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Discurso da narrativa (Gérard Genette) e Dicionário de teoria narrativa (Reis e Lopes)

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Academic year: 2021

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Referências:

GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. 3. ed. Lisboa: Vega, 1995.

REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de teoria narrativa. São Paulo: Ática, 2000.

p. 12

Aspectos de ordenação - percepção do sentido de encadeamentos, ou seja, o estudo da articulação temporal e não lógica (não se refere à definição do encadeamento, mas à percepção). Como o encadeamento é percebido.

Aspectos de duração - o tempo encarado em função do estabelecimento de um ritmo da narrativa, de uma alternância de situações de relato (tônicas e átonas) através dos meios de discurso.

Aspectos de freqüência - relação entre a narrativa e a diegese, ou seja, a história na narrativa: como a narrativa distende, condensa, puveriza, repete, entrecorta ou transcreve a história.

p. 13

Aspectos de modo - relacionado ao ponto de vista condutor. (Quem vê?)

Aspectos de voz - condições de enunciação pela instância narrativa. (Quem fala?)

Diegese - procedimento de organização lógico-temporal.

Objetivo do trabalho – integrar o estudo do tempo na narrativa, não enquanto diegese, mas enquanto elemento de alteração na seqüência do dito e não-dito e de suas implicações. Estuda fenômenos como os efeitos de ordem (analepses e prolepses) e o ritmo (relacionado à alternância e seguimento).

Introdução

p. 25

História - significado ou conteúdo narrativo;

Narrativa - o significante: enunciado, discurso ou texto narrativo em si. Implica também o estudo de sua relação com os acontecimentos que relata (história) e com o ato que o produz (narração);

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Paradoxo: História e narração só existem por intermédio da narrativa, do discurso narrativo. Por outro lado, a narrativa só pode sê-lo enquanto conta uma história (sem a qual não seria narrativo) e porque é proferido por alguém (sem o que não seria um discurso).

Análise do discurso narrativo é o estudo das relações entre a narrativa e história, narrativa e narração e história e narração.

p. 27

Genette parte da divisão adiantada de Todorov em 1966.

Tzvetan Todorov: problema da narrativa divide-se em três categorias = do tempo (relação tempo da história e tempo do discurso), do aspecto (maneira pela qual a história é percebida pelo narrador, ponto de vista) e do modo (tipo do discurso utilizado pelo narrador, distância).

Showing: representação, para Todorov, e mímesis (imitação perfeita), para Platão. Telling: narração, diegesis (narrativa pura), para Platão.

p. 29

Genette: Três categorias = tempo (relação temporal entre narrativa e diegese), modo (modalidades de representação da narrativa) e voz (situação ou instância narrativa e seus dois protagonistas: o narrador e o destinatário real ou virtual; relação com o sujeito da enunciação).

Tempo e modo: relação entre história e narrativa; Voz: relação entre narração e narrativa e entre narração e história.

1. ORDEM

A narrativa é uma seqüência duas vezes temporal: há o tempo da coisa-contada, o significado, e da narrativa, o significante. Essa dualidade possibilita as distorções temporais.

A narrativa não pode ser consumida a não ser num tempo que é o da leitura.

Pseudo-tempo: O texto narrativo não tem outra temporalidade senão aquela que toma metonimicamente de empréstimo à própria leitura. (p. 33)

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Anacronias

(-Ana: inversão, -Cronos: tempo)

Refere-se à “ordem de disposição dos acontecimentos ou segmentos temporais no discurso narrativo com a ordem de sucessão desses mesmos acontecimentos ou segmentos temporais na história, na medida em que é indicada explicitamente pela própria narrativa ou pode ser inferida deste ou aquele indício indirecto.” (p. 33)

É todo tipo de alteração da ordem dos eventos da história, quando da sua representação pelo discurso. Refere-se à ordem temporal de uma narrativa, ou seja, à confrontação da disposição dos acontecimentos/segmentos temporais no discurso narrativo com a ordem de sucessão desses mesmos acontecimentos/segmentos temporais na história.

É necessário pensar nas relações de antes e depois: contraste ou discordância entre um e outro. A anacronia não é uma raridade ou invenção moderna: é um recurso tradicional da narração.

Grau-zero: “estado de perfeita coincidência temporal entre narrativa e história. Tal estado de referência é mais hipotético que real.” (p. 34)

“Uma anacronia pode ir, no passado como no futuro, mais ou menos longe do momento <presente>, isto é, do momento da história em que a narrativa se interrompeu pra lhe dar lugar: chamaremos alcance da anacronia a essa distância temporal. Pode igualmente recobrir uma duração de história mais ou menos longa: é aquilo a que chamaremos a sua amplitude.” (p. 46)

Narrativa primeira: “[...] nível temporal de narrativa em relação ao qual uma anacronia se define enquanto tal.” (p. 47)

Prolepse

“[...] toda manobra narrativa consistindo em contar ou evocar de antemão um acontecimento ulterior” (p. 38). Ou seja, é todo movimento de antecipação, pelo discurso, de eventos cuja ocorrência, na história, é posterior ao presente da ação. Conota uma atitude irônica, desinibida ou sarcástica do narrador em apresentar uma história que domina de forma “totalitária”. “A narrativa em primeira pessoa presta-se melhor que qualquer outra à antecipação, pelo próprio facto do seu declarado carácter retrospectivo, que autoriza o narrador a alusões ao futuro e particularmente à situação presente [...]” (p.

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66). Observar que a prolepse não pode ser confundida com a profecia ou premonição. Trata-se de prever acontecimentos que transcendem o narrador. As antecipações são uma marca de impaciência narrativa ou também, um sentimento nostálgico.

“O limite do campo temporal da narrativa primeira é claramente marcado pela última cena não proléptica [...]” (p. 66-67).

Prolepse Externa (ou Heterodiegética)

Prolepse que se projeta para além do encerramento da ação e refere-se com freqüência ao presente da instância narrativa. “A sua função é, as mais das vezes, de epílogo: servem para conduzir até ao seu termo lógico tal ou tal linha da acção [...]” (p. 67). “[...] são testemunhos sobre a intensidade da recordação actual, que vêm, de alguma maneira, autenticar a narrativa do passado.” (p. 68).

Prolepse Interna (Heterodiegética ou homodiegética)

Antecipação de informações inscritas no corpo da narrativa primeira. Dentro desta categoria temos:

Prolepse completiva (ou heterodiegética)

Vem “preencher de antemão uma posterior lacuna [...]” (p. 69-70).

Prolepse repetitiva (ou homodiegética)

“[...] dobram, por pouco que seja, um segmento narrativo a vir [...]” (p. 70). Tem o “papel de anúncio” (p. 72).

Prolepse Mista

Modalidade em princípio apenas hipotética; teria que decorrer desde o interior da narrativa primeira até para além do seu final.

Ainda ligado à prolepse, temos o anúncio, que é uma alusão explícita a algo ainda por vir que causa o efeito de expectativa no leitor. Não se pode confundi-lo com esboço, que é um simples marco de espera sem antecipação, que mais tarde encontrará sua significação e que releva a arte da preparação [como a tesoura em Ensaio sobre a cegueira]. O esboço é “um germe insignificante” (p. 75) e imperceptível que só mais tarde será reconhecido retrospectivamente.

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Para Genette, parece que todas as prolepses são do tipo parcial, interrompidas de forma tão franca como aquela por que foram abertas.

Analepse

“[...] toda a ulterior evocação de um acontecimento anterior ao ponto da história em que se está” (p. 38). É o movimento temporal retrospectivo, ou seja, é destinada a relatar eventos anteriores ao presente da ação e mesmo, em alguns casos, anteriores ao seu início. Toda analepse constitui, em relação à narrativa na qual se insere, uma narrativa temporalmente segunda, subordinada à primeira. A determinação do alcance de uma analepse faz com que possamos dividi-la em dois tipos: interna e externa.

