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QUANDO OS ÍNDIOS SOMOS NÓS - Resenha do texto de Roberto Kant de Lima

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Quando os Índios Somos Nós: uma resenha do texto de Roberto Kant de Lima Quando os Índios Somos Nós: uma resenha do texto de Roberto Kant de Lima

 Eduardo Tergolina Teixeira

 Eduardo Tergolina Teixeira –  – julho/2007julho/2007

Roberto Kant de Lima, no

Roberto Kant de Lima, no estudo em abordagem, consigna subsestudo em abordagem, consigna substancial análise no quetancial análise no que tange à sua socialização acadêmica, confrontando, por meio de suas experiências

tange à sua socialização acadêmica, confrontando, por meio de suas experiências  –  – no Brasil,no Brasil, duas graduações, Direito (1964-1968) e Ciências Sociais (1971-1974), e uma pós-graduação, duas graduações, Direito (1964-1968) e Ciências Sociais (1971-1974), e uma pós-graduação, mestrado em Antropologia Social (1974-1978), e

mestrado em Antropologia Social (1974-1978), e nos Estados Unidos, pós-graduação em nívelnos Estados Unidos, pós-graduação em nível de doutorado, a partir de 1979

de doutorado, a partir de 1979 –  – , diversos aspectos, brasileiros e norte, diversos aspectos, brasileiros e norte-american-americanos, atinentes àos, atinentes à vivência na sociedade universitária, nomeadamente, no que concerne à produção intelectual vivência na sociedade universitária, nomeadamente, no que concerne à produção intelectual derivada dos estudos realizados. Menciona surpreendentes formas comportamentais dos derivada dos estudos realizados. Menciona surpreendentes formas comportamentais dos envolvidos na seara acadêmica, apontando dis

envolvidos na seara acadêmica, apontando distinções e ttinções e traços de relevo, de raços de relevo, de modo a denotar asmodo a denotar as  particularidade

 particularidades que evidenciam, plasmam e implicam os s que evidenciam, plasmam e implicam os integrantes dos espaços esintegrantes dos espaços escolares. Ecolares. E isso, demonstra o autor, não traz reflexos somente

isso, demonstra o autor, não traz reflexos somente intra murosintra muros, nos limites da Universidade,, nos limites da Universidade,

mas, bem ao contrário, referidas concepções de estruturação do pensamento e produção mas, bem ao contrário, referidas concepções de estruturação do pensamento e produção acadêmica são propaladas a todo o mundo, trazendo conseqüências de pujantes proporções. acadêmica são propaladas a todo o mundo, trazendo conseqüências de pujantes proporções.

O professor Kant de Lima estabelece uma diferenciação, primeiramente, entre as O professor Kant de Lima estabelece uma diferenciação, primeiramente, entre as graduações por ele levadas a efeito. Acerca do Curso de Direito, pontua que as aulas graduações por ele levadas a efeito. Acerca do Curso de Direito, pontua que as aulas desenrolavam-se de modo bastante formal e distante entre alunos e professores. Em desenrolavam-se de modo bastante formal e distante entre alunos e professores. Em contrapartida, as relações entabuladas entre os colegas universitários, ou mesmo entre os contrapartida, as relações entabuladas entre os colegas universitários, ou mesmo entre os alunos e profissionais da área desenvolviam-se de sorte intensa e informal.

alunos e profissionais da área desenvolviam-se de sorte intensa e informal.  No que respei

 No que respeita à Faculdade ta à Faculdade de Ciências Sde Ciências Sociais, assevera que aociais, assevera que as interações se s interações se davamdavam de modo bem mais informal entre professores e alunos, inclusive com momentos de de modo bem mais informal entre professores e alunos, inclusive com momentos de descon

descontração em tração em bares, residênciasbares, residências, restaurantes, , restaurantes, salisalientando que entando que mesmmesmo as o as aulas transcorriamaulas transcorriam destituídas de formalidades. Ressalta o valor atribuído à participação, bem assim à destituídas de formalidades. Ressalta o valor atribuído à participação, bem assim à criatividade, considerando não ser franqueada maior importância à simples repetição dos criatividade, considerando não ser franqueada maior importância à simples repetição dos dizeres dos estudiosos consag

