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Dança afro-brasileira sob uma perspectiva epistemológica do sul 1. Danza afro-brasileña en una perspectiva epistemológica del sur

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Dança afro-brasileira sob uma perspectiva epistemológica do sul

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Danza afro-brasileña en una perspectiva epistemológica del sur

Jadiel Ferreira dos Santos

(Programa de Mestrado em Dança da Universidade Federal da Bahia) Lenira Peral Rengel

(Universidade Federal da Bahia)

Resumo

Uma das abordagens da pesquisa em curso no Mestrado em Dança-UFBA, com inícios no

Projeto Dança Afro (Graduação em Dança-UFAL) advinda da militância no Movimento Negro de Alagoas,é a temática étnico-racial na formação em Dança no Ensino Superior tendo como foco o estudo das danças afro-brasileiras como projeto corporal artístico- pedagógico contemporâneo e emancipatório para se repensar a presença do corpo negro na dança e na educação.

Palavras-chave: dança afro; epistemologias do Sul; afrocentricidade; Lei 11.545/08;

Relações Étnico-Raciais

Palabras claves: danza afro; epistemologías del sur; afrocentricidade; Lei 11.645/08;

relaciones étnico-raciales

Introdução

As reflexões propostas neste estudo surgem de um histórico de agressões discriminatórias e crimes de racismo que foram e continuam fazendo parte de minhas trajetórias cotidianas, assim como para grande maioria da população negra e indígena desse país. Ao longo dos anos essas ações de hostilidade e vilania me fizeram buscar meios para criar estratégias de enfrentamento contra o racismo, dimensionar os saberes buscar diálogos que emergem da população negra brasileira. Nesse sentido foi a partir da minha militância no Movimento Negro de Alagoas que me dediquei aos estudos com o objetivo de compreender melhor os mecanismos do racismo e a vida em uma sociedade colonizada. Essas questões são

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agora parte das pesquisas e estudos em desenvolvimento no Mestrado sob a orientação da Profa. Dra. Lenira Peral Rengel e que também tem como pesquisa as Epistemologias do Sul.

A pesquisa teve seu início a partir do Projeto Dança Afro, aprovado no Programa Vivência de Artes na Universidade Federal de Alagoas pela Pró-Reitoria Estudantil (PROEST) nos anos de 2010 e 2011, quando da atuação como coordenador e bolsista. O objetivo foi o de divulgar a importância da aplicação da lei 11.645/08 que compõe o conjunto de Políticas Públicas de Ações Afirmativas implementadas em nosso país, a qual estabelece o ensino da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena na educação básica. Tendo como um dos pontos de partida para essa reflexão experiências de vida enquanto sujeito percebido negro em um sistema racista somados às experiências enquanto artista negro ativista da dança e acadêmico de dança.

Desenvolvemos no artigo, nessa perspectiva, uma reflexão de quais seriam os impactos e implicações causadas pela ausência ou presença desta abordagem no processo formativo, enquanto cognitivo, dos futuros professores de dança. Com referencial principal em Asante (2009) que propõe a afrocentricidade como uma epistemologia descolonial para pensarmos as condições socioeconômicas e culturais de sujeitos negros a partir da sua localização centrada na África e suas disporás. Em Hall (2015) para compreensão de processos identitários, em (SANTOS, 2010) para rreconhecermos o epistemicídio e em Mignolo (2007) para se engajar em maneiras de descolonizar o conhecimento por meio de uma desobediência epistêmica propomos uma visão tentacular para analisar as dinâmicas de perpetuação dos discursos colonizadores presente nos espaços educacionais formais e midiáticos da Dança, os quais, por sua vez, se tornam corresponsáveis ao compactuar e reproduzir estereótipos que inferiorizam e se vinculam ao corpo negro africano, afrodescendente e indígena.

