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O USO DO CLICHÊ E DA FUNÇÃO FÁTICA DA LINGUAGEM EM SINAL FECHADO

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SABER ACADÊMICO - n º 09 - Jun. 2010/ ISSN 1980-5950

O USO DO CLICHÊ E DA FUNÇÃO FÁTICA DA LINGUAGEM EM SINAL FECHADO

JERÔNIMO, Isabel Cristiane 1

Resumo: Este trabalho tem por finalidade analisar os efeitos de sentido que podem ser veiculados em um texto a partir da utilização das funções da linguagem poética e fática estabelecidas por Jakobson, bem como do uso do clichê não- renovado, o qual configura-se como forma cristalizada na língua por sua intensa utilização. Apesar da alta recorrência, quando intencionalmente empregado o clichê pode originar fatos de estilo tornando-se, portanto, funcional em um texto. Para atingir esse objetivo, utilizaremos o texto da canção de Paulinho da Viola, Sinal fechado, como corpus de análise.

Palavras-chave: Clichê – Linguagem – Estilo.

Abstract: This article aims analysing the meaning effects that can be conveyed in a text from the use of poetic functions set up by Jakobson and from the use of the non-renewed cliché as well, which is characterized in a crystallizes way in the language because of its overuse. Despite the recurrence, when the cliché is purposely applies, it can originate facts of style and become, therefore, functional. In order to achieve our purpose, we are going to use the lyrics from Paulinho da Viola, Sinal fechado, as our corpus for analysis.

Key-words: Cliché – Language – Style.

BREVES REFLEXÕES TEÓRICAS: AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM POÉTICA E FÁTICA E O CLICHÊ.

A função poética

Como a análise estilística do corpus estará centrada nas funções da linguagem poética e fática, deixaremos de tecer considerações sobre as demais, visto que não serão foco de estudo.

De todas as funções da linguagem, a que desperta maior interesse dos que estudam a Estilística é a função poética, a qual destaca os aspectos criativos ou expressivos da linguagem. Segundo Roman Jakobson (1976), a função poética da linguagem está presente nos textos que, por sua organização, são o próprio centro de

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interesse da comunicação. A organização do texto nas mensagens de teor poético coloca as palavras em primeiro lugar, tornando-as quase um fim em si mesmas e não mais um meio de significar outras coisas. As palavras, portanto, valem pelo que são e não pelo que representam. Além disso, ainda de acordo com o mesmo autor, “a ambigüidade constitui uma característica intrínseca, inalienável, de toda mensagem voltada para si própria”.

Diferentemente do que se possa imaginar, a função poética da linguagem não aparece em textos que visem somente a “novidade” em termos lingüísticos. Pode-se utilizar o léxico comum, corrente, para se criar um trabalho estético com a mensagem, fugindo do padrão contextual. Mas afinal, o que é linguagem poética? Segundo Mukarovsky (1978), a denominação poética é toda denominação que aparece num texto em que a função estética é dominante e não apenas a denominação figurada.

Devido à simplicidade de algumas formas e dependendo do contexto, uma mesma mensagem pode ser classificada como referencial ou como poética. Isso dependerá da relação semântica do texto com o contexto em que a forma estiver inserida, pois somente este poderá determinar quando algo deve ou não ser considerado expressivo. Aliás, a função poética não se limita à poesia, mas pode existir em toda a manifestação lingüística, como canções populares, provérbios e outras manifestações verbais que se afastam da linguagem denotativa para obter efeitos expressivos.

Passemos às características da função fática da linguagem e às do clichê, fundamentais à análise.

A função fática

A função fática se encontra nas mensagens que servem para prolongar ou interromper o circuito comunicativo, para testar o canal, para atrair a atenção do

interlocutor ou confirmar sua atenção continuada. Segundo Malinowsky2, essa função

pode ser evidenciada por uma troca profusa de formas ritualizadas, por diálogos inteiros cujo único propósito é prolongar a comunicação.

