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11 de janeiro de 2018

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Processo 778/17.2T8FAR.E1 Data do documento 11 de janeiro de 2018 Relator Tomé Ramião

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Competência material > Tribunal comum > Tribunal administrativo > Contrato de prestação de serviços

SUMÁRIO

1. A competência material do tribunal deve aferir-se pela natureza da relação jurídica material ou subjacente tal como é apresentada pela Autora na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido e a causa de pedir.

2. A competência dos tribunais da ordem judicial tem natureza residual, no sentido de que são da sua competência as causas que não estejam legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional (art. 64.º do C. P. Civil e art. 40.º/1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto).

3. A competência dos tribunais administrativos está condicionada à existência de um litígio emergente de relações jurídico-administrativas, reguladas por normas materialmente administrativas, no âmbito de atuações de entidades que exercem concretas competências de direito público, dotadas de ius imperii. 4. Nos termos do art. 4º nº 1 al e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto

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questões relativas à validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.

5. Tendo a relação jurídica invocada pela Autora/empresa privada como fonte o contrato de prestação de serviços celebrado com a Ré/Entidade Pública, no âmbito do qual esta se obrigou a prestar àquela, mediante o pagamento de uma quantia global de € 20 000,00, serviços de consultoria e de desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento de um software, consubstancia um negócio jurídico de natureza privada, sujeito às disposições do direito civil, competindo aos tribunais comuns conhecer a execução desse espécie contratual.

TEXTO INTEGRAL

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora

***

I. Relatório.

AA, Lda., intentou a presente ação declarativa comum contra a Universidade

…, pedindo que se declare válida a resolução do contrato denominado de prestação de serviços entre as partes alegadamente celebrado, por incumprimento e culpa exclusiva da Ré e, em consequência, que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €16.399,98, acrescida de juros de mora, bem como em todos os prejuízos advenientes a Autora em relação ao contrato que esta formou com o IPMAI.

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Alegou, em síntese, ter celebrado com a Ré, em 1 de outubro de 2015, um contrato denominado de prestação de serviços, ao abrigo de um sistema de incentivos à investigação e desenvolvimento tecnológico do programa regional centro, apoiado pelo FEDER, no âmbito do qual a Ré se obrigou a fornecer à A. serviços de consultoria e de desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento de um software para registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciada (a partir de fotografia aérea) e para fusão de superfícies.

A Ré comprometeu-se ainda a dinamizar todas as atividades conducentes ao desenvolvimento de um programa informático (software) que permita completar lacunas

ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas em veículos aéreos não tripulados (UAV - unmanned serial vehicles).

Todo este projeto de desenvolvimento do software seria realizado nas instalações da R.

Em contrapartida a A. obrigou-se a pagar à R., em três tranches a quantia global de 20 000€, à qual acresce o IVA à taxa legal em vigor, tendo a A. efetuado o pagamento à R. das duas primeiras prestações no valor de 8 199,99€, cada uma.

A Autora, em 06/01/2017, resolveu o contrato com a R. por incumprimento culposo desta, visto ter sido ultrapassado o prazo estipulado sem o software ser entregue; ter sido ultrapassado o prazo adicional ao financiamento que consistia em encerrar o projeto em 90 dias contados do termo inicial; e ter perdido o interesse no projeto.

Citada, a Ré contestou, invocando a incompetência material do Tribunal para dirimir a questão em apreço, por ser uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, configurando o contrato celebrado pelas partes um contrato de

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natureza administrativa pelo que a competência para apreciar da sua validade e execução compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Respondeu a Autora, pugnando pela improcedência da exceção, defendendo que a relação jurídica em causa tem natureza privada, não estando sujeita a regras de direito administrativo.

No despacho saneador foi julgada procedente a invocada exceção de incompetência absoluta, considerando o tribunal incompetente, em razão da matéria, e absolveu-se a Ré da instância.

Inconformada com este despacho, veio a Autora interpor o presente recurso, formulando, no essencial, as seguintes conclusões:

1. A competência material do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica material ou subjacente tal como é apresentada pela A. na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido e a causa de pedir.

A competência dos tribunais da ordem judicial tem natureza residual, no sentido de que são da sua competência as causas que não estejam legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional (art. 64.º do C. P. Civil).

2. O contrato dos autos de prestação de serviços estabelecido entre a A., empresa

privada, e a R, entidade pública, no âmbito da qual aquela encomendou determinado serviços a esta, consubstancia um negócio jurídico de natureza privada, sujeito às disposições do direito civil, por não constituir, modificar ou extinguir qualquer relação de natureza jurídico administrativa.

