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Preservar o quê, por que e para quem?: as crenças na força da

Uma das formas de compreender o conflito a respeito da prática da oferenda dentro do PNT era entendendo como se constituíam as ideias de ―natureza‖ e de ―preservação‖ para os diferentes atores que participavam dessa controvérsia. O que preservar? Por que preservar? Qual espaço a ser preservado? O que torna uma planta ou um animal exótico àquele ambiente? Por que determinadas atividades podem comprometer a biodiversidade? São perguntas que ajudam a entender como os argumentos dos atores eram construídos para fundamentar a prática das oferendas dentro do Parque ou a sua proibição, tomando como base a relação do homem com a natureza.

Se identificamos nas falas de alguns funcionários do Parque Nacional da Tijuca e alguns ambientalistas uma visão oposta entre natureza e cultura, onde algumas atividades desempenhadas pelo homem pudessem por em risco toda a diversidade da fauna e flora; por outro lado, os membros do Elos argumentavam que os religiosos de matriz afro-brasileiras necessitavam utilizar as florestas e as cachoeiras do Parque para seus rituais, reforçando uma ideia de aproximação do homem à natureza, seja pela construção de sua identidade, seja pela sua responsabilidade de protegê-la, afinal, ―o orixá é a natureza‖.

Nesse sentido, a forma como era entendida a relação do homem com o ambiente foi interessante para pensar como os argumentos eram utilizados e atualizados pelos atores para defender os interesses dos grupos que utilizam o espaço do Parque Nacional da Tijuca. Dessa forma, veremos que o Parque foi sendo ―sacralizado‖ por diferentes atores, a partir de suas cosmovisões do que seja a natureza e do que deva ser preservado.

2.1 – Natureza (e cultura)

Antes mesmo da constituição da antropologia como ciência, a relação entre natureza e cultura já permeava os trabalhos daqueles que estavam dispostos a explicar o que era ou quem era o ―primitivo‖ ou tempos mais tarde, o ―outro‖ (PEIRANO, 1991), encontrado em terras longínquas. No entanto, os caminhos percorridos por esses intelectuais foram os mais variados e a problematização dessa relação implicou na

59 reformulação teórica e metodológica da disciplina, ―como as vertentes materialistas e simbólicas‖, segundo Barreto Filho:

―Para as primeiras [materialistas], a conduta humana, as instituições sociais e elementos culturais específicos seriam respostas adaptativas a (ou meras expressões de) determinações genéticas e/ou ambientais. Já as segundas [simbólicas], ao enfocar mitos, ritos, sistemas classificatórios e outras dimensões da vida social, tenderiam a entender a ‗natureza‘ como um domínio que emerge de operações e distinções conceituais, implicando os valores e os significados, por meio dos quais cada sociedade se engaja com certa parcela da biosfera. Nas vertentes materialistas, a natureza interna (as necessidades básicas do organismo humano) e a natureza externa (o mundo biofísico) seriam as forças determinantes da vida social; nas simbólicas, a natureza seria uma categoria da cultura, um construto social‖ (BARRETO FILHO, 2012, p.103).

Dessa forma, Barreto Filho demonstrou que o lugar ocupado pela natureza na teoria antropológica era ―ambivalente‖ (2012, p.103), podendo ser distinguida, em pelo menos, três concepções: na primeira, natureza era o ―mundo biofísico‖, que antecede e era externo ao próprio homem, dotada ainda de agência; na segunda, o homem era compreendido como uma espécie animal, portanto, a natureza e cultura seriam inscritas no próprio indivíduo, restaria aos pesquisadores, então, explicar o que era natural e o que social no comportamento do homem; e a terceira concebia que natureza era ―socialmente construída, ou seja, uma categoria de um sistema classificatório ou representação social, e não uma realidade objetiva (exterior e/ou interior) independente‖ (2012, p.104).

O autor explicou que este último entendimento foi aos poucos sendo incorporado pelas disciplinas das ciências humanas, por compreenderem que as duas primeiras, em que a separação entre cultura e natureza estava implícita, não davam contam de entender o modo como os povos não ocidentais se relacionavam com o ambiente em que viviam (BARRETO FILHO, 2012). Como veremos adiante, essas diferentes formas de compreender a natureza (e a relação do homem com esta) influenciaram as correntes de pensamento que nortearam a criação dos parques nacionais, e os debates sobre presença

60 ou não de humanos em seu interior, e como este debate reflete na prática das oferendas dentro do PNT.

