sobre o qual estudamos é aquele que ocorre em dois momentos: primeiro, quando da observação do Cosmo o homem passar a agir artisticamente; segundo, quando a arte é o motivo ou sugere outras ações na área da ciência, como na ciência espacial.

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DISCUSSÃO GERAL

Capítulo I

Arte, ciência e criatividade

Sabemos o quão importante é resgatar fatos do passado para entender, investir e ganhar o futuro. Os navegadores lançaram-se ao mar com a mesma coragem que os astronautas se lançam ao espaço. Vamos pensar nos seres que se aventuraram nos desertos e imaginar uma época extremamente remota quando a vida na Terra teve início. Tudo aquilo que em algum momento do passado longínquo pareceu como novo e perigoso é, agora, integrado ao nosso cotidiano e assimilado naturalmente. Sabemos que pode haver vida bacteriana em outros planetas. A sonda Curiosity, da Nasa, encontrou condições para uma vida microbiana em Marte.9

Passamos a ansiar pelo momento em que poderemos viajar para outros planetas com a facilidade com que viajamos hoje para outros continentes.

9 Mais informações em: The University of Manchester. Disponível em:

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Se retornarmos à época das grandes expedições marítimas encontraremos registros visuais que atestam a inquietação das populações frente aos preparativos do passado para as expedições ao desconhecido. Podemos imaginar o terror e excitação que assolava as almas — pela crença da fé ou pelo vazio das esperanças — ante a necessidade de se lançar ao desconhecido.

Imagem 2 – Carta Marina, autor Olaus Magnus (1490-1557)

Imagem 3 – Carta marítima renascentista. National Library of Sweden.

A palavra Viking deriva provavelmente da palavra vik, que significa baia ou creek na linguagem Norse. A palavra foi adotada pelos Escandinavos no século IX e

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significa “viagem pelo mar”. 10 As figuras de terríveis monstros marítimos e

alienígenas11 assustadores que ilustravam histórias de ficção científica não servem

mais,12 agora o “pensar para fora”, mover-se rumo ao desconhecido, é também o

pensar no habitar outros planetas, projetar essa façanha e testá-la, como aconteceu com as expansões por terra e por mar. Neste exato momento, pesquisadores procuram variadas formas de vida no cosmos e pensam em como criar condições para a vida humana em outros planetas. Estudam as expansões no e do cosmos e intentam criar condições de sobrevivência em outros planetas.13 Eles sonham, projetam seu

sonho e criam a nova realidade. A humanidade sonha um lugar no qual possamos nos abrigar gentilmente de uma possível catástrofe espacial ou mesmo provocada pelos próprios humanos no futuro próximo ou distante. O que parecia impossível começa a se apresentar, aos poucos, como possibilidade real: o homem chegou à Lua (Imagem 4), sondas visitam Marte (Imagem 5), pousam e viajam em cometas (Imagem 6).

Imagem 4 – Homem na Lua – Neil Armstrong em 1969

10 Para mais informações sobre o assunto, consultar: OHAT, Yves. The Vikings – Lords of the Sea. New York: Ed.

Harry N. Abrams, 1987.

11 A palavra alienígena vem do latim alienus, que significa “de outro, estranho, que vem de fora, relacionado à alienus, “outro”, Mais o sufixo -gena, da raiz gignere, “gerar”’. Site de etimologia. Disponível em:

<origemdapalavra.com.br>. Acesso em 18 out. 2015.

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Imagem 4 – Homem na Lua, 1969

Imagens 5 – Sonda Mars Reconnaissance Orbiter

Imagem 6 – sonda Philae

Qual o papel da arte nesse processo de sonhos, devaneios, materializações e descobertas espaciais? Como eram nossos devaneios e desejos coletivos-primitivos?

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Podemos descobrir algum deles pelos objetos da Arte? Quantas coisas desejamos e realizamos individualmente e em grupo?

O desejo compartilhado torna-se realidade nas mãos de grupos criativos. Carl Gustav Jung (1964, p. 258), no livro Man and his symbols, fala que existem padrões coletivos de pensamento e de imagens que funcionam da mesma forma em cada um de nós14. Artistas expressaram pensamentos coletivos nas paredes de

cavernas, em quadros que vemos hoje nos museus, em filmes, livros, músicas e representações teatrais. Artistas captam os sonhos coletivos e os expressam, de forma singular por meio da arte.

A Arte revela um pouco do inconsciente humano pela visualidade. Aparece em momentos em que há necessidade de expressão do inconsciente, do corpo e da alma, nos momentos de descontração e concentração profunda, quando precisamos de ar, de respiro, de novidade, de beleza e de rebeldia. Torna possível revelar, compartilhar e acessar o indizível por meio da imagem. Como a Arte surgiu em nosso planeta? Como a Arte vai aparecer no espaço ou em outros planetas? Provavelmente da mesma forma como apareceu na Terra, pela necessidade de expressão, documentação, beleza e criação da natureza humana.