3. A competência dos tribunais administrativos é condicionada à existência de um litígio emergente de relações jurídico-administrativas, reguladas por normas materialmente administrativas, no âmbito de atuações de entidades que exercem concretas competências de direito público, dotadas de “ius imperii”. 4. A causa de pedir nesta ação assenta no alegado incumprimento pela R. do contrato de prestação de serviços, no que diz respeito à falta de cumprimento

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dos prazos e entrega dos bens em conformidade.

5. O acento tónico indiciador da natureza administrativa da relação jurídica é colocado, não nem no conteúdo do contrato, nem na qualidade das partes, mas nas regras de procedimento pré-contratuais aplicáveis.

6. Não tendo o contrato em causa, entre A. e R., nem se vislumbra como é que tal ocorresse, sido submetido a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, configura-se a questão dos autos como relativa ao incumprimento do contrato particular, pelo que não está sujeita à jurisdição administrativa.

7. Decorre do ETAF a resolução dos litígios sobre a execução dos contratos apenas é da competência dos Tribunais Administrativos quando se verifique alguma das seguintes condições: contratos a respeito dos quais exista lei especial que os submeta ou admita a sua sujeição a um regime pré-contratual de direito público; O objeto do contrato possa ser objeto de ato administrativo; o regime substantivo das relações entre as partes seja total ou parcialmente regulado por normas de direito público; em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes o tenham expressamente submetido a um regime de direito público – cfr. 4º, n.º 1, al. e) e f) do ETAF e Acórdão do Tribunal de Conflitos de 16-9-2010, proferido no processo 013/09 e referências doutrinais aí citadas.

8. Ora, nada no contrato corresponde ao exercício de poderes de autoridade, nem o mesmo contém qualquer cláusula ou regime decorrente de tal exercício, não se verificando assim (e de modo indiscutível) qualquer das referidas condições.

9. Na verdade, o contrato de prestação de serviços não podia ser substituído por um ato administrativo – pois não foi praticado no âmbito de poderes de autoridade da ré enquanto concessionária; o regime de tal contrato não contém regras específicas de direito público, nem existe no seu texto qualquer cláusula

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subordinando o contrato a um regime de direito público. Também não existe lei especial submetendo ou permitindo a sua sujeição a um regime pré-contratual regulado por normas de direito público.

10. Assim, considera-se que o tribunal “a quo” fez errada interpretação do artigo

4º, n.º1, al. e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redação da L 20/2012 de 14/05, o qual deve ser interpretado nos termos supra referidos. Nos termos dos art.s 211º, n.º 1, da Constituição, 18º, n.º 1, da LOFTJ (Lei 3/99, de 13 de Janeiro, republicada em anexo à Lei 105/2003, de 10 de Dezembro) e 66º do Código de Processo Civil, são da competência dos Tribunais Judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

***

Não foram juntas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. ***

II. Âmbito do Recurso.

Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se o Tribunal Judicial é materialmente competente para julgar a causa ou se essa competência está atribuída aos Tribunais Administrativos.

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III. Fundamentação fáctico-jurídica.

1. Escreveu-se na decisão recorrida:

“A questão da competência jurisdicional do tribunal, nomeadamente a competência em razão da matéria, afere-se pela relação material controvertida, tal como é apresentada pelo autor, sendo que a competência dos tribunais judiciais é uma competência que podemos designar como supletiva na medida em que, de acordo com o disposto nos artigos 66º e 67º do Código de Processo Civil e 18º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais são da sua competência as causas não atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional.

A questão dos presentes autos e de acordo com a relação material tal como é controvertida pelo Autor, prende-se com o cumprimento de um contrato de prestação de

serviços, contrato esse celebrado entre si e a Universidade….

Dispõe o artigo 4º, n.º1, al. e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redação da L 20/2012 de 14/05, que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto questões relativas à validade de atos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.

Interpretando o mencionado normativo diz-nos Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira que “A opção tomada nesta alínea e), que constitui a grande revolução do Código na matéria, traduziu-se na adição à jurisdição dos tribunais administrativos do conhecimento dos litígios relativos a contratos precedidos ou precedíveis de um procedimento administrativo de adjudicação, independentemente da qualidade das partes nele intervenientes – de intervir aí uma ou duas pessoas coletivas de direito público ou apenas particulares – e independentemente de, pela sua natureza e regime (ou seja, pela disciplina da

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própria relação contratual), eles serem contratos administrativos ou contratos de direito privado (civil, comercial, etc.) ”(In “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Volume I, Almedina 2004, página 48).

