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O programa de incentivo às energias renováveis no Brasil (PROINFA) e a sua relação com a sustentabilidade: um estudo sobre a política energética brasileira sob a ótica neoliberal neoextrativista / The renewable energy incentive program in Brazil (PROINFA)

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Academic year: 2020

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O programa de incentivo às energias renováveis no Brasil (PROINFA) e a sua

relação com a sustentabilidade: um estudo sobre a política energética

brasileira sob a ótica neoliberal neoextrativista

The renewable energy incentive program in Brazil (PROINFA) and its

relationship with sustainability: a study on brazilian energy policy from the

neo-liberal neo-extractive perspective

DOI:10.34117/bjdv6n3-427

Recebimento dos originais: 10/02/2020 Aceitação para publicação: 27/03/2020

Paulo Torres Júnior

Mestrando em Avaliação de Políticas Públicas na Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Público pela UGF/RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará e graduando

em Administração de empresas pela Universidade Estadual do Ceará. Instituição: Universidade Federal do Ceará.

Endereço: Rua Mirtil Meyer, 223 – Mondubim, Fortaleza/CE, Brasil E-mail: paulo_torresjr@yahoo.com.br

Carlos Américo Leire Moreira

Doutor em Economia pela Universidade de Paris XIII (2000), com Pós-doutorado em Economia Política Internacional pela Université de Montréal (2012).

Instituição: Universidade Federal do Ceará

Endereço: Avenida da Universidade UFC/FEAAC/DTE – Benfica, Fortaleza, CE – Brasil E-mail: americo@ufc.br

RESUMO

O desenvolvimento de políticas públicas que prometem aliar o progresso à natureza aparece no contexto brasileiro sugerindo equilíbrio entre economia e sustentabilidade. Sob uma ótica econômica neoliberal, a instabilidade dessa equação tornou-se frequente, dando espaço a processos de transições institucionais e acumulação do capital que desvirtuam o objetivo principal dessas políticas, gerando conflitos. O objetivo do artigo, portanto, é apresentar um estudo sobre a política de recursos renováveis brasileira e sua relação com a sustentabilidade e o neoliberalismo. Através de pesquisa exploratória, buscou-se contextualizar os aspectos que fazem com que tal política seja considerada insubsistente, frente ao resultado ao qual se propusera.

Palavras-chave: Políticas Públicas, recursos renováveis, sustentabilidade, neoliberalismo.

ABSTRACT: The development of public policies that promise to combine progress with nature

appears in the Brazilian context suggesting balance between economy and sustainability. From a neoliberal economic point of view, the instability of this equation has become frequent, giving rise to processes of institutional transitions and accumulation of capital that distort the main objective of these policies, generating conflicts. Your purpose, therefore, is to present a study on the Brazilian renewable resource policy and its relationship with sustainability and neoliberalism. Through exploratory research, we sought to contextualize the aspects that make this policy considered unsubsidic, in front of the result to which it was proposed.

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1 INTRODUÇÃO

Inserido num contexto globalizado, onde o crescente debate acerca de preocupações com o meio ambiente, o aquecimento global e a busca de um desenvolvimento sustentável vem se tornando frequente entre as nações, novas formas de dominação social, econômica e ambiental vêm tomando espaço na agenda governamental brasileira.

Atrelado à ideia de progresso econômico com bases verdes, menos perniciosas ao meio ambiente, o Estado brasileiro vem promovendo uma transição nos processos políticos e sociais através de política s públicas.

Nesse contexto, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (PROINFA), política pública encetada no Brasil na década de 1990 e centrada na geração de energia limpa através da utilização sustentável de recursos renováveis, aparece como um dos principais instrumentos políticos de atuação econômica voltado à essa transição institucional.

Referido programa viabilizaria uma associação eficaz entre o conceito de “sustentabilidade” à produção econômica, justificando, dessa forma, a exploração de recursos naturais “renováveis”, dentro de parâmetros ambientalmente adequados.

Ajustaria os interesses de um modo de produção capitalista aos termos insculpidos por diversos órgãos financeiros mundiais, dentre eles o Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), utilizando-se de uma roupagem sustentável.

Todavia, embora tal processo tenha como fundamento a preservação do Meio Ambiente para gerações futuras, a forma como é concebido é considerado como apropriação dos recursos naturais (MORENO, 2016), configurando-se num modelo de acumulação por espoliação, segundo Harvey (2004), característica de Estados neoextrativistas como o Brasil e que, ao invés de promover a sustentabilidade, toma como disfarce elementos invocados como sustentáveis para dar continuidade a exploração do Meio Ambiente, agora sob uma forma financeiro rentista.