dizeres dos estudiosos consagrados. Aponta para a rados. Aponta para a flexibilidade no cumprimento de horários eflexibilidade no cumprimento de horários e conteúdos programáticos, frisando a relação pessoal tida, por parte dos alunos, com o conteúdos programáticos, frisando a relação pessoal tida, por parte dos alunos, com o  professor, inclusi

 professor, inclusive com empréstimve com empréstimos de livros de sua biblioteca particular. Aos de livros de sua biblioteca particular. Atenta, outrossim,tenta, outrossim,  para a ocorrência

 para a ocorrência –  – no decorrer no decorrer das exposições e demais trabalhos acadêmicosdas exposições e demais trabalhos acadêmicos  –  – de conversasde conversas  paralelas, que,

 paralelas, que, por por não rnão raras oaras oportunidaportunidades, des, determinavam determinavam produtivas produtivas alterações no alterações no tema tema ouou na ótica da discussão.

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Quanto à pós-graduação, aduz que, a despeito de haver se tornado mais rígido o trato acadêmico e a relação entre professores e alunos, tal não retirou a informalidade em conversas  por vezes estabelecidas, inclusive, nas residências dos mestres. Conversas estas que inevitavelmente acabavam em discussões profissionais ou respeitantes a teorias diversas. As avaliações constituíam-se na participação dos alunos em seminários (considerando-se as observações orais por estes efetuadas), assim como trabalhos escritos, geralmente dotados de algum toque de originalidade, desenvolvendo-se o conteúdo de modo preponderantemente literário.

 No que se refere à experiência americana, a par da sua limitação quanto ao idioma, o autor percebeu, por outro lado, que ignorava completamente os “procedimentos adequados à  prática universitária” naquele país. Em face disso, ponderou, então, se mostrar indispensável uma análise das caracter ísticas inerentes tanto à sociedade americana quanto à “comunidade acadêmica” de molde a viabilizar um desempenho exitoso em suas atividades. Constatou,  primeiramente, que eventos sociais não são mesclados com relações profissionais e acadêmicas. Havia, desse modo, um afastamento entre as relações sociais e as questões antropológicas. Destinavam-se espaços específicos para se debaterem os assuntos atinentes à teoria e prática da Antropologia: aulas, seminários ou entrevistas com professores, especialmente marcadas com tal intento. Aduz que nas conferências (lectures), o professor 

expunha o tema a partir da leitura (no tempo exato de uma hora) de um escrito preparado, raramente dando ensejo a questionamentos por parte da assistência. Nos seminários ( seminars), proferidos por professores ou seus monitores, descortinava-se, aí, o momento para

discussões e satisfação de questionamentos. A partir de intervenções espontâneas ou solicitadas pelo próprio professor, os alunos deveriam expor suas idéias de forma curta e objetiva, um de cada vez  –  deixando-se assim uma pessoa terminar de falar para então se começar a discorrer   –. Dessarte, inconcebíveis, nesse meio, as “conversas paralelas”, existentes na academia brasileira. De outra banda, salienta um traço marcante no comportamento universitário americano: os colegas, a despeito de estarem, v.g., em um

mesmo andar, não se enturmavam (dando azo a bate-papos ou cafezinhos), encontravam-se alguns minutos antes de começar o evento acadêmico, separando-se tão logo este se encerrasse (ao contrário da prática universitária brasileira). Isso denotava a limitação da disponibilidade das pessoas a temas, horas e locais preestabelecidos.

