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Grandes incêndios florestais registados na área situada entre as superfícies culminantes das serras do Açor e da Estrela* Resumo

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Grandes incêndios florestais registados na área

situada entre as superfícies culminantes das serras

do Açor e da Estrela*

Adriano Nave (adriano@nicif.pt)

Luciano Lourenço (lourenco@nicif.pt)

Resumo

Nos dias de hoje, os incêndios florestais constituem um dos principais riscos associados ás áreas montanhosas de Portugal e constituem o principal agente modificador da paisagem serrana.

Com efeito, para além das consequências directas, que se revelam imediatamente, quer através do envolvimento de numerosos meios de combate, quer dos milhares de hectares de floresta queimada, da destruição de áreas sociais ou da evacuação dos seus residentes mais vulneráveis (crianças e idosos), há que também ter em conta as consequências indirectas que resultam do desequilíbrio desencadeado pelos incêndios, com efeitos subsequentes na paisagem e que podem perdurar no tempo, ao longo de vários anos.

Para melhor perceber esta realidade, analisou-se o número de ocorrências e a área ardida em seis concelhos situados na transição entre as serras do Açor e da Estrela, por serem frequentemente afectados por grandes incêndios florestais. De forma a vincar a frequência e a intensidade deste fenómeno, elaborou-se o mapa das áreas ardidas ao longo de 30 anos, mais precisamente, entre 1975 e 2005.

No final, foi possível cartografar a reincidência das áreas ardidas, através de um simples exercício de álgebra cartográfica, o qual permitiu identificar as áreas mais afectadas pelos incêndios.

Por outro lado, foi dado especial enfoque a dois momentos particularmente dramáticos para a área de estudo, correspondentes aos anos de 1987 e, mais recentemente, de 2005, destacando-se o papel que os campos agrícolas em socalcos, existentes ao longo dos vales e em redor das povoações, desempenharam ou poderiam ter desempenhado tanto na compartimentação da floresta e, por conseguinte, na progressão do fogo, como na defesa das aldeias afectadas por estes dois grandes incêndios.

Palavras-chave: incêndio florestal, prevenção, socalcos.

* Este texto corresponde a uma actualização do trabalho apresentado nas Jornadas sobre terrazas y prevención de riesgos naturales, realizadas nos dias 14, 15 e 16 de Setembro de 2006 em Palma de Maiorca, Ilhas Baleares, Espanha.

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Introdução

Na parte inicial, o presente estudo pretende caracterizar, em termos históricos e geográficos, a manifestação do risco de incêndio florestal, em seis municípios de montanha.

Posteriormente, o trabalho centra-se na análise de dois incêndios florestais de grandes dimensões, ocorridos na área de estudo, nos anos de 1987 e 2005. Estes dois momentos, para além de terem ficado na história pela dimensão que a área ardida atingiu, despertaram também o nosso interesse, não só pelas trágicas consequências imediatas, mas também e sobretudo devido ás consequências subsequentes, que se fizeram sentir nos anos seguintes e que, os leitores, terão oportunidade de constatar nos artigos seguintes.

Na verdade, esta abordagem assume um papel preponderante, pois a manifestação do risco de incêndio florestal, já por si bastante grave, origina outros riscos, de natureza hidrológica e geomorfológica. Por outro lado, dá-se especial enfoque à problemática dos incêndios florestais, nomeadamente em termos de frequência e magnitude e na sua relação com as paisagens de socalcos. Com efeito, pretende avaliar-se a importância dos campos agrícolas de socalcos, na prevenção dos incêndios florestais e na mitigação dos seus efeitos.

O risco dendrocaustológico, ou seja, de incêndio florestal, resulta de um complexo conjunto de factores repartidos por causas de natureza física e humana. De entre os aspectos de natureza física, as condições meteorológicas são fundamentais para justificar a ocorrência de grandes incêndios florestais, pois estes só se desenvolvem quando as situações meteorológicas se revelam favoráveis (temperatura do ar elevada, humidade relativa baixa e existência de vento).

De igual modo, certas condições geomorfológicas podem favorecer o desenvolvimento de grandes incêndios florestais. Estas referem-se essencialmente aos declives e à exposição das vertentes. Quanto mais acentuados forem os declives, tanto mais difícil será a extinção do fogo, quer devido a dificuldades de acessibilidade aos meios de combate, quer ao facto de mais facilmente se formarem ventos locais, sobretudo em zonas com orografia acidentada que, em regra, aumentam a velocidade de progressão das chamas.

