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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA ROBERTA MACHADO BONIOLO

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

ROBERTA MACHADO BONIOLO

“UM TEMPO QUE SE FAZ NOVO”:

o encantamento de uma política pública voltada à regulamentação dos rituais de religiões afro-brasileiras

Niterói 2014

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ii UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA – PPGA

ROBERTA MACHADO BONIOLO

―UM TEMPO QUE SE FAZ NOVO‖:

o encantamento de uma política pública voltada à regulamentação dos rituais de religiões afro-brasileiras

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Antropologia.

Orientadora: Drª Ana Paula Mende de Miranda

Niterói 2014

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iii Banca Examinadora

__________________________________ Profª. Orientadora – Drª Ana Paula Mendes de Miranda

Universidade Federal Fluminense

__________________________________ Profª. Drª. Melvina Afra Mendes de Araújo Universidade Federal de São Paulo ________________________________

Profª. Drª. Christina Vital da Cunha Universidade Federal Fluminense

__________________________________ Profª. Drª. Lana Lage da Gama Lima – Suplente Externo Universidade Estadual do Norte Fluminense

__________________________________ Prof. Dr. Fábio Reis Mota – Suplente Interno Universidade Federal Fluminense

Niterói 2014

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iv

À minha irmã Renata Machado Boniolo, com muito amor.

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v

AGRADECIMENTOS

À professora Ana Paula Mendes de Miranda, sempre atenta às leituras dos nossos textos. Suas sugestões foram fundamentais para a conclusão desse trabalho. Agradeço ainda seu apoio e carinho nos momentos difíceis.

Aos professores Fábio Reis Mota e Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto que participaram da minha banca de projeto de dissertação. Suas recomendações foram imprescindíveis para direção deste trabalho. A sugestão do professor Paulo de passar algumas tardes no Museu Nacional de Belas Artes olhando os quadros do século XIX foi importante para compreender que o Parque Nacional da Tijuca faz parte do imaginário do que é o Brasil, de como a paisagem foi construída. As indicações de leitura do professor Fábio, ajudaram a dar o rumo no trabalho de campo a partir da leitura dos textos do Bruno Latour.

Aos demais professores do Programa de Pós-Graduação em Antropologia, todos os comentários e discussões durante as aulas e corredores do Bloco O colaboraram para a escrita final do texto. Assim como os pesquisadores do InEAC/NUFEP, que sempre incentivaram e contribuíram na minha formação profissional.

Ao Marcelo, pela dedicação e pela disponibilidade para nos ajudar com a burocracia da UFF e da CAPES.

A todos os colegas do mestrado, pela troca de experiências, de textos e por tornarem o ritmo das aulas mais leve.

Ao Bóris Maia e Silva, pelo carinho na leitura cuidadosa dos meus textos e por ouvir pacientemente todas as minhas reclamações antropológicas. Ao Vinícius Cruz Pinto, grande incentivador dos meus devaneios etnográficos. A Juliana Rodrigues, uma eterna companheira na escrita dos artigos, relatórios e projetos. Esse trabalho certamente tem um pouquinho, ou melhor, bastante, de cada um durante esses seis anos de UFF. Muitos congressos, muitas viagens, muitas histórias...

Aos demais amigos do grupo de pesquisa, Talitha Rocha, Rosiane Rodrigues, Roberta Corrêa, Victor Rangel, Joelma Azevedo, Bruno Bartel e Marcos Vinícius Moura, obrigado pelo apoio durante o período de trabalho e pelos comentários dos meus textos.

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vi Aos membros do Elos da Diversidade, pela oportunidade de acompanhar a rotina das suas ações. Todos sempre foram muito carinhosos e dispostos a contribuir com a pesquisa. Desde já, peço desculpas por saber que este trabalho jamais dará conta dos esforços empreendidos por cada um na concretização do Espaço Sagrado da Curva do S. Espero que esta dissertação seja mais um instrumento para dar visibilidade ao processo de reconhecimento dos direitos dos religiosos de matriz afro-brasileira.

Às amigas, Mariana Manzella e Jurema Milão, por entenderem minha ausência em diversos momentos ao longo desses dois anos.

Aos meus pais, por me apoiarem mesmo quando eu não conseguia explicar, afinal, o que era antropologia. À minha irmã e ao meu cunhado, pela contribuição na leitura dos capítulos que compõem este trabalho e pelo amparo nos momentos de desânimo.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela concessão da bolsa de estudo.

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vii

RESUMO

Ao analisar a implementação da política pública "Espaço Sagrado da Curva do S" pelos membros do Elos da Diversidade (Secretaria de Estado do Ambiente/ Superintendência de Educação Ambiental) pretendi demonstrar como "magia" - numa inversão à perspectiva do desencantamento do mundo proposta por Weber - e a "técnica" - o conhecimento prático-metodológico característicos de um modelo de administração racionalizada do Estado - atuam conjuntamente, de forma relacional e dinâmica, nas estratégias de reivindicação de direitos pelo uso do espaço do Parque Nacional da Tijuca que historicamente tem suscitado conflitos entre religiosos de matriz afro-brasileira e ambientalistas em torno da realização de práticas rituais no local.

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viii

Abstract

Through the analyzes of a public policy called ―Espaço Sagrado Curva do S‖, implemented by members of Elos da Diversidade (Secretaria de Estado do Ambiente/Superintendência de Educação Ambiental), this dissertation aims to demonstrate how ―magic‖ – with a reverse perspective of ―disenchantment‖ proposed by Weber – and the ―technique‖- the practical-methodological knowledge characteristic from a rationalized management model of state – work together in a dynamic and relational way on the strategies to claim for the right to use the space of Parque Nacional da Tijuca, which has historically been generated conflicts between afro-brazilian religious and environmentalists concerning the rituals practices carried out on the park.

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ix

Lista de Fotos

Foto 1: Evento Águas Sagradas Afro-Brasileiras 04

Foto 2: Guardiões na Oficina de Plantas Sagradas e Medicinais da Mata Atlântica 31

Foto 3: Público presente na Oficina de Plantas Sagradas e Medicinais da Mata Atlântica 32 Foto 4: II Encontro com os Guardiões do Sagrado e da Natureza 35

Foto 5: Maquete do Espaço Sagrado da Curva do S 55

Foto 6: Oferendas em processo de decomposição na cachoeira 82

Foto 7: Oferendas em diferentes estágios de decomposição e deterioração 83

Foto 8: Oferendas em diferentes estágios de decomposição e deterioração 83

Foto 9: Tronco de árvore queimado pelo uso contínuo de velas 84

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x

LISTA DE ILUSTRAÇÔES

Figura 1: Símbolo do Elos do Axé...50 Quadro 1: Subdivisão das Unidades de Conservação...71 Figura 2: Mapa dos ―setores descontínuos‖ que compõem o Parque Nacional da Tijuca...77 Figura 3: Foto por satélite da Curva do S...81

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xi

LISTA DE SIGLAS

CCIR – Comissão de Combate à Intolerância Religiosa CEAP – Centro de Articulação de Populações Marginalizadas CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular

CEUB – Congregação Espírita Umbandista do Brasil COMLURB – Companhia Municipal de Limpeza Urbana

FECAM – Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ISER – Instituto de Estudos da Religião

MIR – Movimento Inter Religioso MMA – Ministério do Meio Ambiente

NEPEC – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura PNT – Parque Nacional da Tijuca

SEAM – Superintendência de Educação Ambiental

SEA-RJ – Secretaria do Estado do Ambiente do Rio de Janeiro

SEASDH – Secretaria de Assistência Social do Estado do Rio de Janeiro Sisnama – Sistema Nacional do Meio Ambiente

SUPERDir – Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos UC – Unidade de Conservação

