A PROBLEMATIZAÇÃO COMO ESTRATÉGIA METODOLÓGICA Jeferson Luiz Appel
Dar-se-ia mais significação aos conteúdos conceituais a serem aprendidos pelos alunos pela necessidade de esses adquirirem um novo conhecimento para solucionarem situações cotidianas a eles oferecidas. Nesse cenário, apresenta-se a alternativa da problematização dos conteúdos conceituais abordados na escola, que consiste, basicamente, na elaboração de situações-problema por parte do professor, que encaminharão a exploração de novos aspectos inerentes à compreensão do que se pretende estudar.
Tradicionalmente, os conteúdos conceituais são abordados na escola de maneira que, em vez de problematizar (situações-problema), ensinam-se respostas a perguntas que sequer foram formalizadas aos alunos. Portanto, evidencia-se aqui a importância do papel do professor na geração dessas situações, visto que os problemas não surgem por si sós.
Pode-se caracterizar como uma situação-problema, quando de um questionamento sobre o conteúdo conceitual a ser abordado em sala de aula pelo professor, a situação em que o aluno perceba a necessidade de buscar conhecimentos em outra fonte (que não consulte usualmente), para que, ao final do processo de resolução, possa algo concluir ou posicionar-se, mediante os resultados atingidos.
Para Demétrio Delizoicov (2001), uma situação-problema deve ter “potencial para gerar no aluno a necessidade de um conhecimento que ele ainda não tem e que ainda não foi apresentado pelo professor” (p.133). No entanto, segundo Meirieu (1998), “atualmente os alunos não têm mais encontrado, em sua história pessoal, cultural e social, quando o professor ensina a lição, o problema ao qual esta responde” (p.171).
Cabe ao professor, ainda, organizar e ter clareza sobre uma situação-problema que realmente represente aos seus alunos um situação-problema. Sua solução não deve estar imediatamente ao alcance deles, mas atingível mediante aquisição de algum conhecimento adicional.
Assim, de acordo com a intencionalidade dessa oficina, optou-se por adotar a seguinte definição: “uma situação é concebida como um problema somente quando não existam procedimentos de tipo automático que possibilitem solucioná-la de forma mais ou menos imediata, requerendo um processo de reflexão ou tomada de decisões”. (POZO, 1998, p.16)
Outra definição que se adotou e se adaptou com base na definição anterior é a seguinte: Caso a situação envolva a aplicação direta de uma fórmula ou algoritmo, ou ainda, a transcrição de trechos de um texto
presente em uma unidade do Livro Integrado de Física com apenas a utilização de qualquer habilidade ou competência de investigação, compreensão, representação ou comunicação que já foi internalizada
(grifo meu), ou seja, apenas no uso de qualquer habilidade ou técnica
sobreaprendida1 a trataremos como exercício. (POZO, 1998)
Entende-se que essa diferenciação entre problema e exercício é fundamental para o desenvolvimento desta oficina. Ambos, problema e exercício, são importantes no processo educacional já que se acredita que contribuem para o desenvolvimento de competências e habilidades de maneiras diferentes. O exercício porque permite consolidar habilidades instrumentais básicas, enquanto o problema, por meio dele, o aluno utiliza-se além das habilidades instrumentais básicas desenvolvidas com a resolução de exercícios, estratégias, tomada de decisão sobre como resolver o problema, pesquisa, análise, investigação, etc.
Entende-se que outra coisa importante a fazer nesse momento é classificar os tipos de problemas existentes. Embora também existam diferentes formas de classificar os problemas, conforme diferentes autores, adotou-se para a área de Física a seguinte classificação:
Problemas qualitativos: aqueles que os alunos precisam resolver através de
raciocínios teóricos, baseados nos seus conhecimentos, sem a necessidade de apoiar-se em cálculos numéricos e que não requerem para a sua solução a realização de experiência ou de manipulações experimentais.
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Problemas quantitativos: aquele no qual o aluno deve manipular dados numéricos e trabalhar com eles para chegar a uma solução seja ela numérica ou não.
Pequenas pesquisas: àqueles trabalhos nos quais o aluno deve obter respostas
para um problema por meio de um trabalho prático (tanto no laboratório escolar como fora dele). (POZO, 1998, p. 78-82)
Para finalizar esse item, entende-se que é importante também classificar os problemas quanto ao grau de abertura dos enunciados.