No seguimento dos citados autores e na esteira do acórdão proferido a 31/05/2012 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, (relator Teresa Prazeres Pais, in www.dgsi.pt), diremos que para esses litígios contratuais fiquem sujeitos à jurisdição administrativa “não é necessário que o respetivo contrato seja celebrado na sequência de uma pré-contratação administrativa, desde que haja uma lei que “admita que (ele lhe) seja submetido”.

A competência “contratual” da jurisdição administrativa vale, portanto, quer no caso de o procedimento prévio do contrato ter assumido a forma (fosse ou não obrigatória) de procedimento administrativo pré-contratual, quer no caso de a entidade administrativa contratante – por não ser tal norma obrigatória (só permitida) – ter optado legalmente por uma forma de pré-contratação de natureza privatista.

(…)

Assim sendo, a competência da jurisdição administrativa vale independentemente de se saber se essas normas foram ou não integralmente cumpridas (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 9/6/2009, consultado na “internet” emwww.dgsi.pt)

Aqui chegados cumprirá atentar no disposto nos artigos 451º e 16 do Código dos

Contratos Públicos, na redação do DL 18/2008 de 29/01. Dispõe, então, o referido artigo 451º o seguinte:

“Em tudo quanto não estiver regulado no presente capítulo, é aplicável aos contratos de aquisição de serviços, com as necessárias adaptações, o disposto no capítulo sobre contratos de aquisição de bens móveis.”

Estatui, por sua vez, o artigo 16º do diploma ora em análise, sob a epígrafe “Procedimentos para a formação de contratos” o seguinte:

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1 - Para a formação de contratos cujo objeto abranja prestações que estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, as entidades adjudicantes devem adotar um dos seguintes tipos de procedimentos:

a) Ajuste direto; b) Concurso público;

c) Concurso limitado por prévia qualificação; d) Procedimento de negociação;

e) Diálogo concorrencial.

2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, consideram-se submetidas à concorrência de mercado, designadamente, as prestações típicas abrangidas pelo objeto dos seguintes contratos, independentemente da sua designação ou natureza:

a) Empreitada de obras públicas; b) Concessão de obras públicas; c) Concessão de serviços públicos;

d) Locação ou aquisição de bens móveis. e) Aquisição de serviços;

f) Sociedade.

No caso dos autos, de acordo com a relação material tal como é controvertida pela Autora foi celebrado um contrato de adjudicação de prestação de serviços. O Código dos Contratos Públicos remete o regime dos contratos de aquisição de serviços, com as necessárias adaptações, para o disposto no capítulo sobre contratos de aquisição de bens móveis.

Quando esteja em causa uma pessoa coletiva com as características da Ré (entidade adjudicante) e a celebração, por esta, de um contrato de aquisição de bens móveis aplicar-se-á o Código dos Contratos Públicos, de acordo com o disposto nos artigos 2º, n.º1, al. g), 4º e 5º a contrário e 6º, n.º1, al. d) do diploma referido.

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formação de contratos, sendo que, tal procedimentos são aplicáveis, nomeadamente ao contrato de aquisição de bens móveis n.º2 al. d) e, por remissão do regime, aos contratos de adjudicação de prestação de serviços. Aqui chegados e atento tudo quanto foi expendido, diremos que a alegada celebração de um contrato de adjudicação de prestação de serviços entre o Autora e a Ré, está sujeita ao Código dos Contratos Públicos e é, ainda que no caso possa não ter ocorrido, precedível de um procedimento administrativo de adjudicação.

Por ser assim, de acordo com o disposto no artigo 4º, n.º1, al. e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redação da L 20/2012 de 14/05 a interpretação, validade e execução do contrato ora em crise é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais e não dos Tribunais Judiciais.

Em harmonia com o que dispõe o artigo 96º do Código de Processo Civil, a infração de regras de incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, sendo que, de acordo com o disposto no artigo 577.º, n.º1 do mesmo diploma a incompetência absoluta consubstancia uma exceção dilatória, devendo o juiz, ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.º 1, al. a), também do mesmo diploma, abster-se de conhecer do mérito e, consequentemente, absolver o Réu da instância.

Assim sendo, concluindo-se pela incompetência material do presente Tribunal temos que nos abster de conhecer do mérito dos presentes autos, absolvendo a Ré da instância”.