O projeto de início visava dar subsídios aos discentes envolvidos para refletirem suas identidades étnico-culturais, práticas artísticas e pedagógicas a partir da cosmologia africana e afro-brasileira. Ao continuarmos a desenvolver esta proposição, pensamos que a criação artística, o ensino/aprendizagem em dança-afro, no ensino superior sob a perspectiva de uma construção de identidades objetiva tratar, a partir de Hall (2015) de identidades não fixas, móveis. O autor nos indica, ao propor, não apenas uma mudança de nomenclatura, mas de fato um “processo identitário” que acontece com a pessoa (no caso em questão o professor em formação). Sendo este um processo de transformação, movido por inúmeras contingências

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que interferem nos hábitos cognitivos, sejam eles pessoais, sociais, políticos, culturais, teríamos muito mais identificações, ainda segundo o autor, do que uma identidade. Todavia, o próprio fato de não termos em uma aula de dança, no caso a dança-afro, uma identidade única, naturalizada e neutra, pode contribuir para que ao sentir no corpo os impactos psicossociais pelas questões raciais presentes na sociedade brasileira, esses influenciam diretamente no modo como se concebem as criações artístico-acadêmicas, assim como as escolhas pelos campos de pesquisa. Ou seja, criam-se identificações. Há abertura para autonomias, para o reconhecer-se. Ao analisarmos, como parte da pesquisa em andamento, como os projetos de estudantes de Graduação em Dança da UFBA, sejam negros ou não estão sendo preparados, e por quais epistemologias, para atender à demanda da lei 11.645/08 nas escolas – mesmo que haja o perigo desta lei não ser mais obrigatória pela atual conjuntura política afirmamos que os impactos e identificações se darão/se dão de diferentes modos e em cada estudante. No que podemos afirmar, em relação à grande parte dos estudantes negros, observamos ainda que, não para muitos, as relações se dão em fluxo contínuo no modo como cada um se percebe, enquanto artistas negros ativistas da dança, por entenderem o seu lugar de fala, lugar de suas experiências.

Vemos, assim, como um contexto de fala, como um contexto de construção de um processo identitário a dança afro que, aqui nomeada, refere-se às danças ligadas ao universo religioso de matriz africana. Mas, não se trata de uma representação fiel das manifestações dos orixás e, sim de suas releituras para o contexto cênico com as possibilidades de (re) criação que a arte permite.

Nesta pesquisa do Mestrado pensamos, como continuidade, a dança afro, como dança de estética negra brasileira contemporânea e como ação cognitiva do corpo, pois é projeto corporal emancipatório e reestruturador das representações sobre o corpo negro. Propomo-la tecida em conjunto: o corpo e a dança, a pessoa, ambiente/natureza: não podem ser entendidos como partes isoladas. E que se rompa com estereótipos que a colocam como uma prática folclórica e alegórica para datas comemorativas na escola e, em alguma medida, no ensino superior.

A proposta, por meio dos estudos dessas danças afro-brasileiras, é a de que os discentes busquem superar os desafios que este conhecimento enfrentava, e ainda enfrenta, como uma ação emancipatória e com a possibilidade de descolonizar o conhecimento na criação e formação artística/acadêmica de dança. Santos (2007) nos fala da impossibilidade de

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uma democracia em sua radicalidade, o que não suprime a luta democrática. Fazemos uma analogia, a partir do professor Boaventura de Sousa Santos, de não haver também a possibilidade de uma emancipação em sua radicalidade, o que não elimina a ação emancipatória. Ação que deve ser como espaço de trânsito para pesquisas acerca dos contextos e dos territórios corpóreos. Ação que promova a emancipação em trajetórias traçadas por memórias de um “eu/corpo/negro”. Ação com a preocupação de outro enfoque para o tratamento da temática étnico-racial revela-se fundamental na medida em que se incluem as contribuições que o negro traz ao pensamento educacional, artístico, cientifico e pedagógico brasileiro. A compreensão do corpo negro que dança nestas considerações ocorre a partir de uma abordagem reflexiva capaz de criar parâmetros de análises, que contribuam para formular um imaginário de corpo social, e torne-o um projeto reflexivo e político, propício para pensar um mundo com princípios de alteridade e diversidade social.