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Também a composição e a estrutura do coberto vegetal influenciam o comportamento do incêndio florestal numa determinada área. Com efeito, o grau de combustibilidade varia, consoante o tipo e o estado das espécies aí existentes. Por outro lado, a existência ou não, de diversos estratos (arbóreo, arbustivo e herbáceo), bem como de manta morta, determinará uma maior ou menor carga de combustível. Além disso, a continuidade vertical e/ou horizontal dos combustíveis é determinante para explicar o comportamento do fogo.

Como, de modo geral, todos estes factores se conjugam favoravelmente na área de estudo, não admirará que ela registe uma elevada reincidência de incêndios florestais.

Na verdade, a área de estudo integra-se no mais importante conjunto montanhoso português, a Cordilheira Central, designadamente na área de ligação entre as duas formas de relevo que atingem maiores altitudes, as Serras do Açor (1342 m) e da Estrela (1993 m) (fig. 1).

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Por sua vez, em termos litológicos estas serras comportam duas unidades distintas, a primeira essencialmente xistosa e a segunda granítica, o que constitui um quadro morfo-estrutural diversificado numa área que, do ponto de vista morfológico, é relativamente movimentada e, por isso, apresenta declives muito acentuados.

Em termos administrativos, a área de estudo geral, abrange seis municípios e três distritos, respectivamente Arganil, Oliveira do Hospital e Pampilhosa da Serra, do distrito de Coimbra, Seia, do distrto da Guarda e Fundão e Covilhã, do distrito de Castelo Branco.

Posteriormente, foi analisada, com maior detalhe, a área de estudo, estendendo aos respectivos concelhos as análises decorrentes de elementos estatísticos organizados de acordo com os limites admistrativos. Por último, caracterizam-se algumas situações relativas à área de pormenor, correspondente a seis bacias hidrográficas tributárias dos rio Alva e Alvoco, nomeadamente as da rib.ª de Pomares, da rib.ª de Aldeia das Dez, da rib.ª do Avelar, da rib.ª do Piódão, da rib.ª de Rio de Mel e rib.ª de Loriga (fig. 2).

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Fruto da adaptação da rede hidrográfica à estrutura e devido à fragilidade das rochas, o conjunto das bacias hidrográficas caracteriza-se por apresentar uma orografia acidentada, onde se destacam vales estreitos, sinuosos e com elevados declives (fot. 1).

Fot. 1 - Vista panorâmica da bacia hidrográfica da Ribeira de Mourisía.

Assim, cerca de 90 % da área de estudo possui declives superiores a 21 %, destacando-se cerca de 39 km2 com declives superiores a 50 % (fig. 3). Este

factor, torna-se crucial na análise do risco dendrocaustológico, pois se, por um lado, potencia o risco de propagação do fogo, por outro, dificulta a progressão no terreno dos meios de combate e socorro.

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Floristicamente, esta região de montanha caracteriza-se pela existência de extensas áreas de monocultura de pinheiro bravo (Pinus pinaster) (fot. 2) e eucalipto (Eucalyptus glubolus).

Fot. 3 - Detalhe da giesta em flor

(Cytisus sp.). Fot. 4 - Medronheiro, com flor efruto (Arbutus unedo). Fot. 2 - Entre as formações arbóreas existentes, a monocultura do pinheiro

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As formações arbustivas são constituídas, na sua maioria, por matos, compostos por espécies mediterrâneas de elevada inflamabilidade, nomeadamente, urzes (Erica sp.), giestas (Cytisus sp.) (fot. 3), medronheiro (Arbutus

unedo) (fot. 4), carqueja (Chamaespartium tridentatum) (fot. 5), tojo (Ulex sp) e esteva

(Cistus ladanifer) (fot. 6).

1. Os incêndios florestais.

Número de ocorrências e dimensão da área ardida.

Analisando a evolução do número de ocorrências e consequente área ardida entre os anos 1980 e 2005, as linhas de tendência apontam, em ambos os casos, para um claro aumento nos primeiros anos, seguido de uma certa estabilidade. Sensivelmente a partir de 1988 e até 1996-97 passam a ter um desenvolvimento contrário, com o número de ocorrências a tender para um contínuo aumento e a área ardida, pelo contrário, a apresentar uma tendência para diminuição progressiva.

Fot. 5 - Carqueja (Chamaespartium

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Após 1998, as tendências invertem-se de novo. O número de ocorrências tende a diminuir enquanto que a área ardida tende a aumentar consideravelmente, sobretudo em consequência da situação vivida no ano de 2005 (fig. 4).