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

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1

SUMÁRIO

1. Introdução

... 3

1.1 – Construindo o campo... 10

Capítulo 1: “Os orixás não são lentos, eles são caprichosos”: a implementação do “Espaço Sagrado da Curva do S” (Parque Nacional da Tijuca/Rio de Janeiro .. 17

1.1 – Estrutura do Elos da Diversidade: ―uma coisa desordenada, mas que tem sua ordem‖... 26

1.1. 1 – As reuniões... 29

1.1.2 – Os eventos... 32

1.1.2.1 – Oficina de Plantas Sagradas e Medicinais da Mata Atlântica... 38

1.1.2.2 – II Reunião com Guardiões do Sagrado e da Natureza... 34

1.2 – Da ECO ao Elos... ... 45

Capítulo 2 – Preservar o quê, por que e para quem?: as crenças na força da natureza...59

2.1 – Natureza (e cultura)... 61

2.2 – Criação das unidades de conservação: estética, preservação ambiental e identidade nacional...63

2. 2. 1 – O Parque Nacional da Tijuca...77

2. 2. 1. 2 – Curva do S... 66

2. 3. 1 – Ebós, oferendas, sacrifícios, trabalho, despacho e feitiço...88

Capítulo 3: Quando a técnica e a magia constroem uma política pública: disputas em torno da criação das regras de uso do Espaço Sagrado...102

3.1. Controvérsias em torno da regulamentação da Curva do S...102

3. 2. O desencantamento do mundo e o encantamento da política...109

3.3. Nem só magia, nem só burocracia: o encantamento do projeto ―Espaço Sagrado da Curva do S‖...117

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2

Considerações Finais...128 Referências Bibliográficas...133 Anexo ...128

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3

1. Introdução

O evento Águas Sagradas Afro-Brasileira começou a ser programado pelos membros do Elos da Diversidade cerca de um mês antes do Dia Mundial da Água. O objetivo desse evento era, segundo a ex-superintendente1, que os religiosos incorporassem às suas agendas duas ―datas ambientalistas‖2

: o Dia Mundial da Água e o Dia da Mata Atlântica, que além de serem ―duas questões primordiais para a religião‖, seriam importante também para mostrar como os religiosos afro-brasileiros poderiam contribuir para a preservação desses elementos. O evento, portanto, seria voltado para o modo como os religiosos se relacionavam com a água e para lançar a Carta pelas Águas, que meses depois foi transformada em Carta pelas Águas e Florestas da Mata Atlântica (ANEXO A).

Inicialmente, cogitaram a Curva do S (Parque Nacional da Tijuca) para a realização da atividade, mas acharam que não daria muita visibilidade, já que aconteceriam outros eventos comemorativos pela cidade. Pensaram em fazer às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, mas desistiram. Após analisarem outros lugares da cidade que tivessem coberturas, acabaram decidindo pela Praia de Copacabana. Apesar do mau tempo das semanas que antecederam o evento, alguns membros do Elos pedindo a intercessão dos orixás disseram àqueles temerosos com a chuva que não precisavam se preocupar porque faria um belo dia.

Nas reuniões que precederam o dia do evento, foram pensados meios de representar as deidades relacionadas às águas, embora um dos articuladores tenha mencionado que os religiosos sabiam que a água era ―o elementar de todos os dezesseis [orixás]‖. Decidiram que enfeitariam os porrões3

trazidos das casas de santo dos próprios articuladores ou dos guardiões, e que cada um escreveria um pequeno texto explicando a relação do orixá com a água, além das frutas e das flores que seriam colocadas como se fosse uma oferenda, fariam ainda a encenação de uma lavagem,

1 Para preservar meus interlocutores, preferi não identificar seus nomes. Por se tratar de uma política

pública optei por usar o nome do cargo para descrever as reuniões e eventos do grupo.

2 Usarei as aspas para me referir a frases e expressões ditas pelos interlocutores; os termos usados por eles

serão explicados com nota de rodapé somente na primeira vez que aparecerem. Utilizarei o itálico para me referir aos conceitos teóricos e as palavras estrangeiras.

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4 como ―feito no Bonfim‖ (Salvador-Bahia), ―levando as quartinhas4

com as flores e benzendo o povo todo‖, como mencionou um dos coordenadores. Também haveria uma tenda para a equipe de educação ambiental do PNT expor banners e folders. Na reunião que antecedeu o evento foi repassada a programação e o acerto dos últimos detalhes. No dia, a equipe de produção do Elos chegou cedo ao local e montou junto com os religiosos a tenda, o som e enfeitaram os porrões. Mesmo atrasado, o ex-secretário cumprimentou e conversou com algumas pessoas. Em seguida tirou os sapatos e foi até o local onde estavam os porrões e as frutas dispostas como uma oferenda. Depois tirou algumas fotos perto do banner do Elos da Diversidade e dos religiosos.

Um dos articuladores foi o mestre de cerimônia do evento, pedindo ―licença a Exu‖5 deu boas vindas a todos os presentes e pediu ao ex-secretário que desse abertura à cerimônia:

Foto 5: Evento Águas Sagradas Afro-Brasileiras – Dia Internacional da Água, por Roberta Boniolo.

―Amigos e amigas, nada melhor para comemorar o dia das Águas, de todas as águas (...). As águas têm que ser cultuadas porque elas têm a ver com a vida, com as divindades que protegem; nada melhor do que

4 Pequenos vasilhames usados para armazenar água, geralmente feita de louça ou barro.

5 Para os iorubás é o orixá que tem o encargo de levar as oferendas dos homens ao mundo dos deuses. É

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5 estar aqui com os representantes de todas as religiões de matriz afro. Religiões muitas vezes perseguidas, muitas vezes discriminadas. Inclusive, muitas vezes discriminadas sobre o pretexto da questão ambiental. Então muitas vezes se usou, e ainda se usa (é bom que se diga) para estigmatizar as nossas religiões afro a questão da poluição dos parques, dos rios com as oferendas. Há muitos, e muitos anos, começou uma aproximação da área ambiental com a área das religiões afro (...) (Ex- secretário do estado do ambiente, 22 de março de 2013).

Após esta fala, o articulador pediu a uma das guardiãs, representando o candomblé, que entoasse um cântico para Exu, e em seguida, pediu a outra que entoasse um de umbanda. Esta, posteriormente, ―pediu‖:

―que Seu Tranca Rua6

abra o caminho de todos nós, desse movimento, do meio ambiente, que esse desejo de todo nosso povo, da religião seja realmente transformado em realidade, que a agente realmente conquiste através de Exu, de todos os orixás, de minha mãe Iemanjá (que estamos aqui [Praia de Copacabana]) que esse nosso sonho se realize; que é um local para que a gente possa depositar nossos anseios, nossas necessidades e a nossa fé. Que isso seja o mais rápido possível. Que ilumine o caminho do nosso [ex- secretário] para que a coisa vá para frente e que dê paz para todos nós, que nós não temos enquanto não tivermos esse local sagrado. Saravá, Seu Tranca Rua (...) (Fala de uma guardiã representante da umbanda, 22 de março de 2013).

Imediatamente após a fala da guardiã, uma das articuladoras falou sobre a visão da religião sobre as águas:

―Bom dia a todos e todas (...) meu respeito às autoridades e as pessoas que estão aqui. A todos que estão dando atenção a esse momento, que é o momento das águas (... ) para nós, na visão iorubá, na visão banto,

6

Trata-se de uma entidade cultuada na umbanda, que corresponde a um espírito que tem o poder de abrir e fechar os caminhos. A representação de Exu na umbanda foi construída num amálgama de suas funções no Candomblé e de sua percepção como demônio cristão (NEGRÃO, 1996).

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6 em todas as raízes de matriz africana, religiões afro-brasileira, comunidades tradicionais... a água é a base de tudo, a água está em nosso corpo, a água está em nossa mente, a água está no ventre das mulheres ao gerar uma criança. (...) Para nós essa água purifica. (Fala de uma das articuladoras religiosa, 22 de março de 2013).

