• Nenhum resultado encontrado

Estudar o degredo é compreender também um povo, uma legislação, uma ordenação social, uma expressão cultural coletiva.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Estudar o degredo é compreender também um povo, uma legislação, uma ordenação social, uma expressão cultural coletiva."

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

A apropriação do degredo e/ou do degredado português para o Brasil Colonial (XVI-XIX) pela historiografia do século XX e XXI para a construção de uma sociabilidade

brasileira*

Raick de Jesus Souza

Resumo: O objetivo fulcral deste trabalho é analisar a apropriação do degredo e/ou degredado

português para o Brasil colonial (XVI ao XIX) pela historiografia brasileira entre o início do século XX até a contemporaneidade, enfatizando o processo de desenvolvimento da disciplina História no Brasil. O degredo e os degredados são corriqueiramente evocados para explicar determinados elementos representativos da História do Brasil colonial. O procedimento metodológico será apresentar como os historiadores de ofício valeram-se do degredo e/ou degredados para caracterizar o período colonial, enfatizando quais eram as fontes e os procedimentos metodológicos adotados para promover a suas respectivas críticas. A primeira obra analisada foi a de João Capistrano de Abreu (1907), Capítulos de História Colonial, nela o autor analisa o degredo, mas não faz dele um de seus objetos específico. Emília Viotti da Costa (1956), Primeiros povoadores do Brasil: o problema dos degredados foi um dos primeiros trabalhos a investigar especificamente o degredo e o problema do degredo para a colonização do Brasil para a construção de uma sociabilidade. Como sinaliza João Fragoso (2014) na apresentação da primeira obra da coleção Brasil Colonial, a História como disciplina e como campo do conhecimento a partir da década de 80 do século XX começou a ampliar-se pelo território nacional brasileiro, com o aumento na oferta dos cursos de graduação e pós-graduação em História, possivelmente também as investigações históricas. É provável que a visitação a História do degredo e/ou do(s) degredado(s) esteja inserido nesse processo, interessa-nos pontuar como está sendo feita a apresentação destas categorias e quais são as críticas a elas imputadas. Uma vez que, o degredo e/ou os degredados passaram a serem abordados de forma específica pela historiografia nacional, comumente associados à construção da sociabilidade do Brasil colonial.

Palavras-chave: Historiografia brasileira. Degredo e/ou degredado. Brasil colonial.

Sociabilidade colonial.

Introdução

O degredo era uma pena legal, existente em diversos códigos jurídicos Europeus desde a Alta Idade Média. O degredo encontrava-se presente na Historia de Portugal, desde a conformação do reino. Os códigos jurídicos modernos de Portugal (Ex.: Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) previam o degredo como penalidade para diversos delitos. O primeiro relato que temos sobre a prática do degredo português para o que hoje compreendemos como Brasil encontra-se na carta de Pero Vaz de Caminha endereçado ao Rei de Portugal, então D. Manuel III, narrando à viagem inaugural de Pedro Alvarez Cabral em 1500.

(2)

É sabido que a prática de degredar portugueses para o Brasil colonial durou todo o período em que predominou a hegemonia política portuguesa sobre terras brasílicas. Sendo assim, o degredo português para o Brasil colonial pode ser datado de 1500 até 1822.

Contribuir para a compreensão de como os historiadores de ofício e outros profissionais das ciências humanas vêm se apropriando do degredo e/ou dos degredados portugueses para a composição do quadro social brasileiro é de extrema relevância, uma vez que, esse é um tema extremamente delicado, já que o senso comum elegeu o degredo e/ou os degredados como tendo exercido influência crucial na conformação do caráter nacional. Tornou-se bastante comum elencar os degredados que desembarcaram no território brasileiro como a gênese de uma suposta moral corrompida inata ao povo brasileiro. Assim, é bastante válido analisar a visão dos profissionais da História com relação a esses condenados.

Interessa-nos aqui compreender de forma sucinta como os historiadores de ofício a partir da primeira década do século XX até a contemporaneidade têm se apropriado do degredo e/ou dos degredados para a composição do quadro social dos colonizadores portugueses que se instalaram no Brasil Colonial durante o período no qual predominou a hegemonia política portuguesa sobre esse vasto território.