2. Discorda a recorrente, sustentando que o contrato objeto de litígio, não foi submetido a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, configura-se a questão dos autos como relativa ao incumprimento do contrato particular, pelo que não está sujeita à jurisdição administrativa, invocando jurisprudência do Tribunal de Conflitos nesse sentido.

3. Vejamos, pois, se a razão está do seu lado.

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afere-se pela natureza da relação jurídica material ou subjacente tal como é apresentada na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido e a causa de pedir [1].

Por isso, a competência material do tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos que são invocados.

Neste preciso sentido tem professado o Tribunal de Conflitos, nomeadamente no seu recente Acórdão de 8/3/2017, proc. 034/16 (Ferreira Pinto), disponível em www.dgsi.pt, afirmando que “ A competência do tribunal afere-se, como é doutrinal e jurisprudencialmente aceite, inclusive por este Tribunal de Conflitos, pelo pedido formulado pelo Autor/Requerente e pelos fundamentos invocados (causa de pedir) — Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 07.02.2013, processo n.° 024/31, in www.itig.pt”

Entende-se que a regra da competência dos tribunais da ordem judicial tem natureza residual, no sentido de que são da sua competência as causas que não estejam legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional (art. 64.º do C. P. Civil e art. 40.º/1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto).

A competência dos tribunais administrativos vem definida no art° 212.º, n.º3, da Constituição da República Portuguesa, competindo-lhes o julgamento das ações que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Quanto à controvérsia, na doutrina, sobre o que deve entender-se por “relações jurídicas administrativas e fiscais”, dizem Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, T-III, pág. 148: “O melhor critério parece ser, no entanto, aquele para que aponta o próprio sentido literal da expressão: são relações jurídicas administrativas e fiscais as relações de Direito Administrativo ou de Direito Fiscal”. E acrescentam: “Este, aliás, o critério que melhor corresponde à tradição do nosso contencioso administrativo, que não adota um critério estatutário, tendendo a submeter os litígios que envolvam entidades

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públicas aos tribunais judiciais, quando a resolução de tais litígios não envolva a aplicação de normas de Direito Administrativo…”.

Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do S. T. J., de 8/5/2007, Processo n.º 07A1004, ao afirmar, «Crê-se que na base estará uma perspetiva jurídico material, tendo de existir uma controvérsia resultante de relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo. É que podem assim existir relações jurídicas materialmente administrativas sem que tenham como titulares órgãos da administração».

Idêntica opinião é defendida por Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, 3ª edição, pág. 815, quando referem: “Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico administrativas (ou fiscais) (nº 3 in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1- as ações e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); 2- as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico civil”. Em termos positivos, um litigio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.

Por relação jurídico administrativa deve entender-se, segundo Fernandes Cadilha, in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, Almedina, 2007, pág. 117/118, “a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjetivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjetiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, interadministrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que

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lhes cabe defender, ou inter orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa coletiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica.”.

Ora, nos termos do art. 4º nº 1 al e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2 [2] “ Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas à validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”.

Na decisão recorrida considerou-se que a presente ação se insere no âmbito da alínea e) citada, por se tratar de um “um contrato de adjudicação de prestação de serviços entre o Autora e a Ré”, sujeito ao Código dos Contratos Públicos, sendo, ainda que no caso possa não ter ocorrido, “precedível de um procedimento administrativo de adjudicação”.

Ora, temos por demais evidente não se tratar de qualquer ação com esse objeto, ou seja, que tenha por objeto “questões relativas à validade de atos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”, mas pura e simplesmente em exigir à Ré o pagamento da quantia peticionada, no âmbito de um acordo de prestação de serviços, que a Ré não cumpriu (segundo a Autora), sujeito às regras de direito privado, contrato que a Autora resolveu devido ao seu incumprimento, sofrendo, em consequência, prejuízos, cuja reparação pretende da Ré.

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Por isso, não faz qualquer sentido integrar esse pedido e causa de pedir no âmbito da previsão da alínea e) do n.º1 do art.º 4.º do ETAF, já que não está em causa uma relação jurídica regulada, em termos materiais, pelo direito administrativo, mas uma relação jurídica material de direito privado (ou uma relação de direito comercial, como refere a recorrente), uma relação jurídica emergente de um contrato de prestação de serviços, no âmbito do qual a Ré se obrigou a fornecer à A. serviços de consultoria e de desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento de um software para registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciada (a partir de fotografia aérea) e para fusão de superfícies, projeto que seria realizado nas instalações da R, tendo em conta a causa de pedir e pedido descritos na petição inicial.