Analepse Externa (ou Heterodiegética)

“[...] aquela analepse cuja amplitude total permanece exterior à da narrativa primeira.” (p. 47) O lapso temporal a que a analepse se refere é inteiramente exterior à totalidade da ação narrativa primeira, ou seja, não interfere com a narrativa primeira. Sua função é, então, completar, esclarecer o leitor sobre algum antecedente (p. 48);

Analepse Interna (Homodiegética ou heterodiegética)

“[...] campo temporal está compreendido no da narrativa primeira, e que apresentam um risco evidente de redundância ou de colisão” (p. 48) O raio de alcance da analepse não excede o ponto de partida, ou seja, apresenta risco de redundância ou colisão. Dentro desta categoria temos:

Analepse interna completiva (ou heterodiegética)

“[...] compreende os segmentos retrospectivos que vêm preencher mais tarde uma lacuna anterior da narrativa, a qual se organiza, assim, por omissões provisórias e reparações mais ou menos tardias, segundo uma lógica narrativa parcialmente independente da passagem do tempo. Tais lacunas anteriores poder ser elipses puras e simples, ou sejam, falhas na continuidade temporal.” (p. 49) O segmento vem preencher mais tarde uma lacuna anterior da narrativa, que pode ser uma elipse. Contudo, há outro tipo de lacuna, que não consiste na elisão, mas na omissão de um elemento. A “narrativa não salta, como na elipse, por cima de um momento, passa ao lado de um dado.” (p. 50) Temos aí a paralipse.

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Analepse interna repetitiva (ou homodiegética)

[...] a narrativa regressa abertamente, e por vezes explicitamente, ao que foi dito.” (p. 53) Indica uma economia na narrativa e “função de retorno” (p. 72).

Analepse Mista

“[...] ponto de alcance é anterior e o ponto de amplitude posterior ao começo da narrativa primeira [...]” (p. 48). Seu alcance excede o ponto de início da narrativa e sua amplitude a leva até o interior da narrativa primeira, ou seja, o ponto de alcance é anterior e o ponto de amplitude posterior ao começo da narrativa primeira.

Uma possível função para a analepse pode ser o de ela vir a modificar ulteriormente a significação dos acontecimentos passados, “quer tornando significante aquilo que não o era, quer refutando uma primeira interpretação e pondo outra no seu lugar.” (p. 54-55)

A analepse também pode ser parcial, quando termina numa elipse, sem alcançar a narrativa primeira, ou completa, quando há religação à narrativa primeira. “[...] o primeiro serve unicamente para trazer ao leitor uma informação isolada, necessária para a inteligência de um elemento preciso da acção, o segundo, ligado à prática do começar in media res, visa a recuperar a totalidade do <antecedente> narrativo [...]” (p. 61)

Condição para analepse e prolepse: consciência temporal perfeitamente clara e relações sem

ambigüidade entre o presente, passado e futuro.

É possível analepses prolépticas e prolepses analépticas.

Acronia: um acontecimento sem data e sem idade, ou seja, sem relação temporal

2. DURAÇÃO

Anisocronia

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Tem a ver com a velocidade imprimida à narrativa. É toda a alteração, no discurso, da DURAÇÃO da história, aferindo-se essa alteração em função do tempo da leitura. Que de certo modo concretiza o tempo da narrativa e determina sua duração.

Há quatro processos narrativos ligados à anisocronia: pausa, sumário, extensão e elipse, que decorrem de uma atitude fortemente intrusiva do narrador, que subverte o regime durativo da história, fazendo valer prerrogativas de perspectivação adequadas a tal manipulação.

O ponto de referência, ou grau zero, em matéria de ordem é a coincidência entre sucessão diegética e sucessão narrativa: isocronia. Assim, tal grau zero hipotético seria uma narrativa de velocidade igual, sem acelerações nem abrandamentos, em que a relação entre duração de história e extensão da narrativa permanecesse constante, ou seja, pretende incutir no discurso uma duração idêntica à da história relatada: uma tentativa de sincronização.

Contudo, isso não existe: “uma narrativa pode passar sem anacronias, mas não pode proceder sem anisocronias, ou, se se preferir (como é provável), sem efeitos de ritmo.” (p. 87). A leitura, por exemplo, desenvolve-se num tempo próprio e variável de leitor para leitor, inviabilizando o estabelecimento de uma duração discursiva rigorosamente isócrona. Tem a ver com a isocronia a predileção de Henry James pelo showing, que inspira normalmente um ponto de vista inserido na ação como testemunha que mostra, em detrimento do telling, cujo narrador distancia-se da história e se responsabiliza pela sua representação, reduzindo as intervenções das personagens.

Elipse

“[...] um segmento nulo da narrativa corresponde a uma qualquer duração de história [...]” (p. 93). Compreendida no domínio da VELOCIDADE, é toda forma de supressão de lapsos temporais mais ou menos alargados; supressão essa que é denunciada de modo variavelmente transparente. Ou seja, um segmento nulo de narrativa corresponde a qualquer duração de história. Tem-se três tipos de elipses:

Elipse Explícita

Claramente manifesta pelo discurso (“dois anos depois”, “meses mais tarde”) quer por indicação (determinada ou não) do lapso de tempo que elidem (“passaram alguns anos”), quer por elisão pura e simples e indicação do tempo decorrido (“dois anos depois”);

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Elipse Implícita

Não expressa pelo discurso, mas pode ser inferida pelo desenrolar da história;

Elipse Hipotética

Insuscetível de ser delimitada de forma rigorosa e apenas intuída de forma difusa.

Importa, prioritariamente, relacionar a elipse com outros signos do código temporal, como a pausa, que em alguma medida se lhe opõe, ou o sumário, que se aproxima da elipse.

A elipse também pode fingir omitir: “Não digo que pensei que aquele tempo era agradável”. “[...] saber se essa duração está indicada (elipses determinadas) ou não (elipses indeterminadas).” (p. 106)

Pausa

“[...] qualquer segmento do discurso narrativo corresponde a uma duração diegética nula.” (p. 93) É do domínio da VELOCIDADE e representa uma forma de suspensão do tempo da história, em benefício do tempo do discurso, interrompendo momentaneamente o desenrolar da história. É quando o narrador alarga-se em reflexões ou em descrições que, logo que concluídas, dão lugar ao desenvolvimento das ações narradas. Ou seja, qualquer segmento do discurso corresponde a uma duração diegética (história) nula.

Remete diretamente para dois movimentos: a descrição e a digressão.

É necessário analisar as motivações que presidem a sua utilização e os significados que ela insinua.

Lembrar que “nunca o trecho descritivo se evade da temporalidade da história” (p. 100). É necessário perceber que, se uma personagem olha ao seu redor, em um quarto, por exemplo, e descobre quadros nas paredes, que são descritos à medida que ela os vê, isso não estabelece uma pausa descritiva, pois tal descrição acompanha o olhar da personagem. Lembrar Proust, cujas descrições podem ser tudo, menos uma pausa na narrativa.

“Com efeito, a <descrição> proustiana é menos uma descrição do objecto contemplado que uma narrativa, e uma análise da actividade perceptiva da personagem contemplante, das suas impressões,

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descobertas progressivas, mudanças de distâncias e de perspectiva, erros e correcções, entusiasmos e decepções, etc.” (p. 102) Comparação James e Proust.

Sumário

“[...] forma de movimento variável (ao passo que os três outros têm um movimento determinado, pelo menos em princípio), que cobre com grande adaptabilidade de regime todo o campo compreendido entre a cena e a elipse.” (p. 94) “[...] a narração em alguns parágrafos ou algumas páginas de vários dias, meses ou anos de existência, sem pormenores de acção ou de palavras.” (p. 95) Signo temporal do âmbito da VELOCIDADE; toda forma de resumo da história, de tal modo que o tempo desta aparece reduzido, no discurso, a um lapso durativo sensivelmente menor do que aquele que a sua ocorrência exigiria.