Em complementação a essa estrutura de ensino, havia palestras e conferências.  Nessas atividades, ao depois da exposição, sobrevinha a participação de alunos e professores,

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que, sem qualquer constrangimento, em paridade, indagavam, objetivamente, o palestrante acerca do tema. Não se verificava qualquer receio por parte dos alunos em formular suas  perguntas, o que é tão freqüente no Brasil (estabelecendo-se, em função desse medo, uma

noção de rígida hierarquia acadêmica em nosso país). As perguntas e respostas levadas a cabo com objetividade, afastando a possibilidade de disputas pessoais (focando-se no interesse de discutir o tema proposto), contrastam com as “conferências paralelas”, verificadas no Brasil, sugerindo, a partir daí, a ótica de que a relação, aqui, se dá sempre de forma pessoal, e não simplesmente estabelecida em face de interesses e discussões objetivas acerca do assunto.

O formalismo exacerbado não era somente sentido por Roberto Kant de Lima, também seus colegas queixavam-se a respeito. Todavia, era neles perceptível um certo grau de conformação, resignação quanto a isso, como se tal fizesse parte de uma necessária estrutura destinada, ao fim e ao cabo, à sua formação.

A partir de uma análise de circunstâncias fáticas, constata o autor contraditórias características do meio acadêmico norte-americano. Ao tempo em que se pugna pela  promoção de individualização e estímulo à criatividade, busca-se uma padronização da  produção intelectual, a fim de proporcionar iguais oportunidades a todos. Constitui-se a

diferença, de outra parte, em fruto de mérito individual, devendo-se, outrossim, socializar os

indivíduos a fim de abarcá-los na classe média, efetivação (utópica) da igualdade.

Quanto à bibliografia de que se lançava mão, a despeito da ausência de diferenças substanciais relativamente à utilizada no Brasil, havia um traço mais clássico, deixando-se de salientar questões contemporâneas controversas. A bibliografia abrangia uma ampla área, mostrando-se os alunos bastante preocupados em se submeterem ao maior número de orientações e teorias possível, otimizando, assim, sua formação. No Brasil, conforme consignado no estudo, não se afigurando coerente o texto proposto aos anseios dos alunos (público-alvo), pairará a desconfiança, determinando certa resistência na abordagem e estudo do tema, não havendo, em decorrência, o indispensável espelhamento entre professor e aluno. Tal forçosamente redundará na insatisfação quanto ao interesse perquirido. “É como se, no fundo, a diferença fosse desorganizadora por definição, alunos querendo ouvir-se nos

 professores e vice-versa.”

Percebeu, por outro lado, a concepção norte-americana de direcionar o olhar  antropológico para “coisas realmente longínquas”. Isso é corroborado diante da ótica  proeminente entre os norte-americanos de que sua sociedade não possui, propriamente, “cultura” no sentido antropológico. É que, segundo concebem, tudo seria feito da maneira

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mais natural, mais adequada, mais simples, salutar, racional, enfim, da melhor forma. Verificou o autor, por conseguinte, que, em realidade, a dificuldade de expressar-se, constatada nos seminários, era menos em função da língua que em face de estar acostumado a  proceder a abordagens por meio de outro viés antropológico. Patente o caráter etnocêntrico da

sociedade norte-americana, pois.

Interessante notar-se que, conforme relato do autor, a bibliografia discutida em cada encontro era imensa, respondendo seus colegas aos questionamentos (imprevisíveis, para Kant de Lima) de forma quase que instantânea, a despeito da amplidão do conteúdo. Fichavam e separavam as possíveis indagações do professor (de forma “premonitória”) a fim de respondê -las sem vacilação. Outrossim, constatou que os alunos tão-somente liam textos em inglês, não obstante, não exibissem, com certeza, qualquer limitação à compreensão de outros idiomas, até mesmo em face das exigências para se freqüentar o curso.

Encontrou pujantes dificuldades na confecção dos trabalhos escritos na academia.  Não cônscio das regras próprias à elaboração de tais estudos, encontrou dura oposição ao seu

estilo, sendo taxada sua produção de obscura, vaga, fora de lug ar, denotando a “extrema confusão mental” na qual, teoricamente, estaria. Notou, de outra banda, que seus colegas se utilizavam de suas anotações, e não de livros, para a realização dos trabalhos escritos  propostos (cujo conteúdo, frise-se, se revestia de vastíssima abrangência, v.g., proceder à

