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Música Popular Massiva: reconfiguração do mercado musical na cultura midiática 1

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Música Popular Massiva: reconfiguração do mercado musical na cultura midiática1

Suzana Maria Dias Gonçalves2 Jeder Janotti Junior3 Universidade Federal de Alagoas, Maceió/AL Resumo: A proposta apresentada sugere a análise da música popular massiva sob a perspectiva da cultura midiática enquanto produto da indústria cultural, na qual são observadas tensões e diálogos entre processo criativo e lógicas comerciais, bem como as estratégias de produção de sentidos usadas por esse produto. Nesse sentido, busca compreender o papel que a música ocupa dentro da cultura e comunicação contemporâneas, a partir de estudos desenvolvidos pelos pesquisadores Simon Frith e Jeder Janotti Junior. Tomando como base esses pressupostos, o artigo busca ainda expor algumas das transformações ocorridas no mercado da música nas últimas décadas e as tentativas de reposicionamento da Indústria Fonográfica.

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Palavras-chave: Mídia, música popular massiva, mercado da música, indústria fonográfica e consumo.

Introdução

A música sempre teve um papel cultural importante na sociedade. Ao longo da história, ela esteve associada a festividades e a acontecimentos especiais da vida cotidiana. Assim, é possível experienciar a música em uma reunião com amigos, no computador pessoal, no elevador, num ônibus, num show ao vivo e até mesmo como pano de fundo de um ambiente qualquer, por exemplo. Diferente de outras expressões artísticas, a música talvez seja a que mais tenha mostrado capacidade de interação com as demais mídias. Daí sua circulação em diversos meios como o rádio, o cinema, a TV, o teatro, a publicidade, a Internet, por exemplo.

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Trabalho apresentado ao GT (03): Mídia, Música e Mercado, do III Musicom – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 30 de agosto a 1º de setembro de 2011, na Faculdade Boa Viagem, em Recife-PE.

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Aluna do Curso de Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Integrante do Grupo de Pesquisa em Cultura, Comunicação e Música Popular Massiva, coordenado pelo Professor Doutor Jeder Janotti Junior, no qual desenvolve pesquisa sobre a reconfiguração da indústria da música na cultura midiática. http://lattes.cnpq.br/9403777705531431 suzugoncalves@gmail.com

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Mesmo antes de sua materialização em suportes físicos, a prática musical podia ser realizada por meio da leitura de partituras em concertos ao vivo de música clássica ou ainda pelas vozes dos seresteiros e modinheiros do século XIX. Era comum, por exemplo, a presença da canção nos antigos terreiros de descendentes de escravos, de onde surgiram importantes nomes da chamada Música Popular Brasileira, como Pixinguinha e tantos outros compositores, que se reuniam para improvisar versos de choros e sambas no início do século XX4. Assim, Jeder Janotti (2006) afirma que canção remete à “capacidade humana de transformar uma série de conteúdos culturais em peças que configuram letra e melodia” (2006, p. 3).

Com o surgimento das tecnologias de gravação, que permitiram o armazenamento das canções em suportes físicos no final do século XIX (inicialmente com o cilindro metálico e, em seguida, com o disco de 78 rpm), a música passou a ocupar um importante papel dentro da indústria cultural. Agora, ela poderia ser comercializada, destinada à reprodução doméstica, e os autores passariam a ter direitos sobre aquele produto/obra musical. O direito autoral, aliás, tem se tornado objeto de longas discussões e estudos na contemporaneidade, tanto no âmbito jurídico quanto no campo da Comunicação e Estudos Culturais.

No Brasil, como aponta Luiz Tatit (2008), a primeira leva de cantores profissionais do disco ocorreu a partir de 1904, com a chegada do gramofone, e os primeiros artistas a serem beneficiados com a novidade foram os sambistas da época. O autor observa que, embora o registro musical a partir da nova técnica de gravação tenha evitado a perda das canções ao longo do tempo, artistas da chamada música erudita não sofriam necessariamente com a impossibilidade do registro sonoro. Isso porque esse tipo de música estava registrado em partituras e era executado ao vivo em orquestras, teatros ou bandas militares, por exemplo.