Apresentando, após sua fala, a encenação das ―águas de Oxalá na procissão‖, simbolizando a limpeza e a purificação daquele espaço. Ainda foram distribuídas rosas e palmas para as pessoas que estavam presentes, que incluíam além dos religiosos, moradores e turistas de Copacabana e funcionários do PNT.

A Carta pelas Águas foi lida pelo coordenador do Elos, que disse que a mesma também representava a união ―entre todos nós, Estado, entre religiosos e intelectuais‖, seguido pela fala da ex-superintendente e da coordenadora acadêmica, que ressaltou o papel da UERJ nesse ―processo‖ e de todos que faziam parte do projeto.

O evento terminou com a apresentação de um grupo chamado Tambores Naturais, formado por um dos assessores técnico religioso e dois analistas ambientais do Parque; e do grupo de percussão Treme Terra, liderado pelo outro assessor.

***

O Elos da Diversidade foi criado pela Secretaria do Estado de Ambiente/ Superintendência de Educação Ambiental com o objetivo de regulamentar uma área limítrofe ao Parque Nacional da Tijuca, conhecida como Curva do S, usada pelos religiosos de matriz afro-brasileira para a prática de rituais com oferendas. Um dos objetivos do Elos é a implantação do Espaço Sagrado da Curva do S. Este é visto como uma possível solução para o conflito entre religiosos e funcionários do Parque, para que aqueles possam usar a floresta e as cachoeiras para a interagirem com suas deidades sem causarem ―impactos‖ à flora, à fauna e à paisagem, tornando o local ―seguro‖ e ―digno‖ para seus frequentadores.

O trecho retirado do meu caderno de campo tem a intenção de demonstrar como a política pública ―Espaço Sagrado da Curva do S‖ é pautada em dois atributos que perpassam e justificam as ações dos atores responsáveis pela sua implementação: o

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7 conhecimento religioso/religiosidade e conhecimento prático-metodológico. O primeiro, eu chamei de magia, numa inversão à perspectiva do desencantamento do mundo proposta por Weber (2004); o segundo de técnica, pensando nas características de um modelo de administração racionalizada do Estado (WEBER, 2010).

Se a construção de uma política pública supõe a racionalização com vistas a promoção de uma maior eficiência das instituições, bem como à subordinação dos indivíduos à ―realidade‖, a constante referência às deidades revelaria o encantamento do mundo ao incorporar ao discurso racional os elementos rituais religiosos. Se a racionalização produzida pelo Estado deveria produzir esferas separadas na vida social, o encantamento produziria o efeito contrário. Embora esse processo possa ser considerado contraditório por aqueles que tomam como referência o modelo burocrático-racional como algo que deveria modelar as práticas dos agentes públicos, há que se considerar que toda burocratização pressupõe aspectos formais, mas também valores, o que significa que a presença de discursos religiosos na formulação de políticas públicas não seria algo desprovido de sentido, na medida em que a relação entre religião e política pode ser de interação e complementaridade, tal como analisa Weber (2004). Magia e técnica, portanto, se faziam presente no plano prático e teórico das ações dos membros do Elos da Diversidade, atuando conjuntamente.

Nessa direção, não busquei traçar os limites entre magia e técnica, mas compreender a partir de uma perspectiva antropológica como os atores incorporavam-nas na legitimação da construção da política pública, tanto para os favoráveis como para os contrários à implementação do Espaço Sagrado. A análise antropológica, nesse sentido, possibilitou pensar a construção destas políticas através da etnografia, favorecendo o entendimento e o questionamento das práticas dos atores que são responsáveis pela elaboração, implementação e execução das mesmas, levando em consideração as dimensões subjetivas e objetivas de suas ações (MIRANDA, PAES e OLIVEIRA, 2007).

A fim de evitar levar a discussão para um plano jurídico ou religioso – e também como veremos no decorrer do texto, ambiental – tomei como referência a ideia latouriana (1994) de que as grandes divisões nas quais acostumamos a pensar o mundo já não daria conta de explicar fenômenos que não pertenceriam somente às ciências naturais ou às ciências sociais, nem à natureza nem à cultura, mas estariam contidas nesses domínios, isto é, são híbridos, não podendo ser considerados ―nem totalmente

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8 naturais nem totalmente sociais‖ (FREIRE, 2006, p.53), o que levaria ao questionamento dessas separações. Nesse sentido, ao invés de pensar quais seriam os domínios da magia e da técnica na construção do Espaço Sagrado da Curva do S, foquei como estes atuavam de forma complementar e relacional nos entendimentos e nas ações dos atores.

Ator, para Latour, é todo aquele que age, produz e cria efeitos sobre o mundo, interferindo, portanto, no curso das coisas, tanto humano quanto não humano. No entanto, o autor dá preferência à palavra actant (actante) por incluir os não humanos ou ―qualquer pessoa e qualquer coisa que seja representada‖ por um porta-voz (2000, p.138), já que a palavra a palavra actor (ator) na língua inglesa se refere apenas aos humanos (2001, p.346).

A ideia de rede desenvolvida pelo autor também foi importante para a pesquisa, já que a mesma ―remete a fluxos, circulações e alianças, nas quais os atores envolvidos interferem e sofrem interferência‖ (FREIRE, 2006, p.55). E é justamente essa ideia de rede que permite compreender como as divisões são incapazes de dar conta dos fenômenos que não se apresentam de forma desconexa e isolados, como o conteúdo e o contexto político em que a implementação do Espaço Sagrado do Curva do S foi pensado como política pública.

Dessa forma, a teoria ator-rede7 de Latour tornou-se um instrumento teórico-metodológico necessário para compreender a ação, em rede, de diversos atores quando as oposições da modernidade, como política e religião, magia e técnica, já não respondiam satisfatoriamente aos efeitos produzidos por estes actantes no curso de suas ações. O autor, no entanto, apontou que esses domínios deveriam ser tratados simetricamente, isto é, evitando suas distinções, além de evitar abordá-los em situações de desigualdade. Se essas divisões devem ser superadas, e entendidas a partir de suas interações, as redes tecidas são por excelência a melhor forma de compreender as associações dos atores por alcançarem a dimensão dos fluxos que permeiam as interações e alianças dos mesmos.

Ao tratar simetricamente os seres vivos e os não vivos, Latour inovou ao privilegiar as relações que os objetos, animais, instituições etc. estabeleceriam com os homens: primeiro porque os dois produziriam efeitos ao interagir; e segundo porque

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9 seria uma relação de interdependência. Por isso, utilizarei a palavra ator ou actantes para descrever as ações daqueles que estão diretamente ligados ao projeto ―Espaço Sagrado da Curva do S‖, seja contra ou a favor de sua implementação, humano ou não humano. Para me referir a outras pessoas que não estão diretamente relacionadas ao projeto, mas que são importantes para a concretização do mesmo, como os demais representantes do Estado, uso a palavra agente para não confundi-los com a noção de ator ou actante, uma vez que a palavra ―agente público‖, conforme dito por Miranda se refere a qualquer pessoa que desempenhe funções estatais, podendo ser um agente político que teria ―cargos nos órgãos do poder‖; um servidor público, que ―mantém uma relação de trabalho com o poder público‖ ou ainda os particulares ―que prestam serviços ao poder público‖ (2005, p.12).

Buscando seguir os actantes em ação, descrevi as controvérsias em torno do projeto do Espaço Sagrado da Curva do S enquanto ainda estavam ―quentes‖ (LATOUR, 2000, p.39), isto é, enquanto ainda não foram encerradas ou ―desvinculadas do contexto social das ações daqueles que o elaboraram‖ (FREIRE, 2005, p.135), mapeando as redes que foram tecidas para que a construção do Espaço Sagrado saísse do projeto e fosse concretizado. Nesse sentido, ressaltar a presença dos não humanos foi primordial para compreender as dificuldades e complexidades que permeiam a construção de políticas públicas voltadas para os religiosos de matriz afro-brasileira, uma vez que as divindades são dotadas de agências e não podem ser ignoradas na descrição e na vida dos atores.

