Reincidência gestacional um ano após o parto em município do sul do Brasil
Carolina Pitta Maziero1, Márcia Aparecida Dos Santos Silva1, Alexandrina Aparecida Maciel Cardelli2
1 Universidade Estadual de Londrina, Brasil. carol.led@hotmail.com; marcia.s.s@hotmail.com.br 2 Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina, Brasil. macielalexandrina@gmail.com
Resumo: Mesmo com métodos de diversos tipos e o poder de escolha, a reincidência gestacional ainda se faz presente, principalmente na adolescência, onde a educação sobre a sexualidade é vista como um tabu pela sociedade e muitas vezes é ignorado. Esta pesquisa tem por objetivo desvelar a reincidência gestacional um ano após o parto em um grupo de puérperas atendidas na atenção primária em município no sul do Brasil. Trata-‐se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, realizado junto a mulheres que tiveram gestação sucessiva um ano pós-‐parto em município no sul do Brasil.
Palavras-‐Chave:Puerpério, Gravidez, Atenção Primaria.
Gestational recurrence in southern municipality of Brazil
Abstract: Even with methods of various types and the power of choice, gestational recurrence is still present, especially in adolescence, where education about sexuality is seen as taboo by society and is often ignored. This research aims to reveal the gestational recurrence in a group of mothers attended in primary care in a city in southern Brazil. This is a descriptive qualitative study conducted with woman’s who had successive pregnancy one year after birth in the municipality in southern Brazil.
Keywords: Puerperium, pregnancy, Primary Care.
1 Introdução
A gravidez e a maternidade ainda são um desejo expresso pela maioria das mulheres e das famílias brasileiras, porém houve uma queda no número de filhos ao passar dos anos devido a fatores como inserção da mulher no mercado de trabalho e adesão aos métodos contraceptivos. Em 2000, a média de filhos era de 2,39, houve um declínio na taxa de fecundidade no Brasil, indo para 1,72 em 2015 (IBGE, 2015).
O programa de planejamento familiar implantado em Unidades Básicas de Saúde em 1996 também auxilia na decisão de planejar a chegada dos filhos ou para evitar à gravidez indesejada, dando acesso a mulher e/ao seu parceiro métodos de contracepção, trazendo o poder de escolha de ter filhos ou não, diferente de outrora, no qual a gravidez era algo inevitável, o que gerava gestações sucessivas em um curto período de tempo (Ministério da Saúde, 2012).
Além de evitar a gravidez indesejada, o programa de planejamento familiar implica na diminuição da mortalidade materna e infantil, aumentando o intervalo interpartal e assim evitando suas complicações, diminuindo a escolha de métodos cirúrgicos de anticoncepção pelo não acesso aos demais métodos, e possibilita planejar a gravidez ao seu melhor momento em mulheres com doenças crônicas, portadoras do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e cardiopatas (Ministério da Saúde, 2012).
O tempo recomendado de intervalo entre uma gestação e outra é de dois a três anos, devido a mudanças uterina, corpórea e a adaptação endócrina e de órgãos que o corpo da mulher sofre ao receber uma gestação (Organização Mundial da Saúde, 2013).
“Este intervalo (<24 meses) é considerado reduzido para a recuperação das condições que o organismo feminino necessita para um desenvolvimento obstétrico seguro, especialmente na adolescente” (Berlofi, Alkmin, Barbieri, Guazzelli & Araújo, 2006, p.4)
De acordo com Agudelo (2006), a gestação sucessiva em um intervalo menor de dezoito meses implica em 61% o risco da criança nascer com baixo peso e 40% de parto prematuro. Mesmo com métodos de diversos tipos e o poder de escolha, a reincidência gestacional ainda se faz presente, principalmente na adolescência, onde educação sobre a sexualidade é vista como um tabu pela sociedade e muitas vezes ignorada.
Dados da Pesquisa Nacional de Demografia (PNDS) realizado em 2006 no Brasil, revelam que 46% da população não planejou a gestação sendo que 28% desejavam para mais tarde e 18% foram indesejadas (Ministério da Saúde,2008).
É importante desvelar o que propicia gestações sucessivas não planejadas com intervalo interpartal curto, menor que dois anos, devido ao alto potencial de complicações como prematuridade e baixo peso ao nascer. Considerados problemas de saúde pública que envolve aspectos sociais, econômicos e pessoais causando impacto profundo na família após a vinda de outro filho.
No entanto o assunto reincidência gestacional atualmente está voltado diretamente para a adolescência, sendo pouco pesquisado a sua implicação na fase adulta que também apresenta um percentual significativo de sucessivas gestações. Apreciando a relevância do tema abordado e considerando a baixa de produção científica do assunto em faixa etária diversificada, esse estudo tem por objetivo desvelar a reincidência gestacional em um grupo de mulheres jovens adultas, um ano após o parto atendidas na atenção primária em município no sul do Brasil.