Com efeito, em termos de área ardida, pode concluir-se que, de certo modo, a evolução é cíclica, ou seja, após fases de maiores quantitativos, seguem-se anos a registar menores áreas ardidas.

De facto, até 1984 os valores anuais da área ardida foram relativamente baixos. Entre 1985 e 1992, foram quase sempre elevados. Pelo contrário, entre 1993 e 1999, voltaram a ser reduzidos. A partir de 2000 a situação voltou a agravar-se, tendo alcançado o seu auge em 2005.

Embora a regeneração natural das espécies herbáceas e arbustivas, se faça notar logo nos meses seguintes ao incêndio, no entanto, só após alguns anos, estas áreas voltam a atingir níveis de combustibilidade e propagação elevados, capazes de originar grandes incêndios.

Na verdade, quanto maior for a frequência dos incêndios sobre uma determinada área, menor será a possibilidade de espécies arbóreas

Fig. 4 - Evolução anual do número de ocorrências e área ardida nos concelhos de Arganil, Covilhã, Fundão, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra e Seia, entre

1980 e 2005.

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se regenerarem e desenvolverem. Consequentemente, nestes casos, as espécies herbáceas e arbustivas, de crescimento rápido, acabam por dominar a paisagem (fot. 7).

Fot. 7 - Pormenor da regenaração natural da urze e carqueja.

Fig. 5 - Valores médios anuais do número de ocorrências e da área ardida, registados entre 1980 e 2005.

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Quanto ao número de ocorrências, a distribuição é mais irregular e, aparentemente, não se pode estabelecer um padrão evolutivo, com igual certeza, dado que os valores máximos atingidos apresentam uma distribuição mais ou menos aleatória, correspondente aos anos de 1985,1989, 1995 e 2005.

Os anos com maior número de ocorrências nem sempre correspondem aos de maiores áreas ardidas, pelo que do ponto de vista dendrocaustológico, houve anos caracterizados pela ocorrência de incêndios florestais de grandes dimensões.

Em termos médios, os concelhos da Pampilhosa da Serra e Arganil, foram aqueles que registaram os incêndios de maiores dimensões.

Fig. 6 - Extensão da área ardida durante o grande incêndio florestal de 1987. Fonte: Elaboração própria a partir de dados da antiga Circunscrição

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Fonte: Elaboração própria a partir de dados da DGRF.

Fig. 8 - Extensão da área ardida durante o grande incêndio florestal de 2005. Fig. 7 - Área ardida no grande incêndio de 1987, por concelho.

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Contrariamente, o de Oliveira do Hospital registou uma área ardida diminuta quando comparada com o número de ocorrências (fig. 5).

Após esta análise, de carácter generalista, baseada apenas nos elementos estatísticos, apresenta-se agora a cartografia das áreas ardidas, relativa a dois dos momentos particularmente trágicos para a Serra do Açor e seus habitantes.

Com efeito, os incêndios florestais de 1987 e 2005 destacam-se, não só pela sua anormal dimensão, mas também pelas consequências nefastas que desencadearam, não só aquando da ocorrência, mas também nos anos seguintes, permitindo a formação de enxurradas que provocaram danos avultados e, inclusivamente, levaram à perda de vidas humanas.

Fig. 9 - Área ardida no grande incêndio de 2005, por concelho. Fonte: Elaboração própria a partir de dados da DGRF.

Assim, o incêndio de 1987 consumiu uma área de aproximadamente 10.900 ha e percorreu três concelhos do distrito de Coimbra, nomeadamente, Arganil, Pampilhosa da Serra e Oliveira do Hospital (figs.6 e 7).

Por sua vez,em termos de áreas protegidas, o incêndio afectou a Paisagem Protegida da Serra do Açor em cerca de 260 ha e, em particular, a Mata da Margaraça, uma relíquia da flora autóctone com espécies como o carvalho-alvarinho (Quercus robur) e o azereiro (Prunus lusitanica). Além disso, alberga também, alguns endemismos ibéricos ameaçados ou em vias de extinção.

Mais recentemente, em 2005, parte desta área voltou a ser percorrida por um incêndio florestal de grandes dimensões. Com uma área ardida superior a 16.000 ha, este incêndio afectou ao longo de uma semana, seis municípios, nomeadamente, Seia, Oliveira do Hospital, Arganil, Pampilhosa da Serra, Covilhã e Fundão (figs. 8 e 9).

