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Rosalina Rodrigues de Oliveira

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Academic year: 2019

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(1)

Universidade de Brasília

Faculdade de Educação

A Transferência na Ação Pedagógica: ruído ou música?

Rosalina Rodrigues de Oliveira

(2)

Rosalina Rodrigues de Oliveira

A Transferência na Ação Pedagógica: ruído ou música?

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da Universidade

de Brasília, como exigência para obtenção do título de Mestre em

Educação, área de confluência Avaliação e Trabalho Pedagógico,

sob a orientação da Profa. Dra. Inês Maria M. Z. P. de Almeida.

(3)

Rosalina Rodrigues de Oliveira

A Transferência na Ação Pedagógica: ruído ou música?

Banca Examinadora:

Profa. Dra. Inês Maria M. Z. P. de Almeida – UnB - Orientadora

Profa. Dra. Laura Maria Coutinho - UnB

Prof. Dr. Renato Hilário dos Reis – UnB

Profa. Dra. Sandra Francesca Conte de Almeida - UCB

(4)

DEDICATÓRIA

Essa conquista é dedicada à minha Mãe, pelas orações, pelo apoio silencioso do seu coração, por ter me dado a vida, e, também, por ter sido minha primeira aluna.

À minha irmã, Mência, pelo apoio e incentivo em todos os momentos da minha vida, inclusive pela grande responsabilidade que confere ao meu trabalho.

Ao Luiz Carlos, companheiro, cúmplice, pelo incentivo, encorajamento, nos momentos de angústia, de mau humor, e, sobretudo, por sua compreensão pelos inúmeros dias de afastamento do lar, meus eternos agradecimentos.

A todos os professores e alunos, que vivem o ruído e a música da transferência, que estudam, pesquisam, lutam, e diariamente tentam eliminar o analfabetismo, que persistentemente se inscreve como doença social em nosso país.

(5)

AGRADECIMENTOS

A Deus e à Amada e Veneranda Maria, Mãe de Jesus, que me ilumina e acolhe

em todos os momentos.

À Profa. Dra. Inês Maria M. Z. P. de Almeida, minha orientadora e amiga, que de

maneira atenciosa, justa e ética, confiou em mim, me acolheu, compartilhou comigo as

inquietações dessa pesquisa e de outros assuntos educacionais.

À Profa. Dra. Sandra Francesca Conte de Almeida, pela benevolência da

contribuição, desde o princípio, durante o Curso de Extensão, pela leitura atenciosa do

meu texto de qualificação, pelas sugestões de leitura, pela rigorosa e atenta leitura deste

trabalho, e pela participação na Banca Examinadora.

À Profa. Dra. Laura Maria Coutinho, pela ternura, amizade, generosidade,

acolhimento e atenção, desde os tempos de aluna, na sua disciplina Tópicos em

Educação, Audiovisual e, em todos os momentos, no decorrer do Mestrado; sobretudo,

pela pessoa que é digna de todo meu respeito e carinho especial.

Ao Prof. Dr. Renato Hilário dos Reis, meu guru, amigo, pelo seu acolhimento,

desde os tempos de aluna na sua disciplina Tópicos Especiais em Educação de Jovens e

Adultos, e, sobretudo, pelo seu estímulo que me incentivou ingressar no Mestrado, meus

sinceros agradecimentos.

Aos Professores cursistas, pela disponibilidade da partilha de suas histórias,

trajetórias de ruídos e músicas, sem os quais essa pesquisa não teria sido possível.

À colega Thais, da Universidade Católica de Brasília, pelo acolhimento em sua

casa, pela parceria construída ao longo da realização do Curso de Extensão.

(6)

A todos os meus professores, que propuseram reflexões e descobertas, que

fizeram parte da minha trajetória escolar, especialmente às Professoras D. Rita e D. Lita,

que foram inspiradoras e fundamentais para a aguçar a minha pulsão de saber e a

importância desta pesquisa.

À querida Aninha, minha babá, pessoa importantíssima nessa trajetória, por ter

sido uma das minhas primeiras alunas.

Ao colega Wesley Figueiró, um agradecimento especial por sua contribuição,

realizando as fotografias que compuseram o cenário inicial da pesquisa.

Ao Professor Pedro Angueth, pela amizade, solidariedade, interlocução criativa e

fecunda, pelos subsídios que forneceu, seja na Psicanálise ou em outras áreas, pela

leitura e encaminhamento do meu objeto de estudo; não podia esquecer do alter ego.

Ao Evandro, meu carinho especial; mesmo distante, na Cidade de Poté, MG,

sempre me incentivou, por meio de suas palavras de apoio, fortalecendo-me como

pessoa e profissional.

À amiga Janaina, colega do Mestrado, e seus familiares, meus sinceros

agradecimentos.

À amiga Sandra Prazeres, colega do Mestrado, pelas reuniões, interlocuções,

discussões de nossos objetos de estudo, aprendizado, partilha humana nas alegrias e

tristezas, e pelo desafio enfrentado de algumas produções coletivas de conhecimento;

sobretudo, pelo acolhimento no seu lar, juntamente com Robert, Marina e Pedro (esposo

e filhos).

À amiga Cristina Célia, pela amizade, ajuda, apoio e aprendizado.

A todos os professores e alunos da Escola Classe 6, e Centro de Ensino

Fundamental 7, Guará II, Brasília, DF, particularmente à amiga e Professora Rosilene,

(7)

pela sua disponibilidade, parceria, cumplicidade, empenho, presteza que sempre teve

comigo, em todos os momentos, durante o processo de preparação, seleção e admissão

no Mestrado; sobretudo contribuiu de maneira incondicional para a realização da

pesquisa.

Ao amigo Grimualdo, por sua bondade, generosidade, por sua amizade; pelas

degravações cuidadosas das fitas de vídeo, pela revisão de texto, e, pela disponibilidade

e presteza em toda a minha caminhada acadêmica e pessoal; também por sua vibração

pelo meu sucesso, todo meu respeito e sinceros agradecimentos.

Às colegas do mestrado Adriana, Betânia, Márcia, Nastassja, Patrícia, meu

carinho especial pela alegria que trazem a cada contato.

À Profª Rosana e o Profº Edival, representantes legítimos do Instituto SABER,

meus sinceros agradecimentos por me ensinar a dar os primeiros passos ao encontro da

Psicanálise.

A todos aqueles que, em suas orações, energia e pensamentos positivos, que de

uma forma ou outra contribuíram para que eu concluísse o Mestrado, meus

agradecimentos.

Aos amigos Rita e Hildebrando, e a todos os colegas, professores, funcionários

da UNB, que de forma direta ou indireta trilharam comigo o caminho acadêmico.

(8)

RESUMO

Este trabalho busca refletir sobre o fenômeno transferencial no cenário pedagógico, e suas possíveis implicações na prática docente. Visa analisar e problematizar este conceito utilizando os saberes advindos do aporte psicanalítico, bem como, refletir sobre as (im) possíveis conexões da Psicanálise e Educação. A origem do estudo confunde-se com o resgate de sentimentos e imagens da trajetória de vida pessoal/profissional da pesquisadora, trazendo elementos vividos em sua escolaridade inicial, como closes do passado que (re) constituem o presente docente, a fim de discutir a questão da transferência/pulsão de saber no ato educativo. Segundo a concepção freudiana, o fenômeno transferencial, manifesta-se em todas as relações humanas. A partir dessa concepção norteadora, procurou-se ressaltar a importância do desejo articulado à pulsão de saber, assim como compreender, dentre outras dimensões psíquicas, a sublimação, identificação e sedução, que se associam para que ocorra o aprendizado. A análise dos dados foi realizada no entrelaçamento entre questionários, diário de bordo, análise crítica de filmes e o dispositivo de memória educativa, utilizados como instrumentos de pesquisa qualitativa no Curso de Extensão Memória Educativa e Subjetividade Docente: do imaginário ao simbólico, para 41 professores da rede pública e particular de ensino do Distrito Federal, desenvolvido no 2º semestre de 2005, numa parceria institucional dos programas de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e Universidade Católica de Brasília. Os resultados indicam que os professores, em geral, não têm clareza do fenômeno transferencial. Mesmo reconhecendo os limites da apropriação do conhecimento teórico que em si mesmo não pode significar salvaguarda para as práticas educativas, importa trazê-lo para, possivelmente, melhor compreender e/ou clarear outras questões mais complexas envolvendo evasão escolar, inibição do pensamento, apatia e dificuldades de aprendizagem e relações em sala de aula. Sublinha-se a importância central do papel do professor, sob a perspectiva do fenômeno transferencial. Através do fenômeno transferencial emerge a verdade histórica do sujeito, a sua história (tecida de aceitações e rejeições, conceitos e preconceitos), enfim os seus desejos recalcados. Esses componentes podem ser chancelados ou não pelo professor; daí os possíveis sucessos ou insucessos da relação pedagógica. O desejo de saber do

(9)

aluno possui raízes sexuais, e, no ato educativo, atravessa o processo transferencial forjado na ação pedagógica, sendo que o desejo é que faz esse movimento pulsional de investimento de sentido e poder na figura do mestre. Os resultados permitem reafirmar a importância da contribuição da Psicanálise, como campo teórico, no entendimento da educação escolar, ressaltando-se a análise e problematização sobre o fenômeno transferencial no cenário pedagógico e as implicações da pulsão de saber, com desdobramentos inegáveis para a formação inicial e/ou continuada de professores.