A função fática da linguagem se manifesta nos elementos do texto que envolvem o estabelecimento e a permanência do contato entre os interlocutores. Em textos

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escritos, ressalta-se a importância dos recursos gráficos e também de recursos de cunho psicológico, capazes de prender a atenção do leitor. Esses últimos estão ligados à legibilidade do texto, ou seja, dependem da facilidade que o mesmo oferece para ser decodificado. Como exemplos, podemos citar a extensão das palavras, a complexidade das frases, a redundância.

Intimamente associados à função fática, estão os scripts que, segundo Koch (1999:60), constituem um tipo de modelo cognitivo armazenado em nossa mente e estão relacionados aos conhecimentos sobre modos de agir altamente esteriotipados em determinada cultura, inclusive em termos de linguagem. Como exemplo, temos os rituais religiosos, as fórmulas de cortesia, as praxes jurídicas.

É possível que formas tão marcadas pelo uso em nossa língua sejam funcionais em um texto tornando-o, juntamente com a função poética e outros elementos, portador de um fato de estilo?

O clichê

O clichê é muitas vezes visto apenas como um modo lingüístico paupérrimo de se expressar uma idéia, algo banal, sem nenhuma originalidade. De acordo com Riffaterre (1989:153), “os próprios estilicistas negam-lhe qualquer valor expressivo e só estudam o clichê renovado, que dá vida às imagens fossilizadas”. Mas o importante, para o mesmo autor, não é o clichê suscitar ou não reações desfavoráveis, mas simplesmente suscitá-las; o importante é investigar como o clichê se torna eficaz em uma determinada obra.

Pode-se definir o clichê, segundo Riffaterre (1989:154), como um grupo de palavras que evoca julgamentos batidos, banais, fossilizados, gastos. Trata-se de uma estrutura lexical única, de conteúdo já fixado na língua, pois seus componentes, se empregados de modo separado, não são mais considerados como clichês.

O clichê apresenta uma expressividade forte e estável. Sendo a expressão lingüística vista como um microcontexto, quando é inserida em um contexto mais amplo, o macro, tem seu efeito reforçado, pois contrasta com o macrocontexto na

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medida em que é um ato estilístico fixo, com tendência a desviar-se do vocabulário próprio do mesmo.

Embora seja caracterizado como “batido”, o clichê pode ser eficaz, já que não passa despercebido, chamando a atenção sobre si. Ele é agente de expressividade justamente pelas características que alguns estudiosos consideram como defeito. Embora seja sempre estereotipado, nem sempre é banal. Este tipo de julgamento só é pertinente quando o critério é a originalidade.

Nos casos de clichê renovado, aquele que existe em oposição ao desgastado, essa inovação não o destrói, visto que ela nunca é total a ponto de não se reconhecer a forma primeira. O choque se dá, justamente, quando o componente mantido cria uma expectativa pelo resto do clichê, preparando o leitor para o inesperado.

SINAL FECHADO: ANÁLISE ESTILÍSTICA.

Sinal fechado Olá, como vai?

Eu vou indo, e você, tudo bem? Tudo bem, eu vou indo correndo, pegar meu lugar no futuro. E você?

Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranqüilo, quem sabe?

Quanto tempo... Pois é, quanto tempo... Me perdoe a pressa

é a alma dos nossos negócios... Oh! Não tem de quê.

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Eu também só ando a cem Quando é que você telefona precisamos nos ver por aí Pra semana, prometo, talvez Nos vejamos, quem sabe? Pois é, quanto tempo... Tanta coisa que tinha a dizer Mas eu sumi na poeira das ruas. Eu também tenho algo a dizer, Mas me foge a lembrança. Por favor, telefone; preciso beber alguma coisa rapidamente. Pra semana...

O sinal...

Eu procuro você... Vai abrir, vai abrir... Prometo, não esqueço

Por favor, não esqueça, não esqueça, não esqueça Adeus...