Ação para a emancipação é, sobretudo, descolonizar o conhecimento, no sentido de libertar-se de uma hegemonia, seja europeia ou estadunidense ou outra. E, se nos utilizamos de epistemologias outras, estas devem ser reinterpretadas desde nossos contextos, experiências, saberes (YUDERKYS, CORREAL, MUÑOZ, 2014). A desobediência epistêmica (MIGNOLO, 2007) enquanto ação para descolonização de um modo ou modos hegemônicos de dança é revelar as próprias maneiras de dançar. Propomos um transbordamento para uma “dança desobediente”, que, obviamente, como afirma o autor, não se trata de deslegitimar outras danças, mas é se posicionar contra o epistemicídio (SANTOS, 2010) dos saberes culturais e da produção epistemológica dos povos colonizados, o qual por muitas vezes produz o auto-extermínio e/ou auto-epistemicídio, ao se criar uma identificação “negativa” com uma dança considerada como “inferior”. Tais conceituações que são também dilemas existenciais. Afetam relações socioculturais e econômicas. Fazem perceber identificações e serem percebidas e entender-se e ser entendido enquanto cidadão negro em uma sociedade preconceituosa e racista. Ou como cidadão opressor branco. Desses dilemas deve emergir o repensar as nossas práticas artísticas/acadêmicas e pedagógicas para que não se caracterizem, paradoxalmente, como sendo pedagogias colonizadoras.

Ao se tratar das implicações étnico-raciais na escola, com a Dança, a intenção se dá por ampliar os diálogos e fomentar reflexões e análises que contribuam no processo de formação desses futuros professores de dança, visando a sua atuação na sala de aula e na vida. São crescentes os estudos voltados para uma revisão histórica na validação da produção de

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conhecimentos a partir de sociedades colonizadas, com vistas a seus empoderamentos cultural, econômico, social e epistemológico.

Os procedimentos metodológicos para as aulas de dança afro, nesta pesquisa, foram nomeados com inspiração na cosmologia africana, iorubana grupo étnico situado entre os países do Bennin, Nigeria e Camarões, que são classificadas em quatro fases preliminares que não estabelecem relações hierárquicas, por entender que estão articuladas e conectam-se de modo complementares. São elas: trilhas, encruzilhada, travessia e ilha da desordem. O conceito de linhas abissais (SANTOS, 2010) contribui para borrar as fronteiras epistêmicas colonialistas e buscar uma dança de estética negra em uma ecologia de saberes sugerida pelo mesmo Santos (2010) como uma opção descolonial.

Uma perspectiva artística/exuniana como uma opção descolonial para performar/protagonizar uma desobediência epistemológica na ação da dança. A natureza epistêmica da cosmologia/filosofia exuniana nos dá a possibilidade de termos uma outra visão de mundo e de ser humano, por ser Exu a tradução de uma esfera. Para os iorubas é ele que está associado ao poder da fertilização e das coisas. Por ser ele o senhor do princípio e da transformação. Exu é ordem, energia que se multiplica e se transforma na unidade elementar da existência humana. É a boca que tudo come, nos rituais é o primeiro a receber as oferendas e faz das encruzilhadas sua morada por ser esta a energia misteriosa onde os caminhos se encontram. Mensageiro fiel entre os homens e os orixás, guardião elementar de todas as casas de axé, ou outros lugares onde se realizam negócios, é ele o responsável pelo contato entre o Orum, mundo espiritual e o Aiyê, mundo material. Só através de Exu se chega aos demais orixás e ao Deus Supremo Olodumaré. Esfera controversa por não ser completamente mau, nem completamente bom. É considerado o mais humano de todos os orixás por conter em si as contradições inerentes a este. Exu é capaz de amar e odiar, unir e separar, promover a paz e guerra. Diferente da filosofia grega disseminada e universalizada no mundo moderno/colonial sendo propagada na expansão imperial/colonial aos fundamentos do capitalismo e da modernidade ocidental. Tal conceito de filosofia, e teologia, disciplinar e normativa foi a arma que mutilou e silenciou raciocínios similares da África e da população indígena do novo Mundo (MIGNOLO, 2007).

Tratar de Exu como uma possibilidade epistêmica, em alguns contextos é quase que uma desobediência civil (MIGNOLO, 2007). Todavia, ela não é suficiente se não estiver atrelada a uma produção de desobediência epistêmica, pois não conseguiríamos provocar

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mudanças. Ficaríamos ainda controlados por teorias e economias políticas eurocêntricas. (MIGNOLO, apud LOPES, 2007). Diferente da filosofia grega disseminada e universalizada no mundo moderno/colonial sendo propagada na expansão imperial/colonial aos fundamentos do capitalismo e da modernidade ocidental.