Palavras – chave: transferência, pulsão de saber, cenário pedagógico.

(10)

ABSTRACT

This study seeks to reflect on the transference phenomenon in the pedagogical context, and its possible implications in teaching. Its aim is to analyze and problematize these concepts using knowledge from the psychoanalytical framework, as well as to reflect on the (im)possible linkages between psychoanalysis and education.The origin of the study is intertwined with the recovery of feelings and images from the personal/professional life path of the researcher, bringing in elements experienced in her early schooling, such as glimpses of the past that (re)constitute her present teaching, in order to discuss the question of transference/drive for knowledge in the educational activity.According to the Freudian theory, the transference phenomenon manifests itself in all human relationships. Based on this guiding notion, the study sought to highlight the importance of the desire linked to the drive for knowledge, as well as to understand sublimation, identification, and seduction, — among other psychic dimensions — which combine for learning to take place. The data analysis was carried out through the combination of questionnaires, log books, critical analysis of films, and the mechanism of school memories, used as qualitative research instruments in the Extension Course – School Memories and Teacher Subjectivity: from the imaginary to the symbolic (Curso de Extensão Memória Educativa e Subjetividade Docente: do imaginário ao simbólico) - for forty one teachers of public and private schools of the Federal District, which took place during the second semester of 2005, in an institutional partnership of the postgraduate programs of the School of Education of the University of Brasilia (UnB) and the Catholic University of Brasilia. The results indicate that teachers, in general, has no clear perception of the transference phenomena. Even though recognizing the limits of the appropriation of the theorical knowledge this, by itself, can not mean safeguard against the educational practices, and matters bring it on, possibly, to better apprehend and/or clarify more complex questions that involves school evasion, thought inhibition, apathy and learning problems, and classroom relationships. It underlines the central importance of the teacher’s role under the transference phenomenon perspective. Through the transference phenomenon emerges the historical truth of the subject, his history (made of acceptations and

(11)

rejections, concepts and prejudices), lastly, his suppressed desires. Those components can be or can be not accepted by the teacher; then the possibility of success or failure in the pedagogical relationship. The craving for knowledge of the student has sexual roots, and, in the educational act, crosses the transference process forged in the pedagogical action, being the craving what makes that pulsing movement the investment of sense and power of the master figure. The results allow us to reaffirm the importance of the contribution of psychoanalysis, as a theoretical field, to the understanding of school education, highlighting the analysis and problematization of the transference phenomenon in the pedagogical setting and the implications of the drive for knowledge, with undeniable repercussionsfor both initial and continued teacher education.

Keywords: transference, drive for knowledge, pedagogical setting

(12)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 1 – Vista aérea do centro de Francisco Badaró, MG... 26

Foto 2 – Vista da Sede da Fazenda Água Limpa... 26

Foto 3 – Otália Rodrigues de Oliveira (mãe)... 28

Foto 4 – Ana, referida no texto como uma das primeiras alunas (babá)... 30

Foto 5 – Profa. Rita, citada no texto... 34

Foto 6 – Dona Lita, professora citada no texto... 35

Foto 7 – Vista parcial do centro da Cidade de Poté, MG... 40

Gráfico 1 – Gênero ... 170

Gráfico 2 – Nível de formação... 170

Gráfico 3 – Tempo de formação... 171

Gráfico 4 – Procedência... 171

Gráfico 5 – Tempo de exercício... 172

Gráfico 6 – Perfil de freqüência... 172

Gráfico 7 – Instrumentos recebidos... 173

(13)

S U M Á R I O

DEDICATÓRIA... 4

AGRADECIMENTOS... 5

RESUMO... 8

ABSTRACT... 10

LISTA DE ILUSTRAÇÕES... 12

SUMÁRIO... 13

APRESENTAÇÃO... 18

CAPÍTULO I A ORIGEM (UR): A MEMÓRIA DA PESQUISADORA ATRAVESSADA PELO OBJETO DE ESTUDO... 24 A fotografia da (des) construção da minha historicidade... 24

CENA 1 – E tudo se desenvolve como um filme... 25

CENA 2 – Um close nos arquivos... 27

CENA 3 – Na (des) construção desse arquivo... Por entre os fios da fantasia e da razão... 29 CENA 4 – A conversa prossegue... Revolvendo os arquivos, os relatos continuam... 30 CENA 5 – E a prosa continua... 31

CENA 6 – Arquivos com espelhos... Imagens inesquecíveis... 32

CENA 7 – Histórias, contos, imaginação, fantasias, histórias de terror, bruxas... 35 CENA 8 – Fragmentos e arquivos... 37

(14)

CENA 9 – De fragmento em fragmento... Um acolhimento... 39 CENA 10 – Os arquivos estocam, acumulam, mudam, trocam... 40 CENA 11 – De arquivos pessoais a arquivos profissionais... 42 CENA 12 – (Vi) vendo (com) vivendo com o problema de pesquisa... 42 CENA 13 – A fé remove montanhas... 44 CENA 14 – Do empírico ao científico... 47 CENA 15 – O tempo passa, a realidade a mesma... A memória me

atravessa como sujeito...

49

CENA 16 – Arquivos... Arquivos... Continuo (des) organizando arquivos...

51

CENA 17 – Os novos arquivos, às vezes arrumados, às vezes desarrumados...

51

CAPÍTULO II

PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS E PRINCÍPIOS

NORTEADORES...

53

Os pilares nos quais se assenta esta pesquisa... 53 CAPÍTULO III

PSICANÁLISE: ALGUMAS POSSÍVES CONTRIBUIÇÕES AO ATO

EDUCATIVO...

57

A Psicanálise manda lembrança à sala de aula... 63 CAPÍTULO IV

A ARTICULAÇÃO DA PULSÃO COM O SABER...

78

Pulsão: percurso, percalços, incidência... 78

CAPÍTULO V 96

(15)

CONCEITUANDO TRANSFERÊNCIA NO CONTEXTO FREUDIANO... CAPÍTULO VI

(DES) CONSTRUÇÃO DO CAMINHO A SER PERCORRIDO...

112

O Curso de Extensão: contexto, concepção e sentido... 115 Metodologia: caminhos de construção da pesquisa... 116 Sujeitos: luzes e vozes participantes... 117 Procedimentos e instrumentos: recursos norteadores da investigação...

118

Sistematização dos dados... 120 Construindo perspectivas: análise da investigação... 121 CAPÍTULO VII

ANALISANDO AS FALAS E NARRATIVAS DOS SUJEITOS DA

PESQUISA...

123

A Relação Transferencial: dispositivo ou negação do aprender... 124 Repressão: o silenciamento da palavra e do ser... 128 Identificação: um processo de constituição do eu pessoal e profissional...

133

Onipotência Narcísica: um misto de agressividade e autoritarismo...

137

A Escuta Elaborada: Dispositivo da inoculação do desejo de saber.. 140 Uma retomada dos Dados: momento de reflexão... 145 CAPÍTULO VIII

À GUISA DE CONCLUSÃO...