Sinal fechado apresenta uma estrutura discursiva em que o autor nos apresenta dois personagens que se encontram inesperadamente em um sinal de trânsito. Essas pessoas parecem querer conversar, mas a correria do dia a dia não permite que o encontro se concretize. Dessa forma, despedem-se e prometem se encontrar em uma próxima oportunidade.

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Essa primeira leitura, entretanto, é bastante limitada, pois caracteriza apenas o nível superficial do texto. Para que o compreendamos melhor, tentaremos recuperar a intenção do autor analisando os meios lingüísticos utilizados por ele para caracterizar a situação cotidiana apresentada. Esses mecanismos são a linguagem fática e o clichê.

Antes de discutirmos esses dois aspectos, faz-se necessário abordar os principais elementos do processo comunicativo presentes no texto. Podemos perceber que o interesse do autor foi trabalhar esteticamente a mensagem, voltando-a para si mesma, e não apenas veicular uma informação de modo referencial, cognitivo. Esse trabalho com o texto pode ser observado desde o título, o qual refere-se denotativamente ao semáforo em vermelho, impedindo a passagem dos carros e, conotativamente, à impossibilidade de um encontro mais profundo e intenso entre os personagens. Dessa forma, o autor utiliza a função poética da linguagem valendo-se da ambigüidade criada a partir da seleção de um léxico simples, mas semanticamente eficaz.

Outro elemento ressaltado no texto é o canal da comunicação, o que nos remete à identificação da função fática. Entretanto, esse tipo de linguagem utilizada usualmente apenas para prolongar a comunicação é fundamental ao co-texto, reforçando a idéia de impossibilidade de se “avançar o sinal” por parte dos interlocutores. As frases apresentadas no texto e relacionadas a essa função são curtas, elaboradas em ordem direta, o que garante ao texto a rapidez que exige o diálogo, o qual tem como mediador um semáforo e a falta do que dizer no momento: “quanto tempo....”, “pois é, quanto tempo” “Oh, não tem de quê.” A redundância também caracteriza esse tipo de linguagem, fixando no leitor a idéia da necessidade de os interlocutores se falarem, de se encontrarem, mas da falta do que dizer, ao mesmo tempo, criando um círculo vicioso: “ Olá, como vai/ eu vou indo e você, tudo bem?”

A função fática funciona no texto não simplesmente como script, como um modo social estereotipado de se estabelecer um contato entre interlocutores, mas constitui-se como o próprio trabalho com a mensagem, a função poética se dá por meio da linguagem fática. Dessa forma, o predomínio estilístico no texto não é, como pode parecer à primeira vista, do aspecto fático, mas do aspecto poético que se concretiza por meio da linguagem fática.

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Outro elemento constituinte do texto são os clichês, idéias prontas e fossilizadas, repetidas inúmeras vezes por uma comunidade de falantes. Entretanto, a utilização do clichê não renovado em Sinal fechado não parece ser um ponto negativo, ao contrário, tem como intenção evidenciar a impossibilidade dos interlocutores de “avançarem o sinal”, conversarem mais demoradamente, tocarem-se, relacionarem-se. Os clichês que aparecem no texto são os seguintes: “Vou indo correndo pegar um lugar no futuro”, “Eu vou indo em busca de um sono tranqüilo”, “A pressa é a alma dos negócios”, “Eu também só ando a cem”, “mas eu sumi na poeira das ruas”, “Eu também tenho algo a dizer, mas me foge a lembrança”, “ Preciso beber alguma coisa rapidamente”.

Tais clichês criam a microestrutura do texto e lhe dão sentido quando relacionados à macroestrutura em que estão inseridos. Em nossa sociedade, as pessoas vivem para os compromissos profissionais e deixam de lado as relações pessoais. Quando se encontram, apesar de terem muito a dizer, pouco conseguem expressar pela falta de tempo ou de contato interpessoal. Os clichês presentes em Sinal fechado denotam justamente isso por meio de uma linguagem vazia e superficial. Esse recurso, relacionando micro e macro estruturas, foi utilizado de modo intencional pelo autor, o que evidencia sua funcionalidade.