O sumário estabelece conexões opositivas com a cena e é tal alternância que define o tecido da narrativa romanesca. O resumo implica um distanciamento por parte do narrador, que opta por uma atitude redutora. Instaura-se, então, uma espécie de desvalorização da matéria narrada em relação ao narrador, desvalorização que pode ser explicada em função da economia da história.

“[...] o tecido conjuntivo por excelência da narrativa romanesca, cujo ritmo fundamental se define pela alternância entre o sumário e a cena.” (p. 96-97).

As funções mais freqüentes do sumário são a ligação entre episódios, resumo de acontecimentos subalternos, rápida preparação de ações relevantes.

Cena

“[...] realiza convencionalmente a igualdade de tempo entre narrativa e história [...]” (p. 94). Compreendida no domínio da VELOCIDADE, a cena é a tentativa mais próxima de imitação da duração da história no discurso. É a reprodução do discurso das personagens com respeito integral das suas falas e da ordem do seu desenvolvimento. Ou seja, igualdade do tempo da narrativa e do tempo da história. Aproxima-se da isocronia. São os diálogos. Implica que o narrador desapareça parcial ou totalmente da cena do discurso. A intervenção do narrador é limitada ou nula.

As motivações que suscitam a cena não podem ser dissociadas dos outros signos narrativos, como pausa, elipse e sumário.

A oposição cena/resumo traduz a alternância de uma representação dirigida por um narrador distanciado e dotado de um pendor redutor (resumo) dessa outra cena que pode conjugar-se com o

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recurso à visão de uma personagem da história, investida na função de testemunha. Tal alternância provoca uma oposição de conteúdo entre dramático e não dramático.

“Na narrativa romanesca, tal como funcionava antes da Recherche, a oposição de movimento entre cena detalhada e narrativa sumária reenviava quase sempre para uma oposição de conteúdo entre dramático e não dramático, coincidindo os tempos fortes da acção com os momentos mais intensos da narrativa enquanto os tempos fracos eram resumidos a traços largos e como de muito longe [...]” (p. 109-110).

3. FREQÜÊNCIA

SINGULATIVO/ITERATIVO

A freqüência narrativa refere-se à repetição: “Um acontecimento não só pode produzir-se, pode também reproduzir-se, ou repetir-se: o sol nasce todos os dias.” (p. 113) Tais múltiplas ocorrências referem-se a acontecimentos idênticos ou recorrência de um mesmo acontecimento.

“[...] consideração dos meios de escrita que homologam a história na narrativa ou, pelo contrário, a distendem ou condensam, a pulverizam, a repetem, a entrecortam ou simplesmente a transcrevem a partir duma idealidade [...]” (p. 12)

Narrativa singulativa

“Contar uma vez aquilo que se passou uma vez [...]” (p. 114); é o caso mais corrente. Também é singulativo o caso de se contar n vezes o que se passou n vezes. Em contraste com um comportamento durativo (“deitava”, “ia”), o singulativo representa a singularidade de gestos esgotados, como o perfeito (“pegou”, “trouxe”). Tal discurso singulativo se expressa normalmente através de tempos verbais com uma coloração de momentaneidade, como o pretérito perfeito ou o presente histórico.

Identifica-se com o tipo de discurso que a crítica norte-americana chama de showing.

Narrativa repetitiva

“Contar n vezes aquilo que só se passou uma só vez [...]” (p. 115). Além de variantes estilísticas, o acontecimento pode apresentar variantes de narrador. Assim, o discurso se refere, em vários momentos, a um determinado evento ocorrido em certo momento da narrativa. É dotada de inegável intencionalidade estética.

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Narrativa iterativa

“Contar uma única vez (ou antes: numa única vez) aquilo que se passou n vezes [...]” (p. 116), ou seja, uma só emissão narrativa assume em conjunto várias ocorrências do mesmo evento. Constitui uma modalidade econômica. O discurso iterativo é expresso normalmente por formas verbais do tipo do imperfeito (“quebrava ovos”, “jogava tênis”), reforçado por advérbios freqüentativos como “habitualmente”, “todos os dias”, “muitas vezes”. Apontam para a rotina de certas ações, para a monotonia repetitiva de certos gestos, para a erosão exercida por esta monotonia, etc.

Pseudo-Iterativo: “[...] a apresentação de cenas, particularmente pela sua redacção no imperfeito, como iterativas, ao passo que a riqueza e a precisão dos pormenores fazem com que nenhum leitor possa seriamente crer que elas se verificaram e reverificaram, várias vezes, sem qualquer variação.” (p. 121) Na narrativa clássica se apresenta como uma figura de retórica, que não exige ser tomado à letra. (p. 122)

Iteração: o que a define é uma repetição regular, ou seja, é necessário que obedeça a uma lei de freqüência, que, por sua vez, tem que ser destrinçável e formulável, logo, previsível nos seus efeitos. (p. 124)

Coleridge: suspensão voluntária da incredulidade.

DETERMINAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO E EXTENSÃO

Determinação

Refere-se ao início e ao término de uma série, ou seja, aos seus limites diacrônicos. Por exemplo: “a partir de certo ano”, “quando a primavera chegar”. A determinação não só marca os limites de uma série, mas também pode escandir suas etapas e dividi-la em subséries.

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Especificação

Refere-se à freqüência de uma série. É marcada por advérbios do tipo “por vezes”, “certos dias”, “freqüentemente”, “todos os dias”.

Extensão

Refere-se à duração da unidade iterativa.

Pode ocorrer de aparecer o paradoxo de um iterativo no pretérito perfeito: “passei por vezes”, “durante muito tempo deitei-me”. (p. 132).

O singulativo pode estar a serviço do iterativo e vice-versa. Pode-se evocar um acontecimento singular, ou como ilustração/confirmação de uma série iterativa (“é assim que”) ou como exceção à regra que se acaba de estabelecer (“uma vez, porém”).

Diacronia interna e externa

A narrativa iterativa pode ter em conta a diacronia real e integrá-la na sua própria progressão temporal.

Põe-se, então, inevitavelmente, a questão das relações entre diacronia interna (a da unidade sintética) e a diacronia externa (a da série real) e suas eventuais interferências.

Exemplo: durações do dia, estações, Páscoa, Ascensão, época de lilases, chuvas de outono [diacronia externa], comportamento infantil de manhã e juvenil à tarde, criança [diacronia interna]. Pensar dois momentos, característica da Recherche, indica a lei própria do iterativo.

Alternância, transição

Perceber se o ritmo da narrativa repousa na alternância entre sumário/cena ou iterativo/singulativo. Esta última alternância geralmente recobre um sistema de subordinações já visto: a cena singulativa com função ilustrativa subordinada a um segmento iterativo. Há outro tipo de subordinação: o iterativo com função descritiva ou explicativa, subordinada uma cena singulativa (p. 143).

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Verificar se o narrador não pretende camuflar as ações únicas em ações repetidas e se não torna tal segmento inverossímil. Na Recherche, por exemplo, “os imperfeitos e os pretéritos perfeitos sucedem-se sem razão aparente, como se o autor, incapaz de adotar definitivamente um ponto de vista em vez de outro, tivesse deixado inacabadas as suas transposições temporais.” (p. 145)

Em outro exemplo, temos “De repente, o ar rasgava-se”. A presença do advérbio impede que se leia esse imperfeito como durativo, obrigando, pois, a que se interprete como iterativo.

Entre a alternância singulativo/iterativo, temos elementos neutros, como 1) As divagações discursivas no presente; 2) O diálogo; 3) Imperfeitos cujo valor aspectual não é determinável.