149

(16)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 155 APÊNDICES... 161

APÊNDICEA... TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

161 APÊNDICE B... CRONOGRAMA 163 APÊNDICE C... Instrumento: Questionário 164 APÊNDICE D... Instrumento: Diário de bordo

166

APÊNDICE E... Instrumento: Elaboração da Memória Educativa

167

APÊNDICE F... Instrumento: Análise crítica dos filmes

169

APÊNDICE G... Gráfico 1 – Gênero

170

APÊNDICE H... Gráfico 2 – Nível de formação

170

APÊNDICE I... Gráfico 3 – Tempo de formação

171

APÊNDICE J ... Gráfico 4 – Procedência

171

APÊNDICE L ... Gráfico 5 – Tempo de exercício

172

(17)

APÊNDICE M... Gráfico 6 – Perfil de freqüência

172

APÊNDICE N... Gráfico 7 – Instrumentos recebidos

173

(18)

APRESENTAÇÃO

Quando o close retira o véu de nossa imperceptibilidade e insensibilidade com relação às pequenas coisas escondidas e nos exibe a face dos objetos, ele, ainda assim, nos mostra o homem, pois o que torna os objetos expressivos são as expressões humanas projetadas nesse objeto... [...] Os objetos são apenas reflexos de nós mesmos.

(XAVIER, 1983)

Apresento este trabalho fazendo um close na minha trajetória de vida pessoal e profissional. Aproprio-me da palavra close no sentido de uma ampliação da imagem no espaço. Pretendo resgatar sentimentos, comportamentos, imagens (vi) vidas e (com)

vividas na minha história.

Pretendo buscar, neste trabalho, os detalhes, a visão de close e com ela compor um plano seqüência1, no sentido de reproduzir o presente da minha historicidade, como

uma realidade vista e ouvida no seu acontecer. Proponho aproximar-me dessa linguagem cinematográfica com a intenção de retratar os acontecimentos da minha memória. Assim

como a técnica cinematográfica procura produzir efeitos no espectador, busco também

suscitar, no leitor o desejo, um certo suspense, e um pouco de cumplicidade.

A pesquisa discute a questão da transferência no ato educativo e as possíveis

conexões da Psicanálise com a Educação, sob o olhar da Psicanálise, como um operador

de leitura que se pauta na desconstrução dos discursos hegemônicos da psicopedagogia,

fundamentado numa pedagogia autoritária calcada em certezas e verdades absolutas.

1 Entendido como elemento esquemático e primordial, do cinema, que reproduz as coisas e as ações reais

do momento em causa, vista simultaneamente de diversos ângulos. (PASOLINI, 1982, p. 193)

(19)

Nesse sentido, busco usar o aporte psicanalítico como ferramenta conceitual,

diferente de uma situação analítica, por se tratar de uma pesquisa no âmbito da

educação, especificamente no ato educativo. Portanto, sublinham-se os saberes

psicanalíticos essencialmente como instrumentos heurísticos capazes de iluminar essa

construção. Isto é, busca-se refletir sobre os efeitos inconscientes do ato transferencial,

fora do setting analítico, nas relações culturais, nos encontros humanos, especialmente refletindo sobre o fenômeno transferencial como fenômeno relacional/intersubjetivo.

Desse modo, vários conceitos da Psicanálise passarão a fazer parte da linguagem

corrente deste trabalho.

Compreendo que o saber psicanalítico desafia o educador2 a rever suas

posturas, especialmente na dimensão da sensibilidade humana, muitas vezes

instigando-o a abandinstigando-onar instigando-o cinstigando-onfinstigando-ortinstigando-o de pinstigando-osturas e sentimentinstigando-os já cristalizadinstigando-os.

Inicialmente, chamo de arquivos os fragmentos de um todo, fragmentos da minha memória, na qual é possível dizer que se encontra, também, a raiz e a sustentação deste

trabalho.

Os arquivos inicialmente dão idéia de arrumação, de guardar e/ou organizar. Assim, sob esse olhar investigativo e subversivo da Psicanálise, que postula um saber

diferenciado, situo-me e sustento a utilização da palavra arquivo, metaforicamente aludindo aos fragmentos da minha memória educativa, como aluna/profissional inserida

no contexto educacional. Arquivos, neste texto, têm o sentido de um fim que se abre para alguma coisa, possibilidade de criar outras grades de leitura na construção da minha

subjetividade profissional.

2 Neste trabalho todas as referências a professores e/ou educadores, bem como alunos, devem ser

entendidas como gênero comum: masculino/feminino.

(20)

Proponho uma (des) organização no sentido de (des) construção de toda

estrutura das metas educacionais e do ideário hegemônico presentes na minha formação.

Desconstrução quer dizer compreender a lógica que compõe as marcas em mim inscritas,

para propor minha constituição subjetiva como professora; desconstrução, vista como

“latência”, possibilidade discursiva de refletir sobre os efeitos dos processos

inconscientes, essencialmente o fenômeno transferencial. A partir daí, construir uma nova

leitura de mundo, ou seja, revolver os arquivos no sentido de desmontar uma cadeia de

significantes para (re) configurar outras; ler o mapeamento dos lugares atribuídos e

assumidos por mim na condição de aluna e profissional da educação.

Utilizo a metáfora do arquivo não no sentido de transposição de sentido, mas efetivamente como ruptura, possibilidade de diálogo com o mal-estar gravado em minha

memória, que incide na minha prática educativa.

Freud (1910 [1909]) esclarece que o fenômeno transferencial precede a

Psicanálise. É um fenômeno inerente à humanidade e freqüentemente se manifesta no

cotidiano das pessoas. Não há como negar que ele existe na educação, instituído e vivido

em sala de aula pelos professores e alunos, no ato educativo. Aponta, ainda, que esse

fenômeno surge espontaneamente nas relações humanas. Percebe-se que esse

fenômeno alude à capacidade e particularidade da psique humana, para captar as

emoções do mundo extra-psíquico; transmite uma representação, viabiliza o trânsito entre

passado/presente, longe/perto, eu/outro. Portanto, apropria-se de um jogo de similaridade

e contigüidade, de um jogo de ausência e presença que se materializa entre o eu e o

(21)

Outro. No processo de constituição, o infans3 lança uma demanda dirigida ao Outro

através do vínculo transferencial, buscando sempre um laço social.

Nota-se que, no ato educativo, muitos professores desconhecem esse campo. Na

maioria das vezes, por não terem consciência do fenômeno transferencial do aluno em

relação ao professor e vice-versa, os professores entendem as manifestações desses

processos inconscientes como embates de cunho pessoal e desrespeitoso. Há

momentos, em sala de aula, que os alunos praticam uma mesma atitude considerada

inadequada pelo professor e são punidos de formas diferenciadas, ou, então, o professor

toma a mesma atitude em relação a fatos diferenciados – generaliza comportamento e

crítica acerca do aluno. É visível a grande dificuldade dos professores em lidar com o

fenômeno transferencial no tocante ao processo pedagógico.

O Capítulo I situa o objeto da pesquisa, contextualizando e historicizando-o a

partir de um mergulho na memória educativa da pesquisadora. Analiso o aspecto

transferencial presente nas relações inter-humanas, a partir do relato da minha própria

trajetória de vida, permeada de diversos conflitos e indagações, desde a infância até a

minha inserção no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da

Universidade de Brasília.

Para elucidar o lugar epistemológico da pesquisa, o Capítulo II aborda seus

princípios norteadores. Neste contexto, as contribuições de Nicolescu (2000), Morin

(2003), Rezende & Gerber (2001), entre outros, fundamentam o questionamento acerca

do pensamento linear de bases cartesianas – uma única realidade a ser notada da

mesma forma por todos – como ineficaz para resolver problemas humanos que envolvem

a dimensão psico-social.

3 Na Psicanálise, refere-se ao ser não dotado da fala.

(22)

O Capítulo III faz algumas reflexões sobre Psicanálise e Educação,

especificamente a compreensão dos efeitos inconscientes na ação pedagógica.

O quê nos impulsiona? O que nos move? Para quê? Com que finalidade? O que

produz o quê? Conhecimento é o mesmo que Saber? Essas questões são abordadas no

Capítulo IV, após um breve histórico sobre os percursos, percalços e a incidência da

pulsão, em especial, a pulsão do saber.

