“ROÇA DE POUSIO”: OCUPAÇÃO E MANEJO DE AGROECOSSISTEMAS NA TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DE
MACAÉ DE CIMA, NOVA FRIBURGO/RJ.
"ROÇA DE POUSIO": OCCUPATION AND MANAGEMENT OF AGROECOSYSTEMS IN THE TRANSFORMATION OF THE LANDSCAPE IN THE AREA OF
ENVIRONMENTAL PROTECTION OF MACAÉ DE CIMA, NOVA FRIBURGO / RJ.
Alessandro Melo Rifan1, Renato Linhares de Assis2 e Adriana Maria de Aquino3.
1. Doutorando UFRRJ, Arquiteto e Gestor Ambiental (MSc.); 2. Embrapa Agrobiologia, Engenheiro Agrônomo (DSc.) e 3. Embrapa Agrobiologia, Bióloga (PhD.).
rifan.ale@gmail.com; renato.assis@embrapa.br, e adriana.aquino@embrapa.br.
Grupo de Pesquisa 4: Construção do saber coletivo na produção agroecológica
Resumo
Os sistemas agrícolas de pousio mantidos pelos agricultores familiares de Lumiar e São Pedro da Serra no município de Nova Friburgo/RJ traçam os padrões básicos da paisagem, e mantém viva a reprodução integrativa com as formações florestais secundárias. Abordagens relativas à ocupação e o manejo agroecossistêmico de um território histórico-social construído, ajudam no entendimento da transformação da paisagem na Área de Proteção Ambiental de Macaé de Cima - APAEMC.
Palavras-chaves: Agricultura Itinerante; Saberes Tradicionais; Etnovariedades; Historicidade; Mata Atlântica.
Abstract
The fallow farming systems maintained by family farmers of Lumiar and São Pedro da Serra in the county of Nova Friburgo / RJ trace the basic patterns of the landscape and keep
integrative reproduction alive with the secondary forest formations. Aspects related to the occupation and the agroecosystemic management of a constructed historical-social territory, help in the understanding of transformation to the landscape in Macaé de Cima Environmental Protection Area..
Keywords: Itinerant Agriculture; Traditional Knowledge; Ethnovarieties; Historicity; Atlantic Rain Forest.
1. Introdução
Na agricultura familiar camponesa o esforço permanente para produzir e reproduzir está numa base de recursos automanejados. Segundo Ploeg (2008), os bens e serviços adquiridos nesse processo levam em consideração o ambiente ao redor, a manutenção dos processos naturais e dos recursos agroecossistêmicos. Os sistemas de pousio envolvem o uso e o manejo da terra por ciclo rotacional de cultivos agrícolas, baseado em etapas de: limpeza da área – corte da vegetação – queima – plantio – colheita e descanso do solo. Segundo os autores (FEIDEN, 2005; PETERSEN, 2009), trata-se de uma prática em modos mais equânimes que incorporam a agroecologia e a etnoecologia, e que refletem na capacidade de resistência1 frente
às aos fluxos globais de homogeneização agrícola.
2. A “Paisagem Cultivada” – ocupação, manejo e classificações socioespaciais:
Os agricultores campesinos sujeitos da pesquisa2 na APAEMC3, segundo Carneiro et.
al. (2010, p. 32), compreendem a natureza como um local que oferece condições à produção de alimentos, paisagens e animais bonitos: as matas, os rios e os pássaros. Como lavradores
1 A agricultura de “corte e queima” é considerada pelos agricultores locais como uma prática ancestral, um direito adquirido de propriedade, percebida e usada como “bandeira de luta” e resistência contra as leis ambientais restritivas de cunho preservacionistas na APAEMC.
2 Depoimentos espontâneos ao longo dos anos de 2016 e 2017, com os agricultores-erveiros que fazem parte do Grupo “Grãos de Luz” em Lumiar, Nova Friburgo/RJ; e pesquisa bibliográfica de acordo com as referências citadas ao longo do texto.
3 Área de Proteção Ambiental de uso sustentável de domínio do bioma Mata Atlântica criada pelo decreto estadual nº. 29.213 em 14 de setembro de 2001em 2001, abrangendo a região hidrográfica do Alto Macaé nos municípios de Nova Friburgo e Casimiro de Abreu, situados no centro-norte do estado do Rio de Janeiro.
itinerantes, esses grupos, através de sucessivos processos de adaptabilidade, transformaram áreas naturais em ambientes semidomesticados, resignificando-os; e alterando a paisagem. Como um cenário em modificação, a paisagem, historicamente é inventada e reinventada, e nelas são expostas as interações entre a sociedade humana e o seu espaço de vida, natural ou construído. Vários autores (DIEGUES, 2000; OLIVEIRA, 2011), destacam que, o que temos hoje por "natural" nessas áreas enflorestadas da Mata Atlântica é um paleoterritório4. Isto é,
áreas resignificadas de florestas multifragmentadas e paisagens mistas. Portanto, intitula-se a paisagem “de cultivada” como um lugar formado por conter marcas tanto de usos em modos utilitários, quanto de modos psicossociais em relação à natureza. Dessa inter-relação, observam-se resultantes ecológicas decorrentes dos usos e classificações a partir do lidar com os ambientes agroecossistêmicos. Se constituiram, portanto, tipologias socioespaciais, tais como: a roça, as áreas de pousio, o pomar; os quintais agroecológicos, o pasto, a mata nativa e os caminhos para a floresta; conhecimentos e usos específicos relacionados às espécies vegetais de caráter madeireiro, alimentício e/ou curativo.