Por mais inconsciente que tenha sido a manifestação do desejo de aproximação ou compreensão do espaço pelos povos primitivos, esta foi uma força que levou à criação de imagens e objetos que nos contam sobre a trajetória da aproximação humana do espaço cósmico.15 Nesta pesquisa, apresentamos obras que

representam o fluxo de imagens artísticas derivantes da observação e dos devaneios humanos sobre o Cosmos. Este estudo considera a importância do devaneio artístico no processo de compreensão do espaço e pretende contribuir, numa esfera positiva, para o esclarecimento das conexões existentes entre arte e ciência espacial. Analisamos o fluxo imagético do conjunto das obras sobre o cosmos através dos

14 “We do not assume that each new-born animal creates its own instincts as na individual acquisition, and we must

not suppose that human individuals invente their specific human ways with every new Bird. Like the instincts, the colletive thought patterns of the human mind are innate and inherited. They function, when the occasion arises, in more or less the same way in all of us”. JUNG, Carl Gustav. Man and his symbols. London: Randon House, 1964. Ed. Digital, p. 258.

15 Muito embora a Terra esteja inserida no espaço cósmico, usamos a expressão “espaço cósmico” para nos referir

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tempos e as implicações artísticas a propósito do desejo humano de voar, conhecer e habitar outros planetas.

O devaneio, segundo Bachelard (1996, p. 5), “é uma fuga para fora do real” que se diferencia do sonho por ocorrer no estado de vigília. “O devaneio é então um pouco de matéria noturna esquecida na claridade do dia” (BACHELARD, 1996, p. 10). Dessa foram, o devaneio ocorre quando estamos acordados e é possível ter algum controle sobre os rumos da imaginação.

Os primeiros indícios artísticos da contemplação do espaço, para fins desta pesquisa, são entendidos como ação inicial de reconhecimento do cosmos. Seus desdobramentos e suas interações com outras áreas vieram a culminar com a aventura do ser humano no espaço. Bachelard nota que, as “viagens imaginárias e infinitas têm itinerários muito mais regulares do que se poderia pensar” (BACHELARD, 1990, p. 7),16 podemos extrapolar suas origens pela “lenta vida dos objetos através

dos séculos” se nos permitirmos compreender melhor seu dinamismo inconsciente. Pode esse dinamismo inconsciente afetar a racionalidade num sentido positivo? Acreditamos que sim. E procuramos seguir o percurso de imagens significativas e cuidadosamente escolhidas, partindo de uma época remota para trilhar o percurso das imagens da arte sobre o cosmos.17

Esta pesquisa aborda o diálogo entre duas áreas do saber: as artes visuais e a ciência do espaço. Quanto a essa última, sendo esta uma pesquisa sobre a visualidade, nos interessa apenas os documentos visuais ou artísticos, o que já significa afirmar que a ciência também é comunicada pela visualidade, sendo esta não sua totalidade, mas uma forma de expressão de seus conceitos e seus devaneios. Para nós, a ciência também devaneia em busca da assertividade e das provas irrefutáveis. Nesse contexto, os conceitos que norteiam a incessante busca pelo conhecimento, conquanto tocar no tema da interdisciplinaridade será, sobretudo, um

16 BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação do movimento. Tradução Antonio de

Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1990. p. 7. Título original: L’Air et les Songes. Essai sur l’imaginacion du mouvement. Librairie José Corti, 1943.

17 A pesquisa documental de imagens, em livros, revistas, jornais, folders, documentos digitais e imagens

iconográficas – fotográficas, desenhos, pinturas, gravuras – foram adotadas como fonte primária. A consulta bibliográfica foi usada como fonte de dados referentes ao tema.

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desafio. Vale lembrar as palavras de Gaston Bachelard (s/d) em “A formação do espírito científico”:

Mais uma vez, as forças psíquicas que atuam no conhecimento científico são mais confusas, mais exauridas, mais hesitantes do que se imagina quando consideradas de fora, nos livros em que aguardam pelo leitor. É imensa a distância entre o livro impresso e o livro lido, entre o livro lido e o livro compreendido, assimilado, sabido! Mesmo na mente lúcida, há zonas obscuras, cavernas onde ainda vivem sombras. Mesmo no novo homem, permanecem vestígios do homem velho.18

E,

A experiência científica é portanto uma experiência que contradiz a experiência comum. Aliás, a experiência imediata e usual sempre guarda uma espécie de caráter tautológico, desenvolve-se no reino das palavras e das definições; falta-lhe precisamente esta perspectiva de erros retificados que caracteriza, a nosso ver, o pensamento científico. A experiência comum não é de fato construída; no máximo, é feita de observações justapostas, e é surpreendente que a antiga epistemologia tenha estabelecido um vínculo contínuo entre a observação e a experimentação, ao passo que a experimentação deve afastar-se das condições usuais da observação. Como a experiência comum não é construída, não poderá́ ser, achamos nós, efetivamente verificada. Ela permanece um fato. Não pode criar uma lei. Para confirmar cientificamente a verdade, é preciso confrontá-la com vários e diferentes pontos de vista. Pensar uma experiência é, assim, mostrar a coerência de um pluralismo inicial. Mas, por mais hostilidade que tenhamos contra as pretensões dos espíritos “concretos” que pensam captar de imediato o dado, não vamos tentar incriminar sistematicamente toda intuição isolada. A melhor prova disso é que vamos dar exemplos em que verdades de fato conseguem integrar-se de imediato na ciência.19

Há diferenças marcantes no espírito artístico e no científico, mesmo assim, eles se encontram e se misturam na visualidade, na técnica e na poesia inerente de seus processos. A fusão acontece durante o processo de criatividade que une o consciente e o inconsciente e se revela na materialidade do mundo. Devemos, assim, “habituar-nos ao pensamento de que entre a consciência e o inconsciente não há demarcação precisa, com uma começando onde a outra termina. Seria antes o caso de dizer que a psique forma um todo consciente-inconsciente.” (JUNG, 1984, p. 137).20

18 BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. s/d. Disponível em: Em:

<https://cartaslivres.wordpress.com/2011/08/16/livro-bachelard-gason-a-formacao-do-espirito-cientifico>. Acesso em 9 maio 2016. Tradução de: La Formation de l’esprit scientifique: Contribution à une psychanalyse de la connaissance, 1938, p. 8.