Nesta trilha, o Brasil segue como um dos países que mais cresce na produção de energia elétrica a partir da utilização de recursos renováveis. A partir do financiamento externo na implementação de projetos “sustentáveis”, usinas eólicas, termelétricas e solares se avolumam na paisagem brasileira, gerando questionamentos acerca de quem é, de fato, o proprietário desses recursos.

Assim, com o objetivo de realizar um breve estudo acerca do Programa de Incentivo as Fontes Alternativas de Energia, busca-se apresentar a sistemática da atual política energética brasileira de recursos naturais e sua relação com a sustentabilidade e o desenvolvimento econômico, vistos a partir de uma ótica estatal rentista neoextrativista.

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Tal demanda visa propiciar um debate acerca da discussão se, no atual cenário político e institucional, a viabilização de Políticas Públicas que prometem a utilização de meios eficientes para geração de energia alternativa no Brasil, fomentam o Desenvolvimento Sustentável dentro dos parâmetros que o definem, causando menos impactos à sociedade.

Como procedimentos metodológicos, este trabalho utilizou a pesquisa exploratória, descritiva e expositiva, tendo como ênfase a pesquisa bibliográfica, com o objetivo de explorar o problema e fornecer informações relevantes sobre o assunto abordado, sendo ainda estruturado em quatro partes: (ii) A relevância da matriz energética renovável brasileira para a atual política elétrica nacional; (iii) A atuação da política brasileira sob a ótica neoextrativista de recursos naturais energéticos e o argumento da sustentabilidade; (iv) A tentativa da transição de mudanças políticas e sociais, a partir das políticas públicas no Brasil e seus conflitos inerentes e, por fim, as (v) considerações finais.

2 A RELEVÂNCIA DA MATRIZ ENERGÉTICA RENOVÁVEL BRASILEIRA PARA A ATUAL POLÍTICA ELÉTRICA NACIONAL

O Brasil é um país que dispõe de grande quantidade de recursos energéticos. Não obstante ao enorme potencial em produção de combustíveis fósseis, possui ainda uma ampla e quase inesgotável fonte de recursos naturais de alto valor energético agregado.

Detém a matriz energética mais renovável do mundo industrializado com 45,3% de sua produção proveniente de fontes como recursos hídricos, biomassa e etanol, além das energias eólica e solar, conforme dados disponibilizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (2017).

Neste contexto, a produção de energia elétrica tem seu maior destaque através das usinas hidroelétricas, setor responsável por 68,1% do total gerado no país, conforme indica relatório publicado pela ANEEL, de março de 2017.

Todavia, embora responsável pela maior parte da produção de energia, as usinas hidrelétricas vem perdendo espaço no mercado. Isso se deve pelos impactos socioambientais decorrentes da instalação de referidas usinas, bem como pelas manifestações contrárias da sociedade civil à construção de tais aparelhos.

Assim, outras formas de produção de energia vêm se mostrando mais presentes no espaço econômico-social brasileiro. As usinas solares, eólicas e termelétricas avançam no país, compondo, atualmente, importantes fatores de expansão produtiva, sendo consideradas meios viáveis, ambientalmente corretos e eficientes da utilização da matriz energética, em substituição às usinas hidrelétricas que, além do todo o dano ambiental e social que provocam, dependem de bons resultados pluviométricos para se manterem eficientes.

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A idealização da utilização de recursos naturais renováveis se firmou a partir da obra Os Limites do Crescimento (MEADOWS et al, 1973), onde se associa a contaminação e a escassez de recursos naturais ao principal problema da humanidade, sendo necessária a busca por alternativas ao atual modelo baseado na produção e consumo desenfreados.

A partir de então, os Estados Nacionais têm buscado se reorganizar institucionalmente, ampliando o processo de gestão, regulamentação e fiscalização das atividades causadoras de danos ao meio ambiente e passaram a propor alternativas para a promoção do desenvolvimento econômico, dessa vez, aliadas à ideia de sustentabilidade, em respeito às orientações das Organizações das Nações Unidas, por meio de seu Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

No Brasil, referida ampliação da matriz energética faz parte de um projeto iniciado na década de 1990, que envolvia a política energética brasileira e sua estrutura institucional, tendo como marco desse novo paradigma a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela lei nº 8.031/90, que encerrou o monopólio estatal que vigorava no país no setor elétrico e deu início à privatização de concessionárias.

