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O VENDEDOR DE PALAVRAS

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Academic year: 2021

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28/12/2012

Contatos flira@ifce.edu.br

DE

:

FERNANDO

LIRA

O VENDEDOR DE PALAVRAS

(2)

flira@ifce.edu.br 2 O VENDEDOR DE PALAVRAS

Personagens :

Vendedor de Palavras

Delegada Sebastiana Madureira Cabo Farias

Prefeita Jutacira Cardoso de Mello

Mãe do Cabo Farias – O mesmo ator que representará Farias A Repórter Padre Lucas Câmera-man Policial Federal ATO I Cena 1

A delegada está em cena, sentada em sua mesa, datilografando em uma máquina de escrever.

Delegada - E, não agüentando, este total descaso com relação ao nosso reajuste salarial, tomei a liberdade, Senhor Governador, de comunicar meu afastamento do cargo que me foi confiado, até que a situação seja normalizada.

Sempre às suas ordens. Sebastiana Madureira

Delegada da cidade de Jurema.

Cena 2

O cabo Farias entra trazendo o vendedor de palavras algemado.

Farias - Vamos, deixe de conversa ! Vendedor - Olha, não empurra, não!

A delegada levanta, puxa rapidamente o papel da máquina e guarda no bolso.

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flira@ifce.edu.br 3 Farias - A senhora não ordenou que eu desse um giro e prendesse todo pilantra que encontrasse ?

Delegada - Sim ?

Farias - Pois este é o pior vigarista que já encontrei ! Vendedor - Você está me ofendendo !

Farias -Grande coisa !

Delegada - Mas o que ele fez ? Vendedor -Nadinha...

Farias - Já disse que cale esta boca!

Delegada - Farias, você quer me dizer o que este homem fez! Vendedor - Nada, doutora...

Farias ameaça o vendedor.

Delegada - Calma, Farias, deixe o homem falar! Continue, por favor!

Vendedor - Como eu ia dizendo, doutora, eu apenas estava no mercado público vendendo meus produtos...

Farias -E que produtos, doutora delegada ! Delegada - Ah, é ? E o que o senhor vende?

Vendedor - (entusiasmado) Eu estou vendendo a maior invenção de todos os tempos, aquela por que todos brigam.

Delegada - A telesena ? Farias - Tá é longe ! Delegada -Vale refeição. Farias -É ruim, hei !!

Vendedor - ( fazendo sinal negativo) O que eu vendo é algo bem superior a toda parafernália que já foi inventada. O que eu estou vendendo é (suspense) Tan, tan, tan, tan... eu vendo palavras !

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flira@ifce.edu.br 4 Vendedor - Não, eu sou o Vendedor de Palavras ! É ou não a maior das invenções? De agora em diante adeus aos tímidos, felizes os maridos que terão justificativas para tudo. Eu tenho palavras de todos as espécies. Palavras engraçadas: bodega, pudico, biloto; Palavras de amor (para a Delegada): Beije-me, Beije-me, meu amor.

Delegada - Você me respeite !

Vendedor - Palavras tristes: Infelizmente, lamentável, meus pêsames; Palavras que deixam dúvidas: Onde? Talvez? Como? Por que?; Palavras de ódio (para Farias): Seu crápula, Eu acabo com você !!; (defendendo-se de Farias) Afirmações: Certamente, com certeza; Palavrões: inconstitucionalissimamente; tenho elogios, discursos, monólogos, diálogos preparados, enfim, tenho um álbum de palavras. Faço palavras por encomenda. Tenho até uns vidros com palavras doces, palavras amargas, palavras suaves ou pesadas (tirando os vidros com palavras). Palavras, palavras !!

O vendedor interrompe o seu discurso com o ar de quem abafou. A delegada olha para Farias por um instante.

Delegada - Prenda-o ! Farias - Não falei ?!

Vendedor - Como prender-me !?

Delegada - Chega !! Não dê mais uma palavra !! Vendedor - Claro que não dou ! Eu vendo as palavras! Delegada - Farias, amordace este indivíduo...

Farias - Com prazer !

Vendedor - O que é isso companheiro ?! E a liberdade de expressão ?...

O Vendedor é amordaçado e preso.

Delegada - (especula) Arre !! Homem para falar ! Isto é um perigo para sociedade. Imagine se todo mundo aprende a manipular as palavras como ele ? Seria o caos ! Se as pessoas aprenderem a reclamar seus direitos: direitos do consumidor, direitos de cidadão, direitos disso e daquilo! Seria uma calamidade pública. Este homem é um subversivo! Este homem solto é revolução na certa! Farias, fique de olho nele, preciso comunicar o fato à nossa prefeita!

A delegada sai de cena.

Cena 3

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flira@ifce.edu.br 5 Farias - Sim, senhor ! Vendedor de palavras, não é ?

O vendedor sempre de olho arregalados, tentando falar alguma coisa.

Farias - Palavras de amor, doces e amargas ! É muito cara de pau !... Não me diga agora que ... você tem desaforos para sogras !

O vendedor balança a cabeça insistentemente !

Farias - É ?! (desconfiado) ...Supondo que eu desejasse uma frase de desaforo para minha sogra... você faria ?... Uma frase que a humilhasse, que fizesse com que ela rastejasse aos meus pés... Você faria?

O vendedor está se estrebuchando, afirmativamente Farias, patético, abre a cela e cai aos pés do vendedor.

Farias - Então, faz logo que eu 'tô que não agüento aquela víbora ! Eu pago, eu pago !

O Vendedor indica que precisa que Farias o solte.

Farias - (soltando o vendedor) Claro, claro. Mas não vá tentar fugir, que eu perco meu emprego!

Vendedor - Meu amigo, eu tenho diversas frases, que são as preferidas dos genros. Pegue minha mala, por favor !... Como você quer as palavras?