O esforço de tratar simetricamente os discursos dos religiosos e dos ambientalistas, que eu chamei todo aquele que age e fala em ―defesa da natureza‖, foi o principal desafio colocado a mim para compreender a interação entre magia e técnica nas ações daqueles empenhados no projeto e concretização do Espaço Sagrado. Inicialmente, procurei entender quais eram as estratégias argumentativas utilizadas para o acesso dos religiosos às áreas do Parque, para a construção do Espaço Sagrado e para o reconhecimento dos direitos de culto (na natureza) por parte dos representantes do Estado diante do conflito com os funcionários do Parque.

Para compreender o conflito em torno da prática da oferenda, tomei como definição do termo aquele proposto por Simmel (1983), no qual o conflito ajudaria a explicitar e a fundar relações sociais. Para o autor, as relações que constituem a unidade, assim como aquelas que a contrariam, costumam ser encontradas em todas as situações,

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10 já que um grupo harmonioso é irreal, não podendo, dessa forma, expressar um processo de vida real. Assim, o conflito seria o elemento responsável por novas relações sociais e que possibilitaria momentos de construção e desconstrução nas interações sociais. O conflito, portanto, ajudou a pensar que as divisões entre os domínios da magia e da técnica não dariam conta para explicar as estratégias utilizadas pelos atores para defender ou proibir as práticas rituais com oferendas dentro do Parque.

Seguindo meus interlocutores, como propôs Latour, passei a acompanhar as reuniões e os eventos produzidos por estes para compreender as relações entre os membros do Elos da Diversidade, funcionários do Parque da Tijuca, ambientalistas e representantes do Estado em torno da temática das leis de proteção ambiental e de liberdade religiosa.

Esta temática despertou meu interesse, primeiro porque poderia resultar numa interessante dissertação, já que até aquele momento só conhecia um trabalho de cunho etnográfico que abordasse a relação entre oferendas religiosas e preservação da natureza (RENOU, 2011). Em segundo lugar, poderia dar continuidade às questões trabalhadas pelo grupo de pesquisa do qual participo, desde 2009, referente ao tratamento que era dado pelas instituições públicas aos atos denominados por ―intolerância religiosa‖ 8

no estado do Rio de Janeiro (BONIOLO, 2011; MAIA, 2011; MIRANDA, 2012; PINTO, 2011; LIMA, MOLINA e SILVA, 2011; entre outros). Além de poder dialogar com os pesquisadores do INCT - InEAC e do NUFEP, que desenvolvem desde 1994, estudos sobre meio ambiente e à administração institucional de conflitos, inclusive em áreas de conservação ambiental (LOBÃO, 2012; MOTA, 2009; COLAÇO, 2012).

1.1 – Construindo o campo

8 Os projetos contaram com uma equipe composta por alunos graduação em Ciências Sociais e de alunos

do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/UFF), no âmbito de dois editais: Projeto ―A crença na igualdade e a produção da desigualdade nos processos de administração institucional dos conflitos no espaço público fluminense: religião, direito e sociedade, em uma perspectiva comparada‖, coordenado pelo professor Roberto Kant de Lima, aprovado no Edital Humanidades – 2008; Projeto ―Combate à intolerância ou defesa da liberdade religiosa: paradigmas em conflito na construção de uma política pública de enfrentamento ao crime de discriminação étnico-racial-religiosa‖, coordenado pela professora Ana Paula Mendes de Miranda, aprovado no Edital Universal – 2009.

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11 A palavra campo na antropologia adquiriu uma ―bipolaridade semântica‖, podendo ser entendido como objeto e lugar em que acontece o primeiro momento da pesquisa (PULMAN, 2007, p.216). Para Pulman, o ir a campo constituiu numa dimensão essencial da pesquisa antropológica, conferindo a esta a legitimidade do discurso científico. O campo também seria o lugar do confronto, tanto dos interesses dos grupos como das categorias analíticas do pesquisador com os dados construídos por meio da interação com os atores. A fim de evitar os perigosos físicos e simbólicos o pesquisador deverá a ir a campo munido de uma formação teórica (PULMAN, 2007). Para Silva (2006), o campo não seria somente a experiência vivida entre o período do projeto de dissertação e a escrita do texto; seria também realizado por meio da leitura e de informações que nos chegam de vários lugares.

Nesse sentido, meu campo começou ainda na graduação quando passei a acompanhar, junto com os demais pesquisadores do InEAC/NUFEP, o debate sobre a criminalização dos atos de ―intolerância religiosa‖ e do processo de administração institucional desses conflitos no espaço público fluminense, após a criação da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR). À época, propus analisar como era o procedimento em relação ao atendimento às queixas feitas contra os ―atos de intolerância religiosa‖ e as denúncias por discriminação religiosa por meio dos registros de ocorrência realizados pela Polícia Civil. Buscando compreender como a CCIR reivindicava seus direitos junto à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, e como esta se organizava para atender a essas demandas (BONIOLO, 2011).

Minha intenção era continuar pesquisando como os representantes do Estado administravam os conflitos motivados por ―intolerância religiosa‖. Passei a acompanhar as reuniões mensais organizadas pela Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria de Assistência Social do Estado do Rio de Janeiro (SUPERDir/SEASDH) para elaboração do Plano Estadual de Combate à Intolerância Religiosa. Minha orientadora, Ana Paula Mendes de Miranda, foi convidada para integrar as discussões do grupo e só por isso eu pude acompanhar as reuniões, já que eram fechadas ao público, mas aceitavam a presença de alguns ―observadores‖.

Assisti as reuniões durante três meses, e em uma delas tomei conhecimento da ―criação‖ do ―Espaço Sagrado da Curva do S‖ – apresentado por duas integrantes do Elos da Diversidade. A ideia apresentada por ambas focava na construção de um ―espaço sagrado‖, dotado de ―regras claras entre os religiosos‖, e com o

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12 comprometimento do poder público, especialmente, em relação à ―coleta regular de resíduos‖, assim como a ―promoção de ações de combate à intolerância religiosa e ao racismo ambiental‖.

Minha inserção no grupo Elos da Diversidade aconteceu por intermédio de um dos membros do Elos da Diversidade, que é professora no Instituto de Geografia da UERJ e mãe de uma colega do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/UFF) e pesquisadora do NUFEP. Ao entrar em contato com a professora, esta ficou de me apresentar aos membros do Elos, antes da reunião do grupo, que aconteciam todas às quintas-feiras, em uma das salas do Instituto de Geografia, na UERJ.

Comecei a acompanhar as reuniões no dia 22 de novembro de 2012 e no dia 13 de dezembro de 2012, o grupo realizou sua última atividade de 2012, o ―Mutirão de limpeza da Curva do S‖. Após essa atividade, o grupo entrou em recesso e as reuniões foram suspensas até o dia 28 de fevereiro de 2013. Durante esse período realizei leituras dos materiais produzidos, tanto pelos membros do Elos da Diversidade quanto pelos ex-funcionários do Parque que iniciaram o projeto ―Meio Ambiente e Espaço Sagrado‖ no Parque da Tijuca, e que hoje se encontram aposentados.

A observação foi uma etapa importante e muito valorizada durante a pesquisa. A observação direta permitiu aprofundar meu conhecimento sobre as interações entre meus interlocutores e as relações que estes estabeleciam com outros grupos, assim como seus comportamentos diante e na ausência dos outros membros do Elos. Minha experiência no decorrer do trabalho indicou uma centralidade do lugar da fala na legitimação da política pública. Por isso, durante o texto aparecem vários trechos de conversas, entrevistas e discursos dos meus interlocutores. A fala servia não somente para consolidar as ideias do grupo na disputa por acesso ao espaço público, mas também para envolver outros actantes com as ideias do projeto, garantido o sucesso do mesmo. Nas reuniões, anotava as falas em papéis; nos eventos que eram públicos, usava o caderno de campo e o celular que se transformava em câmara fotográfica e gravador.