Nesse período o Brasil experimentou o aumento crescente da demanda de consumo de energia elétrica e uma queda de investimentos no setor, o que favoreceu o surgimento de crise no abastecimento de energia elétrica, conhecida como a "Crise do apagão".

Somado à falta de investimentos em geração e distribuição de energia, a crise agravou-se pela falta de chuvas naquele período. Com a escassez de chuvas, o nível de água dos reservatórios das hidrelétricas baixou e os brasileiros foram obrigados a racionar energia.

No ano de 2002 foi institucionalizado o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – PROINFA, por meio da lei nº 10.438/02, com o objetivo de dinamizar a matriz energética brasileira, aproveitando-se os recursos naturais disponíveis em nosso território.

O Programa, criado segundo princípios de sustentabilidade (SACHS, 2015), viabilizava condições mais acessíveis à iniciativa privada nacional para o comércio de energia elétrica oriunda das fontes de recursos renováveis, tendo como garantia de contratação pela Eletrobrás durante 20 anos.

Tal regulamentação teve sua institucionalização a partir da criação de novas regras, entre elas as leis nº 10.847/04 e 10.848/04, onde foram instituídas as determinações sobre a comercialização de energia elétrica no país, bem como o estabelecimento de dois ambientes de compra de energia, o ambiente de contratação regulada (ACR) e ambiente de contratação livre (ACL). Assim, permitiu-se que as concessionárias, permissionários e autorizados pudessem negociar energia livremente entre si, dentro de determinadas condições estabelecidas pela ANEEL.

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Em meio a esse processo, funcionando como um mercado de commodities energéticas foi instituída a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) com o objetivo de gerir os processos de comercialização de energia elétrica, registrar e administrar os contratos firmados entre os geradores, comercializadores, distribuidores e consumidores (ANEEL, 2003).

Paulani (2011) explica essa evolução política, ao tratar o assunto sobre a ótica econômica da trajetória capitalista mundializada. Segundo ela,

A dinâmica das economias capitalistas hoje em dia não se limita apenas a uma reprodução de costumes e estruturas básicas, mas como um processo no qual as transformações culturais que sustentam cada nova fase do processo de acumulação superam temporariamente suas crises. (PAULANI, 2011, p.245)

Denota-se que a política energética brasileira, ainda que se tenha utilizado de alguns elementos centrados no conceito de sustentabilidade, sempre esteve atrelada à ideia de mercantilização dos nossos recursos e voltada à acumulação do capital financeirizado.

Referida logica é a que Harvey (2004) descreve:

O quadro se altera substancialmente numa situação em que o controle territorial (que pode ou não envolver a apropriação e a administração concreta de territórios) é considerado um meio necessário da acumulação do capital. O que distingue o imperialismo capitalista de outras concepções de império é que nele predomina tipicamente a logica capitalista, embora haja momentos em que a logica territorial vem em primeiro lugar. (HARVEY, 2004, p. 36)

Ou seja, a política aprovada cumpriria seu papel verde, mas também atenderia aos anseios do mercado capitalista mundial, colocando em suspenso diversas categorias de relevante interesse socioambiental.

2.1 A ATUAÇÃO DA POLÍTICA BRASILEIRA SOB A ÓTICA NEOEXTRATIVISTA DE RECURSOS NATURAIS ENERGÉTICOS E O ARGUMENTO DA SUSTENTABILIDADE

Quando pensamos em Desenvolvimento Sustentável (DS), algumas questões norteiam as discussões a sua volta: como viabilizar este conceito tão amplo? Ou ainda, como alcançar esse desenvolvimento a partir das potencialidades de cada país? E também, quais são os recursos disponíveis mediante tamanha escassez e limitações impostas às economias mais carentes ou em processos de crescimento, como é o caso brasileiro, e que conduzam ao desenvolvimento?

As ações e registros da legislação brasileira demonstram as tentativas de se incorporar às políticas públicas, enquanto marco de governança, diretrizes que passaram a consolidar-se em ação

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social do Estado dentro de um conceito de Desenvolvimento Sustentável atrelado a um crescimento econômico inclusivo e ambientalmente equilibrado (SACHS, 2015).

Porém, o que se observa é que a ideia de sustentabilidade atrelada a tais políticas nada mais seria, senão, apenas uma formalidade burocrática na tentativa de se adequar as exigências dos órgãos financeiros internacionais, pois na prática, muito pouco é evidenciado como sustentável.