Farias - Eu quero uma frase de desaforo, para minha sogra, por ela se meter na minha vida. Vendedor - Moleza ! Como você deseja pagar ?

Farias - À prestação !

Vendedor - Não tem problema !... Ah, achei ! Esta é a preferida dos genros. Você quer com sal? Farias - Não, quero bem insossa, quero engolir a seco.

Vendedor - Aqui está. Custa 300 reais. Farias - Tudo isso por uma simples frase ?

Vendedor - Assim o senhor me ofende ! Devolva !! (mudando de tom) Será que sua sogra não merece o sacrifício ?

Farias - Claro, claro !! Eu pago 100 reais e o resto depois.

Vendedor - Não tem problema ! Preste atenção, tá ? Feche os olhos... coloque a bundinha pra trás e concentre-se... Vá, com mais força... Lembre-se que o ódio se concentra na bunda...

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flira@ifce.edu.br 6 Jogue seu ódio pra trás e repita comigo: "Ah, você pensa que vou agüentar seus desaforos calado, pois você se engana. Saiba que você é uma ...!" Pronto, engula e repita.

Farias - Ué ! Cadê o resto?

Vendedor - O restante só quando você pagar o resto, eu não sei se você tem palavra. Farias - Tá bom dê-me logo esta frase.

Farias vai dizendo a frase, e amordaçando novamente o vendedor.

Vendedor - Ei !! O que você está fazendo ?!!... Isto não está certo !!...

Farias - "Ah, você pensa que vou agüentar seus desaforos calado, pois você se engana. Saiba que você é uma...!" " Ah, você pensa que vou agüentar seus desaforos calado, pois você se engana. Saiba que você é uma...!

Cena 4

A delegada entra em cena com a prefeita e vê Farias saindo de dentro da cela do preso.

Delegada - Farias!

Farias virando-se para a delegada, repete a frase e sai de cena.

Farias - " Ah, você pensa que vou agüentar seus desaforos calado, pois você se engana. Saiba que você é uma...!

Delegada - Desculpe, Dona Prefeita, deve ser o vendedor de palavras, de quem lhe falei, que deve está perturbando todo mundo.

Prefeita - E ele é tão perigoso assim?

Delegada - Perigosíssimo! (segredando) Ele vende palavras de todos os tipos! Prefeita - (Pensando alto) Uhm... palavras de todos os tipos...

Delegada - Todos! Não é um perigo, Dona Prefeita ?

Prefeita - Realmente... Isto pode ser uma ameaça às minhas bases. Delegada - Foi isto que pensei.

Prefeita - Pode... fazer a cabeça do meu eleitorado. Delegada - Naturalmente.

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flira@ifce.edu.br 7 Delegada - Perfeitamente.

Prefeita - (à parte, pensando alto) Por outro lado, ele pode ser bastante útil! Delegada - Útil, como, Dona Prefeita ?

Prefeita - (pigarreando) Útil, como exemplo !... Pois ninguém pode sair por aí dizendo o que bem quiser e ficar impune!... Dona Sebastiana, traga-me o preso e deixo-nos a sós!

Delegada - A sós? A senhora não acha que é um risco muito grande ?

Prefeita - Não se preocupe, nós políticas já estamos acostumadas a lidar com vendedores de palavras, e, se houver algum problema, eu grito por você !

A delegada conduz o preso à presença da prefeita.

Delegada - O homem é todo seu !

A delegada sai.

Cena 5 Prefeita - Então o senhor é um vendedor de palavras?

Vendedor - Um vendedor, não senhora! Eu sou "O" VENDEDOR DE PALAVRAS !

Prefeita - Muito bem... Muito bem, senhor Vendedor... Eu gostaria de comprar algumas palavras...

Vendedor - Que tipo de palavras a senhora deseja ?

Prefeita - (olhando para todos os lados) Eu gostaria de comprar... mentiras ! O senhor as tem ? Vendedor - Mas claro ! É o que eu tenho de sobra, é o que me dá mais lucro.

Prefeita - (fazendo um sinal de silêncio) Shishsh, Não faça escândalo! Eu sou uma prefeita recém-eleita e não posso ser vista comprando mentiras.

Vendedor - Não se preocupe, colega ! Tudo que é político já veio me procurar. A senhora conhece aquele do planalto ?

Prefeita - O...?!

Vendedor - Este mesmo !... Meu cliente! Prefeita - E é ?!

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flira@ifce.edu.br 8 Vendedor - Você sabia que fui eu quem vendeu as palavras para ele escrever o discurso de posse ?

Prefeita - Vejo que o senhor entende de mentira!

Vendedor - Claro ! Mas, aqui entre nós, não vá espalhar...

Prefeita - Naturalmente !... Mas vamos ao que interessa... 'Tô no meu primeiro mandato... Vendedor - Logo vi !Política nova, cheia de escrúpulos ! Aquele de São Paulo era assim também, no começo.

Prefeita - Aquele de São Paulo não mentia ?!

Vendedor - Te juro !! Quando ele tinha cabelo, ele tinha medo. Com o tempo... tá aí no que deu !

Prefeita - Quer dizer que foi você que vendeu mentiras para ...ELE? Vendedor - Infelizmente não, do contrário eu estaria rico!

Prefeita - E quem foi? Vendedor - O Baiano !!

Prefeita - O baiano também é vendedor de palavras ! Então ele deve ser bom !

Vendedor - É meu maior concorrente !! Devo reconhecer que neste ramo ele é bom, mas eu vendo todos os tipos de palavras e ele, apenas mentiras.

Prefeita - Então eu quero encher esta pasta de mentiras !!

Vendedor - (à parte) É sempre assim: eles sempre querem encher a pasta com mentiras! Prefeita - Quero mentira que ninguém descubra !