Se o trabalho de campo consistiu em conhecer uma gama de pessoas, ouvi-los atentamente foi essencial para a construção do objeto. A possibilidade de observar o grupo e as pessoas que o compunha revelou os modos conflitantes e cooperativos como a regulamentação do ―Espaço Sagrado da Curva do S‖ tem sido tratada no Rio de Janeiro, tanto pelos próprios religiosos quanto pelo poder público.

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13 Além da observação in loco, as entrevistas semi-estruturadas com os membros do Elos da Diversidade serviram para me aproximar das pessoas a fim de compreender os conflitos suscitados em decorrência da prática das oferendas. As conversas informais realizadas junto aos membros do Elos, bem como dos funcionários do Parque da Tijuca permitiu compreender a percepção que esses atores possuíam acerca da construção do ―Espaço Sagrado‖ e das questões que essa regulamentação tem provocado, principalmente em relação a ―natureza e a sua preservação‖, além do próprio entendimento do que seria um espaço sagrado e a reformulação das práticas religiosas, foco dos integrantes do Elos.

Apesar de a pesquisa ter sido centrada nas ações dos membros do Elos, durante as reuniões e eventos promovidos pelos mesmos. Tive a oportunidade de conversar, e até mesmo entrevistar, alguns funcionários e ex-funcionários do PNT. Além de ter acompanhado os membros do Elos durante os eventos realizados no Parque, participei de algumas atividades feitas por seus funcionários, como a prova de seleção para o curso de brigadistas – já que as velas e os possíveis incêndios que elas poderiam ocasionar era um constante ponto de tensão entre funcionário do PNT e das pessoas envolvidas com a criação do ―Espaço Sagrado‖ – e do programa de voluntariado para o ―manejo das trilhas‖. Conversar com outros religiosos que não faziam parte do Elos também foi importante para compreender como essa política tem sido recebida pelos próprios religiosos, principalmente a respeito da reformulação das práticas.

O objetivo deste trabalho, portanto, é demonstrar a partir do projeto de construção do ―Espaço Sagrado da Curva do S‖ pela Secretaria do Estado do Ambiente que magia e técnica fazem parte de forma relacional e complementar das práticas dos atores responsável pela implementação da política pública, numa inversão à perspectiva do desencantamento do mundo proposta por Weber (2004; 2010). Chamo de magia as ações e os pensamentos ligados à religiosidade dos meus interlocutores, no plano dos sentimentos, da experiência, da vivência e da socialização com os valores da religião; e de técnica todas as ações caracterizadas dentro de um modelo típico–ideal de organização racional do Estado Moderno (WEBER, 2010).

Magia e técnica, dessa forma, fazem parte de um conjunto e não podem ser pensados isoladamente, nem de forma assimétrica, durante a análise dessa política pública. Portanto, a partir da sugestão de Latour de ultrapassar as ―divisões da modernidade‖ (1994, 2000), busquei demonstrar que magia-técnica interage e atua de

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14 forma complementar na consolidação do projeto ―Espaço Sagrado da Curva do S‖, por meio de diferentes actantes. Embora no plano discursivo uma se sobressaia à outra dependendo do contexto no qual são acionadas, atuam conjuntamente na legitimação das ações dos membros no projeto. Para demonstrar como magia-técnica faz parte do plano teórico e de ação dos atores, dividi a dissertação em três capítulos.

No capítulo 1, seguindo meus interlocutores, busquei mapear as controvérsias sobre a prática das oferendas dentro do Parque Nacional da Tijuca. Com isso não pretendi encontrar uma origem de quando a temática do meio ambiente/ambiente9 passou a estar presente no universo discursivo das religiões de matriz afro-brasileira na cidade do Rio de Janeiro, mas entender como as redes foram tecidas a partir do conflito suscitado pela prática dos rituais com oferenda dentro do Parque Nacional da Tijuca. Minha intenção era mostrar como os atores se associaram até formarem o Elos da Diversidade.

Nesses acionamentos foi preciso destacar a agência das deidades das religiões afro-brasileiras, afinal, as oferendas eram dedicadas a elas e/ou realizadas de acordo com as suas recomendações, por isso era preciso dar destaque ao lugar que ocupavam no projeto, tendo em vista que os membros do Elos justificavam os ―encontros‖ que marcavam o estabelecimento dessas redes pela designação dos guias e orixás. Da mesma forma, eles eram interpelados na concretização do Espaço Sagrado. E principalmente, na aprovação da reformulação das práticas rituais com oferendas.

Nesse capítulo descrevo dois eventos para mostrar como eram traçadas as estratégias para dar visibilidade às ações do Elos da Diversidade, fundamentadas na relação das religiões de matriz afro-brasileiras com a natureza. E ainda mostrar como era o processo de discussão com os guardiões, os religiosos ―mais velhos‖, sobre os ―valores centrais‖ presentes nas religiões, para os membros do Elos adequá-los a partir de um discurso ambientalista e jurídico.

Se os membros do Elos argumentavam que o ―próprio orixá [era] a natureza‖ e que por isso os religiosos tinham o dever de contribuir com a sua preservação, então por que o conflito com os funcionários do Parque, já que todos tinham como objetivo preservar a natureza? Tentei compreender os discursos por trás do conflito entre

9

Como veremos no decorrer no texto, os membros do Elos marcam a diferença entre ambiente e meio ambiente mostrando que se o homem e a natureza estão integrados, portanto, não tem sentido usar a palavra ―meio‖ ambiente, já que a palavra meio marca uma ―separação em duas metades‖.

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15 religiosos e funcionários do Parque sobre as oferendas no capítulo 2. A direção que eu tomei era de que os sentidos atribuídos à natureza, e à sua preservação, não eram os mesmos.

Ao entender a prática da oferenda como um escândalo (GLUCKMAN, 1963), procurei compreender como diferentes atores posicionavam seus discursos para reivindicar os direitos de uso da natureza ou na sua proibição. Ressalto desde já que embora esses atores tenham sido enquadrados em grupos, não pretendi homogeneizar seus pontos de vistas. Isso foi apenas um meio de descrever como estes atores se viam e eram vistos, principalmente a partir da perspectiva dos membros do Elos, já que minha pesquisa foi centrada nas ações dos seus integrantes.

Meu intuito nesse capítulo foi demonstrar como a ideia de ―natureza‖ era usada como mecanismo de legitimação dos discursos, seja por aqueles que falavam em seu nome, seja por aqueles que construíam sua identidade baseada nela. O esforço de tratar os discursos de forma simétrica foi muito grande, já que eu também partilhava da compreensão de natureza dos ambientalistas. Procurei superá-lo seguindo a fórmula proposta por Da Matta de transformar o exótico em familiar e/ou o familiar em exótico. O esforço, nesse sentido, foi de exotizar a ―natureza‖ e familiarizar-me com as ―oferendas‖ (DA MATTA, 1978).

Para isso busquei compreender como o homem foi durante os séculos modificando sua forma de interagir com o ambiente ao seu redor, mudando sua sensibilidade em relação às plantas, aos animais e às paisagens (THOMAS, 2010). Por outro lado, também foi preciso entender como os atores favoráveis à implementação do Espaço Sagrado da Curva do S entendiam a ligação das religiões de matriz afro-brasileiras com os elementos da natureza, e como esta relação era ressignificada a partir dos discursos que envolviam ―categorias ambientais‖, tais como ―reflorestamento‖, ―sustentabilidade‖, ―ecologia" etc.