Apesar da preocupação sobre a forma como o homem se relaciona com o ambiente em que vive ter ganhado força nas últimas décadas, Thomas demonstrou que essa mudança de atitude não é nova, reportando há alguns séculos. Se antes explorar outras espécies era uma forma de converter natureza em cultura, o autor afirmou que esse sentimento foi se modificando a medida que novas sensibilidades em relação aos animais, às plantas e à paisagem foram se consolidando, e o relacionamento do homem com a natureza foi sendo redefinido (THOMAS, 2010). Se essa ―mudança de atitude‖ tem muito a oferecer aos historiados, como foi dito por Thomas, ―pois é impossível desemaranhar o que as pessoas pensavam no passado sobre as plantas e os animais daquilo que elas pensavam sobre si mesmas‖ (2010, p.20); a mesma se torna fundamental para entender o conflito entre religiosos e ambientalistas a respeito dos rituais com uso de oferendas no Parque Nacional da Tijuca.

Enquanto os religiosos argumentavam, como visto no capítulo anterior, que a natureza era considerada fundamental para a própria continuação da religião; os religiosos eram responsabilizados por alguns funcionários do Parque e por alguns ambientalistas pela possibilidade de impactos ambientais, a partir do uso de ―velas, alguidares de barro51, garrafas de bebida, restos de comida (frango, carne, farofa) e animais vivos (galinha, pombos, cabrito)‖ (PLANO DE MANEJO, 2008, p.265).

Dessa forma, os membros do Elos enfrentavam um desafio de lidar com a ―cultura‖ e com a ―natureza‖ levando em consideração diferentes pontos de vistas em busca de respostas que beneficiassem a ambos os lados. Para entendermos a argumentação dos diferentes atores, é preciso compreender como esses dois termos eram representados e dotadas de sentidos a partir de suas experiências diárias.

Os termos natureza e cultura eram compreendidos por alguns dos membros do Elos da Diversidade a partir de uma relação complementar, onde um não excluía o outro; por isso denunciavam o ―paradigma da disjunção‖ (COSTA, 2011), mostrando que este era fruto de uma construção histórica, em que natureza e cultura foram separadas nos últimos séculos:

61 ―Nos últimos quatrocentos anos, as sociedades do mundo ocidental, do qual fazemos parte, foram se acostumando a pensar a natureza como uma coisa diferente de cultura e exterior ao homem. Ora pensamos a natureza como um lugar onde estão as florestas, os rios, as montanhas, os animais e as plantas, ora como o conjunto de tudo isso. Um mundo criado sem interferência humana. Da mesma forma, a cultura é entendida como algo relativo apenas ao homem, produto dele, criação dele, nada tendo a ver com natureza‖ (COSTA, 2011, p.15).

Além de buscar romper com esse ―paradigma‖, a ex-superintendente procurou demonstrar a relação das divindades das religiões de matriz afro-brasileiras com os elementos da natureza, carregando-os de ―simbolismo e significados‖ (COSTA, 2006, p.66). Em uma das reuniões, a ex-superintendente disse que apesar de o projeto ter sido elaborado desde o início como ―espaço sagrado‖, disse que internacionalmente a nomenclatura utilizada era ―sítio natural sagrado‖. Todavia, para a coordenadora acadêmica, a utilização do termo era adequado porquê:

―(...) é uma questão de escala. Um sítio pode ter espaços, e dentro desses espaços, pode ter distintos territórios, a partir do momento que eles são apropriados sobre a concepção de uma determinada prática cultural. Então, você tem um sítio, escala do sítio sagrado (florestas)... Você vai ter vários espaços sagrados dentro do PNT, de acordo com o uso religioso. E tem territórios marcados por determinadas práticas culturais. No caso da Curva do S é marcadamente um território afro- brasileiro. (...) O território é marcado por uma materialidade e por uma imaterialidade que é dada pelo simbólico. No momento em que um grupo de umbandistas e candomblecistas chegam ali e dizem que a cachoeira é Oxum, ele está colocando a cachoeira como um geossímbolo, porque significou, dotou de sentidos um acidente geográfico, que para um leigo é cachoeira. Para nós, não; é Oxum. (...) Por isso é espaço sagrado porque o espaço entende que você tenha livre circulação; o território entende que não, que existem fronteiras, formas de ação para adentrar naquele espaço que foi territorializado. Essa é a ideia em termos da geografia (...)‖ (Coordenadora Acadêmica

62 do Programa Ambiente em Ação, explicação sobre o uso da categoria ―Espaço Sagrado‖ durante uma reunião do Elos da Diversidade).