Vendedor - Isso eu não posso garantir, pois a mentira tem pernas curtas. Prefeita -É, mas enquanto isso não acontece, quero mentir bastante.

Vendedor - Não se preocupe, mesmo que descubram, nunca aparece ninguém pra provar !... Bem aqui está uma, acho que o senhor vai gostar. Ouça: "Se depender de mim, o povo não passará mais fome, haverá hospitais e escolas para todos. Vou transformar as escolas da periferia em escolas da Aldeota, por que eu ..." Como é o seu nome ?

Prefeita - Jutacira Cardoso da Silva!

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flira@ifce.edu.br 9 Prefeita - Ora, mas isto todos políticos dizem !

Vendedor - E todos os eleitores acreditam! É o que importa! Não se preocupe com mentira velha, pois o povo já conhece todas, mas sempre acredita e vota. Vá por mim, é uma barbada ! Que tal esta, e esta ?

Prefeita - Eu levo todas ! Todas! Quero umas para presente! Não quero saber se a mentira custa caro, eu pago ! Eu volto amanhã para pagar !

Vendedor - Nada disso! Com tanta mentira, eu não posso acreditar na senhora.

(Mostrando-lhe uma pasta cor de rosa) Assine aqui... agora deste lado... e aqui no final.

Prefeita - Tá bom, tome aqui estes títulos que valem muito mais que suas palavras.

A prefeita passa os títulos e sai recitando um discurso.

Prefeita - Se depender de mim o povo não passará mais fome, haverá hospitais e escolas para todos. Vou transformar as escolas da periferia em escolas da Aldeota. Por que você já sabe: Jatacira Cardoso faz !

Vendedor - Ei !! Volta aqui !! Isto é um precatório!... Que dona safada! Cena 6

O vendedor tenta seguir a prefeita, quando a delegada entra, com revólver na mão.

Delegada - Parado! Nem mais um passo! Vendedor - Mas, delegada ...

Delegada - Agora você vai me contar tudo!

A delegada desce uma luminária do teto, em cima do vendedor. Arregaça as mangas, pega um cacete, acende um charuto, coloca do lado da boca, senta ao lado do vendedor. O ambiente é transformado num clima de tortura...

Delegada - (soltando uma baforada e falando perto do vendedor) O que você fez com a prefeita?

Vendedor - Nada demais ! Apenas, vendi umas palavras para ela... Delegada - Foi?.. e.. que tipo de palavras você vendeu ?

Vendedor - (engolindo seco) Mentiras...

Delegada - Você vendeu mentiras para a prefeita ? Isto é mentira! Vendedor - Verdade!

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flira@ifce.edu.br 10 Delegada - Mentira!

Vendedor - Verdade! Delegada - Verdade?

A delegada caminha para a frente. Para, pensa e vira-se para o vendedor.

Delegada - É verdade ? Então... será que o senhor pode me vender... verdades ? Vendedor - Verdades ?

Delegada - Isto mesmo: verdades !

Vendedor - Verdades...infelizmente é a única coisa que não tenho. Deixei de vender verdades faz muito tempo. Ninguém me comprava! Só dava prejuízo. Além do mais verdade machuca e pesa muito. É muito difícil carregar verdades nos ombros.

Delegada - É verdade !

Vendedor - Não serviriam meias verdades ?

Delegada - Meias verdades não duram muito tempo. Tem pouca qualidade. Quero verdades duradouras!

Vendedor - Duradouras ?... Penso que ainda devo ter alguma que não as queimei... (Tirando as

palavras da mala) Ah ,achei ! "A ESPERANÇA É A ÚNICA QUE MORRE !".

Delegada - Não, esta já é muito conhecida ! Vendedor - A gente põe uma pimentinha. Delegada - Não adianta.

Vendedor - Que tal essa: "A UNIÃO SE FAZ À FORÇA !".

Delegada - (intimidando o vendedor) Nada disso ! Você é ou não é um vendedor de palavras ? Será que você não é o que diz que é, ou será que você é daqueles que desconhecem metade da estatística humana que, centraliza os pontos num objetivo de natureza restrita ?

Vendedor - É acho que a senhora tem razão ! A verdade não é para ser dita, é para ser vivida ! Delegada - Ah !! Que bela frase !

Vendedor - Qual ?

Delegada - Essa que você pronunciou agorinha: "Verdade não é pra ser dita é pra ser vivida !" Genial ! Quanto custa ?

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flira@ifce.edu.br 11 Delegada - Quero essa também ! Quero pagar !

Vendedor -Não, não custa nada...

Delegada - Como não custa nada? Não diga isso de uma verdade, pois por menor que seja, ela sempre lhe trará grandes lucros.

Vendedor - Gostei !! Vou anotar para engolir.

Delegada - Verdades não devem ser engolidas, devem ser distribuídas para quem delas necessita.

Vendedor - Ooh! Arrasou! Que tal sermos sócios doutora ? Meio a meio...

Delegada - (com tom profissional) Não !! A ética profissional impede de envolver-me com os presos !... (desarmando) Gostou ?!

Vendedor - Gostei ! Mas escute só esta: "Não existe ética profissional quando não existe ética pessoal !".

Delegada - Brilhante !! Mas tenho a resposta. Escuta só: "O segredo é a alma do negócio !".

Vendedor e Delegada -Então, negócio fechado !!

Abraçam-se .

O vendedor senta na cadeira da delegada.

Vendedor - Muito bem, agora vamos ver se a coisa aqui se organiza ! Sebastiana, vê se penteia este cabelo, bota um batom... Ajeita aquele quadro que está meio torto !

Delegada - Você é quem manda, meu caro !

Vendedor - Ô Sebastiana, minha nêga, você poderia fazer um cafezinho pra mim ? Delegada - É pra já, chefe !!

A delegada sai de cena.