A tentativa de articular os ―saberes da conservação com os saberes dos religiosos‖ pelos membros do Elos, revelou-se uma forma bem interessante de pensar como magia-técnica se relacionava na implementação da política pública. Procuro aprofundar essa relação no capítulo 3, indicando a partir da inversão do processo de desencantamento do mundo proposto por Weber, o encantamento da política pública. Nesse sentido, a pesquisa possibilitou pensar como os discursos racionais, característicos do saber técnico-científico por trás da organização dos Estados

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16 Modernos, não excluíram a magia das ações dos representantes do Estado, nem a participação dos não humanos (LATOUR, 1994).

Mapeando as controvérsias sobre a construção do Espaço Sagrado, veremos como os religiosos de matriz afro-brasileiros, representados pelos membros do Elos, valiam-se de estratégias para se serem vistos e ouvidos no espaço público. Desse modo, mais do que pensar na separação Estado e religião dentro de um plano normativo, sigo o caminho proposto por Montero (2009) de pensar como essa ruptura aconteceu em cada contexto. No Brasil, a partir da análise de alguns autores, notaremos que a separação dessas esferas (Estado e Igreja Católica) repercutiu na constituição de novas religiões (MONTERO, 2006, 2009, 2012; VITAL DA CUNHA e LOPES, 2012; GIUMBELLI, 2008).

Mesmo sob a roupagem de ―religião‖, as práticas mágicas características das religiões afro-brasileiras continuaram ativamente presente na sociedade brasileira, como uma forma de construir conhecimentos, que não excluíam as explicações científicas e religiosas (MAGGIE, 1992). Dessa forma, procuro analisar como magia e técnica faziam parte de forma relacional dos argumentos utilizados pelos membros do Elos da Diversidade para legitimarem suas ações frente a outros religiosos dos cultos afro-brasileiros e àqueles contrários à construção do Espaço Sagrado ou do ―uso da natureza‖ para as práticas rituais com oferendas.

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Capítulo 1: “Os orixás não são lentos, eles são caprichosos”: a implementação do “Espaço Sagrado da Curva do S” (Parque Nacional da Tijuca/Rio de Janeiro)

O Elos da Diversidade foi criado com o objetivo de regulamentar uma área cogerida pelo Parque Nacional da Tijuca (PNT), conhecida como ―Curva do S‖, utilizada por religiosos de matriz afro-brasileira para rituais com oferendas. O Elos faz parte de um dos componentes do Programa Ambiente em Ação, da Superintendência de Educação Ambiental da Secretaria do Estado do Ambiente do Rio de Janeiro (SEAM/SEA-RJ), em parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por meio de uma ação de extensão.

O Programa tem por finalidade ―apoiar a construção da sustentabilidade ambiental através da articulação, fortalecimento e implementação de políticas públicas voltadas para questões sociais, culturais e ambientais‖ 10, sendo constituído por três componentes: ―Elos da Diversidade‖, ―Ambiente saudável é ambiente sem homofobia‖ e ―Eixo Campanhas‖. No entanto, o foco do Programa é o Elos da Diversidade, como afirmou um dos seus membros, já que os demais seriam apoio a outras Secretarias.

A meta principal do Elos é ―regulamentar a área na Floresta da Tijuca dedicada a rituais de religiões afro-brasileira‖, assim como construir as ―diretrizes e normas de uso público religioso de áreas protegidas‖11, e ainda, fazer um plano de gestão compartilhada entre o Parque, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, os religiosos que frequentam o lugar e a Academia (UERJ). O projeto conta ainda com o apoio de diversos templos religiosos umbandistas e candomblecistas12.

A seguir, baseada na teoria ator-rede de Bruno Latour (1994; 1997), descrevo como os múltiplos actantes foram se conformando e construindo essa política pública ao longo dos anos, desde 1997, destacando como humanos e não humanos foram se

10 Relatório de Atividades do Elos da Diversidade (2011).

11 Fonte: http://www.rj.gov.br/web/sea/exibeconteudo?article-id=1037765. Acesso em 23 de março de

2013.

12

Associação de Proteção aos Amigos e Adeptos do Culto Afro-Brasileiro (APAACABE), Casa do Perdão, Grupo de Mulheres Yepondá, Hunkpame Azonwane Savaluno, Ilê Asé Alá Koro Wo, Ilê Asé Efon, Ilê Axé D‘Ogum Já, Ilê Axé Xoponã, Ilê Omi Ojuaro, Ilê Omon Legi, Ilê Omolu Oxum, Kupapa Unsaba, Kwegbomy – Doté Dica Ajunsú, Movimento Inter-religioso do Rio de Janeiro (MIR), Omo Aro Cia Cultural, Templo Espiritualista de Jagum, Templo Umbandista Vovó Maria Conga do Congo, Tenda Espírita Caboclo Flecheiro Cobra Coral e União Espiritualista de Umbanda do Brasil.

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18 conectando, interagindo, marcando-se por relações complementares e interdependentes, e produzindo efeitos. Ademais, procuro mostrar os discursos apresentados pelos actantes partir da noção de simetria (LATOUR, 1994), buscando considerar todos os envolvidos no processo em situação de igualdade.

O objetivo, portanto, não é fazer uma periodização13, nem descrever como se constituiu a relação entre religião e ―meio ambiente/ambiente‖ na cidade do Rio de Janeiro, mas compreender como os atores foram se associando até formarem o Elos da Diversidade. Ainda que a trajetória individual de cada um ajude a ilustrar como a relação religião-meio ambiente/ambiente-política vêm se configurando no debate público carioca por diferentes atores. Inicio, dessa forma, apresentando os membros do Elos para mostrar os ―encontros‖ que marcaram as redes tecidas, a partir de relatos e textos das pessoas que participaram/participam desse processo.

1. 1 - Estrutura do Elos da Diversidade: “uma coisa desordenada, mas que tem sua ordem”

O Elos da Diversidade é um dos três eixos do Programa Ambiente em Ação cujo recurso para execução de suas atividades são repassados do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam) 14. De acordo com o site da SEA15, o Programa teve recurso aprovado no valor de R$ 5.505.737,05. A parceria com a UERJ ocorreu, dentre outros motivos, para facilitar a descentralização de recursos, o que daria mais liberdade para movimentação com os gastos nos três projetos.

13 Para maior conhecimento do processo de elaboração do Projeto Espaço Sagrado da Curva do S, ver

Costa (2008) e Nascimento (2006).

14 O Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam) foi criado em 1986,

com ―o objetivo de atender às necessidades financeiras de projetos e programas ambientais e de desenvolvimento urbano em consonância com o disposto no parágrafo 3º do artigo 263 da Constituição Estadual. Os recursos do Fecam – cerca de R$ 300 milhões/ano - são oriundos, dentre outros, de 5% dos royalties do petróleo, atribuídos ao Estado do Rio de Janeiro, bem como do resultado de multas administrativas aplicadas e condenações judiciais por irregularidade constatadas pelos órgãos fiscalizadores do meio ambiente‖. Fonte: http://www.fecam.rj.gov.br/index.php. Acesso em 15 de janeiro de 2014.

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19 As funções dos integrantes do Programa Ambiente em Ação – Elos da Diversidade, descritas a seguir, dividem-se de acordo com os seguintes cargos: Secretário de Estado do Ambiente; superintendente de educação ambiental e coordenadora geral do Programa Ambiente em Ação; coordenadora acadêmica do Programa Ambiente em Ação; coordenador do componente Elos da Diversidade; coordenadora adjunta do componente Elos da Diversidade; coordenadora administrativa; coordenador de logística; coordenador do plano integrado de comunicação; moderadora; articuladores e consultores de comunidades e povos de terreiros; assessor técnico religioso; secretária e produção. Todas as ações descritas do Elos da Diversidade ao longo deste trabalho referem-se ao período de novembro de 2012 a março de 2014.