19 Idem, p. 8.

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A criatividade, em seu sentido geral, é caracterizada por uma forte motivação idealizadora e realizadora,21 tanto de um indivíduo, quanto de um grupo.

Uma análise dos grupos criativos aponta para o forte espírito de iniciativa, além do envolvimento emocional, a flexibilidade, a multiplicidade de interesses, a interdisciplinaridade, a capacidade de conciliar tradição e inovação, a valorização da estética e da ética, a internacionalidade uma boa dose de ingenuidade aliada a capacidade materializadora.22 Nos grupos criativos, um indivíduo pode fornecer

algumas características que faltam aos demais (DE MASI, 1999), desta forma, integrando características individuais ao corpo de grupo dentro de um sistema de integração de forças que podem, inclusive, serem oriundas de fatores genéticos.23 A

princípio a criatividade pode parecer um processo caótico de difícil compreensão, porém o processo criativo se compõe de fases que podem ser dominadas por fases onde operam consciente e inconsciente.

A maioria dos analistas (Wallas, 1926; Patrick, 1955) identifica quatro passos: preparação, incubação, iluminação e revisão. Aparentemente o processo flui mais ou menos da seguinte maneira: Primeiro, há o sentimento de uma necessidade ou deficiência, exploração ao acaso e um esclarecimento ou “fixação” do problema. Segue-se depois um período de preparação acompanhado de leitura, discussão, exploração e formulação de muitas possíveis soluções, e depois análise crítica dessas soluções quanto às vantagens e às desvantagens. De tudo isso resulta o nascimento de uma ideia nova – um lampejo de visão interior, iluminação. Finalmente, há experimentação a fim de avaliar a solução mais promissora para seleção final e aperfeiçoamento da ideia. Essa ideia pode encontrar consubstanciação em invenções, teorias científicas, produtos ou métodos melhoradores, romances, composição musical, pinturas ou novos planos. (TORRANCE, 1976, p. 35)24

Estes são fatores que podem ocorrer individualmente ou em grupo, em que o compartilhamento das fases torna o processo mais complexo. Para fins desta pesquisa, podemos pensar numa criatividade grupal atemporal, na qual a participação para o desenvolvimento de uma ideia, como a que estudamos aqui, ocorre entre

21 DE MASI, Domenico (org.). A emoção e a regra. Os grupos criativos da Europa de 1850 a 1950. Tradução Elia

Ferreira Edel. Rio de Janeiro: José Olympio e UNB, 1999. p. 19.

22 Idem, p. 130.

23 A esse respeito, consultar os artigos “The association between creativity and 7R polymorphism in the dopamine

receptor D4 gene (DRD4)” de Naama Mayseless, Florina Uzefovsky, Idan Shalev, Richard P. Ebstein e Simone G. Shamay-Tsoory em “Frontiers in Human Neuroscience” Journal 26 August 2013, e, “Population Migration and the Variation of Dopamine D4 Receptor (DRD4) Allele Frequencies Around the Globe”, de Chuansheng Chen, Michael Burton, Ellen Greenberger e Julia Dmitrieva, em “Evolution & Human Behavior Journal”, 19 March 1999.

24 TORRANCE, Ellis Paul. Criatividade: medidas, testes e avaliações. Tradução de Aydano Arruda. São Paulo:

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indivíduos e podem ou não ter contato pessoal direto. O ponto de contato entre eles estaria nas imagens, nas descrições, nos documentos e nos objetos deixados por indivíduos ou grupos anteriores. As novas descobertas ou criações derivariam dessa conversa interna, oriunda do contato com a criação passada e sua reelaboração, criando assim um ciclo atemporal de grupos de afinidade sobre determinados temas. Nesse grupo, poderíamos identificar a multiculturalidade, a flexibilidade, a capacidade de materialização, a coragem, a interdisciplinaridade e todas as características de ouros grupos criativos. Colocaríamos nele artistas, designers, físicos, engenheiros e todos aqueles que fazem parte desse processo criativo atemporal de visualidade artística do espaço.

O processo da criatividade é um processo circular, não tem começo nem fim (WECHSLER, 1993, p. 108); por esse motivo, costuma-se representá-lo na forma circular. A criatividade acontece em um processo contínuo da humanidade, assim que algo é criado, passa, em pouco tempo, a ser conhecido e deixa de ser considerado novo. Dado que o material sobre o qual a inovação acontece é sempre conhecido, as criações antigas são ultrapassadas. Concordamos que “a ideia da metafísica de uma criação e a ideia física de uma evolução se complementam mutuamente de forma sintética” e que seria um engano pensar que “primeiro temos a criação e depois a evolução, uma vez que sabemos que a criação acontece paralelamente a todas as fases e momentos do processo evolutivo” (BERNARDINO, 2010).25 Dessa forma,

25 BERNARDINO, Paulo. Arte e tecnologia: intersecções. ARD, São Paulo, v. 8, n. 16, 2010. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202010000200004>. Acesso em 5 out. 2016.