Por outro lado, a música popular, como no caso dos sambistas que à época frequentavam os fundos de terreiros, estava associava a outra realidade. Eles construíam suas melodias e versos da própria fala do cotidiano, alheios a qualquer formação escolar, o que carecia de registro, visto que eram mais suscetíveis de se perderem ao longo do tempo. Diante desse cenário, Tatit afirma que, com a possibilidade do registro sonoro, assistiu-se ao nascimento da canção popular brasileira.

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Para saber mais, ver “O século da Canção” (2008), de Luiz Tatit, e “O mistério do Samba” (2008), de Hermano Viana.

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Registrados os trabalhos, cabiam aos novos artistas – principalmente os cantores – divulgá-lo, primeiro nas festas, no teatro musicado e nos gritos de carnaval; mais tarde, nos programas de rádios e em praças públicas. Iniciava-se, assim, a era dos cancionistas, os bambas da canção, que se mantinham afinados com o progresso tecnológico, a moda, o mercado e o gosto imediato dos ouvintes. Nascia também uma noção de estética que não podia ser dissociada do entretenimento (TATIT, 2008, p. 40).

Desde então, assistiu-se à transformação da canção em mais um produto da indústria cultural. No entanto, constata-se que seu consumo na indústria da música não se esgota no mero entretenimento; ele encontra-se, sobretudo, relacionado a práticas sociais, econômicas e comunicacionais. A canção é uma peça cultural presente na cultura popular que mesmo sendo apropriada pela indústria cultural não perdeu seu formato.

Mercado da música: relações de consumo da música popular massiva na cultura midiática

A música popular massiva está diretamente relacionada à lógica da Indústria Fonográfica. Pensar a música massiva enquanto produto midiático dessa indústria é afirmar que ela existe porque há meios de gravação, reprodução e circulação que dão conta de garantir seu consumo em larga escala.

A idéia de música popular massiva está ligada às expressões musicais surgidas no século XX e que se valeram do aparato midiático contemporâneo, ou seja, técnicas de produção, armazenamento e circulação tanto em suas condições de produção bem como em suas condições de reconhecimento. Na verdade, em termos midiáticos, pode-se relacionar a configuração da música popular massiva ao desenvolvimento dos aparelhos de reprodução e gravação musical, o que envolve as lógicas mercadológicas da Indústria Fonográfica, os suportes de circulação das canções e os diferentes modos de execução e audição relacionados a essa estrutura. (JANOTTI JR., 2006, p. 2).

A atuação de produtores, críticos, jornalistas, músicos e consumidores também tem papel fundamental no processo de legitimação desse consumo, à medida que confere valorações e sentidos ao produto musical. Assim, pensando no sentido tradicional da produção musical, tem-se o produtor que escolhe os músicos, estúdios e recursos técnicos, pensa na montagem do disco, na sequência das faixas; o músico que faz o processo criativo da obra, que imprime sua personalidade/biografia ao produto; o crítico/jornalista que, atuando como porta-voz, confere valores artísticos à música; a audiência que a consome de acordo com o sentido que lhe é produzido e com o processo de identificação com a obra musical.

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Muitas vezes, o gênero musical pressupõe sentidos que vão conferir valorações pré-determinadas pelo ouvinte. Quando um ouvinte afirma ser fã de determinado gênero musical, como o heavy metal, por exemplo, está assumindo, de certa maneira, determinados gostos e valores atribuídos àquele gênero, levando a crer que esse mesmo ouvinte não vai se declarar fã de pagode ou de música sertaneja. Isso porque apreciar determinado gênero musical pressupõe também frequentar determinados circuitos culturais, espaços urbanos, consumir publicações específicas: práticas essas que constroem identidades coletivas de pessoas que partilham dos mesmos valores e posturas.