3. Aspectos intrínsecos à Socioagrobiodiversidade:
A interação agroecosistêmica com as áreas de regeneração de mata, seu mundo biológico, ecológico e simbólico, gerou um nicho ocupacional - um habitat cultivado que traz em si uma cultura portadora de conhecimentos sobre o ambiente, as etnovariedades de plantas e as práticas produtivas agroalimentares e/ou fitoterápicas. Essas variáveis associadas à socioagrobiodiversidade estabelecem a estrutura e a intensidade das relações etnoecológicas e geram a categoria social dos ‘recursos naturais’5. Para Altieri (2004), os camponeses que
trabalham com sistemas de produção tradicionais têm compreensão sofisticada sobre a biodiversidade agrícola que manuseiam; e segundo Ribeiro (1997, p. 201), as chamadas capoeiras representam uma base local que pode vir a ser útil para a recolonização de plantas e cultivares. Posey (apud RIBEIRO, 1997), destaca sobre a importância das capoeiras como
4 Conceituação aplicada por Oliveira (2010). 5 (Raffestin 1993: 223-8).
unidade de recursos e local de concentração de plantas medicinais.Algumas espécies arbustivas e/ou subarbustivas e herbáceas medicinais presentes em áreas manejadas foram citadas pelos agricultores como de uso, tais como:
Assa-peixe (Vemonia polyanthes); Arnica do mato (Chaptalia nutans); Cana de Macaco (Costus spiralis); Caeté (Thalia geniculata); Carqueja (Baccharis trimera); Gervão (Stachytarpheta cayennensis (rich.); Jequiri ou Juá (Solanum viarum); Picão (Bidens pilosa); Poaia (Richardia brasiliensis Gomes); Samambaia Roxa (Pteridium aquilinum Bracken); Urtigão (Urera dioica); Erva de São João (Ageratum conyzoides); Erva Macaé (Leunurus sibiricus); Tanchagem (Plantago tomentosa); Capeba ou Pariparoba (Piper umbellatum); Caratinga (Dioscorea sp.) e Aroeira (Schinus terebinthifolius). Os cipós: cipó insulina (Sissus sp. L.); cipó abuta (Cissampelos pareira L.); cipó cravo (Tynnanthus spp), cipó cabeludo (Mikania spp), cipó-azougue (Apondanthera spp) e suma-roxa (Pfaffia spp).
4. Considerações finais:
É notório que parte significativa dos conhecimentos agroecossistêmicos a respeito dos ambientes domesticados e/ou semi-domesticados na Mata Atlântica na Serra do Mar Fluminense em Nova Friburgo/RJ, se encontram em poder desses lavradores itinerantes; que mantém viva a prática maior identitária – a da “agricultura de pousio”. As evidencias apontaram na perspectiva de formação de uma “paisagem cultivada”, ancorada numa “terra de trabalho6” socioculturalmente construída. Nesse sentido, se verificou: a) A existência de uma complexa rede de saberes, ações e percepções que ditam os padrões de uso e transformação da paisagem pela agricultura de pousio; b) Conhecimentos e usos relacionados especialmente às espécies vegetais de caráter curativo – as ervas medicinais de extratos manejados; e c) Implicações positivas para a conservação dos agroecossistemas locais; e conseqüentemente para a socioagrobiodiversidade. A delimitação do lugar pela paisagem construída se torna relevante, já que, além de ampliar os registros publicados a respeito da abordagem homem-natureza acerca da história de formação da paisagem na Área de Proteção Ambiental de Macaé de Cima – APAEMC, trás reflexão para a proposição de ações conservacionistas e/ou de autodesenvolvimento.
5. Referências bibliográficas:
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CARNEIRO, M. J. Agricultores e território: práticas e saberes / Maria José Carneiro, Ana Valéria Freire Allemão Bertolino, Luiz Carlos Bertolino. - Rio de Janeiro: Trasso Comunicação/CNPq/Faperj, 2010.
DIEGUES, A. C. Etnoconservação da natureza: enfoques alternativos. In:______. Etnoconservação: novos rumos para a conservação da natureza. São Paulo: Hucitec, 2000. cap. 1, p. 1-46.
FEIDEN, A. Agroecologia: Introdução e conceitos. In: AQUINO, A. M. de; ASSIS, R. L. de. (Orgs). Agroecologia: princípios e técnicas para uma agricultura orgânica sustentável. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2005.
OLIVEIRA, R. R.; FRAGA, J. S.; BERCK, D. E. Uma floresta de vestígios: metabolismo social e a atividade de carvoeiros nos séculos XIX e XX no Rio de Janeiro, RJ. Revista Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.8, n.2, p. 286-315, Jul./Dez. 2011.
PETERSEN, P. (org.) Agricultura familiar camponesa na construção do futuro. Introdução. AS-PTA, Rio de Janeiro, 2009.
PLOEG, J. D. van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. UFRGS, Porto Alegre, 2008. p. 42, 304
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RIBEIRO, B. G. et. al. (Org.). Suma etnoecológica brasileira. Edição atualizada do Handbook of South Amarican Indians. Belém, PA: Darci Ribeiro (Editor), 1997.