Vendedor - (colocando as pernas em cima da mesa) Ah, estas atividades burocráticas me cansam... Eu não sou homem de ficar sentado num birô. Eu sou homem das palavras...

(respirando fundo) É, mas se as obrigações do ofício exigem, o que se há de fazer ?

Cena 7

O cabo Farias entra em cena. Com um olho inchado e todo rasgado. O vendedor não percebe sua chegada.

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flira@ifce.edu.br 12 Vendedor - Acho que vou fazer uma reformazinha por aqui... As coisas estão muito decadentes... A delegada, esta, não é mais problema... O cabo Farias, acho que vou rebaixar a faxineiro... Ele será cabo do cabo da vassoura!

Farias - Ah, seu vigarista ! Agora eu acabo com tua raça!

O vendedor salta de sua cadeira assustado. Os dois ficam circulando ao redor da mesa .

Vendedor - Oh, cabo !... Estava justamente pensando em você!

Farias - 'Tava mesmo ?... Pois eu vou te mostrar quem vai pegar no cabo da vassoura ! Vendedor - Calma, homem...

Farias - Calma coisa nenhuma ! Veja só que tua frase me resultou! Vendedor - Mas é porque foi a prestação. Se fosse a vista !

Farias - (apontando para os olhos) E foi na vista, mesmo, seu picareta !

Vendedor - Deixe comigo, que eu tenho umas palavras que vão resolver tudo... Farias - Nem mais uma palavra ! Se não, você vai acabar ouvindo a palavra de Deus !

Cena 8

Entra a delegada com uma bandeja de café. Está com um avental e de batom.

Delegada - Cabo Farias, sentido !

Farias - Doutora, este bandido me vendeu palavras falsificadas! Vendedor - Palavras falsificadas, não! Conta a história direito!

Farias consegue pegar o vendedor e encosta a arma na cabeça dele.

Farias - Nem mais um pio!

Delegada - Cabo Farias, abaixe esta arma !

Farias - Delegada, quando eu cheguei, ele estava solto, todo folgado, sentado na sua cadeira! Delegada - Eu que o soltei !

Farias solta o vendedor.

Farias - A senhora soltou este meliante? Delegada - Sim, ele agora trabalha conosco !

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flira@ifce.edu.br 13 Vendedor - (desafiando) Viu?

Farias - Conosco?

Delegada - Isso ! Descobri que ele é um rapaz que tem uma capacidade de visão crítica, poder de síntese e determinação objetiva.

Farias - Ele?

Vendedor - Sim, por quê ? E já chega de papo furado, não quero mais ninguém sem fazer nada ! Ao trabalho ! Vamos, todos ! Vão arrumando tudo isso aqui que já volto...(à parte) Ai, que sufoco meu Deus!

O vendedor sai apertado.

Cena 9 Farias - Doutora Delegada, a senhora enlouqueceu !

Delegada - Pelo contrário ! Sabe meu filho, já estou nesta posição há uns vinte anos, e até a chegada dele ainda não tinha visto nenhuma perspectiva de melhorar de vida. Já havia escrito uma carta para o Governador pedindo meu afastamento. (tirando a carta do bolso e rasgando) Mas agora, com a colaboração do vendedor de palavras, não será mais preciso. Sinto que posso crescer, subir de patente, ser uma política como a nossa prefeita, e, quem sabe, até Presidenta da República !

Farias - E ele tem tanto poder assim?

Delegada - Se tem ! Você não imagina o que se pode fazer com as palavras! Farias - Muito interessante!

Cena 10

O vendedor entra em cena abotoando as calças.

Vendedor - Não quero ver ninguém parado. Farias, comece a varrer a delegacia! Farias - Varrer ?

Delegada - Faça o que ele disse, homem ! Farias - Ah, isso não vai ficar assim!

Vendedor - Sebastiana, quero que você vá fazer o desconto destes precatórios com a prefeita. Delegada - E se ela não pagar ?

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flira@ifce.edu.br 14 Vendedor - Ora, use todos os argumentos possíveis! Todo o poder do sofisma e da dialética... se ela resistir...prenda-a !

Delegada - Vou tentar, não vai ser fácil !

Quando a delegada está saindo, o vendedor mostra a pasta cor de rosa.

Vendedor - Espere !! Mostre a ela a cópia deste dossiê... tenho certeza que vai dar certo.

Cena 11

O cabo Farias varrendo, olha para um lado e para o outro, procurando alguém.

Farias - Cadê a delegada? Vendedor - (cabeça baixa) Saiu! Farias - Volta logo?...

Vendedor - Não sei ! Por quê?

O vendedor olha para Farias.

Farias aproxima-se do vendedor com olhar estranho.

Vendedor - Eh... por que você está me olhando assim... Farias... não se aproxime... Farias! Farias - Então quer dizer que as palavras são poderosas... podem transformar uma

pessoa ?

Vendedor (nervoso) Isso mesmo ! Eu posso transformar você !... Farias - Ah é? E como é isto ?

Vendedor - Eu posso transformar você num homem de palavras!! A gente pode ser sócios! Farias - Você pensa que caio nesta conversa novamente... Para que eu quero sócios, se posso sozinho ter todas palavras que preciso. Se posso roubar todas as palavras.

Farias pega a mala do vendedor e o empurra para a prisão.

Farias - Vamos, entra!

Vendedor - Não minhas palavras, não !... Farias - Adeus vendedor de palavras, ah, ah, ah !

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flira@ifce.edu.br 15 Vendedor - (em desespero) Não, minhas doces palavras...Minhas palavrinhas... Ah que será de mim, sem minhas filhinhas!... Eu vi cada frase nascer, acompanhei o primeiro fonema, os primeiros morfemas ! Sem palavras não há mais razão, não há mais razão para se viver. Ah, meus Deus, a morte, meu Deus.. O silêncio é torturante (Tossindo e pegando na língua)Ah... não estou mais conseguindo.. minha ... língua está pregando... Socorro.. soco...sss...