Segundo Stuart Hall (2006), a identidade, do ponto de vista sociológico, é formada e modificada em um diálogo contínuo com os mundos culturais exteriores e as identidades que esses mundos oferecem.

O fato de que projetamos a ‘nós próprios’ nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os ‘parte de nós’, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. (HALL, 2006, p. 11-12).

Hall (2006) defende ainda que a identidade pós-moderna é uma multiplicidade de identidades possíveis e mutáveis, à medida que se multiplica o número de sistemas de significação e representação cultural (como a fragmentação de identidades associadas à classe, raça, sexismo etc.). Partindo da ideia de que a identidade cultural de um indivíduo passa a ser formada e transformada na “representação”, fazer parte de um determinado circuito cultural é também “um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos” (HALL, 2006, p. 50).

Assim, ao defender que definir determinadas expressões musicais que reivindicam certa autonomia criativa (a exemplo do samba, do choro, da bossa nova ou do rock) como música popular massiva é declarar que elas se encontram “condenadas” à lógica comercial da Indústria Fonográfica, esses ouvintes acabam por construir identidades coletivas representadas por uma questão ideológica. Por isso, alguns fãs de rock ou qualquer outro som dito “alternativo” ou “original” negam a associação de seu gênero musical preferido à ideia de música popular massiva, uma vez que, para eles, isso significaria associar-se à chamada música pop, com toda a carga de fórmulas prontas de sucesso que o termo pop normalmente carrega. Geralmente, esse ouvinte carrega ideologias que se opõem às lógicas comerciais impostas pelas grandes companhias fonográficas e, assim, pare ele, o rock estaria imune a essas lógicas.

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No entanto, é necessário esclarecer que a música popular massiva refere-se a toda prática musical que, a partir da possibilidade de gravação e reprodução, estão submetidas às lógicas do mercado da música, bem como dependem de ambientes midiáticos para sua circulação. Para o pesquisador Simon Frith (1996), a “música pop, erudita e folk”, que produzem, respectivamente, discussões acerca dos aspectos comerciais da música pop, dos valores estéticos da música clássica e da autenticidade da música popular, não se configuram necessariamente como práticas opostas. Ao contrário, para o autor, dentro da perspectiva midiática, elas se encontram relacionadas, permitindo a criação de valorações relacionadas à criatividade, lógica comercial, tradição, autenticidade, técnica, entre outros, que vão gerar diálogos e tensões dentro do processo comunicacional.

Assim, a partir desse ambiente de diálogos e disputas, é possível pensar ainda na produção musical que tanto se utiliza do sistema de produção e circulação das grandes companhias fonográficas – ao fazer uso de estratégias e lógicas de mercado tradicionais -, quanto da produção independente, adotado por pequenos selos/gravadoras, que lançam mão de meios alternativos para difusão/circulação de seus produtos.

Esse processo caracterizado pelas diferentes condições de produção e circulação sugere, assim, modos diferenciados de conferir valor e sentido ao produto musical. Da mesma maneira, são construídos diferentes modos de reconhecimento da canção, à medida que são produzidos sentidos finais diferenciados no processo de audição, gerando tensões que vão defini-las ora como música cooptada ora como “autêntica” (JANOTTI JR.; CARDOSO FILHO, 2006). Isso porque a maneira como a audiência consome a música popular massiva e, consequentemente, os valores que atribuem a esses produtos midiáticos estão diretamente associados às estratégias poéticas e mercadológicas utilizadas pelo produtor/artista, bem como ao uso que faz de todo aparato midiático no qual o processo de produção/circulação da música está inserido.