2 Método
Trata-‐se de um estudo descritivo-‐exploratório com abordagem qualitativa, realizado junto a realizado junto a mulheres que tiveram gestação sucessiva um ano pós-‐parto em município no sul do Brasil. A coleta de dados teve início em março de 2016, e ainda esta em curso devido à dificuldade de localização das participantes, sendo apresentando nesse estudo resultados parciais. As mulheres abordadas pelo pesquisador foram previamente convidadas, informada e esclarecida sobre o estudo. Foi realizada uma entrevista constituída de um formulário semiestruturado contemplando aspectos sócio demográficos, histórico obstétrico e perguntas norteadoras, sendo as falas das mulheres gravadas e posteriormente transcritas na íntegra. As perguntas norteadoras foram relacionadas à ocorrência da gestação, vida pessoal da mãe com os filhos e da gravidez.
O método adotado foi de análise conteúdo de Bardin (2011), utilizando as fases da análise que giram em torno de três pólos: A pré-‐análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Para análise dos dados foi realizado a transcrição das gravações das falas na íntegra, a fim de uma apreciação mais clara ao questionamento das perguntas.
A exploração do material que é a identificação do material e unidades de registro e a categorização dos elementos foi realizada através da leitura, disposição das falas e categorização das mesmas. Na última etapa foi realizado o tratamento dos resultados, dado ênfase na interpretação dos dados e falas colhidas, analisando o contexto pessoal, usando análise reflexiva e crítica.
Visando compreender o meio, ações e fatores que levaram e que predispõem a reincidência gestacional, além de explorar os desejos para o futuro das mulheres entrevistadas, foram criadas duas categorias para analise dos resultados primeira categoria planejamento reprodutivo, segunda categoria experiência da reincidência gestacional.
3 Discussão e Resultados
Caracterização da população
Considerando que a coleta de dados dessa pesquisa ainda ocorre devido as dificuldade de contato com a população elencada, ressaltados que os dados apresentados serão parciais. O presente estudo contempla a participação de duas mulheres jovens adultas, escolaridade entre 4 a 11 anos. Em relação ao histórico obstétrico a média de gestações foi de 8,5 por mulher e média de aborto foi de dois abortos por mulher.
A classe social se concentrou na categoria C segundo a classificação da ABEP que corresponde a uma média de renda de 726 reais a 1.195 reais. Pare se referir as participantes em suas falas será utilizado a letra M com sequência numérica crescente, por exemplo: M1, M2.
Planejamento Reprodutivo
A análise do planejamento reprodutivo se deu após avaliação crítica e reflexiva de duas perguntas norteadoras principalmente: “Planejou a gestação?’’ e ‘’O que você entende sobre planejamento familiar?”. Ao abordar o tema da gestação reincidente, a resposta de ambas foi que o filho não foi planejado. A entrevistada M1 usava método contraceptivo de barreira -‐ preservativo masculino, porém de forma irregular e inadequada. A M2 relatou que estava em uso correto de anticoncepcional injetável trimestral, e que a gestação também não estava em seu planejamento do momento.
“Esse último que eu to? Não. Levei um susto, viche. Tava esperando a carta pra laqueadura, tava demorando (risos), né Cleiton? Nós não planejamos nem nada. Olha aí o último, tem um ano, nem anda.” M1, 27 anos. Esperando seu sétimo filho.
Segundo PIERRE, Luzia Aparecida et al. 2010, o planejamento familiar além da disponibilidade dos métodos contraceptivos para a população, é necessário diálogo com a sociedade, sejam eles homens, mulheres e/ou casais, realizando promoção da saúde sexual e reprodutiva, fazendo-‐os interagir com suas escolhas, o que vem sendo uma estratégia difícil do planejamento familiar. Quando questionadas sobre o que elas entendiam sobre o planejamento, as duas entrevistadas voltaram o significado apenas ao método contraceptivo cirúrgico – laqueadura, na qual era necessário requerer com documentos na Unidade Básica de Saúde, e que ambas já tinham dado início ao processo pelo menos alguma vez desde o início de sua vida reprodutiva, no qual não chegou a dar certo, porém ainda expressavam o extremo desejo pela cirurgia.
“Não sei, pra mim foi só pra que nem pra fazer aquele papel pra poder operar e essas coisas. Bem que eles podiam operar logo na mesma hora né, quando a gente ganha no parto, mesmo no parto normal né, já fazer a laqueadura. Eu fiz duas vezes o pedido.” M2, 33 anos. “Ah é aquele negócio né? Da cirurgia pra não ter mais filho, do postinho.” M1, 27 anos.