Preparação

Incubação

Iluminação Revisão

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criamos a partir de criações precedentes, e sem parar, uns criando a partir da criação de outros. Este um destino inerente à natureza humana: transformar para evoluir.

Para a pesquisadora Christiane Wagner (2013, p. 85), “a criatividade é absolutamente essencial por meio da técnica, e em seguida para a evolução tecnológica e o futuro da humanidade”26. O espírito científico, fugindo à Natureza em

si mesma, através da resistência e da criatividade, dá vida a novas formas.27 Técnica

e arte se fundem passando a ser outra coisa, contemplando outras áreas do conhecimento.

A academia é, ou deveria ser, o criadouro da inovação. Antes da clareza existe a incerteza, a dúvida, a frustração e, depois, a regra, a clareza, a sensação de certeza, a certeza obstinada. É o lugar de novas ideias e experiências, onde pesquisadores de todo o mundo se recompõem de suas frustrações, insistem na busca pelo conhecimento renovado e encontram respostas para temas distintos, experiências inesperadas e se tornam alavancas e engrenagens do desenvolvimento do conhecimento humano. Os pesquisadores, ao confeccionarem suas teses, elegem áreas e temas sobre os quais criam um texto. Há quem eleja a filosofia para reforçar seus pontos de vista sobre a arte, outros preferem traçar paralelos entre arte e psicologia, há aqueles que escolhem priorizar as sensações, as motivações e a história do criador da obra. Não há escolha melhor ou pior, tudo depende do observador em contato com a obra de arte. Várias possibilidades podem e devem ser examinadas, pois a arte está correlacionada à vida e a tudo o que há neste mundo. Ela encontra-se naturalmente com todas as áreas do conhecimento. Essa é a faceta interdisciplinar da Arte.

26 WAGNER, Christiane. Estética: imagem contemporânea. Análise do conceito inovação. 2013. Nº de folhas 280.

Tese (Doutorado em 2013) — FAU, São Paulo. 2013. p. 85.

27 “Eis, portanto, a tese filosófica que vamos sustentar: o espírito científico deve formar-se contra a Natureza, contra

o que é, em nós e fora de nós, o impulso e a informação da Natureza, contra o arrebatamento natural, contra o fato colorido e corriqueiro. O espírito científico deve formar-se enquanto se reforma. Só́ pode aprender com a Natureza se purificar as substâncias naturais e puser em ordem os fenômenos baralhados. A própria psicologia tornar-se-ia científica se fosse discursiva como a física, se percebesse que, dentro — como fora — de nós, compreendemos a Natureza quando lhe oferecemos resistência.” BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. s/d. Disponível em: < https://cartaslivres.wordpress.com/2011/08/16/livro-bachelard-gason-a-formacao-do-espirito-cientifico/>. p. 21. Acesso em 9 maio 2016 Tradução de: La Formation de l’esprit scientifique: Contribution à une psychanalyse de la connaissance.

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Em apenas alguns exemplos entre a arte visual e outras disciplinas, vamos encontrar os temas da Medicina, na obra A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp, de 1632, de Rembrandt Harmenszoon van Rijn; da política em A Morte do Marat, de 1793, de Jacques-Louis David; da História do Brasil Holandês na obra Dança dos Tapuias, de Albert Eckout; da observação da luz, da cor e do movimento, na obra Impressão do nascer do sol, de 1872, de Claude Monet; da contemplação, da beleza e da força da natureza na Grande Onda de Kanagawa, 1823-1829, (In the Well of the Great Wave) de Katsushika Hakusai; da religião, em Adoração dos Pastores, de Domenico Ghirlandaio; da representação da filosofia Alquimica na obra A traveller put his head under the edge of the firmament, artista desconhecido. Encontraremos os seres alados em várias imagens. Nos dragões orientais, no touro alado assírio, no mito grego de Dedalus e Ícaro (Imagem 12). Os exemplos podem ser multiplicados se pensarmos no desenho, na fotografia, no cinema, no design e na computação gráfica, principalmente sobre a influência da ficção científica. Não nos interessa discutir sobre os desencontros, as rivalidades e os abismos entre as artes visuais e outras disciplinas. Não é este o tom que queremos dar à nossa tese, até porque, nos parece, as disciplinas se encontram e convivem naturalmente, ainda que o inverso aconteça na ascensão da rivalidade entre os homens que as constroem.

Grandes feitos da história da intelectualidade humana, como explica Leonard Mlodinow, por exemplo, a escrita, a matemática, a filosofia e várias outras ciências são, em geral, apresentados de forma independente, como se um não tivesse ligação nenhuma com os outros. A evolução da ciência moderna “não brotou de um vácuo social ou cultural”, ela se desenvolveu a partir de problematizações e respostas formuladas ao longo do tempo pelas crenças, pelas religiões, pela arte, pela alquimia e pela organização social que se conectaram e influenciaram de modo que os seres humanos passaram a entender que “o cosmo não se resume a vinhetas isoladas” (MLODINOW, 2015, p.17).28

Para a análise do objeto da pesquisa, elegemos algumas referências visuais, como a imagem Desert of Mars, realizada anos antes das sonsas chegarem a Marte. São obras capazes de potencializar e reforçar a hipótese aqui apresentada:

28 MLODINOW, Leonard.The Upright Thinkers. The human Journey from Living in Trees to Understanding the Cosmos. Nova York: Pantheon Books, 2015.