comparação de vários autores, detentores de orientações teóricas absolutamente diversas). Ao ingressar em um curso de redação para estrangeiros, deu-se conta de determinados aspectos relativos à vivência acadêmica antes pelo autor inimagináveis. Em inglês, detém especial importância a primeira ou última sentença de um parágrafo (topic  sentence), tratando cada parágrafo de uma única idéia. Outrossim, refere a imprescindibilidade

da utilização das operações lógicas de contrastar, classificar, comparar, correlacionar, explicitando relações de causa e efeito e trazendo exemplos, evidências concretas. Dessarte, apercebeu-se de que, em verdade, não era “seu inglês” que se afigurava falho, mas o que se verificava era o não-conhecimento, por parte de Kant de Lima, da maneira utilizada para organizar o pensamento na academia americana. Notou que o “problema” não estava no conteúdo que explicitava, mas sim na forma por meio da qual o veiculava. A partir da forma

 proposta, qualquer tema porventura abordado vislumbrou se tornar mais claro e, por  conseqüência, também mais simples.

Atenta para o fato da influência da língua inglesa no cenário internacional e a função desenvolvida pela academia americana na formação de saberes. Disciplinando-se a forma de

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 produção do conhecimento, delimitando os exatos lindes em que se procederá à confecção do trabalho, torna-se mais fácil domesticar as ações, orientando-as em um sentido  preestabelecido, conforme se mostrar conveniente. Formando a academia executivos, administradores, políticos, advogados, economistas, tal método irradiará seus efeitos a todo o corpo social americano, refletindo-se por sua vez na sociedade mundial (tudo em face do lugar   privilegiado em que, hodiernamente, se encontra a língua inglesa).

Ao passo que se faz necessário o engajamento a mencionado modelo de produção do conhecimento, padronizando-se estilos e formas, daí restam advindas algumas decorrências:

A primeira delas é o efeito de domesticar as traduções consumidas em inglês. Determinando-se os padrões a serem seguidos, necessariamente haverá de se emoldurar a obra do autor, retirando-se as “imperfeições”, as “impurezas estilísticas” ajustando -a adequadamente. Isso porque o que interessa são os pontos ( points), e não o estilo do autor.

Todavia, conforme alerta, tal determina uma distorção uniforme, implícita, de seu  pensamento. Mesmo por parte de intelectuais, a forma estrangeira de expressão do conhecimento recebe rotulações, denunciando preconceitos e, por conseqüência, a necessidade de se consumir obras traduzidas.

A segunda relaciona-se à facilitação do consumo por meio da leitura da tradução. Isso porque, diante de um texto amoldado a uma técnica predeterminada de produção intelectual, não se faz necessária a leitura de toda a obra, mas tão-somente de pontos já de antemão determinados (e convencionados) como importantes. Isso propicia um processo linear e cumulativo de conhecimento, construindo- se este a partir de “versões consagradas”,  bases sobre as quais se desenvolve a atividade intelectiva, sem contudo contestá-las.

A previsibilidade dos efeitos da comunicação acadêmica trata-se da terceira conseqüência. Uma vez que são determinadas e pré-conhecidas as regras de elaboração dos estudos, basta que o trabalho se amolde a tais rígidos limites e não se constitua em uma verdadeira asneira (em termos de conteúdo) para que seja considerado e tido como colaboração acadêmica. Bem exposto o ponto, será defensável.

Por conseguinte, o domínio faz-se não só pelo conteúdo discorrido, mas mormente  por meio da forma empregada a tanto, determinando-se os exatos lindes da produção do

conhecimento, tudo ao argumento de orientação e organização do pensar.

Os fundamentos do corpo social (individualismo, igualitarismo, hierarquia, domínios do público e privado, valor positivo ou negativo do acesso universal ou particularizado às informações) desempenham funções axiológicas distintas no Brasil e nos Estados Unidos. Tal,

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segundo Kant de Lima, influencia indubitavelmente a disciplina e elaboração do conhecimento. Na sociedade americana, verifica-se a necessidade de falar-se conforme se escreve e interpretar-se de modo literal os escritos, tudo por conta das imprescindíveis literalidade, explicitação e racionalidade que a plasmam. Ao contrário do verificado no Brasil, é de se salientar que se afigura incogitável um intelectual que não escreva, principalmente na seara universitária.