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Para além disso, o incêndio afectou uma área significativa no interior do Parque Natural da Serra da Estrela, ultrapassando 4.000 ha.

Mas, apesar destes dois momentos terem sido aqueles, cujas consequências directas e indiretas, foram sentidas de forma mais intensa e trágica, a Serra do Açor, vai-se ressentindo, ano após ano, com os efeitos dos incêndios florestais que, lentamente, desvirtuam um ecossistema riquíssimo e depauperam o património cultural já por si muito vulnerável pelos muitos anos de exôdo populacional (fot. 8).

Fot. 8 - Vista parcial do lugar abandonado do Colcurinho.

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Para se ficar com uma ideia da incidência dos incêndios florestais, recorremos a levantamentos cartográficos das áreas ardidas nos últimos 30 anos, desde 1975 até 2005.

Desta forma foi possível quantificar a área ardida e, sobretudo, localizá-la no espaço, revelando com maior exactidão a frequência e magnitude dos incêndios florestais, através da sua representação numa carta de reincidência das áreas ardidas (fig. 10).

Por outro lado, a localização das áreas ardidas ao longo dos últimos 30 anos permitiu identificar as áreas mais afectadas e quantificar as diferenças existentes entre os campos em socalcos próximos dos aglomerados populacionais e os espaços agro-florestais circundantes (Fot. 9).

2. A área de estudo pormenorizado

Embora a área de estudo corresponda a um rectângulo (fig. 9), a caracterização mais pormenorizada diz respeito às seis bacias hidrográficas nela discriminadas, já antes referidas e onde se estudaram em detalhe os seus socalcos.

Com efeito, o Homem, enquanto agente modelador do espaço, suavizou declives, criou patamares e reconduziu linhas de água, de forma a criar condições para o cultivo. A manutenção regular desses espaços permite que se possam conservar por muitos anos, o que nem sempre se verifica.

No entanto, a diminuição da população que afecta grande parte das freguesias do interior destes concelhos teve, como uma das consequências, o abandono progressivo da agricultura bem como do espaço agricultado que tinha sido modelado para esse fim (fig. 11).

Assim, a degradação de alguns desses espaços é inevitável e a natureza, a pouco e pouco, vai reconquistando esses patamares, reorientando o “perfil de equilíbrio dinâmico das vertentes, se o homem, entretanto, deixar de as conservar” (L. LOURENÇO, 1992).

Consequentemente, as terras férteis acabam por ser ocupadas com estratos arbustivos e arbóreos de surgimento espontâneo ou são alvo da reconversão dos campos agrícolas em áreas florestais.

Nas freguesias mais isoladas, o envelhecimento da população e o fim da actividade agrícola (fig. 12), levou á falta de manutenção dos socalcos, originando

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Fig

. 10

Car

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Fig. 11 - Evolução da população residente nas freguesias da área de pormenor, entre os anos de 1900 e 2001.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do INE.

Fig. 12 - Evolução do índice de envelhecimento e do sector primário, da população das freguesias da área de pormenor.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do INE.

o aumento da carga combustível nos campos abandonados e, consequentemente, do risco de ignição e propagação de incêndios nestas áreas serranas (fot. 10).

Ora, geralmente os campos em socalcos desenvolvem-se em redor das povoações, o que facilita o seu cultivo e gera uma dinâmica produtiva que mantém a floresta densa afastada das zonas habitacionais.

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Deste modo, as descontinuidades da cobertura vegetal arbórea, criadas pelos socalcos não abandonados, actuam como “aceiros verdes produtivos” que, quando não impedem totalmente a propagação do fogo, pelo menos facilitam de sobremaneira o seu combate (fot. 11).

Paralelamente, a existência de culturas hortícolas e de vegetação herbácea nos prados e nas pastagens dos socalcos em uso, associadas à manutenção e conservação de linhas e pontos de água, naturais ou artificiais, contribuem para o controlo dos níveis de humidade, que aqui são geralmente mais altos do que nas áreas de mato e floresta que envolvem os campos em socalcos, o que localmente, reduz o risco de incêndio.

Na maior parte das vezes, as áreas de socalcos ardidas, são aquelas que se encontram mais afastadas das povoações, votadas ao abandono prematuramente e que, por isso, apresentam uma fisionomia vegetal propícia à progressão do fogo.

No entanto, não foi possível estabelecer uma relação directa entre o estado de abandono e o aumento das áreas ardidas em campos de socalcos, designadamente por se desconhecer com precisão o ano em que ocorreu o abandono e porque a cartografia nem sempre beneficiou do mesmo rigor nos respectivos levantamentos anuais.