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a arte participa do projeto humano de viajar para o cosmos. A forma como a arte participa desse projeto: dando vida à criação pela visualidade e pela participação no sistema de comunicação e no compartilhamento de ideias. Falamos de influência e difusão pela imagem. Mas a arte extrapola a comunicação, pois ela é fruto da atividade mental e é propositiva.

A ação artística encerra um mistério. O processo criativo ativa, de forma inconsciente, o arquétipo e trabalha na elaboração e na formalização da obra.

Este é o segredo da ação da arte. O processo criativo consiste (até onde nos é dado segui-lo) numa ativação inconsciente do arquétipo e numa elaboração e formalização na obra acabada. De certo modo, a formação da imagem primordial é uma transição para a linguagem do presente pelo artista, dando novamente a cada um a possibilidade de encontrar o acesso às fontes mais profundas da vida que, de outro modo, lhe seria negado. É aí que está o significado social da obra de arte: ela trabalha continuamente na educação do espírito da época, pois traz à tona aquelas formas das quais a época mais necessita. Partindo da insatisfação do presente, a ânsia do artista recua até encontrar no inconsciente aquela imagem primordial adequada para compensar de modo mais efetivo a carência e a unilateralidade do espírito da época. Essa ânsia se apossa daquela imagem e, enquanto a extrai da camada mais profunda do inconsciente, fazendo com que se aproxime do consciente, ela modifica sua forma até que esta possa ser compreendida por seus contemporâneos. (JUNG, 2013, p. 90)29

A relação entre ciências exatas e artes visuais acontece de forma natural e espontânea. É nosso dever trabalhar para elucidar as inquietações que surgem de seus encontros. Para conhecer as afinidades entre essas duas áreas do saber, partimos do pressuposto de que há um sistema colaborativo entre as artes visuais e as ciências do espaço. Essa colaboração estaria acontecendo há milênios de anos, mesmo sem nos darmos conta dela objetivamente. Daí nossa hipótese de que a arte visual faz parte de um processo de criação que desemboca na ciência espacial, dentro de um fluxo de criatividade no qual devaneios e concretudes participam do caminho que leva às descobertas espaciais. Hipótese esta que procuramos visualizar no fluxo de imagens existentes sobre o tema, oriundas da arte visual e da ciência espacial. Dessa forma, a obra Anywhere is my land faz parte de uma linha de pensamento sobre o espaço, assim como outras obras, que veremos nesta tese.

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Vamos percorrer e analisar o fluxo das imagens desde os primeiros registros artísticos do espaço, da pré-história até a atualidade, com obras visuais sobre o tema do cosmos. Da pré-história, partiremos do homem-leão da caverna de Hohlenstein-Stadel, da antiguidade egípcia, veremos o Ba-Bird, da Antiguidade grega, o Touro alado, da antiguidade babilônica, do Renascimento, os desenhos de Leonardo da Vinci sobre o voo e projetos das máquinas de voar.

Neste capítulo, vimos que a característica humana que levou o homem a explorar a Terra e o mar agora nos lança ao espaço e que iniciamos essa jornada espacial pela visualidade, com a observação do espaço cósmico; que, para trilhar o caminho da Arte Visual no processo de conquista do espaço, é preciso inferir que a visualidade e a criatividade são primordiais para o conhecimento do cosmos e a formulação de um projeto de conquista do cosmos; que o projeto de conquista do espaço é formulado por várias áreas do saber, o que inclui as artes visuais; que, para realizar um estudo sobre esse tema, é preciso admitir que a interatividade conecta as diversas áreas no conhecimento sobre o cosmos.

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Capítulo II

Arqueologia espacial: da observação do céu para o além-mundo

Conectamo-nos ao espaço do cosmos de vários modos, por meio da linguagem poética, criando figuras, imagens mentais que espelham o universo em nosso espírito; por meio da astronomia, tentando conhecer, organizar e entender a natureza dos corpos celestes; pela engenharia, na projeção e na construção das naves aeroespaciais; pela religião, na tentativa de conectar o humano ao divino no além-mundo; pela física, química e geologia, na tentativa de entender o funcionamento e a composição dos corpos; pela medicina, no estudo do funcionamento do corpo humano na Terra e fora dela, na tentativa de verificar e criar condições de sobrevivência e adaptação na microgravidade e na gravidade zero; por meio da psicologia, procurando entender a vontade e as aspirações humanas de conexão com esse “lugar” e, entre outros, mas principalmente para fins deste estudo, pela arte, na procura de entender como esse espaço foi sendo construído e interpretado pelo ser humano de forma simbólico-visual, interagindo com outros saberes no processo de desenvolvimento do projeto humano de buscar por outros mundos no cosmos.

Ao estudar o universo primitivo da arte, descobrimos sua existência antes da escrita e de qualquer outra forma de expressão documental. As mais antigas expressões artísticas conhecidas datam de aproximadamente 275 mil anos atrás, mas desconfia-se de que haja objetos que remontem até 500 mil anos.30 Cabe saber se o

homem criou o fazer artístico ou se a arte se manifestou espontaneamente no mundo, em objetos e imagens, cujas formas surgiram por mera coincidência e passaram a inspirar os primeiros humanos que, tocados por ela, passaram a produzir artisticamente. Dessa maneira, a arte seria a criação da natureza e ocorreria fatalmente sem a necessidade de intervenção humana. Até agora não sabemos a

30 “A Vênus de Berekhat Ram/Israel, que data de duzentos e sessenta e cinco mil anos atrás. A maior inovação

da história da humanidade não foram os utensílios de pedra de aço, e sim a invenção da expressão simbólica”. WALTER, Chip. Primeiros artistas: A origem da arte. National Geographic Magazine Brasil, [S.I.], n. 179, p. 24, fev. 2015.