 Na sociedade acadêmica americana, por outro lado, se porventura um evento estende-se mais do que o previsto, tal é tido, de modo invariável, como grande inconveniente, trazendo notórias e nefastas implicações às agendas dos espectadores (privando-os de sorte indevida de  participarem de outra atividade), comprometendo, em última análise, o equilíbrio a priori

estabelecido entre indivíduo e grupo. No Brasil, ao se desbordar tal regra de tempo  predeterminado, somente resta corroborada a já acenada hierarquia entre os eventos, legitimando-se a desigualdade por meio de um tácito assentimento por parte de todos. Enquanto que, nos Estados Unidos, os eventos são apenas diferentes, sendo dado ao indivíduo escolher pela freqüência a qualquer deles; no Brasil estabelece-se uma hierarquia entre eles.

É de se ressaltar que, nos Estados Unidos, prevalece a forma dual, no que respeita ao relacionamento social, verificando-se a interação geralmente entre duas pessoas. Daí decorrem diferenças claras entre EUA e Brasil quanto às noções de público e privado. Aos brasileiros o  público é sinônimo de ausência de titular, inexistência de proprietário e de regras gerais. É de

todos e de ninguém em especial, decorrendo daí uma “interação social indiscriminada”. Aos norte-americanos o público é algo coletivo, onde há a submissão a “regrais locais universais”, cuja observância é de todos reclamada. O público, portanto, é da coletividade, imperando o “controle e a disciplina”. Os integrantes do grupo preservam sua individualidade, não se verificando, como no Brasil, uma “identidade comum, grupal”. Não se estabelece, como no Brasil uma “relação difusa”, os indivíduos, ao contrário, a despeito de estarem juntos, agrupam-se aos pares, trios.

 Nos EUA, não são bem-vindas interrupções enquanto alguém fala, ainda que haja alguma intimidade entre os interlocutores e mesmo em um ambiente em que estejam a sós. Descortina-se aí a fala como bem de domínio público. Afigura-se o tempo da fala um bem

limitado, não se mostrando adequado retirar-se, inadvertidamente, o tempo dos demais, devendo-se agir, assim, com o devido respeito. No Brasil, ter o monopólio da palavra por  vezes revela poder, virtude; nos Estados Unidos, tal comportamento é visto inarredavelmente como abusivo.

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Em face de tanta formalidade, disciplina, na sociedade americana, a repressão não se mostra necessária a fim de manter a hierarquia acadêmica.

Os indivíduos americanos, cuja disponibilidade é cronometrada de maneira categórica, delimitam, por meio de normas bem definidas e impessoais, o momento, duração, lugar e participantes de um evento. O tempo diz respeito tão-somente a seu titular, ninguém

 podendo nele se imiscuir (igualdade esteada na pressuposição da diferença). Ao contrário, no

Brasil, o tempo não é de propriedade do indivíduo. Aquele é conferido a outrem, que, dono do tempo do espectador, dele se servirá conforme melhor convier (presunção da homogeneidade).

Abdica-se, pois, do seu tempo em favor do outro, fixando- se, assim, uma “ordem hierárquica” dos eventos sociais.

Critérios individualistas, por exemplo, determinam a ascenção profissional do  professor conforme sua mudança de universidade, galgando, assim,  per se, postos mais

elevados em entidades de maior gabarito. A obra escrita e a flexibilidade do profissional, experimentando o maior número de ambientes, determinam seu vigor profissional. No Brasil, a regra é o profissional ascender dentro da própria instituição, carecendo de admiração sua transferência de uma entidade para outra.

À sociedade acadêmica americana o domínio público proporciona a explicitação da diferença, sob normas por todos observadas; no Brasil, a ótica inverte-se, buscando-se a semelhança, a homogeneidade, prescindindo-se, por conseguinte, da explicitação de regras.