Jogo com o tempo

“[...] na narrativa tradicional, a analepse (caso de ordem) toma na maior parte das vezes a forma da narrativa sumária (caso de duração, ou de velocidade), o sumário recorre não raro aos serviços do iterativo (caso de freqüência), a descrição é quase sempre, ao mesmo tempo, pontual, durativa e iterativa, sem nunca evitar ensaios de movimento diacrônico [...]”. (p. 153)

Podem existir interpolações, distorções, condensações temporais na narrativa.

O narrador pode, por uma motivação realista, invocar ora o cuidado em contar as coisas como tais foram vividas no momento, ora tais como são ulteriormente memoradas. (p. 155)

O papel do analista não é o de ficar satisfeito com os jogos do tempo, nem ignorá-los; mas antes, uma vez posto a nu o processo, ver como é que a motivação invocada funciona na obra como médium estético.

4. MODO

“[...] uma vez que a função da narrativa não é dar uma ordem, formular um desejo, enunciar uma condição, etc., mas, simplesmente, contar uma história, logo <relatar> factos (reais ou fictícios), o seu modo único, ou pelo menos característico, só pode ser, em rigor, o indicativo [...]” (p. 159).

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Genette atribui a “modo” definição diferente daquelas categorias meta-históricas e universais como modo narrativo, modo dramático e modo lírico, cujas constantes são atualizadas nos gêneros.

Littré define o sentido gramatical de modo: “nome dado às diferentes formas do verbo empregadas para afirmar mais ou menos a coisa de que se trata, e para exprimir... os diferentes pontos de vista dos quais se considera a existência ou a acção” (p. 160).

“[...] a narrativa pode fornecer ao leitor mais ou menos pormenores, e de forma mais ou menos directa, e assim parecer (para retomar uma metáfora espacial corrente e cômoda, na condição de a não tomar à letra) manter-se a maior ou menor distância daquilo que conta; pode, também, escolher o regulamento da informação que dá, já não por essa espécie de filtragem uniforme, mas segundo as capacidades de conhecimento desta ou aquela das partes interessadas na história (personagem ou grupo de personagens), da qual adoptará ou fingirá adoptar aquilo a que correntemente se chama a <visão> ou o <ponto de vista>, parecendo então tomar em relação à história (para continuar a metáfora espacial) esta ou aquela perspectiva. <Distância> e <perspectiva>, assim provisoriamente nomeadas e definidas, são as duas modalidades essenciais dessa regulação da informação narrativa que é o modo, como a visão que tenho de um quadro depende, quanto à precisão, da distância que me separa dele, e, quanto à amplitude, da minha posição em relação a certo obstáculo parcial que mais ou menos o esconde.” (p. 160)

Modo rege a regulagem da informação narrativa; pode, com efeito, contar-se mais ou menos o que se relata e contá-lo segundo tal ou tal ponto de vista. A visão que tenho de um quadro depende, quanto à precisão, da distância que me separa dele, por exemplo. “Modo” é usado no sentido preciso de seleção quantitativa e qualitativa daquilo que é narrado e também se refere à determinação da distância e da perspectiva narrativa.

Distância

Segundo Platão:

Quando o poeta fala em seu nome sem procurar fazer-nos crer que é outro – Narrativa pura. Poeta se esforça para dar a ilusão de que não é ele quem fala – Mímesis.

A narrativa pura é tida por mais distante que a imitação. Ela diz menos, diz de uma forma mais mediata.

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A oposição entre narrativa pura e narrativa mimética “[...] ressurgiu bruscamente na teoria do romance, nos Estados Unidos e na Inglaterra, no fim do século XIX e no princípio do século XX, em Henry James e seus discípulos, sob os termos meramente transpostos de showing (mostrar) vs. telling (contar), que depressa se tornaram, na vulgata normativa anglo-saxônica, o Ormuzd e o Ahriman da estética romanesca.” (p. 161)

“Desse ponto de vista normativo, Wayne Booth criticou de forma decisiva essa valorização neo-aristotélica do mimético ao longo de sua Retórica da Ficção. Do ponto de vista puramente analítico que é o nosso, há que acrescentar (o que, aliás, a argumentação de Booth não deixa de revelar, de passagem) que a própria noção de showing como a de imitação ou de representação narrativa (e mais ainda, por causa do seu caráter ingenuamente visual) é perfeitamente ilusória: contrariamente à representação dramática nenhuma narrativa pode <mostrar> ou <imitar> a história que conta. Mais não pode que contá-la de modo pormenorizado, preciso, <vivo>, e dar assim mais ou menos a ilusão de mimese que é a única mimésis narrativa possível, pela razão única e suficiente de que a narração, oral ou escrita, é um facto de linguagem, e que a linguagem significa sem imitar.” (p. 161-162).

Showing: imitação ou representação narrativa. Contudo, é um conceito ilusório: tem um caráter ingenuamente visual e, além disso, somente a arte dramática pode mostrar ou imitar a história que conta. Ela fornece, então, uma ilusão de mimese.

Narrativa de acontecimentos

A narrativa de acontecimentos é sempre narrativa/transcrição do (suposto) não-verbal em verbal: a sua mimese nunca será mais que uma ilusão de mimese.

Ao considerar os comentários de Platão, Genette percebe os fatores miméticos implícitos: “a quantidade da informação narrativa (narrativa mais desenvolvida, ou mais pormenorizada) e a ausência (ou presença mínima) do informador, quer dizer, do narrador. <Mostrar> não pode ser senão uma forma de contar e essa forma consiste ao mesmo tempo em dizer o mais possível sobre, mas dizê-lo o menos possível: <fingir, diz Platão, que não é o poeta quem fala> – ou seja, fazer esquecer que é o narrador quem conta. Donde estes dois preceitos cardinais do showing: a dominância jamesiana da cena (narrativa pormenorizada) e a transparência (pseudo-) flaubertiana do narrador [...]” (p. 164)

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Narrativa proustiana consiste quase exclusivamente em “[...] cenas (singulativas ou iterativas), isto é, na forma narrativa que é mais rica em informação, logo a mais <mimética>; mas, por outro lado [...]” a presença do narrador é aí constante, e de intensidade inteiramente contrária à regra <flaubertiana>.

Narrador: fonte de informação, organizador da narrativa, analista e comentador, estilista e produtor de metáforas.

“Sabe-se que, para os partidários pós-jamesianos do romance mimético (e para o próprio James), a melhor forma narrativa é aquilo a que Norman Friedmann chama <a história contada por uma personagem, mas na terceira pessoa> (fórmula inábil que designa, evidentemente, a narrativa focalizada, contada por um narrador que não é uma das personagens mas adopta o ponto de vista de uma delas). Assim, prossegue Friedmann, resumindo Lubbock, <o leitor dá conta da acção filtrada pela consciência de uma das personagens, mas dá conta dela directamente, tal qual ela afecta essa consciência, evitando a distância que inevitavelmente implica a narração retrospectiva na primeira pessoa>.” (p. 166). OBS.: em James tem distância e proximidade.

Narrativa de falas

Se a imitação verbal de acontecimentos não verbais é utopia ou ilusão, a narrativa de falas parece condenada a priori a essa imitação.

Os discursos são imitados, ou seja, ficticiamente relatados, tal como é supostos ter sido pronunciado pela personagem.

Há três tipos de estados do discurso:

1) Discurso narrativizado ou contado: é o mais distante, por ex.: “Contei a minha mãe que desposei Albertine” em vez de “É necessário que eu despose Albertine”.

2) Discurso transposto, em estilo indireto: “Disse a minha mãe que era necessário que eu desposasse Albertine”. A presença do narrado é muito sensível.

3) Discurso relatado ou reportado: Narrador finge ceder a palavra literalmente a sua personagem. É a forma mais mimética para Platão: “Disse a minha mãe: é necessário que despose Albertine.”