Relativamente à área de pormenor propriamente dita, pode verificar-se que a área nunca atingida por incêndios florestais é de 22 % (fig. 13).

Fot. 10 - Socalcos ocupados por espécies vegetais (estratos herbáceo, arbustivo e arbóreo) criando a continuidade vertical e horizontal dos combustiveis.

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Fot. 11 - Em redor da povoação, é possível observar áreas não ardidas, correspondentes a campos em socalcos, Chão Sobral.

Fonte: Gabinete Técnico Florestal da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital.

Fig. 13 - Distribuição da área ardida (ha) na área de pormenor, por grau de reincidência entre 1975 e 2005.

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Em contrapartida, as classes 1 e 2 registaram os maiores efectivos, correspondendo a 58,9 % de área ardida, na sua totalidade. Finalmente, de referir a percentagem mínima de 0,35 % registada nas classes 5 e 6, num total de 52,3 ha relativos a uma área de cabeceiras de linhas de água, localizada no Monte do Colcurinho e no Outeiro dos Penedos (fot. 12).

Quanto aos campos em socalcos, verifica-se que apenas nos grandes incêndios de 1981, 1987 e 2005 ardeu uma área significativa, com especial destaque para os grandes incêndios de 1987 e 2005 (fig. 14).

Fot. 12 - Ao fundo, é possível observar o Outeiro dos Penedos e o Monte do Colcurinho, á direita. A meio da vertente, do lado esquerdo, temos a aldeia de Chão Sobral.

Fig. 14 - Evolução da área ardida nas bacias hidrográficas em estudo, entre os anos de 1975 e 2005.

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Em 1987, no conjunto das seis bacias hidrográficas, a área de campos em socalcos afectada foi ligeiramente superior a 720 ha, na sua maioria situados em áreas com declives muito elevados e mais afastados dos aglomerados populacionais e, por isso, há muito abandonados (fig. 15).

Por sua vez, em 2005, a área ardida em campos em socalcos foi ligeiramente inferior: 584,7 ha (fig. 16). A principal diferença, relativamente a 1987, foi o facto do incêndio ter ameaçado mais de perto os aglomerados populacionais, em função de um estado de abandono mais avançado dos campos em socalcos sobranceiros ás povoações.

A intensidade e velocidade das chamas foi de tal ordem que, em grande parte dos aglomerados populacionais espalhados pela serra, apenas as casas ficaram por arder, fruto da concentração de meios de combate nesses locais e do esforço das populações.

Tal ficou a dever-se, em parte, ao estado de abandono de grande parte dos campos em socalcos. Com efeito, estas estruturas deveriam oferecer maior resistência à propagação dos incêndios e, por isso, garantir maior protecção aos aglomerados populacionais, do que as restantes áreas das vertentes em que estão inseridas.

De facto, a organização em terraços permite interromper a continuidade dos estratos arbustivos e arbóreo e, mesmo quando se trata de campos com espécies arbóreas, a sua continuidade, tanto horizontal como vertical, pode e deve ser reduzida, de modo a constituirem verdadeiras faixas de protecção aos aglomerados, de preferência formadas por folhosas de crescimento lento (castanheiros e carvalhos).

Como vimos, uma das primeiras consequências do abandono dos socalcos é o repovoamento das áreas, outrora produtivas, por espécies arbustivas (e arbóreas numa segunda fase) de crescimento espontâneo. De facto, a decomposição progressiva dos sistemas agrários ordenados em socalcos, facilita o surgimento e progressão destas espécies, essencialmente devido ao enriquecimento químico e/ou orgânico a que os solos foram sujeitos para aumentar a produtividade agrícola. Lentamente, a floresta aproxima-se das povoações, trazendo consigo, o aumento do risco de incêndio florestal (fot. 13). O mato, outrora aproveitado para «as camas» do gado ou para acender a lareira e o fogão a lenha, cresce agora e alastra-se nos socalcos abandonados, criando por vezes zonas intransponíveis que chegam a esconder qualquer vestígio da existência de muros de suporte.

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Fig. 16 - Superfície ardida na área em estudo, no ano de 2005. Fig. 15 - Superfície ardida na área em estudo, no ano de 1987.

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Fot. 13 - Socalcos anteriormente produtivos, pontualmente ocupados com formações arbustivas e arbóreas. Soito da Ruiva.

Esta biomassa combustível, não só potencia a ignição de incêndios como favorece a sua propagação e, acima de tudo, dificulta a progressão no terreno de homens, veículos e máquinas de combate a incêndios (fot. 14).