O que está em jogo, neste caso, é o reconhecimento de que os aspectos comunicacionais persistentes nas canções permitem a abordagem das condições de produção e reconhecimento não só das sociabilidades que caracterizam boa parte do consumo cultural da música contemporânea, bem como dos valores, gostos e afetos inscritos nas experiências desses ouvintes diante do consumo e das linguagens midiáticas (JANOTTI JR., 2004, p. 202).

Assim, é possível pensar, por exemplo, que um artista independente - ao utilizar estratégias de comunicação contemporâneas como a Internet (atualmente importante

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ferramenta para promoção de shows) ou ao circular em festivais fora do eixo hegemônico Rio - São Paulo - se inscreve em um mercado de nicho5 específico que irá conferir determinados valores a sua música. Da mesma maneira, a lógica do consumo homogeneizado da música pop, produzida para atingir uma grande audiência, a exemplo do fenômeno pop Lady Gaga, também se vale de estratégias específicas, ao utilizar os grandes meios de comunicação de massa para atingir um grande número de ouvintes.

Dessa forma, a canção pode obedecer a uma estratégia de consumo segmentado ou underground quando se vale de pequenas gravadoras ou modos de produção independente e circula em meios alternativos, como fanzines e festivais independentes para atingir um mercado de nicho, ou seja, se direciona a um determinado público alvo de potenciais consumidores. Assim, o consumo se associaria ao universo mainstream quando se utiliza dos grandes meios de comunicação de massa, como a televisão, o rádio, o cinema, para divulgação/circulação de seus produtos midiáticos.

Isso explica porque tais modos de consumo, construídos por meio da oposição de uma estratégia a outra, ocupam constantemente um lugar de tensão dentro do estudo da música popular massiva. Ou seja, o consumo da música dita underground ou independente estaria associado a um posicionamento ideológico contrário aos sucessos de massa das grandes companhias fonográficas, à medida que se utiliza de estratégias alternativas que reivindicam o status de “autenticidade”. Em contrapartida, o consumo mainstream lançaria mão de fórmulas prontas ditadas pela grande indústria da música, o que faria dela um produto cooptado, ou seja, sem liberdade criativa, condenado a atender aos interesses do grande business da música.

No entanto, é difícil pensar, principalmente na cultura contemporânea, que a música independente esteja totalmente livre das estratégias mercadológicas usadas pelas grandes companhias, visto que muitas vezes elas dialogam com grandes produtoras para garantir sua inserção no mercado. Da mesma forma, seria equivocado afirmar que toda música inserida no universo mainstream não seja passível de apresentar qualquer criatividade artística. Seria como afirmar que uma banda como Los Hermanos, inserida no universo mainstream, obliterasse toda autonomia criativa em detrimento de interesses comerciais da gravadora Sony-BMG.

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Por consumo de nicho entende-se que “ao mesmo tempo em que pretendem atingir um público cada vez maior, os produtos midiáticos têm que se render à tendência crescente de segmentação do mercado. Este último reúne, como membros de uma mesma comunidade de consumidores, indivíduos de diferentes partes do planeta, consumidores esses que, às vezes, têm muito mais em comum com os valores de seus pares da rede de consumo do que com sujeitos com os quais partilham um mesmo país, cultura ou etnia” (JANOTTI JR., 2003, p. 9).

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Simon Frith (1996), ao analisar os diferentes juízos de valor dados à música folk, pop e erudita, conclui que “os produtores de música de arte sabem bem que o sustento deles depende da lógica comercial, que valores artísticos e comerciais devem estar conciliados na prática ainda que mantidos distantes na teoria”6. (1996, p. 42). Frith aponta, por exemplo, a música de raiz e a erudita como músicas não-distantes do processo comercial tão comumente associado à música pop. Janotti Jr. e Cardoso Filho (2006) reforçam a relação de diálogo existente entre esses estágios ao afirmarem que

Eles podem, inclusive, coexistir dentro de lógicas segmentadas, construídas pela própria indústria fonográfica para orientar o consumo de ouvintes que preferem produtos com sonoridades mais folk ou outros de audição mais erudita, o que indica que, embora as marcas desses estágios ainda estejam presentes em produtos contemporâneos, uma outra camada de mediação se insere sobre eles (JANOTTI JR.; CARDOSO FILHO, 2006, p.13).