Isso porque a sustentabilidade das políticas e das soluções adotadas depende também da análise de fatores sociais, como a ação de redução do impacto sobre populações vizinhas a grandes obras, que eventualmente exigem sua realocação; socioeconômicos, como, por exemplo, estudos de viabilização do modo de implementação de uma adequada expansão das redes de suprimento, com vistas a atender populações dispersas, situadas em áreas remotas; ou, ainda, culturais, como a transformação de seus hábitos e costumes, pelo que atravessa comunidades em decorrência da execução de políticas publicas que tem como propósito o desenvolvimento econômico.

Na maioria das opções energéticas a sustentabilidade é limitada, pois somente parte dos impactos socioambientais pode ser evitada (como se observa na instalação de usinas hidrelétricas e termelétricas, por exemplo), dado que tanto na fabricação dos equipamentos necessários à oferta e à utilização da energia, quanto ao longo da cadeia de transformações que os produtos energéticos sofrem, da sua fonte até a obtenção da energia útil, sempre há emprego de matérias primas e consumo de energia de fonte não renovável, descaracterizando, portanto, a ideia de sustentabilidade.

Além disso, o entendimento de se atrelar o crescimento brasileiro ao desafio de descarbonizar a economia e respeitar o meio ambiente, a partir de convicções que traziam como mote o desfazer, diminuir, reduzir, evitar, inseridas no conceito de sustentabilidade, não são muito atraentes, em tempos de luta contra a estagnação do crescimento.

Na verdade, ante ao atual modelo de estado brasileiro rentista neoextrativista, a utilização dos recursos naturais na busca pela eficiência energética tratou-se mais de uma materialização do movimento do capital financeiro global, no sentido de reforçar as formas e acumulação por espoliação, segundo Carvalho (2015), na busca pela inserção no mercado globalizado do que necessariamente de se promover a sustentabilidade.

Isso fez como que ativos antes invisíveis para a economia tradicional, a partir do final de década de 1990, como os serviços ambientais e energia, sejam, agora, adequados, medidos e valorados para sua negociação nos mercados; como as commodities energéticas, por exemplo, transformando a concepção de desenvolvimento sustentável em algo atrativo para o mercado financeiro.

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Referido movimento econômico decorre de uma nova forma de governança na gestão dos recursos naturais, segundo Gudynas (2009), encontrando remanso nas propostas das reformas neoliberais verificadas nos países da América latina a partir da década de 90.

Nesse contexto, cresce a utilização de recursos naturais como forma de acumulação para fins eminentemente lucrativos. Harvey (2004) identifica tal ação como uma persistente e recorrente prática predatória capitalista, onde o controle territorial é meio necessário para a acumulação de capital, aliado a perda de direitos e a regressão de estatutos protetivos.

Há de se considerar, ainda, que a acumulação desses recursos naturais, transformados agora em ativos econômicos, valorizando e viabilizando sua oferta e procura no mercado, obedece à característica rentista do Estado capitalista, não muito preocupado em promover a sustentabilidade em detrimento do crescimento econômico.

Tais características são princípios fundantes de uma nova configuração de se pensar o desenvolvimento sustentável, com base no que se intitula de economia verde.

Segundo preceitua o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, 2016),

Em uma economia verde, o aumento de receitas e a criação de empregos devem ser derivados de investimentos públicos e privados destinados a reduzir as emissões de carbono e a contaminação, a promover a eficiência energética assim como no uso dos recursos, e a evitar a perda de diversidade biológica e de serviços dos ecossistemas. Esses investimentos vão se catalisar e se respaldar com gasto público seletivo. O caminho em direção ao desenvolvimento deve manter, melhorar e, quando necessário, reconstruir o capital natural como ativo econômico fundamental e fonte de recursos públicos, especialmente para as pessoas desfavorecidas cujo sustento e seguridade dependem da natureza.

Moreno (2016, p. 264) observa que esse novo tipo de economia, intitulada agora como verde, ante ao desgaste ideológico e esvaziamento de sentido do que seria desenvolvimento sustentável, sobrepujando-se ao mesmo, representa uma narrativa unificadora do capital financeiro, a serviço de um novo passo da acumulação, aliando interesses econômicos, sem, contudo, promover grandes mudanças nos parâmetros de crescimento econômicos atuais:

Em um momento em que a economia mundial é absolutamente dependente e controlada pelo capital financeiro, e com o mesmo capital financeiro em crise, a criação e introdução de novos “ativos” no mercado financeiro, através da expansão da financeirização, é a principal estratégia para alavancar a economia “verde”. (MORENO, 2016, p. 286).