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origem da arte, mas se “aceitarmos que arte significa o exercício de atividades tais como a edificação de templos e casas, a realização de pinturas e esculturas, ou a tessitura de padrões”, concordamos com a opinião de Gombrich (1999, p. 39), de que não há povo sem arte. A arte visual é um testemunho estático do movimento da imaginação que viaja pelo tempo, de suas passagens, suas paragens e suas transformações. Ao mesmo tempo, ela, junto com outras artes, impulsiona a dinâmica imaginativa que culmina em ações concretas.

Ossos decorados com pigmento vermelho e contas de calcário adornadas com pequenos fragmentos de pedra e osso são, aparentemente, evidências que datam de aproximadamente 500 mil anos atrás, o último período da Idade da Pedra, esclarece Kate Wong (2015, p. 26) no artigo Evolução Humana – Mentes Neandertais: há evidências que vão ainda mais longe e pesquisas sobre as similitudes e as diferenças entre o pensamento Neandertal e do Homem Sapiens. Ela conta que algumas descobertas arqueológicas foram capazes de revelar os pensamentos abstratos nas culturas Neandertais que antecederam a chegada do Homo Sapiens, por exemplo, alguns entalhes e sinais de plumas encontradas em cavernas como as de Gilbraltar e Gorham. Os dados apontam que sítios arqueológicos na França e na Itália são verdadeiros documentos da tradição primitiva, que se estende de 90 a 40 mil anos, de extração de garras de águias por razões simbólicas, para fins de adorno.

O pensamento simbólico sustenta nossa capacidade de comunicação por meio da linguagem, uma das características definidoras de humanos modernos, considerada fundamental para nosso sucesso como espécie. Se Neandertais pensavam simbolicamente como parecem ter feito, então, provavelmente, também tinham uma linguagem. De fato, o pensamento abstrato pode ter desabrochado na linguagem humana antes mesmo do último ancestral comum de Neandertais e Homo Sapiens: em dezembro passado, pesquisadores apresentaram uma concha de mexilhão da Indonésia que, segundo eles, foi entalhada com um padrão geométrico por um ancestral mais primitivo, o Homo Erectus, há cerca de 500 mil anos. (WONG, 2015, p. 26)

Estudos sobre a evolução do pensamento humano mostram que seres humanos questionam o mundo à sua volta e são capazes de pensar simbolicamente desde seus primórdios, capazes não apenas de questionar, mas também de raciocinar. Esse processo começou provavelmente há 40.000 anos, portanto, na mesma época em que começaram a surgir indícios de atividades artísticas

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(MLODINOW, 2015, p. 36). O homem passou a interferir no mundo de acordo com suas necessidades e suas possibilidades históricas.

Com o passar do tempo, o homem começou a revelar e transformar a si mesmo e o mundo à sua volta. Os primeiros artistas representaram o céu segundo suas possibilidades físicas e instrumentais. O artista está a princípio limitado, tal qual qualquer pessoa, aos mecanismos do próprio corpo, da própria percepção externa e interna. Ele revela a realidade tal qual a percebe e consegue representar. “Aquilo que costumamos chamar de realidade é o que conhecemos do mundo através da nossa perspectiva humana. A realidade como aquilo que é ‘possível’, captável aos sensores cerebrais do ser humano em determinados estágios de seu desenvolvimento” (MEYER, 2002, p. 70, 71, 105).31

Tendemos a acrescer valor de acordo com aquilo que chamamos de percepção da realidade. Um exemplo de como a percepção nos engana, como nota Bachelard, é a sensação de ascensão, que é, na verdade, um devaneio sobre o espaço. “A ideia está em função do sujeito e é uma ilusão ou uma sensação a qual nomeamos e julgamos moralmente: o que ascende é positivo” (BACHELARD, 1990). Respondendo a essa impressão, imagens são organizadas para comunicar um ponto de vista, a do observador do cosmos, de cometas e estrelas. Assim surgem os registros primitivos, como a incisão em rocha da Stela de Rocher des Doms.

Imagens incomuns nas quais o espaço cósmico com seus corpos surge como referência são matéria-prima para a imaginação criativa sobre o espaço. A criação é evidenciada pelo uso da imaginação e da capacidade de inventar sobre ou a partir daquelas primeiras imagens primitivas que são, a seu tempo, a nova realidade criada. A obra forma um eixo simbólico unindo artista, história e observador e “assim é acrescida de significações e transcende o contexto em que foi criada, fazendo com que a sua leitura seja sempre instável e pluriforme, dependendo não só do espaço em que é experienciada mas também dos seus intérpretes (BERNARDINO, 2010).32

31 MEYER, Philippe. O olho e o cérebro. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ed. UNESP, 2002. p. 70,

71, 105 e 109.Título original: L’oeil et le cerveau. Biophilosophie de la perception visuelle. Éditions Odile Jacob, 1997.