Ou seja, uma música de raiz ou uma música erudita podem se valer das mesmas estratégias midiáticas inferidas pela indústria fonográfica da qual se utiliza a chamada música pop, entendida aqui “tanto para se referir ao consumo indiscriminado de qualquer música, quanto para aludir aos gêneros musicais que colocam em relevo os aspectos homogeneizantes da cadeia midiática” (JANOTTI JR.; CARDOSO FILHO, 2006a, p.15). Embora a música esteja submetida a estratégias específicas de produção/circulação e consumo, um produto independente ou apenas alheio ao consumo massivo, como no caso na música clássica, muitas vezes se utiliza de estratégias da grande indústria fonográfica para atingir um mercado, ainda que de nicho.

Em outras palavras, a suposta relação de oposição majors (como também são chamadas as grandes gravadoras) versus indies7 (gravadoras independentes) não se concretiza de forma absoluta. Herschmann (2007) vai afirmar que, muito mais que uma oposição, a trajetória do mercado da música segue uma dinâmica que sugere articulações freqüentes entre

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A tradução é de responsabilidade da autora. No original: “Art music makers also know well enough that their livelihoods depend on commercial logic, that art and commercial values have to be reconciled in practice if kept apart in rhetoric”.

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São consideradas majors as grandes gravadoras que detêm meios hegemônicos de produção e distribuição de produtos musicais. Em contrapartida, as indies estão associadas àquelas cuja produção/distribuição dos discos são realizadas de modo independente, sem o maquinário das chamadas majors. No entanto, para esta última, há um certo consenso entre estudiosos de que ela pode estar associada tanto a pequenas gravadoras quanto à produção autônoma de discos pelo artista.

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“indies” e “majors” e utiliza o termo independente como toda produção das pequenas empresas fonográficas que não são promovidas exclusivamente pelas grandes companhias.

Apesar da perda de participação das multinacionais do disco, com a emergência de selos independentes locais (de maior ou menor porte) nos principais mercados nacionais, os canais de distribuição permanecem dominados por estas majors. A articulação da grande indústria fonográfica com os meios de comunicação, notadamente o rádio, que tem nas verbas de promoção (leia-se jabá) uma de suas principais fontes de faturamento, alija do mercado players de menor porte, condenados a explorar nichos considerados pouco rentáveis pelos gigantes do setor. (HERSCHMANN, 2011, p. 26, grifo do autor).

Da mesma forma, Bruno Nogueira (2009) reflete que, sob a tradicional tensão bastante discutida, emerge um diálogo afinado entre majors e indies quando se fala em cadeia produtiva. Assim, o autor conclui que hoje é possível perceber

um artista que está sendo produzido por empresas menores, mas sem um carater (sic) de oposição aos maiores. O independente que procura um diálogo com gravadoras de médio a grande porte, mesmo que não seja no sentido de fazer parte de sua relação de artistas, mas de ter esses que fazem parte participando dos mesmos eventos e sendo consumidos por um mesmo público. (NOGUEIRA, 2009, p. 4).

Essas discussões validam a ideia de que o encontro entre a música e o ouvinte não se dá fora desse ambiente comunicacional. Independente dos modos de produção musical, das lógicas comerciais e dos processos criativos presentes nesse processo, a canção popular massiva está associada a uma rede midiática que engloba todas as expressões musicais que estejam associadas à Indústria Fonográfica, ainda que produzidas, circuladas e distribuídas sob diferentes condições.