Acredita-se que os enunciados que são propostos têm como função principal trazer as informações necessárias para que um cenário seja construído pelo aluno antes de sua resolução e, desta maneira, o problema possa ser devidamente contextualizado e problematizado2, orientando-se o pensamento de quem resolve um problema na busca de caminhos adequados, ativando-se conhecimentos prévios3 .
Assim, enunciados bem elaborados e abertos são muito importantes, pois irão auxiliar no desenvolvimento de competências e habilidades ligadas ao
aprender a aprender. Entretanto, para o grau de abertura de um enunciado,
deve-se também levar em conta quais os objetivos planejados daquele problema para a situação didática que está sendo trabalhada. Dessa maneira, além de problemas abertos, encontram-se também em nossos livros integrados problemas fechados e semi-abertos.
Ponto importante nesse processo se constitui, portanto, no fato de o educando ser forçado a revisar e, consequentemente, questionar o que conhece sobre o assunto, colocando em cheque suas ideias alternativas (até então, para ele, suficientes) sobre o evento que julgava conhecer totalmente.
Vale destacar também que, ao oferecer aos alunos uma situação-problema, o professor deve estar atento às tentativas de explicação que surgirão. Nessas primeiras concepções estarão contidos, mesmo que
2 No sentido de “aguçar as contradições e localizar limitações desse conhecimento, quando
cotejado com o conhecimento científico, com a finalidade de propiciar um distanciamento crítico do educando ao se defrontar com o conhecimento que ele já possui e, ao mesmo tempo, propiciar a alternativa de apreensão do conhecimento científico”. (PIETROCOLA, 2005, p. 132) 3
Podem ser chamados também de conhecimentos espontâneos, concepções alternativas, idéias intuitivas, etc. Segundo POZO, “são todos aqueles conhecimentos (corretos ou incorretos) que cada sujeito possui e que adquiriu ao longo de sua vida na interação com o mundo que o cerca e com a escola. Este conhecimento serve para que ele conheça o mundo e os fenômenos que observa, ao mesmo tempo que o ajudam a prever e controlar os fatos e acontecimentos futuros”. (1998, p. 16)
implicitamente, os fatores que desencadearão o início da superação do que Bachelard (1996) define como obstáculos à construção do pensamento científico. Nesse processo, o educando revê seus conhecimentos (como mencionado anteriormente) e inicia necessária reestruturação, tendo o professor como referência nesse caminho. Porém, a aprendizagem ocorrerá se houver também a atuação do aluno sobre o conhecimento que pretende desenvolver. Seu envolvimento é fator primordial em todo o processo e podemos chegar a esse estágio se ao aluno for oferecida uma problematização que o envolva mediante aspectos relacionados ao mundo por ele observável.
Possibilidade de utilização da problematização em sala de aula
Abordamos a ideia de que o conhecimento sobre algo pode ser construído mediante questionamentos e, portanto, a problematização proporciona a construção do conhecimento apoiada em perguntas e não em respostas prontas.
Existem várias estratégias metodológicas e trabalhos sobre a resolução de problemas na literatura. Entende-se que é importante nesse momento adotar uma estratégia metodológica quanto à resolução de um problema e discorrer sobre alguns trabalhos que venham ao encontro do que mais utilizamos em sala de aula e que ilustrem possibilidades interessantes acerca dessa resolução.
Assim, quanto à estratégia metodológica, iremos nos apoiar no referencial teórico de POLYA4. As suas ideias sobre resolução de problemas em geral fundamentam a grande maioria dos trabalhos encontrados na literatura sobre essa questão. Elas podem ser resumidas em quatro fases:
compreensão do problema, concepção de um plano, execução do plano, visão retrospectiva.
No quadro a seguir, vejamos uma síntese dos objetivos propostos por POLYA:
FASES OBJETIVOS
Compreensão do
problema
Analisar detalhadamente o enunciado até encontrar, com precisão. O que se pede no problema?
Quais são os dados? Qual a incógnita? Quais as condições do problema?
É possível fazer uma figura, um esquema ou um diagrama? É possível estimar a resposta?
Concepção de
um plano
Tentar, usando a experiência passada e os conhecimentos prévios, encontrar um plano de ação, um método de solução.