E assim sendo, estamos em presença de uma relação jurídica privada, cuja obrigação decorre do contrato de natureza civil entre ambos celebrado, regulada pelo Código Civil, mais concretamente sujeito à disciplina do art.º 1154.º a 1156.º do C. Civil.

Na realidade, e como se extrai da petição inicial, a relação jurídica invocada pela Autora tem como fonte o contrato de prestação de serviços celebrado com a Ré, que visou o fornecimento à A. de serviços de consultoria e de desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento de um software para registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciada (a partir de fotografia aérea) e para fusão de superfícies, cuja contrapartida seria o pagamento, pela Autora, da quantia global de € 20 000,00, em três prestações, tendo liquidado as duas primeiras.

O art.º 178.º do Código do Procedimento Administrativo define o contrato administrativo como “o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa”, e elenca, exemplificativamente, alguns tipos desses contratos.

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jurídica administrativa “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração”.

Sublinha o S. T. A., no seu Aresto de 19/11/2003, proferido no Processo n.º 01465/02, disponível em www.dgsi.pt: «É contrato administrativo o acordo de vontades que constitua, modifique, ou extinga relações jurídicas administrativas; As relações jurídicas administrativas existem quando a lei confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração.

Para a qualificação do contrato como administrativo há de assim existir uma ligação do contrato à realização de um resultado ou interesse protegido, interesses que gozam de proteção específico da lei quando prosseguidos por entes públicos».

“A marca determinante ( ou “agravante”) da administratividade de um contrato”, nas palavras de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição, pág. 811, “ decisiva para este efeito é a simples ligação expressa do contrato à realização de um resultado ou interesse especificamente protegido no ordenamento jurídico, se e enquanto se trata de uma tarefa assumida por entes da própria coletividade, isso é, de interesses que só têm proteção específica da lei quando são prosseguidos por entes públicos – ou por aqueles que atuam por “devoção” ou “concessão pública”.

Ora, partindo dessa noção de “contrato administrativo” ou de “relação jurídica administrativa” temos por seguro que a relação jurídica material presente nestes autos, tal como é prefigurada pela Autora, não reúne essas características, não estamos perante uma ação em que se pretenda dirimir um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa, para a qual seriam

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competentes os Tribunais administrativos.

Em idêntico sentido se pronunciou o recente e citado Acórdão do Tribunal dos Conflitos 8/3/2017, proc. 034/16, sublinhando que “De acordo com o disposto nos artigos 212°, n.° 3, da CRP, e 1°, n.° 1, e 4°, estes do ETAF, compete aos tribunais de jurisdição administrativa [tribunais administrativos] administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, ou dito de outra forma, compete-lhes o julgamento de ações e recursos contenciosos que tenham objeto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. Com a vigência do ETAF foi eliminado, como critério delimitador da natureza pública ou privada dos atos dos entes públicos, o conceito de atividade de gestão pública ou de gestão privada(…) O critério dessa distinção é, agora, material e assenta, nomeadamente, nos conceitos de “relação jurídica administrativa” e de “função administrativa”.

E nem a circunstância da Ré ser uma pessoa coletiva de direito público torna o ajuizado contrato sujeito ao regime substantivo de direito público.

Apesar de uma das partes ser uma entidade pública, a verdade é que, ao celebrar o citado contrato, não atuou, e nem atua, no exercício de um poder de autoridade, conferido por normas de direito administrativo, o acordo entre as partes não tem a natureza de “contrato administrativo”, o que afasta a competência dos tribunais administrativos para julgar a presente ação.

E não se invoque as disposições do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro [3], para justificar a sua sujeição às regras de direito administrativo e respetiva inclusão na competência dos Tribunais Administrativos, nos termos da alínea e) do n.º1 do art.º 4.º do ETAF [4], já que decorre expressamente do seu art.º 1.º, n.º1, que esse diploma legal “estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo”, ou seja, mostra-se excluído da sua previsão o contrato que não revista natureza administrativa, como é o caso dos autos, em consonância, aliás, com a previsão

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da alínea e) do n.º1 do art.º 4.º do ETAF, ao referir-se claramente a “contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública”.