Assim, para os membros do Elos, a natureza estaria carregada de hierofanias (ELIADE, 1992), ou seja, de manifestações do sagrado:

―O homem ocidental moderno experimenta um certo mal estar diante de inúmeras formas de manifestação do sagrado: é difícil para ele aceitar que, para certos seres humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras ou árvores, por exemplo. (...) não se trata de uma veneração da pedra como pedra, de um culto da árvore como árvore. A pedra sagrada, a árvore sagrada não são adoradas como pedra ou árvore, mas justamente porque são hierofanias, porque ‗revelam‘ algo que já não é nem pedra, nem árvore, mas o sagrado, o ganz andere‖ (ELIADE, 1992, p.13).

Desse modo, os religiosos reconstruíam a natureza a partir de formas simbólicas, representativas de suas divindades. Como explicou Silveira sobre os Rppnistas52 – cuja análise pode ser estendida aos religiosos do Elos – existia um confronto do saber científico hegemônico sobre a natureza a partir de argumentos de ordem ―afetiva e religiosa‖, atualizando a própria ideia de meio ambiente (2009, p.19).

Já alguns funcionários do Parque e alguns ambientalistas, diante da ―regeneração‖ da floresta tanto da área do Parque quanto seu entorno, não viam a presença humana com bons olhos diante de ―possíveis ameaças‖ à flora e à fauna, por isso, defendiam um modelo de unidade de conservação onde a natureza fosse resguardada de atividades que pudessem comprometer a integridade de seus componentes, como a prática de deixar as oferendas. Apesar de serem acusados pelos religiosos de privilegiarem apenas as atividades de contemplação da natureza e as atividades de recreação, focando principalmente o turismo, tal situação, no entanto, não entraria em confronto com a concepção de parque nacional, nem com seus objetivos, como veremos adiante.

Observamos que diferentes perspectivas marcavam a forma como a natureza era construída e apropriada nos discursos pelos diferentes atores que interagiam no Parque

63 da Tijuca. Diante de diferentes entendimentos de natureza e de seu uso, colocar uma oferenda na mata, ou mais propriamente, no Parque Nacional da Tijuca, poderia ser considerado um ―escândalo‖?

Na concepção de Max Gluckman, sim. O escândalo, para o autor, seria algo que conseguiria ―preservar a unidade, a moralidade e os valores dos grupos sociais‖ (GLUCKMAN, 1963, p. 308), por isso teria ―virtudes positivas‖. O escândalo, dessa maneira, pode ser entendido com uma relação em que uma das partes seria colocada sob ―riscos morais iminentes por atos e palavras‖ (VOGEL; MELLO e PESSOA DE BARROS, 1998, p.147); demonstrando ainda uma pretensão de superioridade de um dado grupo em relação ao grupo escandalizado (GLUCKMAN, 1963, p.314).

Se funcionários do Parque, religiosos de matrizes afro-brasileiras, agentes públicos, professores de instituições de ensino superior, representantes de ONGs ambientais e de órgãos governamentais tinham em comum a preservação da natureza, o ―evento escandaloso‖, isto é, a oferenda nas matas e cachoeiras, evidenciava os pontos de tensão e conflito que permeavam as relações entre esses grupos53. Tal ―evento‖ atingiria os valores dos grupos de matriz afro-brasileira de que a natureza deveria ser utilizada para interação entre os religiosos com suas divindades. Por conseguinte, como propuseram Vogel, Mello e Pessoa de Barros, os valores desses grupos diante do ―evento escandaloso‖ bem como a própria validade destes, passariam a ser questionados em relação ―aos sentimentos e crenças nas quais se fundamentam‖ (1998, p.147).

Diante do ―escândalo‖, Gluckman afirmou que os grupos se uniam de diferentes modos. Primeiramente, eles tentavam mostrar que existia uma história passada em relação ao outro grupo. E em seguida, mostravam que os grupos eram diferenciados, compostos de indivíduos e de outros grupos menores. Nesse sentido, as atores que faziam parte do processo de discussão sobre as oferendas no Parque da Tijuca afirmavam sua identidade religiosa e cultural por meio de histórias sobre a presença de indígenas e escravos no espaço que hoje pertence ao PNT, bem como na diferenciação dos ―religiosos‖ dos ―simpatizantes‖ a partir de um gradiente de poluição.