O vendedor, em desespero, apenas pronuncia as palavras, mas não emite sons. Ele joga-se ao chão.

Cena 12

A delegada entra em cena eufórica enquanto o vendedor está tentando se enforcar!

Delegada - (sem perceber o que o vendedor está fazendo) Ela pagou, ela pagou!! Foi só mostrar a Pasta Rosa e a mulher abriu o cofre !

O vendedor cai no chão frustrado. O barulho chama atenção da delegada.

Delegada - Mas o que é isso ?! (abrindo as grades) O que você faz aqui dentro ?! Fala homem de Deus !!

O vendedor desesperado, tenta pronunciar as palavras.

Delegada - Onde estão tuas palavras ?

O vendedor faz gesto de roubo e outras mímicas.

Delegada - Como roubadas?... Quem roubou?... O quê?... O cabo Farias?! (à parte) Aquele canalha me traiu! E agora, que seremos de nós sem tuas palavras?

O Vendedor tira o revolver da delegada e ameaça atirar na própria cabeça. A delegada avança e consegue dominar o vendedor. O vendedor chora copiosamente, sem emitir nenhum som.

Delegada - Você precisa reagir... Temos que pegar este ladrão de palavras custe o que custar. Ele não poderá ir muito longe!... Ah, que desgraça. Imagine se ele sai roubando tudo que é palavra...

Cena 13

A prefeita entra em cena desesperada.

Prefeita - Delegada, delegada, o cabo Farias passou no meu gabinete, rendeu minha secretária e roubou todas as minhas... minhas mentiras, isto é, minhas palavras. Eu exijo uma indenização ! Eu quero meu pagamento de volta !

Delegada - Infelizmente isto não será possível ! Suas palavras não estavam seguradas!

Prefeita - É verdade !! Verdade ?! Ah, o que farei sem minhas mentiras !! (desesperada) Agora todo mundo vai saber a verdade: que desvio verbas das obras municipais, que privilegio empresários, que aceito propinas, que compro votos e que mandei construir uma estrada em

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flira@ifce.edu.br 16 minhas terras com o dinheiro da prefeitura. E saberão mais: que só me preocupo com meus eleitores em tempo de eleição, que saúde educação e trabalho são três palavras que uso apenas para atrair votos... (mudando de tom) Quem disse isso tudo de mim?... Não acredito, fui eu mesmo!... Ah ! Não consigo me controlar ! Faça alguma coisa, senão todos saberão que eu sou uma corrupta. Uma bandida ! Quem votou em mim é um idiota ! Eu sou uma corrupta !

A prefeita sai de cena correndo, tentando segurar suas palavras.

Delegada - (sentando em sua cadeira) E agora ?

Luz se apaga.

ATO II Cena 1

Acende uma luz em uma repórter destacada no palco. A repórter está completamente vestida com jornal.Cheirando algo suspeitoe é surpreendida.

Repórter –Está gravando? (escondendo a droga) O ladrão de palavras continua atacando. Não existe hora ou lugar. Sexo ou idade. Nível social. Qualquer um poderá ser o próximo. Primeiramente ele rende a vítima e toma-lhe as palavras. Depois, mudez total em uns, em outros existem trocas de palavras, palavras soltas e muitas vezes sem nexo. Existe uma epidemia na cidade. As pessoas já começam a ser contaminadas pela falta de palavras. Não existe antídoto. As autoridades sanitárias aconselham que todos devem vestir-se com revistas ou jornais para se protegerem do vírus do laconismo. Maria Joana, para o jornal escândalus..E aí, foi bom?

Apaga-se a luz.

Cena 2- Confissão da Prefeita.

A prefeita entra desesperada na sacristia.

Prefeita: Padre, Padre1

Padre: Senhora prefeita que desespero é este?

Prefeita: (gageujando) Pa...Pa...Pa... Padre: Diga , filha?

Prefeita:Ah...Eu não consigo...Eu quero morrer...eu quero morrer! (pega o terço do padre e

simula um enforcamento)

Padre: Não faça uma tolice dessas? Quase que a senhora me estraga o terço! Prefeita:Eu peq...Eu peq...peque...Eu pequei . Padre?

Padre:Tudo bem, até aí não há novidades nenhuma! Continue, filha! Prefeita: Padre, eu comprei mentiras do vendedor de palavras?

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flira@ifce.edu.br 17 Padre: Um vendedor de Palavras?... Comprou mentiras? E deste quando a senhora precisa comprar mentiras?l

Prefeita: Não diga isto! Só o senhor sabe, pois lhe revelei em confissão! E o pior é que as minhas menti...isto é minha palavras foram roubada pelo cabo Farias?

Padre: Farias, aquele moço tão doce, tão meigo, um ladrão de palavras! Mas esta cidade está ficando muito perigosa!

Prefeita: (delirando) Mentiras...mentiras, Padre....Olha elas ali... Padre: Onde?

Prefeita: Ali, Padre, eu vejo mentiras por toda parte...Uma mentira nos seus ombros! mentiras no seus pés?

Padre|: Sai...Sai...Sai de mim?

Prefeita: Padre, tem uma poção de mentiras embaixo de seu nariz!...Cuidado Padre, elas estão entrando em sua cabeça!

Padre: Sai...Sai satanás...Sai de mim satanás! Sai..Sai... (açoitando-se com o crucifixo) Prefeita: Eu estou contaminada..Eu estou muito doente..Ai, Ai

Padre: (rezando sobre a cabeça da prefeita) padre nosso...que estais no céu, santificado seja o vosso nome, assim na terra como no céu..

Prefeita: Puta que merda...estou perdida. Padre: A senhora disse puta que merda? Prefeita: Disse!