Já resolveu algum problema semelhante? Qual é o plano para resolver o problema? Que estratégia pode-se tentar desenvolver?
Os dados podem ser organizados em uma outra forma de representação (tabela, gráfico, etc.)?
O problema pode ser fragmentado e resolvido por partes?
Execução do
plano
Experimentar o plano que foi pensado para solucionar o problema passo a passo. O plano é apenas um roteiro geral. É preciso examinar e executar os detalhes até que tudo fique muito claro.
Executar o plano elaborado passo a passo. Efetuar todos os cálculos necessários.
Executar todas as estratégias para resolver o mesmo problema.
Visão
retrospectiva
Checar o resultado por outros caminhos. Efetuar uma revisão crítica do trabalho realizado checando o resultado e o raciocínio utilizado.
Examinar se a solução obtida está correta. Existe outra maneira de resolver o problema?
É possível usar este método para resolver outros problemas? Figura 04: Esquema heurístico sobre resolução de problemas em geral. Adaptado de POLYA (2004) e RABELO (2002).
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POLYA, G. How to solve it: a new aspect of mathematical method. USA: Princeton University, 2004.
Referências Bibliográficas
• BACH, M. R.; CARVALHO, M. A. B. Metodologia da problematização
como potencializadora da educação básica. Disponível em:
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/497-2.pdf. Acesso em 12 fev. 2014.
Neste artigo, os autores apresentam discussão sobre a Metodologia da Problematização no contexto da Educação Básica, especialmente na segunda etapa do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Abordam-na como não somente uma das formas de primar pela busca constante de uma educação com a qualidade, mas uma possibilidade envolvente que, se planejada, pode levar os educadores a materializarem o educador libertador, que educa e transforma.
• DELIZOICOV, D. Problemas e problematizações. In PIETROCOLA, M. (Org.). Ensino de física: conteúdo, metodologia e epistemologia em
uma concepção integradora. 2. ed. p.125-150. Florianópolis: Ed. da
UFSC, 2005.
Nesta obra, o autor discute sobre o quanto sabemos sobre o universo escolar e, ainda, aborda possibilidades de como transformá-lo buscando melhoria de ensino. Afirma que ensinar não se restringe ao domínio do conhecimento a ser ensinado, nem ao conhecimento dos condicionantes didático-pedagógicos vinculados a esse ato, nem à simples justaposição de ambos.
• HEWITT, P. G. Fundamentos de física conceitual. Porto Alegre: Bookman, 2009.
Nesse livro, o autor aborda os conteúdos conceituais da física, desde fundamentos do estudo dos movimentos até noções sobre a física moderna, sob um enfoque prioritariamente fenomenológico,
abandonando, parcialmente, o formalismo matemático inerente à essa área do conhecimento.
• NEÍRA, M. G. Por dentro da sala de aula: conversando sobre a prática. São Paulo: Phorte editora, 2004.
Nesta obra, o autor discute a pedagogia que valoriza as experiências de estudantes e professores, que questiona a desigualdade e concebe a democracia como inspiração principal para todas as ações educativas. Reforça o direito de todos os seres humanos a uma vida digna, mediante o estabelecimento do diálogo entre diferentes patrimônios culturais.
• POLYA, G. How to solve it: a new aspect of mathematical method.
USA: Princeton University, 2004.
O livro se propõe a ensinar uma heurística para facilitar a resolução de problemas em geral. Polya organiza as suas ideias em quatro fases:
compreensão do problema, concepção de um plano, execução do plano, visão retrospectiva.
• POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. A solução de problemas nas ciências da natureza. In: POZO, J. I. A solução de problemas: aprender a
resolver, resolver para aprender. p. 67-102. Porto Alegre: Artmed,
1998.
Este livro busca uma abordagem educacional da solução de problemas e está dirigida a educadores das diversas áreas e etapas da Educação Básica. Pode ser útil em nível educacional superior. Em sua essência traz informações sobre didática e psicologia para um público não especializado aos rigores teóricos dessas duas áreas de maneira acessível.
• ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
Na obra, o autor aborda aspectos importantes das interações entre a função do professor e do aluno num ambiente de aprendizagem. Discute possibilidade de melhor organização do tempo para se trabalharem conteúdos conceituais e apresenta a alternativa da sequência didática, bem como sua estruturação visando a melhorar a prática docente em sala de aula.