Estudar o degredo é compreender também um povo, uma legislação, uma ordenação social, uma expressão cultural coletiva.

Na primeira parte discutiremos a historiografia colonial brasileira da primeira metade do século XX e sua apropriação do degredo e/ou dos degredados portugueses, na segunda parte discutiremos a historiografia da segunda metade do século XX e por fim, mas não menos importa a historiografia referente aos primeiros anos do século XXI.

A historiografia colonial brasileira do degredo e/ou dos degredados portugueses para o Brasil colonial durante a primeira metade do século XX

Ao trabalhar com a historiografia do degredo e/ou dos degredados, achamos necessário pontuar aos leitores algumas das características acerca dessas categorias de analises para facilitar a compreensão sobre o assunto: a) primeiramente, os degredados

(3)

portugueses, são numericamente inferiores a quantidade de homens livres e escravos que se deslocaram da Europa e da África para a “colônia” portuguesa no hemisfério sul durante todo o tempo que durou a hegemonia política portuguesa; b) os indivíduos pertencentes a este grupo minoritário eram oriundos de algumas regiões da Península Ibérica, quando não se encontravam em uma das partes qualquer do Império, seja no Ocidente ou no Oriente, além de pertencer a diversas estratificações sociais, étnicas e de gênero; c) o degredado faz parte de um largo movimento de migração forçada para o novo Mundo.

É importante nos indagarmos a priori qual é a relevância do estudo da história colonial brasileira para a sociedade contemporânea. Em seguida, questionar qual é a relevância do estudo do degredo para a compreensão do quadro social da colônia.

O historiador deve valer-se dos indícios do passado para buscar compreender os dilemas enfrentados pela sociedade na sua contemporaneidade, porém, é necessário realizar uma análise crítica dos indícios produzidos, compreendendo as suas idiossincrasias e contexto no qual foram produzidos. É preciso matizar as fontes, para percebermos a sua complexidade e não incorrer em uma análise por demais simplista.

A história do Brasil colonial está diretamente ligada à historicidade do degredo português. Em alguns dos trabalhos analisados aqui, o degredo e/ou os degredados aparecem explicitamente em seus títulos, já em alguns outros só é possível a sua identificação a partir da leitura completa de sua narrativa.

Durante boa parte das produções sobre o degredo e/ou os degredados portugueses realizadas anteriormente ao período relativo à segunda metade do século XX, o degredo e/ou os degredados foram apropriados apenas indiretamente pela historiografia, não sendo tema específico de nenhuma investigação histórica.

Em Capítulos de História Colonial (1907) o degredo e/ou os degredados apenas aparece indiretamente. O objeto fulcral de interesse de Capistrano de Abreu era compreender o processo de consolidação da colonização portuguesa, a partir da interiorização das fronteiras do Império português e consequentemente a conformação da identidade nacional.

Capistrano de Abreu (1907), e antes dele diversos outros, afirmava, já no seu trabalho aqui analisado que a legislação portuguesa era caracterizada por uma rudeza extremada. De

(4)

acordo com Maristela Toma (2002), Capistrano de Abreu não só deve ser destacado como um dos primeiros investigadores que se preocupou em ressaltar a importância do degredo, como também por ter sido um dos primeiros que os apreendeu enquanto “modelo”, “espécie de núcleo gerador no período inicial da colonização”. “[...] partindo da premissa de que a legislação portuguesa da época caracterizava-se por uma rudeza extremada, o autor reafirma, como já fizera Varnhagen, a necessidade de se repensar os moldes em que o senso comum dos séculos posteriores enquadrou o degredo”. O autor encontra-se alinhado com um movimento que caracterizou o degredo português para o Brasil como uma medida opressora, de um Estado secular e moralizador. Mesmo o degredo não tendo sido um de seus objetos específicos de investigação, é notório a importância atribuída a esses indivíduos no processo de colonização ibérica do Novo Mundo.