Padre: Aleleuia, esta curada! Vá filha e segure a sua língua; pois a mal não é o entra, mas o que pela boca dos homens sai! (Sai a prefeita, segurando a boca) Um Vendedor de palavras, em minha paróquia. E eu que pensei que não tinha concorrentes?

Cena:

Reporte: (com óculos escuros, tentando enfiar uma agulha na veia) Humm, A policia ainda não

sabe do paradeiro de Farias! Tentamos contactar com a sogra de Farias mas esta recusou-se terminantemente a dar qualquer depoimento à imprensa. (Tirando os óculos e mostrando uma

mancha no roxa nos olhos). E olha que tentamos! Em nota enviada a nossa redação, a

Ex-mulher de Farias diz caso lhe paguem dois milhões de dólares, fala tudo que sabe sobre as transações ilícitas do marido e de quebra ainda aceita pousar nua para uma revista masculina...Como? È verdade mesmo?Pois mande-a entrar. Senhora e senhores acaba de chegar aos nossos estúdios a prefeita de Jurema . A prefeita também foi mais uma vítima do

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flira@ifce.edu.br 18 Ladrão Palavras? ( A prefeita está segurando a boca, confirma com a cabeça.)Que tipo de palavras o Ladrão lhe roubou?

Prefeita: (tirando rapidamente a mão da boca e colocando novamente) Verdades!

Repórter: Verdades? E as mentiras que a senhora comprou do Vendedor de Palavras? Onde

estão?

Prefeita: È tudo mentira?

Reporter: Senhora prefeita, não adianta mais mentir, pois todos viram em cadeia nacional,

através de uma câmera escondida, quando a senhora embolsou mentiras, compradas do Vendedor de Palavras!

Prefeita: (delirando) Minha mentiras...roubadas?

Repórter: Então é verdade as acusações que recaem sobre a senhora, que dizem que a

senhora é uma demagoga e hipócrita?

Prefieita: Mentira...Verdade..Ai meu Deus não consigo me controlar...(Discursando)i Sim, Acusam-me de hipócrita, demagoga, desonesta e de outros atributos. Como são ingênuos os que me destratam! Eles esquecem que são justamente por tais atributos - que orgulho-me de possuí-los- que garatem a fidelidade do meu eleitorado. Será que eles não percebem que você, meu caro eleitor, já sabe de tudo isso? Estas pessoas não conseguem entender o que é confiança. Elas tentam ofender a sua inteligência, caro eleitor . Pensam em me derrubar com denúncias ultrapassadas. Dizem por aí que sou corrupta. Assumo e não nego. Mas pergunto, meu povo: o que é a corrupção? Respondo: a corrupção é um estado de espírito, uma opção de vida. Por que não respeitar esta minha opção? Qual a sociedade que queremos para os nossos filhos? Uma sociedade que não respeita as diferenças individuais? Isto eu não quero para mim, para minha família e nem para você, meu amigo. Que graça seria o mundo se todos fossem honestos, justos e caridosos? Cada um tem que fazer a sua parte. Não espere que os políticos façam tudo por você! É necessário a sua ajuda, a sua participação, o seu apoio, o seu voto. Se reeleito for, manterei a mesma coerência e retidão de caráter que você já está acostumado em ver mim. Eu não o decepcionarei, acredite! Continuarei roubando, mentindo e mamando nas tetas fartas do erário público. Pois o meu lema é o compromisso com a verdade. Se digo que, durante o meu mandato, nada farei em prol da educação, emprego, habitação e saúde, pode escrever: não farei nada, mesmo! (recobrando a razão).Quem disse isto de mim? Fui eu mesmo?Ai meu Deus...Eu sou uma corrupta, uma corrupta....Sai correndo.

Repórter: Enquanto a situação não se resolve. As pessoas não dizem coisa com coisa. A única

pessoa capaz de restituir a palavra é o Vendedor de Palavras que encontra-se na delegacia de Jurema. O Vendedor de Palavras foi o primeiro a ser lesado. Seu estado é muito grave. A população da cidade tem virado noites de vigília, rezando pelo restabelecimento do Vendedor de Palavras... Como? Isto é verdade mesmo? Senhoras e senhores, logo mais, com exclusividade para todo o país, a mãe do cabo Faria estará aqui com a gente. Fique ligado! Maria Joana para o Plantão Escândalos. Corta! E Aí Foi bom?

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O vendedor encontra-se deitado, vestido com uma manta de jornal.

Acende a luz na delegacia. Ouve-se vozes de pessoas rezando. O padre Lucas está em cena.

Padre - (para o vendedor) Reaja, homem, o povo todo está rezando por você. Eles acreditam que você é a salvação. Vamos levante, ouça. (o padre levanta e vai à janela) Alegria, você agora é um santo para esta gente !

As vozes aumentam de intensidade e depois diminuem.

Padre - (Pensativo) Santo ?... Mas o povo não se interessa por um santo vivo ! Para um vivo não há idolatria nem romaria !... Mas, morto não! A pessoa ao morrer se autopurifica. Não existe um morto pecador... E a paróquia precisa de um santo ! A concorrência está muito acirrada. A cada dia temos menos fiéis em nossas igrejas !... Minha nossa, o que estou pensando? Não, não, eu não quero que ele morra ! Que pecado mais vergonhoso pode existir, do que um ser humano desejar a morte de outro ?!... Mas se for a vontade divina ?... O que um pobre mortal com eu pode fazer?... E tem outra coisa, um santo tem mais futuro que um ser vivo. Suas palavras se perpetuarão por todo os séculos... É isto, se for para o bem da paróquia e... dele próprio, que morra !

Cena 3- Mãe de Farias

Ó mesmo ator que faz Farias, vestido de Farias.

Repórter: Esta aqui ao meu lado e a Mãe do Cabo Farias, O Ladrão de Palavras. A senhora alguma vez desconfiou que o seu filho se interessava por palavras?