[...] quando um (a) artista negro (a) reivindica o seu lugar de fala, no qual traduz politicamente a urgência de seu tempo e de sua história numa tentativa de reescrita de outras narrativas. Ao mesmo tempo, este (a) produz metodologias visuais como forma de estruturação e/ou ordenação de poéticas que mesmo que se refira ao debate étnico-racial não são homogenias a outras produções artísticas [...] (VIANA, p. 24, 2016).

Pensamos uma dança de um rito pulsante que se revela como uma estratégia de sobrevivência, em meio ao caos desafiador que é ser um artista negro/pesquisador/acadêmico da dança em uma sociedade regida por ideologias coloniais/imperialistas que fazem também no ambiente acadêmico. Analisamos as aulas práticas/teóricas ministradas de dança afro-brasileira, os estudos coreográficos para a criação de dança com estética negra, palestras, seminários e grupo de estudo. Revisitar essas ações é verificar uma coerência e uma existência contra-hegemônica (SANTOS, CHAUÍ, 2013) que pretende dar subsídios a discentes para que reflitam suas identidades étnica-culturais e sua atuação artístico pedagógica a partir de epistemologias afrocentradas. De maneira que potencialize esses corpos para romper com paradigmas epistemológicos hegemônicos que matam saberes, invisibilizam e silenciam narrativas negras na Dança. Entendemos, como vimos apresentando, que o papel de narrativas artísticas e acadêmicas negras também são fundamentais para constituição de indivíduos em formação acadêmica e outros grupos sociais. Permitem investigar novas possibilidades no pesquisar/ dançar em função dos contextos que estão inseridos os dançarinos/pesquisadores.

No entanto é importante destacar que ao nos lançarmos no campo epistemológico de práticas descoloniais para a dança e para o ensino/aprendizagem de Dança para fazer uso de uma cidadania em busca por justiça social e direitos humanos e na perspectiva da afrocentricidade de Asante (2009) não se trata de um motim ideológico para se promover aversão, eurofobia epistemológica ou estética. Como nos elucida o autor Molife Asante:

Deve-se enfatizar que afrocentricidade não é uma versão negra do eurocentrismo (ASANTE, 1987). Eurocentrismo está assentado sobre noções

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de supremacia branca que foram propostas para proteção, privilégio e vantagens da população branca na educação, na economia, política e assim por diante. De modo distinto do eurocentrismo, a afrocentricidade condena a valorização etnocêntrica às custas da degradação das perspectivas de outros grupos (ASANTE, 1991, p.171-172).

Nessa perspectiva afrocentrada nas quais nos fundamentamos para repensar a localização no mundo e as práticas artísticas/acadêmicas/pedagógicas na formação de dança partem do entendimento da teoria afrocêntrica que pensa a localização como categoria primordial para os sujeitos africanos e diaspóricos. A localização refere-se ao lugar psicológico, cultural, histórico ou individual ocupado por uma pessoa em dado momento da história de modo que estar fincado, temporária ou permanentemente, em determinado espaço. Quando o afrocentrista afirma ser necessário descobrir a localização de alguém se refere à pessoa estar em um lugar central ou marginal com respeito à sua cultura. Uma pessoa oprimida está deslocada quando opera de uma localização centrada nas experiências do opressor (ASANTE, 2009).

Um dos princípios básicos da afrocentricidade é a pluralidade. Esta perspectiva epistemológica não impõe e nem se caracteriza como um conceito fechado, nem se arroga a condição de formar o pensar, imposta de forma obrigatória sobre todas experiências e todos os epistemes (sobretudo com as dos povos africanos e diaspóricos). A teoria afrocêntrica admite e exalta a possibilidade do diálogo entre conhecimentos construídos com base em diversas perspectivas, em boa fé e com respeito mútuo, sem pretensão à hegemonia. (LARKIN, 2008, p. 30). Se opondo a qualquer forma de homogeneização e invisibilização de experiências e epistemes com pretensões ideológicas de impor, de modo obrigatório, uma única forma exclusiva de pensar.

A ideia de conscientização está no centro da afrocentricidade por ser o que a torna diferente da africanidade. Pode-se praticar os usos e costumes africanos sem por isso ser africano. Essa é a chave para reorientação e a recentralização, de modo que pessoa possa atuar como agente, e não como vítima ou dependente. (ASANTE, 2009, p. 94).

