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A VOZ DO SILÊNCIO. Autor: Adriano Ricardo Celanti de Freitas

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Academic year: 2021

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A VOZ DO SILÊNCIO

Autor: Adriano Ricardo Celanti de Freitas

“[...] Fecha os olhos e saboreia a vida. Há sempre uma deusa aguardando o herói nas portas do Olimpo. O sofrimento é para aqueles que lutam. O mundo é para aqueles que vencem.” (CHIZIANE, 1999, p. 199)

“Balada de Amor ao Vento” foi o primeiro livro publicado pela escritora Paulina Chiziane que também foi a primeira mulher moçambicana a publi-car um livro. Contadora de histórias, soube transferir a oralidade em sua obra que magnifi camente retrata o amor, a esperança, a mulher na África. A obra, publicada em 1990, retrata a vida da mulher de Moçambique pós colonial, com seus aspectos socioculturais discutindo o papel da mulher. Mais que isso, Chiziane retrata como os costumes transcendem décadas e como infl uenciam a vida e o tempo das pessoas envolvidas.

Neste cenário, a autora busca a reconfi guração da identidade nacional e da fi gura feminina nessa sociedade, pontuando, de forma dura e de realidade excessiva, a história da luta de uma mulher para romper as tradições de uma sociedade. No desenrolar da narrativa, “Balada de Amor ao Vento” discute fatores socioculturais, econômicos, bem como a espiritualidade, visão do amor da sociedade tradicional, o casamento, a poligamia, ect... Sarnau é uma mulher marcada pelo amor e pelo sofrimento do abandono. Sua história é narrada em primeira pessoa, que, de forma poética, reforça a cultura local. Mostra também ao leitor como o amor pode ser difícil, uma vez tomado como objeto de negócio.

Sarnau e Mwando são os protagonistas. A moça conhece o rapaz durante uma festa local, mas logo é informada de que ele estuda para ser religioso.

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O desejo se torna mais forte entre os dois e o amor surge. Sarnau, então, engravida de Mwando. Entre encontros cada vez mais espaçados, o rapaz anuncia à moça que a união dos dois não será possível uma vez que seus pais lhe arranjaram um casamento mais lucrativo.

Uma terrível escuridão precipitou-se dentro de mim. Sumiram-se as entranhas e, do poço enorme que era meu íntimo, britaram pala-vras ocas que a garganta transformou em gritos histéricos. Os cantos dos meus lábios segregando espuma abriram alas para escoar a dor melodiosa e fúnebre, fazendo coro ao coaxar das rãs. Meu coração ribombava trovoadas, relâmpagos dourados rasgavam o céu do cé-rebro, e a chuva dos olhos precipitava forte, prenunciando o dilú-vio do meu ser. Todos os sonhos de amor, num só instante foram destruídos pela força da tempestade. Mergulhadas em ondas de sal, celebrei meu batismo de fel. Acuda-me meu Deus. Semeei amor em terras sáfaras e no lugar de milho, produzi espinhos. (CHIZIANE, 2003, p.29)

A beleza, na descrição da natureza, também é encontrada nesse trecho, em contraste à dor e à angústia que a personagem está sentindo, uma vez que o grande amor que ela tem por Mwando não será sufi ciente para impedir essa separação. Esse fato deve-se à família de Mwando, já catolicizada, não permitir a prática da poligamia, tornando impossível a união.

Alegrai-vos, cantai, espíritos dos Guiamba e Twalufo, que a grande sorte caiu sobre vós. Os antepassados sempre disseram: a mulher é galinha que se cria para com ela presentear os visitantes. Che-gou o momento doloroso. Criámos Sarnau com amor e sacrifício, os visitantes estão à porta e vêm buscá-la para sempre. Defuntos de Guiamba e dos Twalufo, a vossa fi lha é hoje lobolada. (CHIZIANE, 2003, p. 37)

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O misticismo moçambicano é representado fi elmente na obra. Observam--se ainda os costumes da sociedade patriarcal no momento em que Sarnau é pedida em casamento pelo rei de Mombam. A submissão da mulher tam-bém é ressaltada quando considerada “galinha que se cria para com ela presentear os visitantes”.