Com relação ao objeto de investigação do trabalho Retrato do Brasil, de Paulo Prado (1927), Carlos Augusto Calil (2012) é quem irá elaborar “um retrato implacável” para fazer uso da expressão utilizada pelo último autor. Segundo Calil, “o desafio que [Prado] enfrentava com sua segunda obra era o de sustentar uma tese – a permanência da tristeza como traço do caráter brasileiro” (2012, p. 7). O projeto de Paulo Prado foi pensar o Brasil a partir de seus traços sociológicos, a tristeza, a luxuria, a cobiça etc.. A inspiração para a produção de Retratos ocorre no Brasil e na Europa, como o próprio Paulo Prado irá apontar em diversas ocasiões.

Paulo Prado, valendo-se quase do mesmo repertório de representações que o autor anterior, foi mais além em sua caracterização e avaliou a influência dos degredados na construção do caráter nacional do brasileiro. O segundo assumiu um tom muito mais pessimista que o primeiro e caracterizou esses indivíduos como “escuna turva” da Velha civilização, mesmo tom pessimista adotado com relação aos degredados por diversos de seus antecessores, contemporâneos e mesmo posteriores. Prado, que não avançou com relação às representações consultadas sobre os degredados pintou um quadro verdadeiramente dantesco para a atuação dos degredados no seio da sociedade colonial.

Gilberto Freyre que publicou sua obra Casa Grande & Senzala nos idos de 1933, seu objetivo era compreender os traços sociológicos da família patriarcal brasileira e como ela incidiu sobre a conformação da sociabilidade brasileira. Seu foco de interesse era a família

(5)

patriarcal brasileira formada a partir do contato cultural entre portugueses, africanos e indígenas.

Gilberto Freyre, também não se aprofundou em sua obra acerca das representações sobre o degredo e/ou degredados. Assim com Capistrano de Abreu e Paulo Prado identificou nos degredados um embrião do processo colonizatório. Concordando mais com o primeiro e discordando mais com o segundo com relação ao perfil sociológico desses indivíduos. Freyre chegou indiretamente afirmar que o degredo era fruto de um Estado opressor e cioso por organização e controle da ordem. Discutindo abertamente com um de seus contemporâneos, chega mesmo afirmar que os degredados de menor crime foram aqueles que vieram povoar o Brasil. Sua filiação ao grupo que identifica nos degredados um núcleo colonizador se restringe a apresentar apenas os aspectos positivos desse processo, tal qual era a produção de filhos sadios e adaptados ao meio social de origem.

Lembremos rapidamente do trabalho de Hélio Viana ainda na primeira metade do século XX que chamava atenção para a escassez de uma investigação sobre a temática dos degredados. Viana se esforçou para mapear na historiografia brasileira a temática.

A historiografia colonial brasileira do degredo e/ou dos degredados portugueses para o Brasil colonial durante a segunda metade do século XX

Emília Viotti da Costa (1956) foi uma das pioneiras na investigação sobre o degredo e/ou os degredados portugueses para o Brasil. Em seu celebre trabalho Primeiros povoadores do Brasil, vemos o degredo constituir-se enquanto objeto específico de investigação histórica. O objetivo de seu trabalho é historiar os dois primeiros séculos de colonização europeia, pondo em relevo a atuação dos degredados na conformação da sociedade colonial. Foi também um dos objetivos centrais da autora a análise da legislação vigente no período para a compreensão histórico-social do degredo e dos indivíduos que cruzaram o Atlântico rumo ao Brasil. Este texto, publicado em 1956 na Revista de História da USP, foi fruto de uma conferência proferida pela autora um ano antes na Sociedade de Estudos Históricos.

Emília Viotti (1956) realizou uma investigação sobre a historiografia do degredo e/ou dos degredados. Os trabalhos de Viotti da Costa e Viana são percussores e estão na origem da

(6)

consolidação/elevação de um “novo” objeto de investigação da pesquisa histórica colonial brasileira: o degredo e/ou os degredados. Viotti da Costa que analisou mais detidamente as Ordenações filipinas mostrou ter uma enorme erudição, bem como o conhecimento de um diversificado repertório de representações sobre o degredo colonial português para o Brasil. O trabalho Viotti da Costa está entre os primeiros a se preocupar com a historicidade do degredo colonial brasileiro.