A oralidade, consagrada nas escolas brasileiras, denota a necessidade de assistir-se às aulas, às conferências, uma vez que é preciso saber-se o que determinado autor fala, sua opinião, aproveitar-se a oportunidade para, dessa forma, edificar o conhecimento. Nos Estados Unidos, ao contrário, a assistência às aulas se dá com outro intuito: comparece-se à aula com o fito de, com maior facilidade, conhecer-se os pontos centrais do pensamento de determinado autor, restando, assim, desnecessário percorrer-se sua obra, atalhando o caminho.

Em nosso país, é prestigiado o estilo literário, devendo o texto empolgar, seduzir o leitor. O estilo americano, a seu turno, é dotado de neutralidade, procedendo-se à confecção de um texto cuja forma segue um norte de padronização.

Em base empírica, Roberto Kant de Lima aborda diversos aspectos comportamentais inerentes às culturas acadêmicas dos Estados Unidos e do Brasil. Buscando tornar o familiar  exótico e o exótico familiar, procede a uma imersão na sociedade universitária a que se  propunha pertencer, analisando de modo detalhado várias nuances atinentes à vivência

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levados a efeito pelos norte-americanos, explicita a ótica etnocêntrica em que se encontram (i) não questionando as próprias bases em que sedimentado o conhecimento; (ii) desconsiderando a existência de comportamentos e hábitos acadêmicos tão legítimos quanto os seus; (iii) arrostando por completo a idéia de se mostrar viável estudar-se, por meio da Antropologia, sua cultura; (iv) tornando expressa a intolerância a outros tipos estilísticos de escrito e  produção do conhecimento, inclusive por meio de promoção de traduções comportadamente maleadas em ordem a encaixar a obra nos parâmetros predefinidos de produção intelectual, distorcendo, assim, o próprio pensamento do autor estrangeiro e (v) de conseqüência, restando claro um desejo de imposição (até em virtude das circunstâncias atuais, com a  proeminência da língua inglesa) à comunidade mundial de seu modo de pensar e de produzir 

os seus estudos e trabalhos.

A partir da análise do comportamento, o autor explicitou a diferença, delineando o modo norte-americano de trabalho como, simplesmente, um dos possíveis, não sendo reduzido ao único existente. O processo de endoculturação permite-nos asseverar que, em face dos diferentes contextos experimentados pelas sociedades, cada uma destas desenvolver-se-á com  base em um determinado norte, apontando a uma certa direção, satisfazendo suas peculiares

necessidades. É de se frisar, outrossim, que, diferentemente do que propõe o evolucionismo  –  expondo uma concepção arraigada na temporalidade, explicitando o desenvolvimento das sociedades em uma ordem uniforme, sendo determinadas as diferenças com base nos ritmos e etapas diferentes do desenvolvimento de cada grupo social  – , não há como se conceberem  parâmetros predeterminados provindos de uma evolução a que se procedeu com o passar do

tempo e de acordo com o ritmo empreendido por determinada sociedade (modelo a ser  seguido). Em realidade, inexistindo selvagens e civilizados, mas apenas seres humanos dotados de singularidades (e, portanto, diferentes), a direção empreendida na análise deve ser  outra, consubstanciada, necessária e incondicionalmente, no respeito à diferença, entendendo a própria cultura como uma forma possível de desenvolvimento, dentre tantas outras, afastando-se a intolerância e a não-aceitação do diverso, tão evidentemente exposto no texto de Roberto Kant de Lima.

Dessarte, as experiências culturais, emocionais e intelectuais é que determinarão a construção de nossa própria cultura, mostrando-se daninha toda e qualquer forma de imposição de paradigmas, investida contra o livre desenvolvimento dos seres, de acordo com as circunstâncias e características que lhe são próprias. Por isso, merece incentivo o modo  peculiar de produção, consumo e distribuição do produto intelectual, preservando-se a

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originalidade ostentada pela cultura brasileira, determinando um modo original de organização e disposição do pensamento/conhecimento, conferindo-se, assim, ao produto do saber  irredutível brasilidade.

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