No Capítulo V, após um diálogo com Freud, busco a contribuição de autores

contemporâneos para referendar teoricamente a compreensão acerca do campo

transferencial.

No Capítulo VI, falo sobre a metodologia, apresentando os caminhos percorridos

para a realização da pesquisa. O começo se dá no Curso de Extensão intitulado Memória Educativa e Subjetividade Docente: do imaginário ao simbólico, realizado em 2005, na Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, em parceria com a Universidade

Católica de Brasília.

No Capítulo VII, analiso as narrativas dos professores por meio dos seguintes

instrumentos de investigação: questionário semi-estruturado; diário de bordo; memória

educativa e análise crítica de filmes que se expressaram para além da memória

educativa, inscrita na minha própria história de vida.

As Considerações Finais estão no Capítulo VIII.

Enfim, na condição de professora regente, atuante em sala de aula, (vi)

vendo/(com) vivendo a experiência transferencial, desejo narrar este texto pensando com

os teóricos abordados e não apenas sobre eles. Pretendo do lugar onde estou situada e

me situando, valer-me dos saberes advindos da Psicanálise para refletir (reflexão no

entendimento de se alterar, se fazer outro) sobre os desafios correntes/ocorrentes da

(23)

questão transferencial no ato educativo, suas relações com a pulsão do saber e seus

possíveis desdobramentos no cenário educativo.

(24)

CAPÍTULO I

A ORIGEM (UR): A MEMÓRIA DA PESQUISADORA

ATRAVESSADA PELO OBJETO DE ESTUDO

A fotografia da (des) construção da minha historicidade.

O primeiro estágio da fotografia é o “negativo”; cada imagem fotográfica tem de passar pelo “processo negativo”, e só alguns desses negativos, que foram aprovados, são admitidos ao “processo positivo”, que afinal termina na imagem fotográfica.

(FREUD, 1912/2004, p. 87)

Inicialmente, faço analogia à palavra fotografia, considerando-a adequada para abordar a relação da pesquisa com a minha história de vida. Fotografia deve ser entendida aqui, a partir de um negativo, não no sentido de oposição com o positivo, mas

como o fundamento, como na própria fotografia. A partir do negativo, fazer uma história, a saber, construir uma narrativa daquilo que teve um objeto, se inscreveu e deixou sua

marca. Ocorrem-me palavras de Benjamin (1994): a narrativa não quer transmitir somente

algo narrado como uma informação ou um relatório, porém ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso (p. 205).

(25)

Certamente existem outras formas de abordar o fenômeno transferencial no ato

educativo. Entretanto, optei tratar desse fenômeno a partir das minhas vivências, pois as

mesmas atravessam a feitura do próprio trabalho. O objeto de estudo da pesquisa vela e

desvela através da (des)construção da minha memória educativa, inscrita na experiência

como educadora e atuante em sala de aula, no Ensino Fundamental de 1ª à 4ª série, e da

EJA - Educação de Jovens e Adultos, da rede pública de ensino do Distrito Federal.

Ainda buscando uma aproximação com a linguagem cinematográfica, lembro

Pudovkin (1983). Utilizando sua concepção de construção de uma cena a partir de planos,

de seqüências que se estruturam numa montagem, pretendo construir as cenas da minha

história de vida, a partir de fragmentos dessa trajetória, como forma própria de construção

da narrativa. Segundo esse autor, a montagem constrói as cenas a partir dos pedaços separados, onde cada um concentra a atenção do espectador apenas naquele elemento importante para a ação (p.60). Assim, tentarei apresentar, entre os vários acontecimentos que consolidam as minhas vivências pessoais e profissionais, cenas que comporão a

seqüência desses fatos.

CENA 1 – E tudo se desenvolve como um filme...

Minha própria história de vida é reveladora das marcas que me constituem

enquanto aluna/profissional. Nasci em Francisco Badaró4. Filha de pais analfabetos, e

4 Francisco Badaró-MG, cidade localizada no Nordeste de Minas Gerais, Médio Jequitinhonha, com

população de 10.357 habitantes e área de 464 km² ( Fonte: IBGE, censo 2000)

(26)

sem acesso ao mundo letrado, convivi com o fantasma do analfabetismo que rondava e

se apropriava daquela comunidade. Desde cedo não me contentava em apenas fazer

parte daquela paisagem bucólica. Inconformada com a dureza daquela situação, pelo

rádio (naquela época uma das mais avançadas formas de comunicação) tive contato e me

apaixonei por aquele mundo novo, que representava a possibilidade de viajar sem sair do

lugar. Minha alfabetização teve inicio aí, ouvindo rádio, especificamente o programa Voz do Brasil, que levava ao ar o MOBRAL5. Repassei esse novo saber para os meus pais, até então analfabetos. Da mesma forma, nos terreiros da Fazenda Água Limpa (nossa propriedade), vivenciei com os trabalhadores braçais, em uma relação afetiva, dialógica e

amorosa, momentos de mútua aprendizagem e troca de saberes. Existia o desejo, ainda

que velado, de reverter a condição de analfabetismo.

Foto 1 - Vista aérea do centro de Francisco Badaró-MG Foto 2 – Vista da sede da Fazenda Água Limpa

http://www.onhas.com.br/internas.php/galeria

Ouvia rádio, horas e horas incansáveis e prazerosas, juntamente com aqueles

sujeitos até então excluídos do mundo da leitura, mas indivíduos detentores de valiosos

5 Movimento de Alfabetização Brasileiro - criado pela Lei Nº 5.379, de 15 de Dezembro de 1967 – para

alfabetização que se reduziu, ideologicamente, (período da ditadura militar) às campanhas de alfabetização funcional de jovens e adultos.

(27)

saberes populares. Contavam histórias de vida, narrativas, causos. Com esses sujeitos

6estabelecia diálogo singular, ousava fantasiar e viver com eles, dentre outras, histórias

que fazem parte do mundo infantil, tais como os personagens do mundo de Alice no País das Maravilhas, conhecido hoje através de filmes e várias publicações, mas naquele tempo vividos como história real.

Nas fantasias e na oralidade, vivenciadas naqueles momentos, inscreviam-se o

aprendizado das letras e a leitura-mundo. Como aponta Tanis (1995), o aparelho psíquico não é dado desde as origens, ele e suas instâncias obedecem a um processo de constituição, que não é exclusivamente maturativo, mas depende das experiências do sujeito (p.46).

CENA 2 - Um close nos arquivos...

Os arquivos fazem parte da minha história. Metaforicamente aproprio-me da palavra arquivo para ir tecendo os fios da minha historicidade, num processo de (des) construção das marcas inscritas na trajetória de vida.

Subscrevendo as palavras de Derrida (2001), inicialmente ressalto a morada,

esse lugar onde se (de) moram as minhas marcas e inscrições, um espaço do velado ao

manifesto; uma inscrição singular e privada; impressões inesquecíveis deixadas pelos

6

Atribuiremos o significante “sujeito” para designá-lo enquanto pessoa na qual se origina uma pulsão.

(28)

meus professores. Nessa perspectiva tento compreender as marcas que adquiri e carrego

junto ao meu ofício de ensinar.

Ainda dialogando com Derrida (2001), reporto-me à idéia de começo, não numa noção linear de começo, meio e fim constituído num só depois; mas começo num movimento de retroação, numa visão de revolver o passado, porém com a incerteza do

futuro. Em outras palavras, o começo do arquivo no sentido de um devir, uma promessa, um interrogar a lógica da estrutura do discurso dos meus professores. Na verdade, busco

compreender a importância da relação professor aluno na ação pedagógica, sob a ótica

dos saberes psicanalíticos.

Nessa múltipla interação verbal, começo a conversar com minha mãe, Otália

Rodrigues de Oliveira, hoje com 83 anos, mas com uma memória muito viva. Assim ela

me relata:

Foto 3 – Otália Rodrigues de Oliveira (mãe)

Minha filha, você não está se lembrando de como J., hoje já falecido, ficava alegre

quando colocava você, no colo, para ensiná-lo a pegar no lápis e aprender a assinar o nome dele? Você tinha apenas uns seis anos de idade. Ele dizia que estava muito cansado, depois de um dia de trabalho debaixo de sol “estorricante”, suas mãos estavam todas “relepadas” de tanto puxar enxada e bater foice. Mas, para ele era uma grande alegria ficar ouvindo aquela menina de apenas seis anos de idade ensinando a ele ler e escrever. Ele dizia que estava saindo do mundo dos burros. Naquele momento nada o impediria de estar ali. Ele sorria muito, cada

(29)

vez que conseguia desenhar uma letra e soletrar, ia embora cantando e soletrando as letras pelo caminho afora.