O casamento de Sarnau representa as dores da poligamia. Seu marido trata--a mal e distribui seu amor às várias mulheres que possui. A personagem se vê num casamento triste e doloroso, mas nunca esquecendo que esse era seu destino, assim como seus antepassados ensinaram.

[...] De repente sentiu o coração da fl or vibrar e parecia falar de mansinho: “Porque me arrancaste do meu mundo? Era tão feliz en-tre as ervas, embelezava a natureza e tu mataste-me.” Sentiu um nó na garganta, a fl or tinha razão, atirou o girassol ao chão, sem vida. (CHIZIANE, 2003, p. 69)

A exaltação da natureza é unida, de forma paradoxal, ao amor, sentimento tão pensado e pouco sentido pelos personagens da obra. Seu paradoxo con-siste nas riquezas naturais e culturais que o país oferece, em oposição ao sofrimento das mulheres devidos a seus costumes culturais. Vale ressaltar o atraso da cultura moçambicana à cultura de outros países.

A prostituição e a aquisição de doenças, o fato de não ser esposa de rei e nem esposa de branco, contribuem para sua exclusão na sociedade, mas, ao mesmo tempo, permitem a construção de sua identidade sem dubiedade. Diante de todos os anseios vividos pela personagem ao longo de sua história, observa-se no desfecho do romance uma reafi rmação de sua identidade que, mesmo estraçalhada pelo tempo e pelas difi culdades, como o aborto, a fuga de um casamento, o segundo abandono de Mwando, foi possível após seu distanciamento de todos os seus conterrâneos e uma perspectiva de futuro.

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Evidencia-se, em toda sua obra, a força da mulher e seu encontro na an-gústia, observados nos discursos inquietantes de Sarnau: “Tu foste para mim vida, angústia, pesadelo. Cantei para ti baladas de amor ao vento. Eras para mim o mar e eu o teu sal. No abismo, não encontrei a tua mão.” (CHIZIANE,2003).

O estudo da riqueza nas obras de literatura africana tornou-se possível de-vido ao decreto da Lei 10.639/03, cotidiano escolar e literaturas de matri-zes africanas. A Lei que tornou obrigatória a prática pedagógica no Brasil, expandiu horizontes uma vez que a literatura africana nos apresenta uma cultura exuberante, presente também na colonização do país.

[...] o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da socie-dade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. (LDB, at. 26-A, § 1º)

O fato de Paulina Chiziane ser a primeira mulher a publicar um livro e, principalmente, o fato de ser mulher, tornou a sua obra ricamente relevan-te, uma vez que Sarnau foi a porta-voz de muitas mulheres que passam por situações similares, mostrando de forma poética, que a mulher moçambi-cana precisa, sobretudo, de amor e respeito.

“Balada de Amor ao Vento” é uma obra atemporal. A comparação da dor sofrida pela personagem de Paulina Chiziane é uma voz entre muitas que ainda ecoam por todo o mundo. É uma comparação da dor individual e a da dor que a raça negra sofre com o preconceito ao longo de sua história. A leitura da obra é de grande relevância, pois não trata de questões somen-te presensomen-tes em Moçambique, mas sim, de questões universais. Apresenta críticas à opressão feminina, aos preconceitos, à miséria e ao poder, não

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deixando de lado a poesia presente nas obras da autora. Em outras pala-vras, cala o silêncio de muitas vozes imersas em tamanha confusão provo-cada pela tradição que vive no povo dessa região.

CHIZIANE, Paulina. Balada de amor ao vento. Editorial Caminho, S A, Lisboa. 2003.

CHIZIANE, Paulina. Ventos do apocalipse. Editorial Caminho, S A, Lis-boa. 1999.

Referências

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