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“ [...] uma das grandes vias de emancipação do romance moderno terá consistido em levar ao extremo, ou ao limite, melhor, essa mimese do discurso, diluindo as últimas marcas da instância narrativa e dando logo à primeira a palavra à personagem.” (p. 171). Por exemplo (sem aspas): É absolutamente necessário que despose Albertine...

Isso foi batizado de monólogo interior. Contudo, para Genette, deveria ser chamado de discurso imediato, pois, como Joyce já havia observado, “não é o ser interior, mas o surgir logo à primeira (<desde as primeiras linhas>) emancipado de qualquer patrocínio narrativo, o ocupar logo ao primeiro lance a frente da <cena>.” (p. 172)

O monólogo não tem que ser extensivo a toda obra para ser recebido como imediato; basta que se apresente por si mesmo, sem a interposição de uma instância narrativa reduzida ao silêncio.

É diferente, também, do discurso indireto livre, em que “o narrador assume o discurso da personagem, ou, se se preferir, a personagem fala pela voz do narrador, e as duas instâncias vêem-se então confundidas; no discurso imediato, o narrador dilui-se e a personagem substitui-se-lhe.” (p. 172-173).

Discurso imediato/Monólogo interior: pensamento no estado nascente, traduzido por um fluxo infraverbal reduzido ao mínimo sintaxial. Definição por Proust (p. 178).

“O discurso <estilizado> é a forma extrema da mimese de discurso, em que o autor <imita> a sua personagem não somente no tecido dos seus dizeres, como também nessa literalidade hiperbólica que é a do pastiche, sempre um pouco mais idiolectal que o texto autêntico, como a <imitação> é sempre uma paródia por acumulação e acentuação de traços específicos.” (p. 182)

Perspectiva

Refere-se à “escolha (ou não) de um <ponto de vista> restritivo.” (p. 183)

Modo: “qual é a personagem cujo ponto de vista orienta a perspectiva narrativa?” (p. 184) Quem vê?

Voz: quem é o narrador? Quem fala?

Perspectiva é também designado por outros teóricos como foco narrativo ou ponto de vista.

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interior exterior

Narrador como personagem Herói conta sua história Testemunha conta história do herói

Narrador ausente como personagem

Autor analista/onisciente conta a história

Autor conta a história do exterior

Em 1955, Stanzel distingue três tipos de situações narrativas: - autor onisciente;

- narrador é uma das personagens;

- narrativa na terceira pessoa: “ponto de vista duma personagem (tipo: The Ambassadors).” (p. 185).

Norman Friedman:

- narração onisciente com intrusão de autores; - narração onisciente sem intrusão de autores;

- narração onisciente seletiva com ponto de vista restrito múltiplo; - narração onisciente seletiva com ponto de vista restrito único; - narração na primeira pessoa com eu-testemunha;

- narração na primeira pessoa com eu-herói; - narração objetiva com modo dramático;

-narração objetiva com modo câmara (registro puro e simples, sem seleção ou organização).

“Recordemos que Friedman descreve o seu sexto tipo (Portrait of the Artist) como <história contada por uma personagem, mas na terceira pessoa>, fórmula que testemunha uma confusão evidente entre a personagem focal (aquilo que James chamava o <reflector>) e o narrador.” (p. 185)

Todorov:

- Narrador > Personagem: narrador sabe mais que a personagem ou diz mais do que aquilo que qualquer personagem sabe. A crítica anglo-saxônica chama de narrador onisciente;

- Narrador = Personagem: narrador apenas diz aquilo que certa personagem sabe. É a narrativa de ponto de vista, segundo Lubbock, ou de campo restrito, segundo Blin e visão com segundo Pouillon;

- Narrador < Personagem: narrador diz menos do que sabe a personagem. É a narrativa objetiva ou behaviourista, a que Pouillon chama de visão de fora.

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Focalizações

Genette renomeia a qualificação de Todorov:

Narrativa não-focalizada, ou focalização zero

Narrador > Personagem

Narrativa de focalização interna

Narrador = Personagem

Pode ser fixa (The Ambassadors), variável (Madame Bovary) ou múltipla (como nos romances por cartas: mesmo acontecimento pode ser evocado várias vezes segundo o ponto de vista de várias personagens.). A focalização interna só se encontra plenamente realizada na narrativa em monólogo interior.

Narrativa de focalização externa

Narrador < Personagem

“[...] o herói age à nossa frente sem que alguma vez sejamos admitidos ao conhecimento dos seus pensamentos ou sentimentos [...]” (p. 188), que pode conduzir à adivinha. Ou, em outras palavras, é quando o narrador ignora os pensamentos autênticos do herói. Não se deve confundir essa categoria com o romance de intriga ou aventura, em que o autor não diz de um momento para o outro tudo o que sabe.

“Não age já, em contrapartida, em James, que mergulha desde o primeiro lance na intimidade dos seus heróis: <O primeiro cuidado de Strether, ao chegar ao hotel...>” (p. 189).

A diferença entre focalização interna variável (narrador = personagem) e não focalização (narrador > personagem) é muito difícil de estabelecer, podendo a não focalização analisar-se como uma narrativa multifocalizada, segundo o princípio de quem mais pode, menos pode.

Na visão com (focalização interna ou narrador = personagem), segundo Pouillon, a personagem é vista não na sua interioridade, mas na imagem que um dos outros forma.

Roland Barthes define o modo pessoal da narrativa. “Esse critério é a possibilidade de reescrever o segmento narrativo considerado (se o não foi já) na primeira pessoa, sem que essa

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operação acarrete <qualquer outra alteração do discurso além da própria mudança dos pronomes gramaticais>: desse modo, uma frase como <James Bond notou um homem de uns cinqüenta anos,

de modos ainda jovens, etc.> é traduzível em primeira pessoa (<Notei, etc.>) e releva para nós, portanto, da focalização interna. Pelo contrário, uma frase como <o tilintar contra o vidro pareceu dar a Bond uma brusca inspiração> é intraduzível em primeira pessoa sem incongruidade semântica evidente. Aqui, estamos de modo típico em focalização externa, por causa da ignorância marcada do narrador em relação aos pensamentos autênticos do herói.” (p. 191-192).

Alterações

“[...] uma mudança de focalização, sobretudo se surgir isolada num contexto coerente, pode também ser analisada como uma infracção momentânea ao código que rege esse contexto, sem que a existência desse código seja só por isso posta em questão, do mesmo modo que, numa partitura clássica, uma mudança momentânea de tonalidade, ou mesmo uma dissonância recorrente, se definem como modulação ou alteração, sem que seja contestada a tonalidade do conjunto.” (p. 193)

“Os dois tipos de alteração concebíveis consistem quer em dar menos informação do que aquela que é, em princípio, necessária, quer em dar mais do que o é, em princípio, autorizado pelo código de focalização que rege o conjunto” (p. 193):

- Dar menos informação: omissão lateral, ou paralipse. - Dar mais informação: paralepse.

Paralipse

Consiste em facultar menos informação do que a normalmente permitida pela focalização. “O tipo clássico de paralipse, recordemos, é, no código da focalização interna, a omissão de certa acção ou pensamento importante do herói focal, que nem o herói nem o narrador podem ignorar, mas que o narrador prefere esconder do leitor.” (p. 194).

Quando a paralipse acontece na focalização onisciente, ou focalização zero, acontece uma infração momentânea. A paralipse não precisa ser necessariamente involuntária; pode se revelar como incapacidade ou desinteresse irônico do narrador ou ser exigida por economia ou lógica do desenvolvimento da história.

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Paralepse

É o excesso de informação, ou seja, é mostrada mais informação do que a focalização instituída permite. Assim, é pertinente tratar somente de paralepse na focalização interna e externa, já que na focalização zero o autor onisciente tudo pode.