Acresce que no n.º5 do art.º 1.º do CCP prevê-se a aplicação do regime substantivo dos contratos públicos estabelecido na parte III àqueles que revistam a natureza de contrato administrativo, entendendo-se por tal «Sem prejuízo do disposto em lei especial, (…) o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos, (…):», que integram determinadas categorias, a saber ( n.º 6 do art.º 1.º):

a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público;

b) Contratos com objeto passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos;

c) Contratos que confiram ao cocontratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público;

d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.

A Ré, enquanto Entidade Pública, no caso, não interveio no contrato de prestação de serviços munida de jus imperii, nem o contrato invocado é suscetível de integração na categoria de contrato administrativo mencionado no citado n.º 6 do art.º 1.º do CCP, razão pela qual não se está em presença de um contrato dessa natureza, mormente daqueles que se encontram tipificados no Código dos Contratos Públicos e submetido a um procedimento pré-contratual regulado no art.º 16.º e seguintes do CCP.

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proc. n.º 020/12 (Pires da Graça), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta:

“I. Contratos Públicos são todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados por entidades adjudicantes referidas no código dos contratos Públicos e com a observância de determinados procedimentos pré-contratuais.

II. Os Tribunais Administrativos são os competentes para dirimir litígios decorrentes da execução de contrato de fornecimento de bens e serviços, que forem submetidos a um procedimento pré - contratual regulado por normas de direito público”.

Idêntica orientação foi seguida no Acórdão do STA de 5/3/2013, proc. 09/12, disponível em dgsi.pt, onde lapidarmente se exarou:

“A resolução dos litígios sobre a execução dos contratos apenas é da competência dos Tribunais Administrativos quando se verifique alguma das seguintes condições: (i) contratos a respeito dos quais exista lei especial que os submeta ou admita a sua sujeição a um regime pré-contratual de direito público. (ii) O objeto do contrato possa ser objeto de ato administrativo. (iii) o regime substantivo das relações entre as partes seja total ou parcialmente regulado por normas de direito público. (iv) em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes o tenham expressamente submetido a um regime de direito público”.

E porque assim é, urge concluir que o contrato de prestação de serviços em causa consubstancia um negócio jurídico de natureza privada, sujeito às disposições do direito civil e direito comercial, porque não constitui, modifica ou extingue qualquer relação de natureza jurídico administrativa, e a competência dos tribunais administrativos é condicionada à existência de um litígio emergente de relações jurídico-administrativas, reguladas por normas materialmente administrativas, no âmbito de atuações de entidades que exercem concretas competências de direito público, dotadas de ius imperii.

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Decorrentemente não pode ser mantida a decisão recorrida. Procede, pois, a apelação.

***

IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.

1. A competência material do tribunal deve aferir-se pela natureza da relação jurídica material ou subjacente tal como é apresentada pela Autora na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido e a causa de pedir.

2. A competência dos tribunais da ordem judicial tem natureza residual, no sentido de que são da sua competência as causas que não estejam legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional (art. 64.º do C. P. Civil e art. 40.º/1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto).

3. A competência dos tribunais administrativos está condicionada à existência de um litígio emergente de relações jurídico-administrativas, reguladas por normas materialmente administrativas, no âmbito de atuações de entidades que exercem concretas competências de direito público, dotadas de ius imperii. 4. Nos termos do art. 4º nº 1 al e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas à validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.

5. Tendo a relação jurídica invocada pela Autora/empresa privada como fonte o contrato de prestação de serviços celebrado com a Ré/Entidade Pública, no âmbito do qual esta se obrigou a prestar àquela, mediante o pagamento de uma quantia global de € 20 000,00, serviços de consultoria e de desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento de um software,

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consubstancia um negócio jurídico de natureza privada, sujeito às disposições do direito civil, competindo aos tribunais comuns conhecer a execução desse espécie contratual.

***

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir seus regulares termos.

Sem custas.

Évora, 2018/01/11 Tomé Ramião Francisco Xavier

Maria João Sousa e Faro

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[1] ) Neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de março de 2012, www.dgsi.pt, referindo “como constitui entendimento pacífico, a competência em razão da matéria deve primacialmente aferir-se pela natureza da relação jurídica tal como o autor a configura na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido formulado e a materialidade que integra a causa de pedir”.

[2] ) Com as alterações introduzidas pela Lei 4/2003 de 19/2, Lei n.º 107-D/2003 de 31/12, Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio e Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro.

[3] ) Alterado pela Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, decreto-Lei n.º 131/2010, de 14 de Dezembro, Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de Julho, Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, e Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2018.

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[4] ) Cuja previsão contempla “validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”.

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