Esse relato da minha mãe, resgatado através do meu arquivo inicial, é uma das

fontes que me estimulam prosseguir na investigação sobre a questão transferencial na

relação professor-aluno e suas (im) possíveis implicações. Por que aquele trabalhador

braçal, após horas cansativas de seu dia-a-dia, com enorme esforço físico, ainda

desejava permanecer ali? O que sustentava seu desejo de aprender? Que lugar a menina

alfabetizadora ocupou nesta (im) possível relação transferencial?

CENA 3 – Na (des) construção desse arquivo... Por entre os fios da

fantasia e da razão...

Continua o diálogo. Diz a mãe:

Era muito bonito você no meio daqueles velhões, inclusive eu também, dizia ela

com muita ênfase.. Era uma roda muito grande, no meio do terreiro, de muitos homens e mulheres. Aqueles que moravam lá mesmo na fazenda, os “agregados”, não queriam dormir cedo. Buscavam lenha no mato, acendiam fogueiras, ajeitavam os lampiões de querosene, ficavam todos ali, com muita alegria ouvindo suas aulas. Aqueles que moravam pelos arredores, iam em casa, tomavam banho e logo logo voltavam para ficar soletrando e juntando as letras até tarde, do mesmo jeitinho que você ensinava.. Era bom demais, era uma beleza.

Reflexões... Elaborações que me aproximam cada vez mais do objeto que inscrito

na história de vida, emerge com toda força. O que aconteceu? Não foi um conto de fadas;

queria acreditar numa história imaginária, mas deparei-me com algo bem maior, uma

relação tão complexa quanto própria.

(30)

CENA 4 – A conversa prossegue... Revolvendo os arquivos, os relatos

continuam

Ah! Tem também a Ana, sua babá, que já tinha passado quatro anos pelas mãos da Dona A, boa professora, mas brava igual a uma onça. Ana já tinha calejado os pés de tanto bater chinelo pelas estradas para ir à cidade de Francisco Badaró, aprender pelo menos o nome com dona A, e nada. Já tinha levado tanta

palmatória7 na mão, mas aprender que era bom, nada. Pois não é que você

ensinou-a ler até os livros que seu pai comprou. Ela aprendeu muitas coisinhas, hoje não é analfabeta. Vivia debaixo dos pés de laranjas, lendo e rindo à toa. Isso

pra ela que não aprendia nadinha desta vida quase virou “doutora”.

Foto 4 – Ana, sua babá, referida no texto como uma de suas primeiras alunas.

Cada um dos documentos do arquivo, cada palavra me assustava. Parece que ia

percebendo a complexidade e a responsabilidade que meu objeto trazia consigo/comigo.

Eu não me sentia apta para discernir, naquele momento, de onde vinha aquela

complexidade. Qual o peso da pesquisadora nessa pesquisa? Qual o peso do objeto? A

responsabilidade é da pesquisadora e/ou do objeto? Por muitos instantes, ocupo o lugar

7 Pequena peça circular de madeira, não raro com cinco orifícios dispostos em cruz, com um cabo,que

servia, nas escolas, para castigar as crianças, batendo-lhes na palma da mão. (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2.ed. Revista e ampliada. Ed Nova Fronteira, 1986).

(31)

de sujeito da pesquisa. Parece que tudo está muito perto e ao mesmo tempo muito

distante. Os significados se misturam com os significantes.

Na situação (re) vivenciada por mim, a realidade da relação professor-aluno vem

ao meu encontro. Cada vez mais compreendo a complexidade e implicações da

subjetividade do pesquisador em seu trabalho. Vejo-me desafiada a mergulhar na questão

transferencial que perpassa a relação professor-aluno no cenário educativo.

CENA 5 – E a prosa continua...

Você é que já se esqueceu. Precisava ver o tanto de gente que aprendeu a ler e a

escrever com você. Gostavam é muito de você ensinando a eles. Eu e seu pai

mesmo, só aprendemos alguma coisinha porque você ensinou. Hoje agradeço

muito a Deus, porque senão eu não sabia nem assinar o nome. Não aprendi mais

porque eu era muito rude e serviço não deixou. Mas, boa professora nós tivemos,

de muita paciência. Porque ensinar papagaio velho não é fácil. E você ensinou

esse monte de gente de todas as idades. Velhos, novos e todo mundo. Até os

bichos...

Os arquivos, metaforicamente assim nomeados, são fragmentos da minha historicidade que se entrelaçam com o objeto. Através do incentivo da minha mãe, em dar

o primeiro passo e abrir os meus arquivos, cada vez mais me sinto impulsionada a

continuar nesse processo. Desejo buscar, ir ao encontro do desconhecido. O novo nos

desafia e amedronta.

(32)

Um desejo incontrolável me invade. Sinto o desejo de examinar outros arquivos.

Nesse momento recordo partes da minha infância em que me relacionava com os alunos

imaginários, simbolizados em seres irracionais: os meus gatos. Todos tinham nomes como os humanos. Improvisava uma sala de aula, mesmo sem conhecer, no real, esse

espaço físico, arrumava os animais em círculo e repetia para eles o que eu ouvia no rádio,

através do programa (MOBRAL).

Os desejos vivenciados emergiam possivelmente de uma outra realidade, da

ordem do inconsciente. De onde vinha aquela noção de cenário pedagógico se nunca

tinha visto aquele espaço físico? O que me levou a auto-alfabetização?

Cada vez mais o meu objeto se constitui e as implicações da transferência na

relação pedagógica passam a ser o significante, tecido nos significados dessa pesquisa.

CE

NA 6 – Arquivos com espelhos... Imagens inesquecíveis...

É sobre essas imagens inesquecíveis que estarei tratando neste arquivo. Como nos aponta Coutinho (2003), as imagens esquecidas nos arquivos da memória são perdidas por jamais terem sido captadas pelas câmeras (p. 26). Tais imagens podem ser orais ou escritas, e são imagens que possibilitam reviver sensações que brotam do

próprio corpo.

O ato figurado de olhar para um espelho já que olhava as marcas, me traz as

impressões que ficaram na relação com meus professores e isso me surpreende.

(33)

Ao revolver esse arquivo a emoção me invade. Fecho-o inúmeras vezes. Ele fica

entreaberto. Vejo muitas coisas dentro dele. Não quero trazê-lo ao meu encontro.

Passam-se dias e dias, abordo outros assuntos dentro da pesquisa, porém não há

continuidade de idéias, há fragmentos. Encorajo-me, e, passo a passo, começo a abri-lo.

É um processo doloroso. Em minha cabeça, recortes de imagens meio enigmáticas,

flashes como se estivesse assistindo a um filme num lugar desconfortável. Experimento muita angústia. A imagem que me vem à cabeça é da minha primeira professora,

personagem importante nessa relação inicial professor-aluno. Professora amável,

mãezona...

Naquela Fazenda Água Limpa surge em mim o desejo do aprendizado. Havia a necessidade de uma educação sistematizada, e meu pai, através da sua sabedoria

popular, apropriou-se desse desejo coletivo. Ele articulou com as autoridades locais,

representadas pelas pessoas do prefeito e dos vereadores do Município de Francisco

Badaró, as devidas providências para que se instalasse, em sua propriedade, uma escola

pública, utilizando-se de todos os trâmites legais previstos na legislação atinente à

Secretaria de Educação.

Assim se concretizou o processo e a escola passou a funcionar numa casa,

especialmente construída por meu pai, e identificada como Escola Municipal Dois de Setembro. Foi nomeada a Senhora Rita, para lecionar de 1ª à 2ª série, sala de aula multi-seriada, composta por alunos de várias idades. A partir daí, passo a estabelecer o meu

primeiro contato com a pessoa do professor. Ela era muito sensível, amorosa e extremamente emotiva. Vem-me à lembrança o seu choro constante em sala de aula.