Ela “pode consistir numa incursão na consciência de uma personagem no decorrer de uma narrativa geralmente conduzida em focalização externa [...]” (p. 195, grifo nosso) (Não conhecemos pensamentos das personagens). Pode ocorrer paralepse também em focalização interna quando aparece “uma informação incidente sobre os pensamentos de uma personagem que não a personagem focal, ou sobre um espetáculo que ela não pode ver.” (p. 195, grifo nosso) (What Maisie Knew).

“A narrativa diz sempre menos do que aquilo que sabe, mas faz muitas vezes saber mais do que aquilo que diz” [p.196).

Polimodalidade

“[...] o emprego da <primeira pessoa>, por outras palavras, a identidade de pessoa do narrador e do herói não implica nenhuma focalização da narrativa sobre o herói.” (p. 196)

Por outro lado, a narrativa impessoal tende para a focalização interna pelo lado simples da discrição e do respeito por aquilo a que Sartre chamaria a “liberdade”, ou seja, a ignorância das personagens. Ora, o narrador autobiográfico não tem qualquer dever de discrição em relação a si próprio.

As locuções modalizantes (talvez, sem dúvida, como se, parecer, aparecer como) “permitem ao narrador dizer hipoteticamente aquilo que não poderia afirmar sem sair da focalização interna, e que Marcel Muller não deixa de ter razão de considerar como <álibis do romancista>, que impõe a sua verdade sob uma cobertura algo hipócrita, para além de todas as incertezas do herói, e talvez também do narrador: porque, também aqui, a ignorância do texto não nos permite decidir se o <talvez> é um efeito de estilo indirecto, logo, se a hesitação que denota convém apenas ao herói. Falta ainda observar que o carácter muitas vezes múltiplo dessas hipóteses atenua fortemente a sua função de paralepse inconfessada, e acentua, pelo contrário, o seu papel de indicadores de focalização.” (p. 201).

A ignorância é, de algum modo, partilhada, ou, mais exatamente, a ambigüidade do texto não nos permite decidir se o talvez é um efeito de estilo indireto, logo, se a hesitação convém apenas ao herói.

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“[...] a multiplicidade das hipóteses contraditórias sugere muito mais a insolubilidade do problema, e num mínimo, a incapacidade do narrador para o resolver.” (p. 201).

As indiscrições são o testemunho da dificuldade que o herói experimenta em satisfazer a sua curiosidade e em penetrar na existência de outrem. Deverão, pois, ser atribuídas à focalização interna.

A única focalização logicamente implicada pela narrativa na primeira pessoa é a focalização sobre o narrador.

Quando há algum anúncio (como já visto no capítulo de ordem), essa advertência não pode ser do campo do herói, mas sim do narrador, como todas as formas de prolepses que excedem sempre as capacidades de conhecimento do herói. (p. 203)

O crítico pode contestar a oportunidade desses complementos de informação, mas não a sua legitimidade ou sua verossimilhança numa narrativa de forma autobiográfica.

A verdadeira dificuldade, referente à paralepse, começa quando a narrativa autobiográfica (como a Recherche) nos relata, de repente e sem qualquer subterfúgio perceptível, os pensamentos de outra personagem no decurso de uma cena em que o próprio herói está presente. Tal paralepse deve ser atribuída ao romancista onisciente (o que prova que Proust sabe transgredir os limites do seu próprio sistema narrativo).

Essa dupla focalização indica um narrador onisciente que é capaz de ver para além dos comportamentos e sondar fins e corações.

5. VOZ

A voz pode se referir a dois planos. O primeiro refere-se à voz do narrador, a propósito de toda a manifestação da sua presença observável ao nível do enunciado. Trata-se, então, das intrusões do narrador, enquanto afloramento de uma subjetividade.

O segundo diz respeito à teoria do Genette: a voz engloba as questões que respeitam à maneira como se encontra implicada na narrativa a narração, isto é, a situação ou instância narrativa e com ela

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os seus dois protagonistas: o narrador e o narratário. Assim, a voz tem a ver com um processo e com as circunstâncias em que ele se desenrola; o processo é o da enunciação narrativa, o ato de narração.

“Benveniste chamou a subjectividade na linguagem, ou seja, a passar da análise dos enunciados à das relações entre esses enunciados e a sua instância produtiva – o que se chama hoje a sua enunciação.” Narração é seu termo paralelo. (p. 212).

“Uma situação narrativa, como qualquer outra, é um conjunto complexo no qual a análise, ou simplesmente a descrição, só pode distinguir retalhando-o um tecido de relações estreitas entre o acto narrativo, os seus protagonistas, as suas determinações espácio-temporais, a sua relação com as outras situações narrativas implicadas na mesma narrativa, etc. As necessidades da exposição constrangem-nos a essa violência inevitável pelo simples facto de o discurso crítico, não mais que qualquer outro, não conseguir dizer tudo ao mesmo tempo.” (p. 214) Ou seja, como artifício didático, utiliza-se a separação, a análise.

A voz abarca três domínios fundamentais para a caracterização da comunicação narrativa: - o tempo em que decorre a narração, relativamente àquele em que ocorre a história; - o nível narrativo;

- a pessoa responsável pela narração.

Tempo de narração

Pode-se muito bem “contar uma história sem precisar o lugar onde

sucede [...] ao passo que me é quase impossível não a situar no tempo em relação ao meu acto narrativo, pois devo, necessariamente, contá-la num tempo do presente, do passado ou do futuro.” (p. 214-215)

A principal determinação temporal da instância narrativa é sua posição relativa em relação à história. Parece evidente que a narração não pode senão ser posterior àquilo que conta, mas tal evidência é desmentida pela existência da narrativa preditiva.

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Ulterior

(posterior) “posição clássica da narrativa no passado, sem dúvida, e de muito longe, a mais freqüente.” (p. 216) “O emprego de um tempo do pretérito basta para a designar como tal, sem por isso indicar a distância temporal que separa o momento da narração do da história.” (p. 219) Na narrativa clássica em terceira pessoa, essa distância é geralmente como que indeterminada.

“Acontece, todavia, ser revelada uma relativa contemporaneidade da acção pelo emprego do presente [...]” (p. 220) quer no começo, quer no fim da narrativa.

“Esses efeitos de convergência final, os mais arrebatadores, jogam com o facto de que a duração própria da história diminui progressivamente a distância que a separa do momento da narração. Mas sua força está na revelação inesperada de uma isotopia temporal (e logo, numa certa medida, diegética) até então disfarçada – ou, no caso de Bovary, esquecida há muito tempo – entre a história e o seu narrador.” (p. 220).

“Essa isotopia é, pelo contrário, evidente desde logo na narrativa <de primeira pessoa>, em que o narrador é dado de uma vez como personagem da história, e onde a convergência final é quase de regra [...]” (p. 220)

Contrariamente à narração simultânea ou intercalada, que vive da sua duração, a narração ulterior vive de do paradoxo de possuir ao mesmo tempo uma situação temporal (em relação à história passada) e uma essência intemporal, já que sem duração própria.

Anterior

“[...] narrativa predictiva, geralmente no futuro, mas que nada proíbe que seja conduzida no presente [...]” (p. 216). A característica comum dessas narrativas é a de “serem predictivas em relação à sua instância narrativa imediata (Aarão, sonho de Jocabel), mas não em relação à instância última (o autor implícito de Moyse sauvé, que aliás se identifica explicitamente com Saint-Amant): exemplos manifestos de predição do passado.” (p. 219)

Simultânea

Narrativa no presente, contemporânea da ação. É o tipo mais simples, pois a “[...] coincidência rigorosa da história e da narração elimina toda a espécie de interferência e de jogo temporal.” (p. 218). Uma narrativa no presente pode parecer o cúmulo da objetividade, pois a última marca da enunciação que subsistia (emprego do pretérito) desaparece numa transparência da narrativa, que se apaga em proveito da história: assim foram recebidas as obras do Nouveau Roman. (p. 218)

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“Tudo se passa, pois, como se o emprego do presente, aproximando as instâncias, tivesse por efeito romper o seu equilíbrio e permitir ao conjunto da narrativa, segundo o mais pequeno deslocamento de acento, o balouçar ou para o lado da história ou para o lado da narração, isto é, do discurso: e a facilidade com a qual o romance francês destes últimos anos passou de um extremo ao outro ilustra talvez essa ambivalência e essa reversibilidade” (p. 218).