As relações entre corpo, autoconsciência, ancestralidade, memória, pesquisa, natureza e objetos (instrumentos, indumentárias, por exemplo) são fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa, das aulas e da criação artística. Nessa correlação o tambor, por exemplo, é tratado como corpo, em razão do papel desempenhado por ele dentro da cosmologia africana e suas diásporas presente nos ritos religiosos e nas vidas cotidianas. E

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devemos levar em conta também de que essa interação configura um contexto (ou ambiente) em mútuas trocas de informações em um fluxo contínuo.

No estado de corpo que dança; tambor; corpo que toca e contexto, o tambor é habitado/atravessado pelo corpo de quem o toca e também é atravessado pelo corpo de quem dança ao som que os conecta as suas ancestralidades, energias que no rito atravessam e acionam-se em ambos os corpos em um fluxo sempre continuo e inestancável gerando novas e diferentes dinâmicas de danças e movimentos se fazem politicamente desobedientes. Saber que se configura central para produção de outras epistemologias e emancipação de sujeitos negros invisibilizados e oprimidos em suas práticas artistas, sendo, ainda, vital, para sujeitos não negros. Esta relação transversal e afrocêntrica de se pensar um fazer na dança sob a sabedoria ancestral africana-diaspórica é vista em ação de uma desobediência epistêmica envolvida na relação com o tambor como possibilidade epistêmica para se pensar novas configurações de estéticas negras na dança.

Torna possível também entendermos o percussionista, corpo habitado no tambor, transformando-se em música pulsante. O dançarino, ou qualquer outra pessoa, ao incorporar essa música (não se trata aqui de uma relação hierarquizante entre música e dança, dançarino e percursionista/ogan) está se colocando em um processo de refletir a sua localização afrocentrada a partir da relação de atravessamento ecoabitação entre o percursionista/ogan e o tambor. Manifestam-se em danças e cantos fazendo gerar formas e gestos, movimentos com infinitas possibilidades que nossa capacidade criativa e investigativa se permite explorar. Na mesma proporção que o dançante ao criar sua dança também propõe possibilidades de som a partir das suas dinâmicas de movimentos.

Partindo do entendimento do corpo que dança/tambor/corpo que toca como mídia de si mesmo (KATZ, GREINER, 2012), ou seja, como informação de si mesmo e não como canal de informação, nesse momento, o corpo investigador-dançarino passa a ser traduzido como música, habitando também o tambor. Uma correlação que, cada vez mais, faz pensar na possibilidade de sentirmos e entendermos o tambor atuante como um sujeito de cooperação na relação com o corpo, assim como do corpo para o tambor e todos em trânsito contextual. Um processo auto-etnográfico que se caracteriza por uma escrita do “eu” que permite o ir e vir entre a experiência sensório-motora, pessoal e as dimensões culturais (FORTIN, 2009). As escolhas de movimentos e ações na dança para conceber os espetáculos no projeto dança afro e depois dele, partem do entendimento como afirma Katz: “[...] O jeito como se dança, a

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maneira como você faz as suas escolhas do que é que vai ser dançando é um posicionamento, é uma atitude sua perante o mundo” (KATZ, 2012).

Propomos não apenas contribuir, mas fazer parte da reflexão da formação ideológica de uma maioria excluída, com a dança que fazemos e ensinamos. Uma vez que produzir conhecimento, apropriação e transmissão da cultura não ocorrem estritamente pela via da racionalidade, mas também através da dimensão emotiva (MUNANGA, 1996). O autor auxilia pensar as mudanças necessárias para o avanço nos processos educacionais, nos quais o plano da sensibilidade humana seja um instrumento de novos valores para epistemologias da dança afro. Essa preocupação com outro enfoque para o tratamento da temática étnico-racial, reafirmamos, revela-se fundamental na medida em que se incluem as contribuições que o negro traz ao pensamento educacional, artístico, cientifico e pedagógico brasileiro.