Penso que na expectativa imaginária de trazer felicidade para os alunos, se confundia

entre os papéis de profissional e de mãe (muito comum no Brasil). É uma imagem

(34)

inesquecível, o seu carinho e acolhimento; busco sempre deslocar isso para meus alunos, hoje na condição de professora.

Foto 5 – Professora Rita, citada no texto.

Naquela sala de aula comecei a assumir o papel de monitora: olhava os cadernos

dos colegas de sala, pegava na mão de alguns para fazer os primeiros traçados, formava

sílabas com eles... Já havia aprendido aqueles conhecimentos que estavam sendo

transmitidos e sistematizados.

Certa ocasião, meu pai foi comunicado, pela professora, desse meu avanço, e

assim fui transferida para a cidade de Francisco Badaró, com o objetivo de prosseguir

meus estudos, tendo em vista que as escolas municipais daquela época só funcionavam

com turmas até a 2ª série primária do Ensino Fundamental.

Chegando à Escola Estadual Cônego Figueiró, fui matriculada em uma turma de

3ª série, com a Professora Dona Lita. Pessoa dinâmica, autêntica, e muito rigorosa. Hoje,

analiso que os alunos eram capturados pelos seus desejos. Organizava passeios, inclusive na própria fazenda do meu pai; aulas de música, de crochê, de bordado etc. Os

conhecimentos eram transmitidos num clima de muito diálogo, amorosidade e

acolhimento. Quando chega o final do ano, a tristeza paira entre nós. A alegria por passar

de ano é ofuscada pela tristeza por deixar a sala de aula da Professora Dona Lita.

(35)

Foto 6 – Dona Lita, professora citada no texto.

CENA 7 – Histórias, contos, imaginação, fantasias, histórias de terror,

bruxas...

No ano seguinte fui cursar a 4ª série com a Professora M.J. Muito autoritária, lembro-me de uma cena que me deixou marcas irreversíveis. Era dia da prova de

Matemática, todos os alunos estavam sentados em carteiras enfileiradas, ninguém podia

se mexer; ela andava de um lado para o outro, pela sala, com o corpo totalmente ereto.

Andava sem dar as costas para os alunos, para que ninguém colasse. Minha mãe tinha

feito requeijão (espécie de queijo, feito do leite bovino), e mandado uma forma para a professora, com muitas recomendações. Eu coloquei a encomenda debaixo da minha

carteira para entregá-la depois da prova, porque antes ninguém podia falar com ela.

Incessantemente olhava debaixo da carteira para ver se estava tudo em ordem. Uma

(36)

colega viu a cena, e gritou bem alto, chamando-a: Professora, Rosinha (como eu era conhecida entre os colegas) está colando as coisas da prova, debaixo da carteira. A professora acreditou. Tomou a minha prova e me deu nota zero. Chamou o meu pai na

escola e disse que eu estava muito fraca, que não sabia nada de Matemática, e por isso

estava colando. A partir daí, não mais corrigia as minhas atividades e passei a me sentir excluída em sala de aula. Depois desse episódio, comecei a ter dificuldade com

Matemática, ou com qualquer processo que envolvesse números. Naquele ano, repeti a

série que cursava.

No ano seguinte, matriculada na mesma série, porém com outra professora, toda

aquela dificuldade de saber e querer foram apagados. Como se nada tivesse acontecido,

passei a compreender todo processo da Matemática.

Dentro desse arquivo encontrei a escrita inscrita na minha memória. Entendi a

dificuldade em abrir aquele arquivo. Compreendo que dentro daquele arquivo estavam marcas da minha constituição pessoal e profissional. Naquele arquivo, instalado através da professora, percebi a importância do dizer, e, mais ainda, do agir. Começo a avaliar o

peso da palavra dita. Nesse momento, para melhor compreensão da palavra como

determinante, busco Dolto (1999) que postula a importância da linguagem: Para uma criança, tudo é linguagem significativa, tudo o que se passa à sua volta e que ela observa (p.10). A comunicação inter-psíquica produz efeitos; a criança carrega as marcas da palavra ouvida.

Dialogando com Dolto (1999), anuncio e denuncio que as palavras ditas e

também aquelas omitidas, ou seja, que deixaram de ser proferidas como atos de

acolhimento, marcam a vida de uma criança. As palavras, às vezes, exercem a função de

um elemento silencioso que efetivamente produz efeitos de forma silenciosa e velada.

(37)

Naquele momento a criança e nem mesmo o adulto muitas vezes não percebe a eficácia

positiva ou negativa dessas palavras. O que fica inscrito são as marcas dessas palavras

mal ditas ou bem ditas.

CENA 8 – Fragmentos e arquivos...

Os arquivos fecham. Guardam. Alguns possuem chaves... Trancam e

destrancam... Eu estou inserida nesse processo de visitar os arquivos. Às vezes possuo

as chaves, outras vezes não.

A escola é uma instituição fragmentada. Possui departamentos com muitos

compartimentos, isolamentos... Os arquivos também são. O ensino é fragmentado, possui

disciplinas, isolamentos... Professores que partilham e compartilham com esses

fragmentos. A Educação brasileira vem sofrendo engessamento há várias décadas.

Embora haja muitos esforços no sentido de transformá-la, ainda hoje percorre caminhos

idênticos aos que há muito tempo a colocou num processo similar ao trabalho fabril, sob o

ponto de vista da fragmentação. Cada segmento da comunidade escolar tem, no âmbito

da escola, uma função específica a desenvolver, ficando a cargo de cada um executar

determinada função, isto é, trabalhar numa perspectiva de desenvolver exclusivamente o

seu papel, a saber, de cumprir o cardápio curricular, de repassar os ensinamentos do livro

didático, de cumprir de forma linear as exigências dos planejamentos pedagógicos. Na

verdade, o que grande parte dos professores não percebe é que isso são formas

(38)

diferenciadas de alienação, que simultaneamente implicam na dessubjetivação e falta de autonomia do professor.

Dentro dos fragmentos do Ensino Fundamental de 5ª à 8ª série, ali eu me

encontrava. Faltava-me acolhimento, dentro de um continente, dentro de um todo, e ao

mesmo tempo dentro de fragmentos do todo. Muitos professores, muitas mudanças.

Nesse momento vinha a sensação de estar perdendo o meu paraíso encantado,

construído por mim e os trabalhadores braçais da Fazenda Água Limpa. Um vazio invadia minha alma. Assim como afirma Reis (2000):

Ser acolhido significa a possibilidade de falar de seu sentir, de sua dor, de sua alegria, daquilo que o aflige no cotidiano: família casa, trabalho, rua. Aquilo que o aflige em si mesmo, mas, tendo alguém para partilhar e compartilhar, ouvir, acolher, dar atenção (p.61).

Os fragmentos especificamente naquele momento referiam-se ao Ensino

Fundamental de 5ª à 8ª série, de sala em sala, perdida no vazio da diversidade, dos

corredores, da multidão, do nada, do tudo. Tudo era vazio. Paro e deparo numa turma de

5ª série com uma professora de Português: Imagem Inesquecível. Ao fazer a chamada, no primeiro dia de aula, ela diz o meu nome. Tomada pela timidez e pelas marcas do

“assujeitamento” de um pai autoritário, respondi com a voz meio entre os dentes: estou aqui. A professora levantou-se e perguntou se eu pensava que ela era cega ou louca. Ela estava me vendo ali, seria impossível não me ver, dizia, ironizando da minha estatura

física (uma criança franzina que não correspondia aos padrões estabelecidos). O seu direito aqui é somente de proferir a palavra presente; escreva aí no seu caderno como primeiro dever de casa, disse essa professora.

As marcas daquelas palavras silenciaram-me, assujeitaram-me. Foram ditas e inscritas. Hoje, quando me é exigido proferir palavras em circunstância de avaliação, ou

(39)

apenas para expressar minhas idéias, as marcas ressurgem. Tenho imensa dificuldade

em ordenar meu pensamento; penso que as ressonâncias desse silenciamento ecoam

sempre no meu cotidiano.

CENA 9 – De fragmento em fragmento... Um acolhimento...

Após um silenciamento profundo, só me restava controlar os fragmentos que

sobraram da minha alma, marcada por cicatrizes profundas; comecei a produzir

mecanismos de sobrevivência. Comecei a decorar tudo, tirar as melhores notas, ser a melhor. Assim fiquei conhecida por todos os colegas: Rosinha, a melhor aluna. Ao ouvir essas palavras, novamente a mesma professora de Português dizia com sua voz

presente e ativa: somente nas notas, pois ela é engasgada, ela não fala.