Intercalada

Entre os momentos da ação. É “o tipo mais complexo, dado tratar-se de uma narração de várias instâncias, podendo a história e a narração enredar-se nela a um ponto tal que a segunda reaja sobre a primeira: é o que se passa, em particular, no romance epistolar de vários correspondentes [...]” (p. 216). A carta é o meio da narrativa e elemento de intriga.

Níveis narrativos

Nível narrativo refere-se a uma concepção da narrativa como entidade estruturada, organismo construído e comportando diversos estratos de inserção dos componentes que o integram.

Para Barthes, há três níveis: o das funções (mesmo sentido a que lhe atribui Propp, unidade mínima narrativa); o das ações (mesmo sentido a que lhe atribui Greimas, personagens como actantes) e o nível da narração (sentido de discurso, para Todorov).

Para Todorov, há dois sentidos para níveis narrativos: as conexões entre nível da história e nível do discurso e, em segundo lugar, de entender a narrativa como um grande sintagma.

Para Greimas, os níveis narrativos são vistos como “patamares” de constituição da narratividade. A estrutura elementar é o quadro semiótico.

Para Genette, “O domínio específico que aqui interessa é o da voz, englobando-se nela as circunstâncias que condicionam a enunciação narrativa e as entidades que nela intervêm; em certos relatos, verifica-se um desdobramento de instâncias narrativas, pela ocorrência de mais de um ato narrativo, enunciados por narradores colocados em níveis distintos.”( Reis; Lopes, 2000, p. 133) Assim se criam diferenças de níveis que permitem afirmar que: “[...] o narrador da segunda já é uma personagem da primeira [...]” (p. 227) e que “[...] todo acontecimento contado por uma narrativa está num nível diegético imediatamente superior àquele em que se situa o acto narrativo produto dessa narrativa.” (p. 227).

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“A instância narrativa de uma narrativa primeira é, pois, por definição, extradiegética, como a instância narrativa de uma narrativa segunda (metadiegética) é por definição diegética, etc.” (p. 228).

“[...] é propriedade do discurso imediato o excluir toda a determinação de forma da instância narrativa que o constitui.” (p. 229)

“Inversamente, toda a narração intradiegética não produz necessariamente, como a de Des Grieux, uma narrativa oral: pode consistir num texto escrito, como a memória sem destinatário redigida por Adolphe, ou mesmo num texto literário fictício, obra na obra, como a <história> do Curioso Impertinente descoberta numa / mala pelo padre do Don Quijote [...]” (p. 229-230)

N (extradiegético) [P/N2 (Intradiegético) [P2/P3 (hipodiegético) [ P3...

N é um narrador do nível extradiegético, relatando uma história em que pode ter tomado parte ou não; P é uma personagem no nível intradiegético, à qual cabe o papel de narrador dentro da história. Abre-se então um nível hipodiegético, em que se encontram personagens, ações, espaços. O narrador da segunda é personagem da primeira.

A análise dos vários níveis narrativos não deve restringir-se a uma atitude formalmente descritiva. Tal análise deve ser um estádio que conduza ao desvelar das relações temáticas que entre os vários níveis narrativos se esboçam.

Nível extradiegético

É “[...] o primordial, aquele a partir do qual pode(m) constituir-se outro(s) nível(is) narrativo(s).” (Reis; Lopes, 2000, p. 126). É aquele em que “[...] se situa o narrador ‘exterior’ à diegese que narra, colocando-se quase sempre (mas não obrigatoriamente) numa posição de ulterioridade [...] que favorece essa posição de exterioridade.” (Reis; Lopes, 2000, p. 126).

Um narrador autodiegético pode encontrar-se ao nível extradiegético, assim como um narrador heterodiegético pode encontrar-se ao nível extradiegético. Esquematicamente:

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Nível intradiegético

“[...] refere-se à localização das entidades (personagens, ações, espaço) que integram uma história e que, como tal, constituem um universo próprio. No que à distinção de níveis narrativos diz respeito, as entidades do nível intradiegético são as que se colocam no plano imediatamente seguinte ao nível extradiegético e precedendo imediatamente o nível hipodiegético (quando ele existe) subordinado ao intradiegético.” (Reis; Lopes, 2000, p. 130).

“No caso das narrativas de narrador homodiegético (e também, obviamente, nas de narrador autodiegético), não deve estabelecer-se uma relação de vinculação rígida entre a pessoa da narração e o nível narrativo. Isto significa que a pessoa que no presente relata a história (no nível extradiegético) refere-se a eventos em que participou, como personagem, no nível intradiegético.” (Reis; Lopes, 2000, p. 131).

N (extradiegético) { P/N2 (Intradiegético) [P2 (hipodiegético)] }

Nível hipodiegético/metadiegético

Genette propôs a expressão metadiegético. Contudo, como propõe Bal, tal expressão não é pacífica, se considerarmos que meta- significa “sobre”, “acerca de”. (Reis; Lopes, 2000, p. 128)

“Com o prefixo hipo-, representa-se de forma mais nítida a situação de dependência e subordinação do nível hipodiegético ao nível intradiegético ou diegético.” (Reis; Lopes, 2000, p. 128).

Nível hipodiegético é “[...] aquele que é constituído pela enunciação de um relato a partir do nível intradiegético: uma personagem da história, por qualquer razão específica e condicionada por determinadas circunstâncias, é solicitada ou incumbida de contar outra história, que assim aparece embutida na primeira.” (Reis; Lopes, 2000, p. 128) Relacionar com as analepses e espaços por lembranças para reforçar o ponto de vista de Strether.

A narrativa hipodiegética apresenta diversas funções: explicativa, preditiva, temática, persuasiva, distrativa e de obstrução.

N (extradiegético) { P/N2 (Intradiegético) [(hipodiegético) Personagens/Ações/Espaços] }

“A famosa estrutura em abismo, tão prezada dantes pelo nouveau roman dos anos 60, é evidentemente uma forma extrema dessa relação de analogia, levada até aos limites da identidade.” (p. 232) / do nível hipodiegético ou metadiegético, para Genette.

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Metalepses

“Significando etimologicamente "transposição", a metalepse é um movimento de índole metonímica que consiste em operar a passagem de elementos de um nível narrativo a outro nível narrativo.” (Reis; Lopes, 2000, p. 264)

“[...] toda intrusão do narrador ou do narratário extradiegéticos no universo diegético (ou de personagens diegéticas num universo metadiegético, etc.), ou inversamente, como em Cortázar, produz um efeito de bizarria umas vezes bufa (quando é apresentado, como por Sterne ou Diderot, em tom de brincadeira) outras fantástica.” (p. 234).

“Procedimentos metalépticos de certo modo moderados verificam-se freqüentemente, quando o narrador, em diálogo ameno com o leitor, faz menção de o conduzir pelos meandros da história, assim se insinuando discretamente as relações que podem existir entre o nível extradiegético e o nível diegético [...]” (Reis; Lopes, 2000, p. 264): "Se isso agradar, reponhamos a camponesa...", "Voltemos aos viajantes", "Que me impediria de o tornar corno?"