53 Utilizo a ideia de grupo dada por Gluckman (1989) no texto Análise sobre a situação social na

Zululândia, para mostrar que mesmo que as descrições deem uma aparência de homogeneidade na análise

dos mesmos, os indivíduos que pertencem a estes são motivados por complexas formas de participação e interesses.

64 Ao longo dos anos de criação do projeto para construir um espaço sagrado no Parque, buscou-se dar legitimidade aos rituais religiosos dentro/entorno do Parque a partir da presença, num primeiro momento, dos indígenas que moravam na região e que desenvolviam com aquele lugar uma ―relação sustentável‖, retirando da natureza ―apenas o necessário à sobrevivência‖ (ALVES e PRAZERES, 2006, p. 37). A alteração do ambiente pelo homem, segundo Alves e Prazeres, só começou a partir da chegada dos colonizadores. Estas ocorreram tanto do ponto de vista ―ecológico‖, quanto ―religioso‖; aquele pela ―extração de carvão e plantação de café‖ e este pela construção de ―capelas católicas‖ (ALVES e PRAZERES, 2006, p. 37). Mais tarde, por meio de um projeto imperial, a área do Parque foi reflorestada por negros escravos que viviam nas fazendas de café e cana-de-açúcar presente em toda área atual do PNT:

―Mão de obra escrava nas fazendas de café e cana, o negro esteve intensamente presente na região do Parque. E embora suas práticas culturais fossem reprimidas, desenvolveu estratégias de sobrevivência cultural, através de múltiplas formas. Levou sementes de suas plantas rituais e, paralelamente às missas católicas organizadas pelos fazendeiros, realizava seus cultos e outras formas de resistência cultural. Ainda escravo, colaborou decisivamente no reflorestamento da área. Seus descentes hoje em grande parte vivendo, em favelas no entorno da unidade de conservação e praticantes das religiões da natureza, consideram a floresta um santuário sagrado e local de culto‖ (Trecho da carta enviada ao IBAMA após o I Seminário Educação, Cultura e Justiça Ambienta – grifos meus).

É importante destacar que para os atores que participaram dos debates da criação do espaço sagrado no Parque, os religiosos afro-brasileiros costumavam ser retratados a partir de uma identidade negra/escrava. De acordo com Reginaldo Prandi, até as décadas de 1920 e 1930:

―(...) o candomblé e as demais denominações tradicionais continuavam circunscritas àquelas áreas urbanas em que se formaram em razão da concentração de populações negras, isto é, aglutinação de

65 descendentes dos antigos escravos africanos. Continuavam a ser religiões de negros.‖ (PRANDI, 2003, p. 20).

No entanto, o autor assinalou que com a universalização, isto é, ―quando passou de religião étnica a religião de todos‖ houve a incorporação de pessoas da ―classe média e de uma origem não africana‖ (PRANDI, 2003, p.30). Além disso, o autor observou em sua análise sobre o censo de 200054 ressaltando que apenas 22,8% dos candomblecistas se declaravam de cor negra, e que as religiões afro-brasileiras tiveram a segunda maior média de escolaridade (7,2 anos) em comparação com outras religiões, perdendo apenas para os kardecistas (9,6 anos).

No trecho da carta, podemos observar ainda, na frase em destaque, que a relação dos ―ancestrais‖ dos religiosos com a área do Parque passou por um processo de ressignificação. O reflorestamento das atuais áreas do parque foi um projeto imperial, criado devido às crises de abastecimento de água, embora o trabalho de plantar as árvores tenha sido feito por escravos55 negros.

O reflorestamento, portanto, passou a ser ressignificado pelos atores dentro do próprio discurso ambientalista, por meio de categorias como ―sustentável, reflorestamento, ecológico‖ para mostrar que esses ―ancestrais‖, e atualmente seus descendentes, podem ser incluídos no quadro das pessoas que querem a preservação das florestas e águas; tendo em vista que ―o discurso ambiental torna-se um elemento que vem impor certas restrições a formas tradicionais de apropriação, de uso e de manejo de recursos naturais‖ (MOTA, 2009, p.137).