Nesse momento, entrava na sala de aula a professora de História. Ao ouvir a

conversa disse logo: Rosinha é caladinha assim mesmo, mas ela é uma gracinha de aluna. Ela é filha de Seu Manoel Marcolino (dessa forma o meu pai era conhecido naquela região). Eu vivia uma realidade engessadora e castradora, na qual meus desejos

e anseios eram interrompidos, negando-me o direito de expressão.

Em princípio, pensei fechar esse arquivo. Porém, no silêncio do meu ser, ainda

ouço ruídos que ele me suscita. Ao perceber as marcas inscritas, tenho um desejo

enorme de abrir e fazer uma limpeza muito especial dentro dele. Lentamente percebo que

efetivamente esse é um arquivo muito especial na minha vida pessoal/profissional. Ele

possui espelhos. Os espelhos refletem imagens. Através desse arquivo eu quero ver a

(40)

mim mesma no meu próprio espelho. Esse arquivo me conduz ao desejo de saber, o

desejo de pesquisar sobre as questões cruciais e conflituosas da relação professor-aluno.

Esse arquivo me leva a traduzir, decifrar, dar sentido à minha prática pedagógica. É um

espaço interno de (des) construção das minhas inscrições.

CENA 10 – Os arquivos estocam, acumulam, mudam, trocam...

Prosseguindo nessa caminhada de (des) construção, já percebo alguns flashes

do meu processo de arquivamento; encontro documentos singulares, escritos. Folhas

brancas, elas esperam novas escrituras.

Ainda cursando o Ensino Fundamental de 5ª à 8ª série, por motivos familiares

mudei para Pote - MG8. Novamente, fragmentos do processo de disciplina e professores.

Foto 7 – Vista parcial do centro da cidade de Poté/MG http://www.potemg.hpg.ig.com.br/fotos.htm

8 Poté-MG, cidade localizada no Vale do Mucuri, Estado de Minas Gerais, a 448 km da capital, com

população de 14.845 habitantes e extensão de 633km². (Fonte: IBGE, censo 2000).

(41)

Ufa! Novamente, as imagens inesquecíveis.

A escrita inscrita prossegue. Entre tantos fragmentos, a imagem de um todo, a imagem de um só. A imagem do Professor de Filosofia; novos fragmentos, novas

formatações. O encontro com esse professor de Filosofia me levou a compreender que

havia uma educação libertadora, uma pedagogia que ia além da transferência de

conhecimentos. Suas aulas aconteciam em forma de debates; alunos e professores, em

dialogia, buscavam novas possibilidades de se pensar a educação. Mesmo com as raízes

educacionais fulcradas na concepção de educação bancária (ele tinha consciência disso)

apontava caminhos para que os alunos, simultaneamente, refletissem sobre si mesmos e

sobre o mundo, o que nos lembra Freire (1986):

A educação libertadora é, fundamentalmente, uma situação na qual tanto os professores como os alunos devem ser os que aprendem; devem ser os sujeitos cognitivos, apesar de serem diferentes... Através de sua busca para convencer os alunos de seu próprio testemunho sobre liberdade, da sua certeza na transformação da sociedade, você deve salientar, indiretamente, que as raízes do problema estão muito além da sala de aula, estão na sociedade e no mundo... (p.46).

Nessa trajetória, durante o Curso Normal, me senti acolhida por esse professor;

com seu otimismo crítico, encorajou-me a buscar essa educação libertadora e

problematizadora. Dessa forma, aprofundo meus questionamentos acerca da minha

própria história para melhor compreendê-la.

Nesse mesmo arquivo materializado no Ensino Médio encontrei páginas brancas

nas quais comecei a escrever/inscrever outras vicissitudes do processo de formação.

Professores... Professoras... Não posso deixar de mencionar o Professor de Matemática

que, mesmo na lógica da racionalidade e a “certeza” dos números, encontrava espaços

que se transformavam em momentos para enumerar e seqüenciar não somente números,

mas considerar a singularidade subjetiva dos seus alunos.

(42)

CENA 11 – De arquivos pessoais à arquivos profissionais...

Em 1981, venho para Brasília...

Caminhando contra o vento Sem lenço, sem documento Nada no bolso ou nas mãos Eu quero seguir vivendo amor Eu vou... Caetano Veloso9

Ano de muitas mudanças, de estado, de vida. Quantas mudanças! Amores,

paixões... Ano de saída. Toda saída é fissura, é fratura que se instala entre o que foi e o

que começa a ser. É rompimento, descontinuidade. Sair significa que as raízes foram

cortadas, que os laços foram rompidos, que a ligação com aquela história foi desligada.

Precisava arrumar a vida, construir um arranjo existencial e uma articulação integradora para uma nova história, e minha (sobre) vivência. Naquele momento, não

conseguia me manifestar, só (vi) via os efeitos da situação econômica. Inserida numa

sociedade capitalista, precisava sobreviver. Empregos em lojas, empregos domésticos,

contratos temporários: luta pela sobrevivência. Assim, inscrevo-me como candidata a três

concursos públicos nos quais sou classificada, e ao ser convocada para trabalhar, não

tive dúvidas, optei pela carreira profissional de magistério.

CENA 12 – (Vi) vendo (com) vivendo com o problema de pesquisa

Em 1985, a reflexão sobre essa historicidade político-epistemológica, depara-se

com as palavras de Reis (2000). Digo política, à medida que eu descobria e exercitava o

9 Veloso, Caetano. Caetano Veloso. Rio de Janeiro: Philips, 1967, faixa 4.

(43)

poder, epistemológica à medida que descubro e exercito o falar/pensar e o pensar/falar, enfim o saber, como forma de poder. (p.131).

Essa dialética levou-me a integrar o quadro efetivo da Secretaria de Educação do

Distrito Federal. Em 27 de março de 1985, dei início à minha carreira docente na Escola

Classe 45 do Setor P-Sul, Ceilândia, Distrito Federal, como a oitava professora da turma,

formada por alunos que tinham entre 9 e 15 anos de idade e estavam no processo inicial

de alfabetização, pois a idade cronológica não correspondia à série que deveriam cursar.

Por isso eram considerados, até a minha chegada, alunos em defasagem escolar, já

rotulados como os violentos, os agressores, os que não aprendem totalmente, enquadrados numa lógica estruturada e estabelecida do não saber e do não ser.

Daquela demanda da inscrição do não aprender, havia marcas significantes para

além da minha/nossa visão racional. Fui invadida pelo desejo de mudar aquele cenário

pedagógico. A minha dificuldade em lidar com as estruturas tecnicistas da educação

formal, imbricada na experiência adquirida por meio do saber popular, levou-me à

inquietação de buscar uma outra forma de produzir conhecimento.

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar distraído. Sérgio Britto10

A diretora levou-me até a porta da sala de aula da turma onde atuaria. Ouço

barulho de carteiras sendo jogadas para o alto; vários xingamentos; palavras

condensadas de adjetivos desqualificadores, repetidos pela diretora que emitia gritos

estridentes. Entrou no embate com eles. Um verdadeiro jogo do salve-se quem puder.

10 Britto, Sérgio. Titãs - A Melhor Banda de Todos Tempos da Última Semana. São Paulo: Abril Music, 2001,

1 CD, faixa 6.

(44)

Dirigiu-se a mim dizendo: tome conta desses cães, tem demônios de todas as formas. Disse-me que tomasse conta, e aqueles que não tivesse jeito, eu os encaminhasse até a

Direção, que tomaria as devidas providências no sentido da expulsão. Fui recebida com

muita algazarra. Muitos gritos. Olívia Palito, em razão da minha estatura física. Eta! Chegou mais uma sofressora, Coitada! Estava estabelecida por aqueles alunos uma lógica, singular, da negação do ser humano. Eles viviam o drama de ver a vida desprovida

de sentido; da espera que só desespera. De esperar a esperança que não muda o rumo

da história, que os lançam na arena de todo pessimismo humano.