Mãe de Farias: Antes de mais nada, gostaria de agradecer a você Maria Joana, por esta oportunidade! Eu não perco um plantão Escãndalo! O pessoal lá de casa te adora. Quero mandar um beijão bem grande para a galera do bairro que está nos assistindo. Alô dona Zefa, adorei o doce de jaca! (mudando de tom um para choroso, puxando um lenço) Agora quanto a esta história que estão dizendo do meu filho é uma calúnia da sogra dele, coitado. O Fariazinho nunca quis nada com palavras, nunca foi de palavras, sempre foi analfabeto. Olha eu gostaria de comunicar que tudo que estão dizendo de meu filho é mentira. É uma armação para derrubar o meu filho, para lhe tirar a patente de cabo, que ele conquistou com esforço, honestidade e dedicação. Este tal de Ladrão das Palavras que estão falando por aí, deve ter seqüestrado o meu filho. E agora está se passando por ele. Isto tudo é obra daquela sogra e da filha dela!È sim! Olha aqui suas megeras, se vocês estiverem me ouvindo, por favor devolvam o meu filho pelo que é mais sagrado. Não me deixe nesta angústia...Ai..Ai meu deus meu filhinho no cativeiro, sem a palavra da mamãe... Quero mandar uma só mensagem para o meu filho! Seja onde estiver você, Farias, a mamãe te ama! (agarrando o microfone)

Repórter: Corta!

Mãe de Farias: (recompondo-se)E aí, foi bom? Cena:- A oração

Na delegacia o Vendedor , deitado enrolado em Jornais. Vozes de fieis rezando.O Padre entra pela platéia.

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flira@ifce.edu.br 20 Padre: (Com umas sacolinhas) Prova de amor maior não há, que doar a um irmão... Prova de amor maior não há, que doar a um irmão Uma contribuição para as obras da igreja de São Vendedor de Palavras...Uma Contribuição para as obras da Igreja de São Vendedor de Palavras. (distribuindo santinhos do vendedor, que contem a Oração do Vendedor) . Todos de pé. Rezemos a Oração que São Vendedor nos ensinou!

Pai Nosso que está no Céu

Santificado seja o vosso nome, assim na terra como no céu.

O pão Nosso de cada dia, nos daí e perdoia a quem nos tem ofendidos. Nos livrai do mal e do bem amém.

Cena – A prisão

A delegada entra em cena.

Delegada - Conseguimos pegar o homem !

Padre - Graças à Deus ! Minhas preces foram ouvidas !

Entra Farias carregado por dois agentes da Policia Federal. Farias cobre o rosto com a camisa. É colocado no fundo da delegacia. A repórter entra em cena, acompanhada do câmera-man. A delegada posiciona-se ao lado dela, querendo aparecer.

Repórter - Caso encerrado. O caso do ladrão de palavras está encerrado. Foram vários telefonemas anônimos, com pistas falsas. A Interpol, juntamente com a Polícia Federal, foram acionadas para a caçada do ladrão mais procurado do país: O LADRÃO DE PALAVRAS ! Ele foi pego ontem à noite, quando tentava atravessar a fronteira do Brasil com a Bolívia carregando dezenas de malas recheiadas de palavras!

À medida que a repórter fala, os policiais vão amontoando diversos sacos.

Repórter - Eram duas toneladas das mais refinadas palavras ! Esta é a maior apreensão de palavras que de toda a história mundial. O ladrão de palavras pretendia chegar aos Estados Unidos, onde montaria seu quartel general e distribuiria palavras para todos os lugares do mundo. Felizmente a rota do tráfico de palavras foi eliminada. A polícia já queimou algumas palavras daninhas à população.

A repórter abre espaço para a delegada aparecer.

Repórter - Foi graças à astúcia, ao profissionalismo sério e perspicaz da delegada Sebastiana, que a equipe de investigação pôde capturar o ladrão de Palavras. (virando-se para a delegada). Delegada, como a senhora conseguiu chegar até o ladrão ?

Delegada - (esnobando) Foi tudo muito simples. Conheço Farias há sete anos. Usei da psicologia e, é claro, bastante inteligência. Primeiro consultei sua adorável sogra, depois conferi seus cartões de créditos, cruzei as informações com as chamadas telefônicas, rompi o sigilo bancário da conta de Farias e comparei tudo com o seu crediário das Lojas de sapatos

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flira@ifce.edu.br 21 Passos Largos e daí foi fácil ! Conclui que ele não poderia estar em outro lugar, que não fosse na fronteira entre Brasil e Bolívia !

Repórter - Brilhante dedução, senhora delegada ! Em última revista, a polícia encontrou dez maços de palavras, escondidas na cueca do Cabo Farias. Cabo porque você escondeu palavras na cueca?

Farias: Eu não me lembro! Acho foi alguma armação, alguém colocou palavras dentro de minha cueca para me incriminar! É um complô, uma conspiração !....Eu quero uma palavra...umazinha...por favor uma sílaba? Um encontro consonantal ..Ah! Vocês não podem me negar um hiato! Eu quero minha mãe! Mamãe

Repórter: Você que tem filho, preste atenção: observe o que seus filhos andam lendo, não

deixe que eles se envolvam com más palavras. O cabo Farias é um exemplo: que de homem da lei passou a roubar, traficar e por fim, tornou-se completamente dependente das palavras!... E aí foi bom?

Cena 5

A prefeita entra em cena desesperada.

Prefeita - Onde ele está, onde ele está ? (tentando agredir Farias) Devolva minhas palavras, seu ladrão !

Repórter - (para o camara-man) Filma isto!!

Os policiais seguram a prefeita.

Delegada - Senhora prefeita, controle-se !

Repórter - A prefeita Jutacira Cardoso da Silva também foi uma vítima do ladrão de palavras. Senhora prefeita, como foi a sua experiência ?