Reconfiguração do mercado musical na cultura midiática e as novas formas de consumo A possibilidade de ouvir música de diferentes modos - permitidos pela evolução dos aparelhos reprodutores, como o fonógrafo, o gramofone, o rádio e o toca-disco, e, mais recentemente, softwares eletrônicos e o iPod – possibilitou uma transformação no modo de experienciar a música socialmente e materialmente. Além de contribuir para o aumento do consumo por parte de uma audiência leiga musicalmente, as transformações ocorridas na indústria da música foram ainda responsáveis por mudar as relações de hábitos e práticas sociais.

Pode-se pensar que o surgimento dos primeiros aparelhos reprodutores mudou o cotidiano de famílias, que passaram a se reunir em torno de um aparelho de reprodução

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musical para ter um tipo de experiência sonora coletiva. Da mesma forma, pode-se dizer que, com a criação do iPod, para citar um exemplo, essa forma de experienciar a música é modificada, no sentido de que agora é possível uma prática musical individual.

Por outro lado, vale ressaltar que dentro dessa constante transformação da indústria da música, observada na segunda metade dos anos 1990, a prática do consumo coletivo dos produtos musicais tem crescido, a partir da crescente valorização do consumo de música ao vivo. Essa realidade deve-se à necessidade de reestruturação do grande negócio da música gravada, que assistiu à crise do modelo tradicional da Indústria Fonográfica em virtude da crescente desvalorização do disco.

Se é verdade que até bem pouco tempo os músicos conseguiam dois terços de sua receita através da venda de fonogramas – o terço restante era obtido através de shows e publicidade/merchandising –, é preciso ressaltar que atualmente esta proporção se inverteu. Cientes deste fato, as gravadoras vêm buscando abocanhar este mercado: passaram a adotar, como medida compensatória às suas perdas, alterações dos contratos que impõem aos artistas, prevendo, entre outras coisas, participação nas bilheterias (HERSCHMANN, 2011, p. 30, grifo do autor).

Na mesma direção, o número de festivais de música independente no país tem crescido significativamente, iniciativa de coletivos, pequenas gravadoras, produtores e etc., que na maioria das vezes reúnem artistas fora do grande mercado musical, contribuindo para a construção e estabelecimento de um mercado segmentado.

A partir daí, observa-se uma reconfiguração do mercado musical. Se antes prevalecia a atuação tradicional da indústria do disco, com processo de gravação sofisticado, comercialização em grandes lojas de varejo, divulgação e consumo através dos tradicionais meios de comunicação, como a TV, o rádio etc; hoje, a materialização dessa cadeia é possível a partir de novos modelos de negócios da música, como o emprego das novas tecnologias de comunicação, como importante ferramenta de divulgação e circulação de conteúdos. As novas tecnologias baratearam os custos com produção, os estúdios caseiros viabilizaram a gravação de trabalhos independentes, os canais de comunicação na Internet facilitaram a circulação e divulgação de discos, criaram novos canais de consumo, por meio da venda de música por empresas de telefonias e videogames, constituindo uma importante forma de reorganização do mercado (HERCHMANN, 2011). No entanto, vale lembrar que, em tempos atuais, o modelo tradicional da Indústria Fonográfica não desapareceu, apenas deixou de ser hegemônico.

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É o que o pesquisador Henry Jenkins (2009) definiu de “cultura da convergência”, em que novas e velhas mídias coexistem e o poder do produtor e poder do consumidor interagem. Para ele, a convergência das mídias representa o fluxo de conteúdos em diversos sistemas de mídia, a busca pela ampliação do mercado, a cooperação entre múltiplas indústrias midiáticas, bem como o comportamento migratório da audiência em busca das experiências de entretenimento que desejam.

Se o paradigma da revolução digital presumia que as novas mídias substituiriam as antigas, o emergente paradigma da convergência presume que novas e antigas mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas. [...] Cada vez mais, líderes da indústria midiática estão retornando à convergência como uma forma de encontrar sentido, num momento de confusas transformações (JENKINS, 2009, p.33).