“Todos esses jogos manifestam, pela intensidade dos seus efeitos, a importância do limite que se esforçam por transpor a expensas da verossimilhança, e que é precisamente a narração (ou a representação) em si própria; fronteira oscilante, mas sagrada entre dois mundos: aquele em que se conta, aquele que se conta.” (p. 235)

“Aquilo que na metalepse é mais perturbador está de facto nessa hipótese inaceitável e insistente de que o extradiegético é talvez sempre já diegético, e que o narrador e seus narratários, quer dizer, eu, vós, pertencemos talvez ainda a alguma narrativa.” (p. 235)

Pseudodiegético: A narração em que a “estação metadiegética, mencionada ou não, se acha ime diatamente excluída em proveito do primeiro narrador, o que faz, de alguma maneira, a economia de um (ou, por vezes, de vários) nível narrativo, metadiegética reduzida (subentendido: ao diegético) ou pseudo-diegética.” (p. 235-236).

É uma narrativa segunda no seu princípio, mas imediatamente trazida ao nível primeiro e tomada a seu cargo, qualquer que seja a fonte, pelo herói-narrador.

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Em outras palavras: “[...] resulta de uma operação de redução de uma narrativa de nível hipodiegético (metadiegético na terminologia de Genette) ao nível intradiegético ou diegético.” (Reis; Lopes, 2000, p. 134-135) Então, “[...] em vez de se abrir expressamente um nível narrativo hipodiegético, verifica-se que, através da redução pseudodiegética, o narrador controla o ritmo da narração e o desenvolvimento da ação; conseqüentemente, evidenciam-se com nitidez as conexões existentes entre personagens e eventos desse nível hipodiegético eliminado e as personagens e eventos do nível diegético assim colocados praticamente ao mesmo nível, sem que entre ambos se institua um corte brusco que só por metalepse seria compensado.” (Reis; Lopes, 2000, p. 135).

Pessoa

Genette optou por mencionar narrativas em primeira ou terceira pessoa somente entre aspas, como protesto. Vai contra tal terminologia.

“A escolha do romancista não é feita entre duas formas gramaticais, mas entre duas atitudes narrativas (de que as formas gramaticais são apenas uma conseqüência mecânica): fazer contar a história por uma das suas <personagens>, ou por um narrador estranho a essa história.” (p. 243)

Os verbos na primeira pessoa apontam duas situações diferentes, que a gramática confunde, mas a análise narrativa deve distinguir: “[...] a designação do narrador enquanto tal por si mesmo, como quando Virgílio ao escrever <Arma virumque cano...> e a identidade de pessoa entre o narrador e uma das personagens da história, como quando Crusoe escreve <Em 1632, nasci em York> O termo <narrativa na primeira pessoa> não se refere, muito evidentemente, senão à segunda dessas situações, dissimetria que confirma a sua impropriedade.” (p. 243).

“Na medida em que o narrador pode a todo instante intervir como tal na narrativa, toda a narração é, por definição, virtualmente feita na primeira pessoa (mesmo que seja no plural acadêmico, como quando Stendhal escreve: <Confessaremos que... começamos a história do nosso herói...>). A verdadeira questão é a de saber se o narrador tem ou não ocasião de empregar a primeira pessoa para designar uma de suas personagens.” (p. 243)

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Narrador heterodiegético

É o “narrador ausente da história que conta” (p. 244), que relata uma história a qual é estranho, uma vez que não integra nem integrou, como personagem, o universo diegético em questão. É uma entidade largamente privilegiada, nos planos quantitativo e qualitativo.

As linhas de força de uma narrativa com narrador heterodiegético são a polaridade entre narrador e universo diegético, uma relação de alteridade em princípio irredutível. Tal narrador tende a adotar uma atitude demiúrgica, dotado de uma autoridade que normalmente não é posta em causa. É ele quem rege a perspectiva narrativa. Em algumas vezes o narrado heterodiegético prefere perfilhar o ponto de vista de uma personagem inserida na história e adota também o código de valores por que rege tal personagem.

A objetividade narrativa é um limite inatingível: o narrador protagoniza, de forma mais ou menos visível, intrusões, que traduzem juízos.

Narrador homodiegético

“[...] narrador presente como personagem na história que conta [...]” (p. 244).

“[...] narrador homodiegético é a entidade que veicula informações advindas da sua própria experiência diegética; quer isto dizer que, tendo vivido a história como personagem, o narrador retirou daí as informações de que carece para construir o seu relato, assim se distinguindo do narrador heterodiegético.” (Reis; Lopes, 2000, p. 124).

Embora se assemelhe ao “narrador autodiegético, o narrador homodiegético difere dele por ter participado na história não como protagonista, mas como figura cujo destaque pode ir da posição de simples testemunha imparcial a personagem secundária estreitamente solidária com a central.” (Reis; Lopes, 2000, p. 124).

Tal narrador patenteia a oscilação entre narrating self e experiencing self (Stanzel), ou seja, o eu-narrador e o eu-narrado. Ele também valorizará a imagem do protagonista a partir de um critério de observação testemunhal e exterior, o que implicará a análise dos registros da subjetividade. O que está em causa será um confronto de personalidades.

[Essa idéia acima foi extraída do livro de Dicionário de Teoria da Narrativa, que discorda de Genette:]

Para Genette, contudo, temos que distinguir duas variedades de narrador homodiegético: “[...] uma em que o narrador é o herói de sua narrativa [...]” (p. 244) (que recebe o nome de autodiegético) e a outra em que não desempenha senão um papel secundário, de observador testemunha.

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Narrador autodiegético

“[...] o narrador é o herói da sua narrativa [...]” (p. 244).

“O narrador da história relata as suas próprias experiências como personagem central dessa história.” (Reis; Lopes, 2000, p. 118).

Assim, “o registro de primeira pessoa gramatical que em tais narrativas se manifesta é, pois, uma conseqüência natural da coincidência narrador/protagonista; conseqüência natural, mas não obrigatória [...]” (Reis; Lopes, 2000, p. 118) (A Peste) ou o narrador heterodiegético pode se pronunciar na primeira pessoa (Camilo Castelo Branco).

Monólogo interior: “modalidade de narração simultânea em que o sujeito da enunciação coincide com o do enunciado. Muitas vezes, porém, não é isso que ocorre; o narrador autodiegético aparece então como identidade colocada num tempo ulterior em relação à história que relata, entendida como conjunto de eventos concluídos e inteiramente conhecidos.” (Reis; Lopes, 2000, p. 119)

Surge então a distância temporal entre o passado da história e o presente da narração. Dessa distância temporal pode decorrer outras, como ética, afetiva, moral, ideológica, etc. O sujeito que no presente recorda já não é mais o mesmo que viveu ou fatos.

Pode optar-se por uma focalização interna ou focalização onisciente.

Na focalização interna ou na focalização onisciente, privilegia-se a imagem da personagem e abdica-se da prematura revelação de eventos posteriores a esse tempo da experiência em decurso. (Reis; Lopes, 2000, p. 119) A subjetividade projetada no enunciado remete para o eu-personagem em ação e não para o eu-narrador; por outro lado, a focalização interna da personagem arrasta uma focalização externa sobre o que a rodeia.

A focalização onisciente, “[...] quando ativada por um narrador autodiegético revela-se quantitativa e qualitativamente muito distinta da que é protagonizada por um narrador heterodiegético.” (Reis; Lopes, 2000, p. 120) O máximo potencial informativo de que o narrador autodiegético pode desfrutar deriva da situação de ulterioridade em que se encontra e mesmo da sua variável capacidade de retenção memorial. Sua onisciência, só denominada como tal quando possui uma aquisição de um saber superior ao de sua condição de personagem, consente que o narrador exponha prolepses, analepses, resumo, cena, etc.

Extra ou Intradiegético refere-se ao nível narrativo.

Referências

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