Geraldo Pieroni, em sua dissertação de mestrado apresentada em 1991 no programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal da Bahia teve como objeto de investigação os degredados portugueses para o Brasil colônia. O objetivo de Pieroni foi historiar a origem do degredo: desde os antigos coutos de homizios; na especificidade do degredo português na época do expansionismo geográfico, econômico e cultural; nas legislações do Reino e nos seus processos criminais; nos Regimentos da Inquisição e nos vários delitos infamantes ou não, que trouxeram para o Brasil dezenas de milhares de degredados; nos ciganos portugueses deportados; como chegaram e o que fizeram na Colônia todos estes excluídos da sociedade portuguesa que aqui vieram purgar seus crimes, mas que mantinham os olhos fixados na Metrópole. Esse estudo iluminou a historicidade do degredo nos códigos jurídicos e nos processos criminais do reino português, pondo em relevo as mentalidades que durante o período colonial permeavam o imaginário metropolitano e da colônia.

Pieroni (1991) afirmou que foi o estudo do emérito Tales de Azevedo, O povoamento da cidade do Salvador, quem primeiro lhe tangenciou para a temática da colonização do Brasil, especificamente o capítulo a “macha do povoamento”. O contato com a obra do último, Pieroni teve acesso quando ingressou no curso de pós-graduação da UFBA. O passo seguinte foi cotejar a bibliografia sobre o assunto. A partir daí a história do degredo português e a atuação dos degredados portugueses no Brasil colonial tornou-se seu objeto de investigação e projeto de estudo. A temática do degredo e/ou dos degredados ainda fez parte de diversos outros trabalhos realizados por Pieroni. Um dos mais expressivos, talvez seja a sua tese de doutoramento, defendida na França no final da década de 90 do século XX e publicada aqui no Brasil em 2000 com o título, Os excluídos do Reino: a Inquisição portuguesa e o degredo para o Brasil Colônia.

(7)

Outro trabalho de fôlego sobre o degredo colonial português foi a tese de doutoramento de Timothy J. Coates, publicada em Lisboa em 1998 pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses com o título Degredados e órfãs: colonização dirigida pela coroa no Império português, 1550-1755. No ano seguinte, em palestra proferida nas dependências da Universidade de Brasília com o título Degredados e órfãs do Império Português, o autor discutiu de forma suscita os principais resultados de suas pesquisas.

Desde o trabalho de Viotti da Costa em 1955 até o surgimento de Vadios, heréticos e bruxas ..., em 1991, houve alguns outros empreendimentos que direta ou indiretamente abordaram o degredo, exemplo claro do que estamos falando são os trabalhos de Charles Boxer, Laura de Mello e Souza (1986, 1993), e Ronaldo Vainfas (1989).1

O trabalho de Geraldo Pieroni (1991) será o primeiro de uma nova safra sobre os estudos do degredo e/ou dos degredados. O autor valeu-se das diversas representações jurídicas do degredo e à luz da história das mentalidades tentou historiar o degredo colonial português para o Brasil, iluminando de forma brilhante uma história penal a partir da legislação. Seu trabalho de doutoramento defendido no final da mesma década na França é o esforço em avançar na discussão e propor uma história do degredo colonial português para o Brasil durante o período em que predominou a hegemonia política sobre este vasto território. Há entre os trabalhos de 1991 e de 1996 uma linearidade na construção histórica e ao mesmo tempo um amadurecimento profissional na forma de ler e representar o degredo colonial.