Segundo Prietsch, Gonzalez-‐Chica, Cesar e Mendoza-‐Sassi (2011) em sua pesquisa com mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por seguros de saúde privados e particular, 65% das gestações não foram planejadas, o que demonstra necessidade de estratégias para mudar essa realidade, promovendo o planejamento e o desejo da chegada do filho ao seu melhor momento.
Experiência da reincidência gestacional
Os sentimentos em relação a engravidar novamente foram aludidos como medo e que a experiência não foi considerada boa ou satisfatória. Os relatos estão voltados principalmente para a dificuldade de cuidados com os filhos no dia a dia, proclamada como difícil e desgastante, ocupando todo o tempo do dia. Mostra-‐se nas expressões das falas que o não planejamento da gestação influenciou diretamente para ser uma experiência negativa.
“Ah, medo! Medo de ganhar, de cuidar, de passar assim tipo, ai vou ter que ficar acordada
porque nenezinho dá trabalho, cresce dá trabalho, se machuca, se rala, tendeu? Tive isso.“
M1, 27 anos, esperando seu sétimo filho.
“Experiência nada boa. Nada boa. Porque aquela ali mesmo (aponta para sétima filha) eu fui descobrir ela já tava de seis meses.” M2, 33 anos.
Já sobre a experiência de parir novamente em um curto período de tempo, as duas entrevistadas não relataram dificuldades, mostrando-‐se indiferentes ao ato ou relativamente igualitário ao das antigas gestações. A segunda entrevistada relatou que teve início de parto prematuro que não chegou a acontecer, porém necessitou de repouso por semanas, o que também representou figura negativa.
“Quando veio tava de sete meses essa ai ainda começou a me dar trabalho, querendo nascer
um pouquinho antes do tempo, tive que ficar muito tempo parada, então não foi uma experiência muito boa ter engravidado logo em seguida.” M2, 33 anos.
Conclusão
Considerando a importância e o grande evento que é a chegada de um novo filho, trazendo repercussões econômicas, sociais e de saúde, se faz relevante o ato de realizar o planejamento familiar efetivo. Prosseguindo com educação sexual antes do início da vida reprodutiva, e após o desenvolvimento da mesma, incluindo o evento do pós-‐parto aonde se ressalta a necessidade da abordagem ao planejamento familiar prevenindo as complicações morbimortalidades maternas infantil. Salientamos também a necessidade do empoderamento da mulher, visando maior acesso e decisão no uso dos métodos contraceptivos, precavendo gestações sucessivas e não planejadas.
Referências
Agudelo, A.C. (2006). Birth Spacing and Risk of Adverse Perinatal Outcomes. Journal of the American
Medical Association, JAMA. Estados Unidos. Disponível em:
http://jama.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=202711
Atenção ao pré natal de baixo risco (2012). Normas e Manuais Técnicos Cadernos de Atenção Básica, n° 32. (1ª ed.). Ministério da Saúde. Brasília.
Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. Brasil: Edições 70.
Berlofi, L. M. et al. (2006). Prevenção da reincidência de gravidez em adolescentes: efeitos de um Programa de Planejamento Familiar. Acta paul. enferm., 19(2), 196 200. [online]. Disponível em
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (2008). Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, 2006. Brasília: Ministério da Saúde.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Taxa de Fecundidade Total Brasil 2000 a 2015. IBE,
Projeção da População do Brasil, 2013. Disponível em:
http://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/taxas-‐de-‐fecundidade-‐total.html
Luciana M. B., Eloísa L. C. A., Márcia B., Cristina A. F. G., & Fábio F. A. (2006) Prevenção da reincidência de gravidez em adolescentes: Efeitos de um Programa de Planejamento Familiar.
Acta paulista de enfermagem. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-‐21002006000200011
Luzia A. S. P. & Maria J. C. (2010). Planejamento familiar em Unidade de Saúde da Família. Revista
Latino Americana de Enfermagem. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n6/pt_17.pdf
Prietsch, S. O. M., Gonzalez-‐Chica, D. A., Cesar, J. A., & Mendoza-‐Sassi, R. A. (2011). Gravidez não planejada no extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cad. Saúde Pública,
27(10), 1906-‐1916 [online]. Disponível em
http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/3564/Gravidez%20n%C3%A3o%20planejada%20 no%20extremo%20Sul%20do%20Brasil%20preval%C3%AAncia%20e%20fatores%20associados.
pdf?sequence=1
Silvio O. M. P., David A. G. C., Juraci A. C., & Raúl A. M. S. (2011) Gravidez não planejada no extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro.
Disponível em:
http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/3564/Gravidez%20n%C3%A3o%20planejada%20 no%20extremo%20Sul%20do%20Brasil%20preval%C3%AAncia%20e%20fatores%20associados. pdf?sequence=1