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Ainda segundo Moreno (2016), a incorporação do capital natural como uma realidade econômica, social, cultural e política, nos leva a um novo patamar de acumulação primitiva, criando exclusão, assegurando um marco jurídico que garanta direitos de propriedade e realizando profundas mudanças culturais para que o que antes era percebido socialmente como bem comum possa ser legitimamente transformado em propriedade privada.

Tal configuração econômica é o retrato da união entre experiência brasileira de ajuste estrutural da financeirização do processo de acumulação, segundo Carvalho (2016), com os parâmetros estabelecidos pelo PNUMA na tentativa de se operacionalizar uma economia verde com base sustentável.

Frise-se, ademais, que o processo de inserção nesse modelo econômico é recente, o que leva a compreensão da evidente precariedade das referidas políticas públicas, quanto ao que se entende por sustentabilidade.

Isso por que, segundo Carvalho (2015), apenas na primeira década do século XXI, é que se tem um ciclo de crescimento dos países latino-americanos, nos marcos de uma acumulação rentista-extrativista, embora, ainda com grande atuação do Estado a partir de programas sociais, para compensação do extrativismo, ao que Gudynas (2012a, 2012b) convencionou chamar de Estado Compensador. Daí porque o visível surgimento de políticas públicas com esse propósito surgidas nas últimas décadas.

Atualmente, o Brasil se insere no contexto estatal neoextrativista. Gudynas (2009; 2012a) define o neoextrativismo como um modelo de desenvolvimento focado no crescimento econômico e baseado na apropriação de recursos naturais, em redes produtivas pouco diversificadas e na inserção internacional subordinada.

O Estado, por sua vez, teria um papel ativo, buscando sua legitimação por meio da apropriação e redistribuição de parte da renda gerada, apresentando afinidades com a emergência de governos autodefinidos como progressistas (GUDYNAS, 2012a, p. 130).

Seguindo essa linha de pensamento, Moreno (2008) afirma:

Os ativos ambientais que compõem o capital natural, como o carbono, a água, a biodiversidade, são o lastro que garantira a essa nova etapa de acumulação, na qual a sua incorporação na contabilização de valor e riqueza dos países em curso (MORENO, (2016, pg. 288). Atende, portanto, ainda aos preceitos do que Chesnais (2005) identifica como sendo a financeirização do Estado, uma vez que os ativos que conformam o capital natural são rapidamente monetarizados, registrados, transformados em títulos e negociados no mercado financeiro,

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descaracterizando o propósito evidenciado por tais políticas públicas que seria garantir a preservação do meio ambiente por meio da utilização equilibrada de seus recursos naturais.

2.2 A TENTATIVA DA TRANSIÇÃO DE MUDANÇAS POLÍTICAS E SOCIAIS, A PARTIR DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL E SEUS CONFLITOS INERENTES

Sob a ótica de uma internacionalização do Estado, as estruturas econômicas nacionais, cada vez mais subordinadas às exigências do mercado internacional, alteram a própria configuração do Estado, por meio das políticas públicas.

Brand (2006) afirma que esse modelo de Estado internacionalizado acaba por fomentar as condições propícias para a comoditização e a industrialização da Natureza, em várias escalas, como, por exemplo, através da intensificação do extrativismo verificado nos países da América Latina.

Segundo este autor:

As políticas públicas são parte de um processo próprio que tem objetivo de formular implementar “Projetos de Estado” (como o neoliberalismo, que, apesar de diminuir o Estado, foi e é um projeto de Estado) que permeiam os diferentes aparelhos com suas próprias logicas e tarefas. (...) São projetos que se baseiam na violência e no uso da força, mas também em compromissos negociados e no consentimento. (BRAND, 2006, p. 134)

Daí, o que se percebe é que a agenda de políticas públicas, via de regra, não cumpre seu papel de atender aos anseios da sociedade, mas se volta à busca dos interesses do Estado, através de uma seletividade estrutural que garanta os interesses da acumulação capitalista.

Poulantzas (1980), ao definir seletividade estrutural, explica que a estruturação do aparelho estatal e a apresentação de suas regras abrem um maior espaço para a luta política e para a ação dos atores políticos, ou seja, para a contingência e incerteza presentes nos processos políticos, ante o caráter estrutural estatal classista, patriarcal, imperial e pós-colonial resistente à mudanças inerente às política s públicas (BRAND, 2006).