Mesmo cuidado adotado por Timothy Coates em seu trabalho de doutoramento defendido em 1998 e rapidamente apresentado aqui no Brasil no ano seguinte. O autor valeu-se de fontes heterogêneas, e valeu-seu recorte privilegiou o degredo português para a Ásia, mesmo afirmando ao longo de toda a sua narrativa a compreensão de um império integrado, que interligava os territórios situados na Europa, na América, na África e na Ásia. Coates valeu-se das documentações produzidas pelo aparelho administrativo-burocrático do Império, bem como fontes religiosas. De acordo com Maristela Toma (2002), é possível afirmar com relação à Coates que, “o degredo é [...] um sistema sofisticado que resultou de um conjunto de ações da Coroa, que soube operar com maestria as várias facetas do universo jurídico”. O

(8)

mesmo autor chamava atenção para as lacunas existentes na historiografia nacional brasileira sobre os degredados ciganos e cristãos-novos para o Brasil colonial.

A historiografia colonial brasileira do degredo e/ou dos degredados portugueses para o Brasil colonial durante os primeiros anos do século XXI

Maristela Toma apresentou em 2002 no programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Campinas a dissertação de mestrado intitulada, Imagens do Degredo: História, legislação e imaginário (a pena de degredo nas Ordenações Filipinas) e o objeto de investigação da autora foi à memória, a historiografia e a historicidade do degredo português para o Brasil colônia. Sua dissertação foi orientada pelo Prof. Dr. Paulo Celso Miceli. O trabalho de Toma (2002) é a fortiori até o presente momento a mais detalhada e extensa análise historiográfica da pena do degredo para o Brasil colonial durante a hegemonia política portuguesa.

Maristela Toma (2002) é quem irá realizar o mais demorado e bem elaborado estudo sobre a historiografia, a legislação e a memória do degredo colonial português para o Brasil. Amparada em uma extensa bibliografia sobre a temática e na análise da legislação Filipina de 1603, a autora caracterizou o degredo como uma expulsão penal, distinta em sua natureza e em suas premissas de qualquer outra forma de expulsão penal praticada na história. Esse caráter excepcional se daria a partir de uma dupla especificidade: ora funcionava para afastar o “criminoso” do reino cioso de organização e, por outro lado, o seu aproveitamento em proveito dos interesses do Estado, tal qual era a política de povoamento das fronteiras do Império. No caso Português a sua longevidade seria consequência de seu caráter camaleônico, se adaptando às novas circunstâncias vividas pelo Império.

Retomando a discussão sobre a relevância dos degredados na conformação da sociedade colonial, Ronaldo Vainfas (2014) vem rediscutir algumas das trajetórias dos primeiros degredados e atribuir a esses personagens um papel de relevo no processo de expansão da fronteira lusa, juntamente com outros grupos sociais. Vainfas que de forma coerente evita criar um arquétipo para representar este grupo, ilumina aspectos da trajetória de

(9)

personagens como Afonso Ribeiro, único degredado identificável da carta de Pero Vaz de Caminha.

Experiências coletivas ou individuais, o fato é que a historiografia colonial brasileira há pelo menos 60 anos consolidou o degredo e/ou os degredados enquanto objeto específico de investigação, dotado de uma historicidade própria e possível de ser acompanhada a partir das diversas representações disponíveis. Adotamos aqui a concepção de História enquanto um campo científico, dotado de dispositivos teórico-metodológicos para o tratamento de seu objeto de análise, “o homem no tempo e no espaço” e tudo que advém dele.

A nossa última, mas não menos importante investigação historiográfica analisada foi o capítulo, A tessitura dos sincretismos: mediadores e mesclas culturais de Ronaldo Vainfas, publicado em 2014 na coleção O Brasil Colonial, organizado por João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa. Neste capítulo, o autor pôs em relevo a mediação dos náufragos e dos degredados portugueses na construção da sociedade colonial brasileira. O objetivo do autor foi sustentar a hipótese de que os degredados foram mediadores culturais responsáveis pela interiorização das fronteiras portuguesas na América, assim como outros agentes, tais quais os mamelucos, os jesuítas etc..

O autor que de forma brilhante apresentou alguns dos exemplos destes mediadores culturais degredados para o Brasil durante o primeiro século de colonização, nos oferece uma rica discussão sobre os papeis sociais empreendidos por esses indivíduos e até que ponto é válida a afirmativa de que estes foram promotores da conformação de uma sociabilidade brasileira.