Hoje é possível, inclusive, ver artistas independentes e consagrados utilizando novas e velhas mídias para promoção de suas carreiras. Pode-se pensar novamente no exemplo da cantora Lady Gaga, talvez atualmente a maior representante de uma geração de artista mainstream, que se vale das novas estratégias de comunicação, sem se desvincular das lógicas tradicionais da Indústria Fonográfica, para produzir, divulgar e fazer circular sua música.

Em reportagem de capa da revista Bravo!, na edição de maio de 2010, o jornalista Pedro Alexandre Sanches relata o grande êxito obtido pela cantora ao se apropriar da ferramenta virtual YouTube, revelando o poder que novas estratégias de comunicação tem de exercer na construção/consolidação de um fenômeno pop contemporâneo e que o uso delas não se restringe apenas ao segmento alternativo/independente da música.

[Lady Gaga] já vendeu 10 milhões de cópias dos dois álbuns que gravou até agora, além de 25 milhões de exemplares de CDs no formato single. A indústria fonográfica tradicional, porém, não chega a ser a plataforma onde a estrela se dá melhor. No mês passado, seu clipe Bad Romance ultrapassou a marca de 180 milhões de visitas no site YouTube e foi declarado o vídeo mais assistido da história naquela que é a versão internet da velha TV. [...] Paradigma da era virtual, Lady Gaga também é a primeira artista a vender quatro milhões de downloads apenas de seus dois sucessos iniciais, Just Dance e Poker Face. [...] Mais sedutora aos olhos que aos ouvidos, Lady Gaga é a cara do YouTube, e o YouTube parece sob medida para Lady Gaga. Num ritmo incomum, uma legião crescente de "gagamaníacos" abastece o site com um manancial inesgotável de paródias ou imitações. (Revista Bravo!, maio de 2010, p. 26).

A partir do uso dos novos modelos de negócio da indústria da música, observa-se também a reconfiguração das novas práticas de consumo. Os consumidores são estimulados a procurar novas informações em ambientes midiáticos dispersos e, consequentemente, a

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participar também como produtores, à medida que fãs/ouvintes passam a utilizar as ferramentas tecnológicas para criar videoclipes caseiros de bandas, por exemplo.

Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos. (JENKINS, 2009, p.47).

Isso nos leva a concluir que, embora as novas tecnologias tenham trazido novas formas de produção, circulação e consumo da musica, a produção independente muitas vezes ainda se encontra associada às estratégias tradicionais da grande indústria fonográfica, à medida que dependem da sua participação no processo de circulação, divulgação e produção (por meio de selos independentes ligados a grandes gravadoras). Por sua vez, as grandes companhias fonográficas remodelaram as estratégias de negócio da música, passando a investir no mercado de música ao vivo, bem como de telefonia celular e games, por exemplo, criando-se novos meios rentáveis de circulação musical.

Por fim, estudar a relação entre a música massiva e a comunicação é compreender como a prática musical se faz presente na cultura contemporânea e como ela contribui significativamente para a construção de sentido para um determinado grupo social, à medida que são compreendidas as estratégias discursivas presentes na prática musical, o papel dos atores sociais, os sentidos produzidos pela música em seus aspectos midiáticos, os valores partilhados entre o músico e a audiência, bem como a tensão resultante da relação entre os aspectos criativos e comerciais do produto musical. É dessa forma que as cenas musicais, surgidas local ou mundialmente, contribuem para caracterizar uma rede de consumo que atua na formação de uma identidade partilhada pelos membros daquele grupo, na qual são construídas teias de relacionamentos, compartilhados ideologias, gostos e valores. Assim, vale lembrar que, para além do processo de gravação, consumo e distribuição, a prática musical também está relacionada à dinâmica das práticas sociais e econômicas presentes dentro do espaço urbano contemporâneo.

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REFERÊNCIAS

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Referências

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