Os interlocutores apropriam-se da voz dos outros em seu discurso quando utilizam o clichê. Esse é um dado polifônico do texto. Talvez utilizem outras vozes por não terem a intenção real de se encontrarem, por isso são tão impessoais, eximindo-se da responsabilidade do que dizem. Sintaticamente, é importante ressaltar o uso da conjunção adversativa mas em dois momentos do texto: “Tanta coisa eu tinha a dizer/ mas eu sumi na poeira das ruas” ; “Eu também tenho algo a dizer/ mas me foge a lembrança”. Sempre que a originalidade, o pensamento singular do personagem precisa aparecer, surge a adversativa negando a própria fala, o que o faz com que ambos se

apropriem da fala comum. A escolha do advérbio talvez, no 15o verso, também dá a

idéia de que a conversa não passará da superficialidade: “Pra semana, prometo, talvez nos vejamos, quem sabe?” Ao mesmo tempo que um dos personagens promete travar uma conversa mais profunda, deixa um gérmen de dúvida no ar quanto à possibilidade de um encontro real.

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O uso de estruturas como clichê e linguagem fática permite-nos estabelecer algumas oposições presentes no texto em um nível de leitura mais profundo. São elas: dizer X não dizer, impossibilidade X necessidade.

A primeira oposição relaciona-se à essência do clichê e da linguagem fática: fala-se mas, na verdade, pouco se diz ou quase nada, já que se fala pela voz do outro, sem expressão das próprias vontades e sentimentos, fato que singulariza o não-dizer; a segunda oposição é expressa desde o título, portador de ambigüidade: o sinal está fechado, indicando dupla impossibilidade, apesar de ao mesmo tempo existir o desejo de um encontro. Esse desejo pode ser comprovado pela repetição presente no penúltimo verso, quase em tom de desespero: “ por favor, não esqueça, não esqueça, não esqueça”.

Sempre que vemos clichês em textos temos a tendência imediata de censurar seu emprego. Contudo, se sua utilização numa primeira leitura parece desagradável, ao começarmos a desvendar a face ilocutória do texto percebemos que a predominância de clichês e linguagem fática tem como intenção direcionar o olhar do leitor justamente para o que tende a se tornar fato de estilo no texto. Assim, esses elementos de forma alguma passam despercebidos, tornando-se desvios em relação ao padrão geral que prega justamente a não inserção desse tipo de pensamento “desgastado, banal”. No entanto, o contexto determina o que é expressivo e o trabalho com a mensagem pode ser eficaz mesmo utilizando elementos simples. E em Sinal fechado, as estratégias lingüísticas utilizadas, além de expressivas, foram funcionais.

REFERÊNCIAS

JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. São Paulo, Cultrix, 1976. KOCH, INGEDORE V.G. e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 9 ed. São Paulo: Contexto,1999.

LAPA, Manuel Rodrigues. Estilística da língua portuguesa. 4 ed. São Paulo, Martins Fontes, 1998.

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MUKAROVSKY, Jan. “A denominação poética e a função estética da língua”. In: Círculo lingüístico de Praga: estruturalismo e semiologia. Porto Alegre: Globo, 1978. RIFATERRE, Michael. Estilística estrutural. São Paulo: Cultrix, 1973.

SPERA, Jeane Mari Santana. “A subversão do clichê”. In: Anais de seminários do GEL. Trabalho apresentado no XLIII Seminário/1995- UNAERP- Ribeirão Preto.

1

Doutora em Letras – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Assis).

2

Apud JAKOBSON, R. Lingüística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1976, p.126.

Texto Recebido em 16 de maio de 2010. Aprovado em 28 de junho de 2010.

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