Os encontros dos integrantes do Elos da Diversidade aconteciam todas as quintas-feiras, às 10 horas, na sala 4006, do Instituto de Geografia da UERJ. Nestas reuniões eram discutidas as etapas a serem executadas seguindo a programação do Elos, elaboradas a partir de um cronograma feito pelos próprios membros. Eram discutidas ainda as produções dos eventos organizados pelo projeto, tais como: organização e material do Programa; logística: transporte e alimentação; balanço dos eventos realizados; mudanças na programação e na orientação do projeto; divisão de tarefas e discussão sobre o andamento da execução das mesmas entre os membros do grupo; as pessoas que serão desligadas ou agregadas ao Elos; informações de reuniões ou eventos que os integrantes participaram; discussão dos materiais produzidos pelos membros; preparação do relatório anual, entre outros.

A coordenação geral do Programa Ambiente em Ação ficava a cargo da superintendência de educação ambiental. A ex-coordenadora geral e ex-superintendente é bióloga e mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pelo EICOS-UFRJ. Escreveu sua dissertação focando os conflitos pelo ―uso público religioso‖ no Parque Nacional da Tijuca a partir da ideia de ―justiça ambiental‖; foi orientada pelo coordenador do Elos e co-orientada pela coordenadora acadêmica do Programa Ambiente em Ação. A ex-superintendente tinha uma relação profissional de mais de 30 anos com o ex-secretário, como foi dito por esta durante um evento promovido pelo Elos. Como presidente da ONG ambientalista Associação Defensores da Terra, participou desde os primeiros encontros promovidos pelo PNT em que foram discutidos a temática das oferendas dentro do Parque. Costumava enfatizar nos eventos que

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20 também era religiosa, como no evento ―Águas Sagradas afro-brasileiras‖, no Dia Internacional da Água:

―A carta pelas águas vai rodar o Rio de Janeiro inteiro e nós estamos atrás de 100 mil assinaturas. Não vou dizer 1 milhão...(risos), mas 100 mil assinaturas pelas águas com os nossos compromissos e com as exigências também feitas ao poder público porque isso significa que a nossa religião está praticando o controle social sobre a gestão ambiental‖ (Ex-superintendente de educação ambiental, 22 de março de 2013 – grifos meus).

O Programa Ambiente em Ação contava ainda com uma coordenadora acadêmica que exercia também a direção do Instituto de Geografia da UERJ. Assim como ex-superintendente, afirmava sua religiosidade em alguns eventos, mostrando que o projeto era marcado por ―encontros‖ e ressaltando o papel da UERJ nesse processo:

―(...) como a [ex-superintendente] falou são os encontros. Eu a encontrei, encontrei o [coordenador do Elos]. Tinha esse Programa que está sob coordenação geral da superintendência de educação ambiental da Secretaria de Ambiente. É um trabalho primoroso; é um trabalho de extensão. E aí que entra a universidade, ela me procurou justamente quando estava no lugar certo, na hora certa, trabalhando já com um tempo com a questão afro-brasileira, estudando... Minha tese de doutorado é sobre a Irmandade da Boa Morte, na Bahia, é onde eu vou buscar também meu axé. Tem também aqui quem me protege, aqui no Rio de Janeiro. Então é uma conjunção de pessoas que estão lutando por uma causa que é justa, por uma sociedade justa, pelo respeito religioso (...). É o respeito que a gente quer. E a universidade, através do Instituto de Geografia, e dentro de um trabalho extensionista, por meio da Sub-reitoria de Extensão e Cultura está transformando a pesquisa, que é esse o papel da universidade (...). Trabalhar com a consciência, educar e seguir para frente porque o Brasil é o país que promete, é o país que tem uma sociedade caminhando democraticamente para ser cada vez mais justa‖

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21 (Coordenadora acadêmica do Programa Ambiente em Ação, 22 de março de 2013).

O coordenador do componente Elos da Diversidade era professor associado da Faculdade de Educação da UFRJ. Segundo este, foi chamado pela própria ex-superintendente para fazer parte do projeto. Embora tenha afirmado ser marxista de carteirinha, disse que sempre gostou de ler sobre religião e teve um contato mais próximo com os grupos religiosos quando esteve na Bahia fazendo ―um projeto ambiental sobre gestão das águas‖. De acordo com ele, um dos objetivos da luta era conseguir ―assento‖ para povos de terreiros no Conselho Estadual de Recursos Hídricos da Bahia e a criação da Carta das Águas, já que existiam muitas nascentes de água dentro dos terreiros.

Apesar de inicialmente dizer que não era religioso, por não ter muito conhecimento do culto, sua postura mudou ao longo do projeto, quando passou a mencionar nas falas públicas sua religiosidade. Para ele, ―ser de Oxalá‖ significava muito para os membros do Elos, já que é o orixá ―branco‖, no sentido do ―princípio gerador, que não pode ser corrompido‖. Dessa forma, além da sua trajetória acadêmica, ressaltava que ―ser de Oxalá‖ era outra forma de compreender sua presença dentro do grupo, colocado pelo próprio orixá a fim de ―fortalecer os direitos do pessoal do povo de santo‖, diante de sua capacidade ―de realização de coisas‖ em troca de proteção.

Em um dos eventos realizados pelo Elos da Diversidade, assumiu para o público presente que ―era do santo‖, deixando os membros do Elos contentes. Na reunião seguinte ao evento, um deles, em tom de brincadeira, disse que ―ele havia tomado vergonha na cara‖, sendo rebatido em seguida por outro membro, ainda em tom de brincadeira, que não se tratava de ―vergonha na cara‖, mas de ―um espaço onde essa linguagem era conveniente, porque se ele fosse falar isso na academia... ele estaria ferrado‖16

.

No início do trabalho de campo, havia o cargo de coordenadora adjunta do Componente Elos da Diversidade, ocupado por uma ex-educadora ambiental do PNT, mas esta deixou o projeto no início do ano de 2014 e ninguém mais ocupou esse cargo.

16 Essa frase expressa o quanto a identidade religiosa afro-brasileira naturaliza os processos

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22 No projeto, o cargo de moderadora era ocupado por uma ex-integrante do Elos do Axé17.

Segundo esta, quando o Elos do Axé virou uma política pública de Estado, uma parte dos componentes foi para o Elos da Diversidade, como ela disse: ―todos nós somos proprietários do Elos de Axé, mas cada um foi para um canto‖. Durante as reuniões costumava relembrar os caminhos do projeto ao longo dos anos, ressaltando suas experiências adquiridas a partir do MIR, no cenário religioso e político da cidade do Rio de Janeiro. Atuava na interlocução do projeto com outros movimentos que tinham como foco a ―liberdade religiosa‖, como a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e o próprio MIR.

O grupo contava ainda com quatro articuladores religiosos, que eram os responsáveis por fazer a mobilização e parceria com outros religiosos, além de fazer contato com os Guardiões do Sagrado e da Natureza. Um deles saiu no decorrer de 2013, um dos motivos discutido pelo grupo era a sua pouca articulação com os guardiões e com outras casas 18. A escolha dos articuladores aconteceu por sugestões dos próprios membros do Elos ou de pessoas ligadas ao projeto.

Os articuladores recebiam um pagamento mensal para a implementação do Espaço Sagrado. Este pagamento era sempre reportado por estes como uma crítica feita ao projeto por outros religiosos. Além do pagamento, a pouca representação da umbanda dentro do Elos da Diversidade, assim como a presença de uma determinada nação19 (Ketu) frente às outras que constituem o candomblé no Rio de Janeiro eram argumentos apontados como desaprovação por parte de outros religiosos. Por isso, buscavam envolver outros grupos religiosos nas atividades e parcerias:

―(...) vamos fazer uma vez por mês uma reunião para tiramos demandas... porque isso é democracia. Então as pessoas vão dizer,

17 Mais adiante explicarei o que foi o Elos do Axé e a sua relação com o Elos da Diversidade.

18 Para Vogel, Mello e Pessoa de Barros, casa de santo é a ―designação do espaço circunscrito que

constitui a sede de um grupo de culto. Costuma chamar-se também de ilê (ketu), roça e terreiro (angola) e, em alguns casos, barracão. Este último termo serve também para designar o recinto onde ocorrem as festas públicas‖ (1998, p.194 –grifos dos autores). A palavra casa durante o texto, portanto, refere-se à casa de santo.