Porém, a principal função do Estado capitalista seria consolidar as relações sociais dominantes, dar-lhes certa continuidade, e, também, contribuir, sob austero controle, para que se dirijam a novos arranjos convenientes.

Daí a justificativa para a presença constante de processos de transição, e não transformação, no contexto político e social do cenário brasileiro, como ocorre com a mudança de paradigma da utilização dos recursos naturais renováveis para a produção de energia elétrica e toda a configuração da política energética brasileira.

O que se tem num processo de transição é a proposta de mudanças sociais e institucionais a partir de políticas públicas, notadamente as do tipo top-down. Cria-se um novo marco jurídico, já

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dotado de financiamento necessário, e surgem novas instituições políticas (ou se reorientam as já existentes). Não há debate entre os atores sociais envolvidos e suas expectativas, apenas a consolidação de um processo de acumulação capitalista destinado a uma classe especifica.

Processo diferente ocorre com a transformação, eis que a mudança não se restringiria apenas às políticas públicas, mas para uma mudança mais integral e profunda em várias esferas da vida social.

Assim, o processo de financeirização do capital, como política econômica neoliberal já firmada no Estado brasileiro, torna-se presente como uma figura imponente que ultrapassa as barreiras da sustentabilidade, mas que as utiliza para obter legitimidade perante a sociedade. A transição das mudanças políticas e sociais se mostra, assim, um perfeito instrumento para sua consecução.

Dessa forma, o PROINFA funcionaria como um disfarce à manutenção de um extrativismo rentista, sob a roupagem sustentável que buscaria implementar mudanças institucionais que garantiriam o crescimento econômico verde.

Observa-se, porém, que a efetivação desse programa vem gerando inúmeros conflitos, reativos a sua logica capitalista. Localidades dos estados de Rio Grande do Norte (HOFSTAETTER e PESSOA, 2017) e do Ceará (SILVA, 2014), por exemplo, registram o surgimento de conflitos socioambientais decorrentes da instalação de usinas eólicas em zonas costeiras, por comunidades que reivindicam seus espaços usurpados, sua natureza degradada, seus costumes, hábitos e culturas ameaçados por processos de deculturação institucionalizados por essa tentativa de esverdear processos de espoliação.

Aqui, o poder estatal é observado como uma estrutura centralizada na busca única de potencializar os interesses de uma classe restrita, assegurando sua dominação sobre as demais.

3 CONCLUSÃO

Para Sachs (1993), a verdadeira escolha não se restringe entre desenvolvimento e meio ambiente, mas entre formas de desenvolvimento prudentes ao meio ambiente e formas insensíveis. Dessa sorte, o pensar sustentável exige estratégias que englobem as dimensões política, social, científica, tecnológica, econômica e ambiental, dentro de uma ótica sistêmica que envolva o Estado e seus stakeholders.

Uma política que se volte a promover o desenvolvimento sustentável no setor energético precisa achar caminhos para atender às necessidades da demanda, obedecendo a critérios de meio ambiente sustentável, socialmente equitativo e economicamente viável, além de atentar-se para suas repercussões dentro do contexto onde está inserida.

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Seguindo a lógica capitalista atual, o aumento da participação de fontes renováveis na matriz brasileira tem atraído cada vez mais investimentos internacionais, interessados na exploração do potencial energético renovável do Brasil. Mas, quais são os reais interesses dessa exploração? Quem, de fato, se beneficia com essa política?

Daí, o que se observa, com a estratégia adotada pela política energética brasileira e a utilização de recursos renováveis é que embora prometam seguir concepções assentadas no conceito de sustentabilidade, referidas políticas estão longe de consolidar o uso equilibrado dos recursos naturais, frente às necessidades básicas dos agentes, estando mais visível o viés financeirista de acumulação por espoliação dos seus ativos ambientais.

Os conflitos surgem, portanto, a partir de uma inadequação dos objetivos dessa política com os interesses de uma pequena classe dominante que impõe sua hegemonia nas relações sociais, divergindo, portanto, dos reais objetivos de sustentabilidade e desenvolvimento econômico.

Isso porque o desenvolvimento econômico sustentável não deveria se firmar em reformas que interessam a uma minoria financeiro-rentista neoliberal, mas com o propósito de se promover um projeto nacional de desenvolvimento no qual as instituições das sociedades modernas – o Estado, mercado e demais stakeholders – se apoiem mutuamente, ao invés de serem colocadas em lados opostos, em evidente posição de conflito.

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Referências

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