Seguindo as mudanças iniciadas pela Lei 10.639/2003 e acrescidas pela Lei 11.645/08, tomamos a escola como um espaço privilegiado para a educação e direitos humanos, já que nesse espaço se dá a formação por meio da transmissão cultural e se adquire instrumentos de luta para os diversos outros direitos humanos. A escola é também o local onde ocorre a reprodução dos valores da classe dominante, palco de lutas e conflitos, reflexo da problemática vivenciada pela sociedade como um todo.

A problemática abordada aqui, sob uma perspectiva das epistemologias do sul e afrocentrada, se volta, enfatizamos, a contribuir, mesmo que de modo embrionário, com um processo de construção de uma política educacional artística pedagógica antirracista por meio da dança afro voltada para a escola. Ao tencionar esse lugar não se pretende com isso tratar de uma política de identidade estruturada nos moldes de uma natureza imperial, racial e patriarcal que emergiram das ideologias políticas na Europa, as quais recusam o agenciamento político às pessoas classificadas inferiores em termos de raça, gênero, sexualidade entre outros.

Mignolo (2007), com referência no autor “identidade em política” é uma trilha descolonial e força motriz. Ela refuta as políticas de identidades vigentes em nossa sociedade, pois nelas há uma “política indenitária dominante que atua através de conceitos universais abstratos como ciência, filosofia, cristianismo, liberalismo, marxismo e assim por diante pautando-se na construção de uma identidade que não se parece como tal, mas como aparência “natural” do mundo. Ser branco, heterossexual e do sexo masculino, são principais características de uma política de identidade” (MIGNOLO, 2007).

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Ao longo de muitos anos, algumas reinvindicações, por parte dos movimentos negros em todo país, partem principalmente de uma revisão curricular nos mais diversos níveis de ensino formal. Tais reivindicações ganharam suporte político e tornaram-se lei, as quais foram concretizadas. Entretanto, garantir a aplicabilidade da lei ainda é uma barreira a ser superada. Principalmente por se tratar de uma construção curricular voltada para uma prática pedagógica na qual se evidencie o povo negro e indígena como sujeitos ativos na construção de nossa sociedade.

Essa concepção não pode estar distanciada da discussão dos fins da educação e da dança, dos juízos de valor e do comprometimento com a justiça social. É preciso instituir uma escola e uma prática de dança que sejam capazes de recriar suas histórias e saberes, incorporando-as ao saber acadêmico e, dessa forma, interagir na formação de cidadãos conscientes e capazes de enfrentar as desigualdades, romper as armadilhas dos preconceitos, além de garantir um espaço emancipatório, e a conquista de direitos no combate às exclusões e silenciamento.

Essas considerações, provavelmente, possam defender uma educação em dança que torne o sujeito capaz de se movimentar para além de um modo restrito de viver o seu cotidiano e fazer artístico, para uma participação ativa de transformação no ambiente de convívio e dos interesses dos sujeitos que participam de processos pedagógicos.

Para estas transformações foi necessário romper com os modelos tradicionais de se educar pala dança, sejam elas de matrizes africanas ou não. Pensar nesses desafios requer uma postura na esfera de conflitos e divergências, o que pode ser compreendido como um processo estruturante de um novo modelo social aberto que respeite as diferenças.

A responsabilidade pela implementação da lei 11.645/08 é de todos e não só de um Curso de Dança. No entanto, para uma graduação de Licenciatura em Dança, que propõe um entendimento de dança e educação como um lugar democrático e que torna a dança acessível a todos os corpos, o curso deve ser corresponsável por essas implicações, uma vez que prepara futuros professores para atuarem na escola, na qual existe uma forte demanda para uma educação para relações raciais.

Garantir uma formação sob a perspectiva da lei 11.645/08 implica em existir, no corpo docente, uma proposta pedagógica que proponha um olhar para si mesmo e se questione a respeito de quem somos e quais as matrizes que nos constitui e nos permite dizer que somos negros, índios ou brancos, nordestinos, brasileiros, quilombolas ou afro-brasileiros.

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Referências

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NASCIMENTO, Elisa Larkin. Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 93-110.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

Étnico-Raciais. Ministério da Educação. Brasília, Lei nº 10.639, de 9 de jan. 2003.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. de Thomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 12. ed. Rio de Janeiro; Lamparina, 2015.

MUNANGA, Kabengele.O Antiracismo no Brasil. In: MUNANGA, Kabengele. (Org.)

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SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs). Epistemologia do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação

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Referências

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