Considerações finais

Valiosos trabalhos foram produzidos nacionalmente e internacionalmente sobre o degredo colonial português como vimos. Ficou bastante explicito a partir da leitura dos autores aqui analisado que o degredo está longe de se esgotar enquanto tema de investigação, sendo possível afirmar que grande parte da sua historicidade ainda não foi explorada pela historiografia. A partir da história sócio-cultural, em especial nos valendo da concepção de “representação” e história enquanto “narrativa do real”, compreendemos como no seio da

(10)

historiografia brasileira, temas foram sendo construídos, exemplo: o degredo e/ou os degredados, que há bastante tempo se consolidou enquanto objeto específico de investigação histórica. A maior dificuldade para sua investigação parece ainda residir no fato de que muitas das fontes consideradas cruciais e produzidas durante o período (séc. XVI-XIX) encontram-se nos arquivos europeus. Esperamos que a safra de trabalhos sobre o nosso passado colonial, em especial sobre temas antes pouco enfatizados, tornem-se constates no cenário da historiografia brasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial, 1500-1800 / J. Capistrano de Abreu. – 7. ed. rev. Anotada e prefaciada por José Honório Rodrigues. – Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Publifolha, 2000.

CARDOSO, Ciro Flamarion.; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e

metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

CHARTIER, Roger. O mundo como representação. São Paulo: Estudos Avançados, 1991, p.

173-191.

COATES, Timothy. Degredados e órfãs: Colonização dirigida pela Coroa no Império

Português, 1550-1755. Lisboa: Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, 1998.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime

patriarcal. São Paulo: Global, 2013.

PIERONI, Geraldo. Vadios, heréticos e bruxas: os degredados portugueses no Brasil - Colônia.

UFBA: Salvador, 1991.

PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira / Paulo Prado; organização Carlos Augusto Calil- São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

(11)

TOMA, Maristela. Imagens do degredo: História, legislação e imaginário (a pena de degredo nas Ordenações Filipinas). Unicamp, São Paulo, 2002.

VAINFAS, Ronaldo. A tessitura dos sincretismos: mediadores e mesclas culturais. In.: FRAGOSO, João.; GOUVÊA, Maria de Fátima. Coleção O Brasil Colonial, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. P. 357-388.

______. Trópicos dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1986.

VIANA, Hélio. Formação Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio: Editora, 1935.

VIOTTI DA COSTA, Emília. Primeiros povoadores do Brasil: o problema dos degredados. In.:

Revista de História. São Paulo, v. XIII, n. 27, ano VI, p. 3-23, 1956.

* Esta comunicação é resultado de minha investigação histórica realizada para conclusão do curso de

Licenciatura Plena em História, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, apresentada em 2016 e orientada pelo Prof. Dr. Ricardo Alexandre Santos de Sousa.

1 Ver “Soldados, colonos e vagabundos”, in.: O império marítimo português, 1415-1825. Lisboa: Edições 70,

2015. Ver também, “Da utilidade dos vadios” in.: Os desclassificados do ouro: a pobreza mineira do século

XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1986; O Novo Mundo entre Deus e o Diabo, in.: O diabo e a Terra de Santa Cruz:: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986; Por

dentro do império: infernalização e degredo, in.: Inferno Atlântico: demonologia e colonização: séculos

Referências

Documentos relacionados

É o nome usado para descrever empresas que prestam serviços financeiros, tendo na tecnologia seu grande diferencial — muitas delas, inclusive, não têm agências para atender

A Psicologia, por sua vez, seguiu sua trajetória também modificando sua visão de homem e fugindo do paradigma da ciência clássica. Ampliou sua atuação para além da

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

A partir das análises realizadas no que tange às articulações entre processo formativo que enfatizou a ressignificação e aplicação, inferimos que a aplicação da SEA replanejada no

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

2.3 Para candidatos que tenham obtido certificação com base no resultado do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens

Antes de mostrarmos a rela¸ c˜ ao entre regularidade de uma curva e existˆ encia de reparametriza¸c˜ oes por comprimento de arco dessa curva, notemos uma propriedade sim- ples