19 De acordo com Vogel, Mello e Pessoa de Barros ―são os grupos que cultuam as divindades

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23 ‗eles estão fazendo o projeto deles lá e não querem que a gente participe...‘ ‗tem uma galera que está desenvolvendo o projeto, que ganha para isso e se eu for à reunião deles tá arriscado colocar para fora‘. Não ter uma reunião com o público alvo... Isso é jogar contra. (Fala de um dos membros durante uma reunião do Elos da Diversidade).

A equipe contava ainda com dois assessores técnicos religiosos, sendo um deles filho biológico de uma das guardiãs. Após a saída de um dos articuladores, houve a inclusão de mais uma pessoa ao projeto – que é filho biológico de uma das articuladoras – para avançar com as atividades referentes às obras do Espaço Sagrado, assim como as conversas com as arquitetas responsáveis e o treinamento dos monitores que iriam trabalhar na Curva do S. Os demais assessores ficariam encarregados das conversas com os funcionários do Parque, com o objetivo de facilitar os trâmites burocráticos.

Um dos técnicos mostrando descontentamento com o desenvolvimento do Programa criticou em alguns momentos a falta de união do grupo, bem como a dificuldade na concretização do Espaço. Para ele, não havia interesse da ―conservação‖ na participação dos ―povos de terreiro‖, nem do governo, por isso o viés de sua luta era a partir da ―cultura‖; tendo em vista que este tema havia virado modinha. Afinal, ―se não fosse assim, [eu] não estaria ali‖.

Outro, mostrando-se em alguns momentos incrédulo quanto à concretização do Espaço diante das regras rígidas existentes dentro das unidades de conservação. Disse em uma das reuniões que aceitou participar desse movimento porque ―já participava no Parque‖ e era ―contra qualquer tipo de racismo‖. Porém, explicou que sua participação no projeto era ―difícil, em alguns momentos, por conta da religião‖ [ele se declarava evangélico], mas que ―as pessoas [precisavam] aprender a conviver‖. Nesse dia, uma das articuladoras mencionou que o fato dele ser evangélico já foi uma situação ―desconfortável‖, mas que este fora aceito pelo grupo porque ―ele foi escolhido‖, tendo ―conquistado seu espaço‖; acreditando com isso ―que um dia ele será instrumento de diálogo com outros segmentos [religiosos]‖.

Este técnico trabalhou no Parque da Tijuca no setor de educação ambiente, e coordenava as atividades para colocação de um gradil na região da Covanca para evitar que alguns grupos evangélicos que frequentavam o local ―subissem o monte‖ por uma

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24 determinada trilha, já que esta dava acesso a ―uma área degradada e que precisava ser recuperada‖. Seu trabalho, portanto, era mapear os grupos que utilizavam o espaço e discutir com estes medidas para a proteção desta área e o culto religioso. Além de ajudar nas conversas com os funcionários do PNT por ter trabalhado muito anos lá.

O grupo contava também com a participação do Conselho Guardiões do Sagrado e da Natureza, constituído por dez sacerdotes de candomblé e umbanda, considerados pelos membros do Elos as mães e os pais de santo20 considerados mais tradicionais da região metropolitana do Rio de Janeiro. Os guardiões não participavam das reuniões semanais, apenas iam aos eventos que eram promovidos pelo Elos da Diversidade. A função deles já foi motivo de algumas discussões nas reuniões, enquanto alguns diziam que os mesmos deveriam participar mais, outros diziam que ―[tinham] que ter os guardiões para [terem] aval dos mais velhos‖ e que não poderiam pedir mais do que isso. A presença destes era vista como legitimadora do projeto e das reformulações das práticas religiosas, principalmente em relação ao ―uso de elementos biodegradáveis‖:

―o fato dos guardiões estarem no Conselho [Conselho de Guardiões do Sagrado da Natureza] que dá respaldo para gente. Então na hora que eles não estiverem participando é um indicador que nós não estamos afinados com a casa. Eu penso assim, a função deles é dar base até mesmo para argumentar conjuntamente. Essas pessoas ajudam a dizer que o projeto é sério (...)‖ (Fala de um membro do Elos da Diversidade em uma das reuniões semanais).

A produção dos eventos ficava sob responsabilidade de uma produtora cultural e uma assistente de produção. Eram elas que organizavam os materiais necessários para os eventos e entravam em contato semanalmente com o grupo por meio de e-mails avisando a pauta da reunião. Também entravam em contato com a coordenação de logística, que conferia a disponibilidade dos motoristas, os carros, verificava a quantidade de combustível e os tickets necessários para comprar os alimentos ou bebidas (suco ou água) para os eventos. A parte financeira do projeto era executada pela

20 Segundo Vogel, Mello e Pessoa de Barros, pai de santo ou babalorixá e mãe de santo ou ialorixá é o

―sacerdote chefe de uma casa de santo. Grau hierárquico mais elevado do corpo sacerdotal, e quem cabe a distribuição de todas as funções especializadas do culto. É o mediador por excelência entre os homens e os orixás (...). Nos candomblés jeje – dote e vodunô; e nos angola – tata de inkice‖ (1998, p.193).

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25 coordenação administrativa, uma de suas funções era fazer as licitações dos materiais necessários para os eventos e atividades do grupo. O projeto tinha ainda uma secretária, uma de suas atividades era entrar em comunicação, por meio de e-mails e ligações com as pessoas, dentre elas, os guardiões; além de arquivar os documentos referentes ao projeto, e ainda ―dar forma‖ junto com a moderadora ao relatório anual de atividades do Programa. A parte de comunicação era feita pela equipe denominada por ―Comunica SEAM‖, que ficava encarregada de preparar e produzir os materiais gráficos e visuais que seriam distribuídos nos eventos, e ainda registrar e divulgar via internet as ações do Elos.

No decorrer de 2013, o projeto passou por uma reformulação e se dividiu em três vertentes, de acordo com a explicação da ex-superintendente: um grupo planejariam as ações e os eventos, estas tarefas seriam feitas principalmente pelos articuladores. Outro grupo pensaria os argumentos jurídicos que iriam estruturar as formulações das diretrizes e normas do espaço sagrado, para isso foi contratada uma advogada; e o terceiro, voltaria às ações para a organização de ―oficinas de práticas religiosas‖, bem como os seminários na Baixada Fluminense sobre como criar espaços sagrados. A reformulação tinha como objetivo voltar o foco para as ―ações de normatização‖ da Curva do S, inclusive pensando a comissão gestora do espaço, e como esta se estruturaria.

Nesse sentido, os encontros organizados com os guardiões serviriam para construir um ―documento técnico-religioso‖ sobre condutas no espaço sagrado, que daria ―base para outro instrumento jurídico, com uma linguagem formal do direito‖. A advogada, portanto, citando o exemplo dado na reunião pela ex-superintendente, deveria relacionar o ―ambiente sagrado‖, ―o próprio discurso de Iemanjá21‖ de se ―levar flores para o mar‖ com a ―questão do lixo, porque tem a crença que Iemanjá leva tudo, por isso pode jogar no mar‖, isto é, relacionar ―os saberes da conservação e da religião‖ a partir de um referencial legal.

A Oficina Técnica, portanto, era vista pelos membros, principalmente pelos coordenadores do Elos, como um dos pontos centrais do projeto. Nessa ocasião pretendiam levar as recomendações dos religiosos, conforme mencionado em uma das reuniões:

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