Na verdade, essa condição, na qual todos os elementos transcendentes da

esperança são eliminados, implica o desaparecimento da vontade humana, e se percebe

que para esses alunos todos os seres humanos são coisificados. Tudo é desesperança;

seres que vivenciam a tragédia do deslocamento na direção do nada, e acabam

assemelhando todas as pessoas a um nada humano. Eles tinham perdido a dimensão da

lei e da autoridade. Estariam psiquicamente comprometidos?

CENA 13 – A fé remove montanhas...

Entrei na sala de aula. Naquele instante confortada pela fé cristã, pedi a Deus que

me iluminasse diante da batalha, sobretudo com sabedoria.

A guerra de cadeiras continuou. Fiquei parada por algum tempo. Nada de

diferente acontecia. O que poderia fazer? Estavam todos muito agitados. Com tons

altamente agressivos, se dirigiram para o meu lado e perguntaram: você não vai fazer

(45)

nada? Somos assim mesmo, ninguém pode conosco. Todos falavam ao mesmo tempo, numa espécie de desabafo.

Esse momento foi determinante na minha caminhada para a escuta profissional.

Aquela vivência (com) vivência me apontou possibilidades para uma escuta mais

elaborada. Digo elaborada, não no sentido clínico, mas no sentido de uma demarcação11

entre o acolhimento e os interditos da cultura, isto é, submeter-se às regras do processo

de constituição mútuo entre professora e alunos. Precisava escutar.

O contato com esses alunos, somado às experiências anteriores da

auto-alfabetização, a partilha com meus pais e aqueles trabalhadores braçais, as experiências

vivenciadas por mim com meus professores, despertaram em mim o espírito investigativo,

desafiada a mergulhar no cerne dessa problemática e a investigar afinal a questão da

transferência na relação professor-aluno.

Essa preocupação materializou-se a partir do momento em que assumi essa

turma, despertando em mim a necessidade de analisar a situação vivida por aqueles

alunos. Vislumbrei uma nova ação pedagógica que se fundamentasse na idéia dos alunos

como seres desejantes. Aquela vivência (com) vivência suscitou possibilidades de um ser

e fazer diferente em sala de aula. Começo a aprender com o desconhecimento. O que

fazer? Por onde começar? Qual metodologia usar? Dias após dias, a agressividade e os

xingamentos continuam. Reporto-me aos meus primeiros arquivos. Muitas lembranças.

Lembranças daquela sala de aula dinâmica, da professora na 3ª série primária, sua

serenidade e sabedoria. Comecei a trazer de lá os aportes teóricos, epistemológicos e

11 Isto quer dizer renunciar ao prazer pulsional para conviver com a cultura no processo de civilização.

Conforme gravações de aulas proferidas pela Profª Drª Sandra Francesca Conte de Almeida, ao longo do curso de extensão intitulado Memória educativa e subjetividade docente: do imaginário simbólico, 2º semestre de 2005 – Faculdade de Educação – Universidade de Brasília em parceria com a Universidade Católica de Brasília.

(46)

afetivos para compreender e conduzir aquela sala de aula, que agora estava sob minha

responsabilidade. Revolvo os meus arquivos de memória.

Como aponta Tanis (1995), a memória é complexa, guarda consigo a capacidade de resgatar o tempo da história. Não como um tempo passado, mas como um tempo inscrito nas entranhas do atual (p.63). Apropriando de saberes, sobretudo existenciais, começo a trabalhar com música. Pretendia, de alguma forma, levá-los a externalizar a

possível angústia e/ou sofrimento. Na verdade, procurava repetir as experiências

vivenciadas com a Professora Dona Lita. Ela cantava muito com os alunos e dizia

sempre: quem canta todos os males espanta.

Freud (1914) já nos apontava:

É difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas ou pela personalidade de nossos mestres. Esta constituía, é verdade, uma corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam apenas através de nossos professores. (p.248).

A jornada avança, os caminhos alargam-se e estreitam-se ambiguamente. Desde

os primeiros momentos em que cheguei àquela escola, para assumir aquela turma,

percebo um vazio. Tudo se repete. Na tessitura da escola pública, o abandono se faz

abandonar-se, esgota-se. As contradições celebram-se. Os encontros e desencontros

entrecruzam e se misturam no esgotamento de um não ser, não ver, dentro de certa

intencionalidade político/social.

Nessa via de vivência (com) vivência com aqueles alunos, estabelecidos a priori

como sujeitos circunscritos/inscritos a não aprender, a não ser, eu desejava algo, uma força que me oxigenasse. Um aporte teórico talvez... Candidatei-me ao vestibular da

Universidade Católica de Brasília no Curso de Alfabetização para as Séries Iniciais.

(47)

Comecei a freqüentar as aulas vislumbrando a possibilidade de apropriação de novos

conhecimentos. Reconheço o objeto de pesquisa na busca do entendimento porque

aqueles alunos que vendiam flores nos bares da cidade, vigiavam carros, engraxavam

sapatos, apropriavam-se de conhecimentos da vida, mas negavam os ensinamentos escolares sistematizados. Por que não se submetiam às regras? Por que não aceitavam a

presença do professor?

Sempre acreditei que o sujeito constrói a sua própria história. Percebia que esses

alunos eram seres perdidos na própria interioridade humana.

Assim analisou Reis (2000): o sujeito não é circunscrito, pois, a um a priori, nem a um a posteriori. É um Em – Sendo (p.73). Faço minha as palavras do autor; acredito que esses alunos eram sujeitos vivos, desejantes, e por alguma razão apresentavam

comportamentos hostis e agressivos.

A Professora de Filosofia da Universidade Católica de Brasília apresentou-me os

legados de Freud. Inicio num processo de leitura arguta; um processo de (des) construção

se instaura na minha interioridade. Vem o desafio de superar aquela ação pedagógica

vivida e (com) vivida. Uma ação que nega o humano, silencia, oprime, faz sintomas e

produz doenças sociais.

CENA 14 – Do empírico ao científico...

O cotidiano daquela sala de aula suscitou-me reflexões. Como pensar aqueles

alunos como sujeitos desejantes? O que sustentava aqueles comportamentos? Qual

(48)

metodologia usar naquele momento? Será que devo pensar na metodologia ou no

sofrimento daqueles alunos? O que fazer? Começo a refletir sobre a possível relação da

aprendizagem com o inconsciente. Busco compreender o aporte teórico nascido da clínica

psicanalítica. Reporto-me aos estudos e reflexões sobre a trajetória percorrida por Freud

e suas pacientes histéricas. Especificamente, quando se livravam de um episódio

psíquico estruturado nas lembranças, a partir do poder interpretativo da palavra.

Fundamentada nesse suporte teórico tecido, principalmente, de reflexões e relatos, passo

a articulá-lo com a sala de aula. Ah, novamente aos arquivos. Recorro às palavras da Professora de Filosofia, que mencionava sempre em sala de aula: Os ensinamentos de Freud nos permitem compreender aquilo que julgamos incompreensíveis, sem lógica. Não existem acaso, dois nunca são puramente dois... .

Pratico o exercício de escutar o aluno individualmente; nas singularidades, cada um com sua história povoada de fantasmas. Nas suas falas, expressam marcas da

agressividade e do desrespeito. Sujeitos açoitados pelas adversidades histórico-culturais,

nos quais havia sido instalada a desestabilização humana, uma devastação psíquica

através, inclusive, do estigma da rejeição familiar. Pareciam arrancados da beleza e

poesia da vida. Todos os seus processos históricos reforçavam esse abandono. Assim, o

registro do nada valer diante da vida; agiam e se sentiam como objetos. Coisificaram-se

em sua condição humana. Sujeitos sem voz, sem discurso, representatividade ou direito

de articular suas próprias respostas. Só lhes restavam coisas impostas.

Há uma indagação dentro de mim; continuo inquieta com aquela realidade, com a

experiência e as marcas profundas de uma educação autoritária que (com) vivi. Não

quero repetir esse modelo de educação. Busco alternativa no curso de graduação e no

Imagem

Gráfico 1 – Gênero
Foto 1 - Vista aérea do centro de Francisco Badaró-MG               Foto 2 – Vista da sede da Fazenda Água Limpa
Foto 3 – Otália Rodrigues de Oliveira (mãe)
Foto 4 – Ana, sua babá, referida no texto como uma de suas primeiras alunas.
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Referências

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