Consequentemente, o aumento do risco de incêndio nos socalcos abandonados origina também o aumento do perigo nas zonas habitadas sobranceiras a estas estruturas.

Deste modo, a abordagem aos incêndios florestais, deve insistir na tónica da prevenção. As populações serranas devem ser protegidas dos incêndios florestais e, essa protecção não pode ficar apenas pelas medidas activas levadas a cabo, na maior parte das vezes, quando a crise já está instalada. Com efeito, por mais medidas defensivas que se adoptem, o fogo encontra sempre «elos fracos» por onde consegue progredir, dificultando a sua extinção antes de ter provocado danos irreparáveis e a perda de vidas humanas.

Os campos em socalcos, enquanto matriz paisagística comum a todos os povoados serranos, poderão ser entendidos como estruturas anti-fogo, isto é, áreas de defesa e contenção em redor dos espaços urbanizados, nos quais, o coberto vegetal seja alvo de uma redução e uma gestão capaz de diminuir a

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intensidade das chamas e a velocidade de progressão em direcção às povoações (fot. 15).

Paralelamente, também diminuirá tanto o risco de ignição de um fogo junto às casas, onde as actividades humanas são mais frequentes e variadas, como o de progressão em direcção às áreas florestais circundantes, uma vez que aquele se manifesta se os socalcos funcionarem como efectivas faixas de protecção. Por exemplo, o grande incêndio de Julho de 2005 teve o seu ponto de ignição no lugar de Malhadas Cilhas, freguesia da Vide, numa área de socalcos bem próxima das habitações.

Considerações Finais

Conclui-se assim que o desbaste regular das espécies arbustivas invasoras e espontâneas, a poda anual das copas do estrato arbóreo (essencialmente árvores de fruta) e o consumo do pasto pelo gado, constituem-se como factores de regulação e minimização do risco de incêndio nos campos em socalcos ainda produtivos.

Fot. 14 – Abertura de uma faixa de contenção com recurso a maquinaria pesada. Bacia hidrográfica da Rib.ª de Rio de Mel.

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Nesta perspectiva, os campos em socalcos deverão ser olhados enquanto mosaicos de parcelas de gestão de combustíveis, constituindo faixas de protecção aos aglomerados populacionais.

Por outro lado, as consequências dos incêndios florestais não se fazem sentir apenas a curto prazo, enquanto dura o combate às chamas. No imediato, as perdas económicas e sociais relacionadas com a destruição da floresta, com a destruição de património ou, no pior dos casos, com a perda de vidas humanas, são as mais sentidas. No entanto, os seus efeitos negativos perduram no tempo, ao longo de vários anos. (LOURENÇO, 1996)

A destruição do coberto vegetal, deixará estas áreas mais vulneráveis à erosão, ao escoamento torrencial e aos movimentos em massa. Assim, o incêndio florestal torna-se a principal causa de outros riscos naturais poderem ocorrer e afectar pessoas e bens.

Apesar da reabilitação e preservação dos campos em socalcos na sua totalidade, se revelar uma tarefa utópica, pelos custos que implicaria, os agentes locais deverão concentrar esforços na reabilitação paisagística e estrutural dos campos em socalcos das áreas circundantes aos aglomerados populacionais.

Fonte: Associação de Produtores Florestais do Concelho de Arganil. Fot. 15 – Avanço da frente de fogo em direcção a Sobral Gordo, localizado na bacia

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Estas acções proporcionarão uma dualidade de benefícios complementares, capazes de aumentar a sustentabilidade destas regiões cada vez mais deprimidas. Em suma, aliar a defesa das populações ao turismo de natureza e aventura, diminuirá a sua vulnerabilidade e minimizará o isolamento que as afecta.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Sr. Arquitecto Miguel Pinheiro, da Câmara Municipal de Arganil, à Sr.ª Engenheira Cristina Almeida, da Junta de Freguesia do Piódão, à Associação de Produtores Florestais do Concelho de Arganil e ao Sr. Engº. José Carlos, do Gabinete Técnico Florestal da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital a cedência de fotografias relativas ao incêndio de Julho de 2005, algumas presentes neste artigo e, outras, utilizadas na Comunicação proferida durante as VI Jornadas do Prosepe.

Ao Sr. Engenheiro Miguel Cruz, da Direcção Geral dos Recursos Florestais, estão gratos pelos elementos estatísticos e cartográficos prontamente disponibilizados.

Bibliografia

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Referências

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