32 BERNARDINO, Paulo. Arte e tecnologia: intersecções. ARS, São Paulo, v. 8, n. 16, 2010. Disponível em:

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A nova realidade surge da percepção das coisas, de sua interpretação individual e grupal e expressa criativamente. Sabemos pelos estudos de Jung que os sonhos são elementos decisivos da realidade e não devem ser desprezados. Se, como acreditamos, o sonho transforma-se pelas mãos do ser humano e é coisificado pela transformação em objeto de arte e de ciência, todo um processo nascente da contemplação é materializado a partir do homem e de suas ações, seja pela arte, que surge antes da ciência, seja pela ciência. A arte vai incorporando, num processo contínuo, a técnica segundo a imaginação e sua expressão em cadeia por vários sujeitos ao longo do tempo. Somos naturalmente propositivos, propondo o futuro e empreendendo ações transformadoras nas diversas esferas da existência.

As primeiras imagens: da contemplação e da criação de novos símbolos

Da admiração e da observação do céu surgiu uma incisão, a Stela de Rocher des Doms (Imagem 7). “A imagem em calcário na forma de lápide foi fruto de uma ocupação do período neolítico – algum momento entre o período que vai da Idade do Cobre ao início da Idade do Bronze (aprox. 3.300 a.C. a 1.200 a.C.), portanto, tem mais de cinco mil anos” (VERDET,1987, p. 13). Notamos, na parte inferior da estela, uma representação solar. A Stela de Rocher des Doms é uma imagem testemunha da contemplação e da vontade de apreensão e aproximação do espaço, visto que apresenta uma representação solar. Se, como nos disse Bachelard, “o conhecimento poético do mundo precede o conhecimento racional dos objetos”,33 temos nessa Stela

uma intrigante representação artística do estupor diante da beleza de um corpo celestial.

33 BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação do movimento. Tradução Antonio de Pádua

Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1990. p. 169. Título original: L’Air et les Songes. Essai sur l’imaginacion du mouvement. Librairie José Corti, 1943.

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Imagem 7 – Stela de Rocher des Doms34

Uma imagem anterior foi encontrada na Caverna de Hohlenstein-Stadel, na Alemanha: a estatueta do Homem-Leão (Imagem 8), a primeira imagem conhecida da união entre corpo humano e animal, que data de aproximadamente 40 mil anos atrás.35 Vemos nesse híbrido a expressão do desejo de fusão e integração de

características distintas em um mesmo corpo. Aproximações como essa continuariam a surgir indefinidamente nas imagens e nas esculturas que integraram figuras humanas, animais, e que, mais tarde, passaram a incluir também os corpos celestes como podemos ver no Ba-Bird,36 um pássaro com cabeça humana sob um círculo

34 Imagem 7. Stela de Rocher des Doms. Molasse calcário burdigalienne para bryozaires. Formato: H: 26 cm; l.

max: 17 cm; max espessura: 10 cm.

35 Dados e obra do artigo de Chip Walter. WALTER, Chip. Primeiros artistas: A origem da arte. National

Geographic Magazine Brasil. [S.I.], n. 179, p. 24, fev. 2015.

36 “The ba flies around in the form of a bird ( a Jabairu stork), usually shown with the human head of the deceased.

We see Ani and his wife Tutu perched on top of a shrine-shaped tomb in its form, with human arms upraised in a gesture of prayer. This form of the ba recalls the creatures mentioned in a monument of Seti I which have the faces of humans and talk in an unintelligible language. With the ba, there appears to be a special emphasis on its mobility – one might say it is ‘free as a bird’. Funerary stelae request that the ba be granted the power to ‘go forth and (re)enter (the tomb) in the manner in which it did on earth’. Apparently it was the form in which a deceased person could expect to return temporarily to earth and receive offerings. The ba appears to have manifested itself only when the body containing it was deceased, at which point it assumed its normal form as a human-headed bird, often depicted flying above the coffin. Such representations recall the name of the god Buchis, whose Egyptian name Ba-her-khat means literally ‘the ba on (or over) a dead body’. The ba, like the ka, was connected with the

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solar (Imagem 9). Essa característica do pensamento humano evoluiu a tal ponto que, com o advento da tecnologia, conseguimos unir diversas características em uma mesma máquina, que pode voar como um pássaro, ser mais forte que um leão e mais rápido que um Leopardo – a espaçonave.

A evolução das imagens e a ideia de viagem ao cosmos caminharam junto com o desenvolvimento das capacidades de percepção do cérebro do primata ao humano. A neurociência, que estuda o funcionamento do cérebro, não alcançou ainda a explicação para todos os mistérios da mente. Sabemos, pelos estudos de Meyer, que a visão constitui-se de atividades de análise, comparação e reconhecimento de um meio familiar. Há muito o que ser desvendado sobre a visão, mas já sabemos que “não é o olho, mas o cérebro que vê” por meio de uma série de atividades cerebrais inter-relacionadas (MEYER, 2002, p. 78). Sendo assim, não podemos subjugar as atividades da visão em relação a outras atividades cerebrais. Não conhecemos por completo a relação entre as diversas áreas da mente. Nas palavras de Meyer (2002, p. 120), “a diversidade cerebral humana constitui uma dificuldade incontornável para o cientista, pois ela se opõe, por sua complexidade, a que se compreendam as coisas e os fenômenos, o que, no entanto, representa o seu objetivo”.37 Estamos falando da

evolução das imagens paralelamente à evolução da humanidade e sua capacidade de codificação mental.