Prefeita - Eu... não tenho palavras !

A prefeita livra-se dos policias e corre para os sacos de palavras.

Prefeita - (revirando os sacos) Eu preciso encontrá-las... Ah, vocês estão aqui ! (pegando um

saco rotulado com a palavra mentiras) Umm, que delícia...

Repórter - Então é verdade que a senhora comprou mentiras do vendedor de palavras?

A prefeita esconde o rótulo das mentiras.

Prefeita - É mentira !! Todos sabem que sou uma mulher de palavra. (discursando) “Se depender de mim o povo não passará mais fome e haverá hospitais e escolas para todos. Vou transformar as escolas da periferia em escola da Aldeota, por que você já sabe...”.

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flira@ifce.edu.br 22 Cena 6

Repórter - Doutora delegada, e agora, qual a providência a ser tomada para que estas palavras retornem aos seus legítimos donos ?

Delegada -Somente uma pessoa poderá resolver este problema: O Vendedor de Palavras! Repórter - E como ele está ?

Padre - Em coma !

Delegada - Ele perdeu a língua deste que foi roubado.

O vendedor começa a fungar.

Repórter -Olhe doutora delegada, ele está se mexendo !! Delegada - Ele esta sentindo o cheiro de suas palavras.

O vendedor estica a mão para a delegada. A delegada encosta o ouvido na boca do vendedor, que pronuncia com esforço algumas palavras!

Repórter - O que ele disse ?

Delegada - Ele pediu a mala das palavras !

Repórter - (para o público) Realmente senhoras e senhores, é um milagre. O Vendedor de Palavras que já estava praticamente morto, começa a reagir às palavras que chegam de toda parte do país. Vamos ver o que vai acontecer. Vem comigo ! (para o camara-man) Não perca nada !

Cena 7

Delegada abrindo a mala e procurando palavras para dar ao vendedor.

Delegada - Desaforos, não !... Palavras maldosas, não... piadas, discursos... Ah, achei !! Palavras de ânimo ! Estas palavras irão reavivá-lo !

Padre - (Grita) Naão !!

Todos olham para o Padre surpresos.

Repórter - Como não, Padre Lucas ?

Padre - (desconsertado) Não... de uma vez ! Palavras em excesso prejudicam... As palavras devem ser dadas em pequenas doses, para se evitar um choque semântico !...

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A Delegada coloca o conteúdo do vidro das palavras de ânimo em uma colher e depois na boca do Vendedor. Todos olham por um instante. O Vendedor tosse.

Repórter - Ele está reagindo !

Padre - (decepcionado) Que se cumpra a vontade divina !

Vendedor - (Levantando-se e exercitando a voz) A , E... Ba, be, bi, bo, bu... Mi, mi, mi, mi... UM A, UM É, UM I, UM O, UM U, UM O, UM I, UM É ,UM A... Ah, Ah, Ah minhas lindas palavras

(abraçando todos os sacos) vocês voltaram para o papai! Ah, palavras, palavras minhas, o que

vocês fizeram com as pessoas ? Filhinhas, porque vocês se deixaram contaminar ? Oh, minhas queridas, sinto dizer que terei que deixá-las!.

Repórter: Deixá-las, o senhor disse?

Vendedor : Sim!... Eu tive um sonho ! . (som de música sacra ao fundo) Neste sonho uma voz revelou-me uma missão e o dom do perdão.

Todos: Perdão?

Vendedor: Sim, eu vos perdôo por terdes pecado! As palavras são tentadoras seduzem, eu sei! E vós fostes às vítimas das próprias palavras!

Delegada - Coitado, enlouqueceu de vez !

Vendedor - Eu enlouqueci ? Ora, ora... quem se corrompeu com palavras? Repórter - O que o senhor quer dizer com isso ?

Prefeita - Este homem não está dizendo coisa com coisa ! Vendedor - Será ? E quem comprou mentiras, a senhora sabe? Padre - Filho,Você está desrespeitando as autoridades !

Vendedor - Que autoridades são estas, padre, que pecam e blasfemam usando as palavras em causa própria ?!

Repórter - E que dizer do senhor, que é um vendedor de palavras ?

Vendedor - E quem de nós dois vende mais palavras? (Pausa)Mas não tem problema... Eu já disse, eu vos perdôo!

Delegada: Graças !( Se ajoelha)

Prefeita: (beijando a mão do vendedor): Perdoa-me, senhor! Perdoa-me! Eu pequei, Eu pequei! Vendedor : Isto filha, devolva estas palavras sujas. Elas estão tomadas de um poder incontrolável, um poder transformador e maléfico à humanidade..Peço que as queimeis, para

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flira@ifce.edu.br 24 remissão de vossos pecados..A minha missão, de agora em diante, é colocar na boca de cada necessitado a palavra correta(para delegada), adjetivo oportuno (prefeita) verbo essencial(repórter) e o substantivo apropriado(câmara-woman) , e o ...

O policial corre se ajoelha, e o vendedor é interrompido pelo padre.

Padre: Ei, o que você pensa que está fazendo?

Vendedor: (inquisidor) Lucas! Desejar a morte do próximo também é pecado!

Padre: Ahã..Não, Não, Não era eu , era o satanás, o satanás que colocou aquelas palavras em minha boca! O satanás, o satanás!.

Vendedor: Ô,Ô, calminha, calminha! ...Eu conheço a tua alma. Não tem problema ... Isto orem, orem muito para remissão de vossos pecados. (pegando o microfone da repórter) Agora a voz do povo será ouvida.(sobe na mesa) Povo de jurema, não vos desespereis ! Eis-me aqui: O PASTOR DAS PALAVRAS !

O vendedor percebendo que todos estão dominados, faz gesto de vitória

Fecham-se as luzes.

Referências

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