Além disso, o discurso de reivindicação de um passado de culto pelos indígenas, e, sobretudo, pelos negros escravos nessa região da cidade era corroborado pela falta de áreas naturais para a prática religiosa devido ao intenso processo de urbanização:

54 Reginaldo Prandi afirmou que nos casos das religiões afro-brasileiras, as cifras do censo podem ser

subestimadas já que muitos dos seguidores se declaram católicos ou espíritas (PRANDI, 2003).

55 A Floresta da Tijuca e outros setores que hoje compreendem o Parque Nacional da Tijuca foram

reflorestados inicialmente pelo administrador Manuel Gomes Archer e mais seis escravos (―Eleutério, Constantino, Manuel, Mateus, Leopoldo e Maria‖) diante da necessidade de recuperação dos mananciais da Serra da Tijuca em decorrência das crises no abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro (DRUMMOND, 1997, p.221-222) devido às plantações de café.

66 ―Quando começamos a praticar a religião Umbanda, nós tínhamos imensas regiões para fazermos os nossos rituais. Hoje a comunidade umbandista sente uma forte dificuldade para encontrar um local, uma mata aonde possa efetivamente sentir a força vibratória e a energia da Natureza‖ ([Pai Pedro] MIRANDA, 2006, p.111).

Segundo José Flávio Pessoa de Barros, o projeto modernizador que a cidade do Rio de Janeiro passou no início do século XX, fez com que muitas casas de santo fossem para locais periféricos da cidade. No entanto, afirmou que ―o deslocamento imposto se trouxe algumas dificuldades e problemas (...), [também] reforçou os laços entre homem e natureza (...)‖ (2006, p.94). O autor afirmou que:

―(...) a crença nas formas naturais foi, e continua sendo, a responsável pela reprodução e manutenção de um estilo de pensar e ser, de estar no mundo. O impacto da urbanização não altera significativamente a visão de mundo do povo de santo; pelo contrário, propicia o surgimento de estratégias para a manutenção de seu patrimônio religioso e cultural‖ (PESSOA DE BARROS, 2006, p. 95).

Diante da dificuldade atual de encontrar áreas naturais de livre acesso, já que as áreas que existentes de acordo com coordenador do Elos são unidades de conservação ou propriedades privadas, segundo ele, ―faz com que haja necessidade de se criar normas para o uso das mesmas‖. Nessa direção, os atores empenhados na implementação do Espaço Sagrado passaram a estimular o uso de elementos que causassem ―menos impactos ao ambiente‖, reforçado pelo retorno às ―origens africanas‖ na realização dos rituais:

―Onde tem áreas preservadas são áreas de unidades de conservação, e dentro destas existem normas, o que se pode tentar é criar normas do ponto de vista religiosos que são compatíveis com a conservação. O que nós estamos discutindo: ‗não pode deixar uma louça... porque não a folha?‘ Na África é folha, não existia louça há dois mil anos atrás, por que tem que ser numa louça? Não tinha garrafa... coisas desse tipo que o grupo está discutindo... ‗quanto tempo precisa para ficar ali?‘. Depois a COMLURB pode vir recolher, porque se ficar ali gera

67 alteração do ponto de vista ecológico‖ (Entrevista realizada com o coordenador do Elos, no dia 10 de dezembro de 2012).

Para Prandi (2003), quando as diferentes modalidades religiosas afro-brasileiras deixaram de ser uma religião apenas de negros e incorporaram outras classes sociais, passaram pelo processo designado pelos sociólogos como o ―momento de africanização‖, isto é, movimentos de ―reaprendizado das línguas africanas esquecidas ao longo de um século, a recuperação da mitologia dos deuses africanos, que em parte também se perdeu nesses anos todos de Brasil, e a restauração de cerimoniais africanos‖. Além do abandono de ―símbolos, práticas e crenças de origem católica‖, num processo de dessincretização (PRANDI, 2003, p. 22). A incorporação de elementos biodegradáveis, pretendida pelo grupo, pode ser entendido, nesse sentido, como uma reatualização desse momento, na busca de uma solução para os conflitos dentro de áreas de preservação ambiental, como vemos no Parque da Tijuca. Conforme mencionado pela moderadora do Elos:

―A gente trabalha com o conceito de modernização, então as práticas religiosas tem que ser modernizadas, porque se não modernizar é um crime ambiental e vai ser preso e pagar multa. Então, tem uma coisa que restringe pelo bem comum da sociedade uma prática (...). Há recomendações por conta dos orixás, para as casas religiosas que se

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