Há que se levar em consideração o papel do sagrado nesse processo. Segundo o arqueólogo Claus-Joachim Kind, Hohlenstein-Stadel, onde o Homem-Leão foi encontrado, poderia ter sido um lugar sagrado.38 Claus Joaquin Kind (2004), no

artigo “Protecting the Stratigraphic Sequences of Cave on the Swabian Jura”, esclarece o papel da religiosidade no processo de confecção dos objetos, ele diz que “algumas das estatuetas devem ter tido um componente religioso para os povos do Paleolítico Superior” (p.8).39 Segundo ele, é possível observar que, na criação de

statue and other images, as described in a fascinating text of the Late Period that mentions its relationship with other aspects of the sould.” VON DASSOW, Eva (Ed.). Unknown scribes and illustrators. The Egyptian Book of the Dead. The book of going forth by day. Translated by Dr. Raymond O. Faulkner with additional translations and commentary by Dr Ogden Goelet Jr. San Francisco: Chronicle Books, 2008. p. 152.

37 MEYER, Philippe. O olho e o cérebro. Biofilosofia da percepção visual. Tradução Roberto Leal Ferreira. São

Paulo: Ed. UNESP, 2002. p. 120.

38 A escultura agora se encontra no Ulmer Museum, na Alemanha. Disponível em:

<http://www.loewenmensch.de/>. Acesso em 27 nov. 2015.

39 “some of the figurines must have had a religious component for the Upper Paleolithic peoples”. KIND, Claus

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objetos, os humanos modernos eram capazes de se adaptar culturalmente às mudanças das condições ambientais. A pesquisadora Ewa Dutkiewic parece ter a mesma impressão. No artigo “The Vogelherd Cave and the discovery of the earliest art – history, critics and new questions”, ela afirma que “o Homem-Leão de Hohlenstein-Stadel é uma evidência da criatividade dos Swabian Aurignacian” (DUTKIEWIC, 2015).40 Quando da realização do Homem-leão, o processo cognitivo

estava presente, demonstrando a capacidade de compreensão da figura animal, da figura humana e das habilidades físicas e mentais necessárias para a manipulação da realidade pela fusão dos corpos na escultura de forma criativa. Isso muito antes do aparecimento das aldeias, das cidades e da escrita.

Imagem 8 – Löwenmensch (Homem-Leão)

40 “the Lion-Man from Hohlenstein-Stadel is thus further evidence of the early artistic creativity of the Swabian

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Não há como saber se na época da criação do homem-leão o animal já era associado ao Sol, mas sabemos que com o tempo essa ideia foi sendo estabelecida. Da mesma forma, a lua foi sendo associada à imagem da serpente e surgiram imagens reveladoras capazes de comunicar esses hibridismos oriundos do pensamento. Hibridismos ocorrem com força durante o processo criativo, ele está na fase de elaboração mental que ocorre de forma inconsciente, quando procuramos uma resposta, mas não temos pistas, hipóteses, referências. Nessa fase, que se caracteriza por uma aflição, quando as pessoas se sentem de certa forma perdidas, ocorre uma ampla investigação destituída de preconceitos e orientações preestabelecidas. A mente fica atenta a qualquer sinal que possa apontar para uma solução. Esses sinais podem estar em qualquer lugar ou área do conhecimento. É o momento no qual a interatividade acontece livremente, é um dos momentos mais poderosos da mente humana. Essa capacidade de cruzar informações e dados aparentemente desconectados é um ponto alto no processo criativo. O autocontrole exacerbado é incapaz de criar, dele “não origina nada” (PEIRCE, 2012, p. 633).41

O homem-leão é um encontro mental, a percepção intuitiva das possibilidades de força humana. De fato, os humanos conquistaram a força leonina e muito mais pelo poder da imaginação aliado à racionalidade científica. Também realizamos o voo cósmico, e o Ba-bird é um prenuncio desse desejo humano. Ele é a integração das forças da natureza física da ave e do sol e da espiritual – da alma humana.

41 PEIRCE, Charles Sanders. Obra filosófica reunida. Tomo II (1893-1913). México: Edición de Nathan Houser y

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Imagens 9 e 10 – Ba-bird 42

Os seres humanos não se detêm diante do mistério, daquilo que parece impossível de alcançar. Para esse animal, o racional, as possibilidades infinitas são admitidas dentro do espaço de autonomia e da liberdade intelectual. O enigma das estrelas deve ter assombrado a mente dos primeiros hominídeos que naturalmente passaram a associar os corpos celestes a forças da natureza animal.

Aqueles que nomearam as constelações com os nomes de animais não o fizeram por causa da sugestão dos grupos de astros, mas porque os animais tinham uma conexão com a nascente religiosidade.(MACKENZIE, cap. XIII, par. 6)43

42 Ba-bird. “Egypt Ptolemaic Period, 332-31 B.C. Painted wood. The ba, a spirit form of the deceased represented

as a human-headed bird, was believed to be able to depart from the mummy and tomb by day, assume any form of existence it pleased in the outside word, and retirn again at sunset. Gift of C. Granville Way, 1872.” Boston, Museum of Fine Arts.

43 “A people who called contelations ‘the ram’, ‘the bull’, ‘the lion’, or ‘the scorpion’, did not do so because astral

groups suggested the forms of animals, but ratherbecause the animals had an earlier connection with their religious life”.MACKENZIE, Donald Alexander. Myths of Babilonia and Assyria. [s.l.]: Ed. Digital, (s/d). Chapter XIII. Par. 6.

Referências

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