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Ponderação dos direitos fundamentais à vida x liberdade religiosa: a rejeição da hemotransfusão por Testemunhas de Jeová: autonomia do paciente (consentimento informado) em face do dever médico

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF INSTITUTO DE CIÊNCIA SOCIAIS DE MACAÉ - ICM

DEPARTAMENTO DE DIREITO DE MACAÉ CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

VICTOR PINHO LÔBO

PONDERAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA X LIBERDADE RELIGIOSA:

A rejeição da hemotransfusão por Testemunhas de Jeová -

autonomia do paciente (consentimento informado) em face do dever médico

Macaé 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF INSTITUTO DE CIÊNCIA SOCIAIS DE MACAÉ - ICM

DEPARTAMENTO DE DIREITO DE MACAÉ CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

VICTOR PINHO LÔBO

PONDERAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA X LIBERDADE RELIGIOSA:

A rejeição da hemotransfusão por Testemunhas de Jeová -

autonomia do paciente (consentimento informado) em face do dever médico

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Graduação em Direito como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Heron Abdon Souza

Macaé 2017

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca de Macaé.

L799 Lôbo, Victor Pinho.

Ponderação dos direitos fundamentais à vida x liberdade religiosa: a rejeição da hemotransfusão por Testemunhas de Jeová – autonomia do paciente (consentimento informado) em face do dever médico / Victor Pinho Lobô. – Macaé, 2017.

84 f. : il.

Bibliografia: p. 80 - 84.

Orientador(a): Heron Abdon Souza.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal Fluminense, 2017.

1. Direitos fundamentais. 2. Transfusão de sangue. 3. Religião. 4. Medicina; aspecto religioso. I. Souza, Heron Abdon. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé. III. Título.

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VICTOR PINHO LÔBO

PONDERAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA X LIBERDADE RELIGIOSA:

A rejeição da hemotransfusão por Testemunhas de Jeová - autonomia do paciente (consenti-mento informado) em face do dever médico

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Graduação em Direito como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovado em, 05 de dezembro de 2017.

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________________________________

Prof. Heron Abdon Souza - Orientador - UFF

_____________________________________________________________________

Profª. Fabianne Manhães Maciel - 1º Avaliador - UFF

______________________________________________________________________

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Dedico o presente trabalho à todos que, direta ou indiretamente, somaram seus esforços aos meus para que pudesse

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à todos os que contribuíram para que, de alguma forma, atingisse mais esta meta, em especial:

A minha família, que a todo momento deste árduo caminho, me forneceram suporte emocional e motivacional, além

de endossarem todas escolhas por mim tomadas.

Aos meus inúmeros colegas da facul-dade, não somente de uma única classe,

mas de várias (acreditem), os quais me forneceram apoio nos estudos. Compan-heiros os quais tenho um débito ad eter-num.

Aos meus colegas de trabalho, em espe-cial meus superiores, pela compreensão e sem os quais certamente não seria

pos-sível concretizar este sonho.

Ao meu orientador Professor Heron Ab-don Souza, o qual me forneceu suporte,

e exerceu papel fundamental na elabo-ração deste trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho tem por tema em foco a ponderação entre dois direitos fundamentais per-sonalíssimos quais sejam o direito à vida em face do direito à liberdade de culto ou crença religiosa no que tange às transfusões sanguíneas em Testemunhas de Jeová. Tema polêmico e controverso, a presente obra tem por metodologia a análise de obras, artigos, doutrinas e ju-risprudência, para que se possa elucidar sobre o tratamento dado àquele tanto no ordenamento jurídico nacional quanto no plano internacional através de um trabalho de direito comparado. Mister ressaltar que, além do tratamento dado ao assunto no âmbito constitucional de direito público, necessário se faz a abordagem do mesmo de forma paralela na esfera de responsabi-lização do profissional médico ao se recusar em realizar o tratamento médico adequado em casos de iminente risco de vida do paciente, mesmo que este seja incapaz e seus responsáveis neguem veementemente o tratamento, ou que o próprio expresse de maneira inequívoca sua vontade desafeta em relação à transfusão. Não obstante o que fora exposto, há de se analisar também a viabilidade ou não de utilização e tratamento alternativos à transfusão de sangue.

Palavras-chave: Direitos fundamentais; transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová; re-sponsabilização médica.

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ABSTRACT

The present work focuses on the consideration of two fundamental personal rights, namely the right to life in the face of the right to freedom of worship or religious belief regarding blood transfusions in Jehovah's Witnesses. A polemic and controversial subject, the present work has as methodology the analysis of works, articles, doctrines and jurisprudence, so that it can be elucidated in the treatment given to it both in the national legal system and internationally through a comparative's right work. It is utmost important to highlight that, in addition to the treatment given to the constitutional scope of public law, it is necessary to approach similarly in parallel in the sphere of responsibility of the medical professional to refuse to perform me-dical treatment in cases of imminent risk of patient's life, even if the latter is incapable and those in charge vehemently deny the treatment, or that he expresses unequivocally his wil-lingness to disavow the transfusion. Regardless of what outside exposed, will examine further the feasibility of use and alternative treatment to blood transfusion.

Keywords: Fundamental rights; Right to life; Blood transfusion in Jehovah's Witnesses; med-ical liability.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……….…….…..……….…… 10

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS……….…….….…..….….…….. 14

1.2. Terminologias análogas………..…………..…….………. 14

1.3. Breve evolução histórica……….………….…….….……… 15

1.4. Conceito. Regras e Princípios……….……….….……….…..…….. 18

1.5. Direito à vida……….…..………….…….…….…… 23 1.6. Direito à liberdade ……….………..………. 27 1.6.1. Liberdade de consciência ………..……….…… 29 1.6.2. Liberdade religiosa………..……….….. 30 2. A QUESTÃO RELIGIOSA………..…..………….. 35 3. AS QUESTÕES MÉDICAS………..………..………. 37

3.1. Método científico hipotético-dedutivo e os dilemas ético-morais dos hard cases……….………..….….. 37

3.2. Benesses da transfusão sanguínea………..………… 42

3.3. Malefícios e riscos da transfusão sanguínea……….….…….……… 43

3.3.1. Medicina sem sangue (Bloodless Medicine) ……….…………. 46

3.3.1.1. A questão das Frações de Sangue………..…….…….……. 50

4. A TRANSFUSÃO SANGUÍNEA EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ SOB UMA PER-SPECTIVA DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO………..………….…. 53

4.1. Princípios da bioética………..………..……. 53

4.2. Princípios do biodireito ………..…….….. 54

4.3. A relevância do princípio da autonomia na relação médico-paciente e possíveis conse-quências de cunho civil e penal quando de sua inobservância pelo profissional da saúde……….……. 55

4.3.1. Responsabilidade civil do profissional da saúde……….…… 59

4.4. Arbítrio médico X Autonomia do menor; do incapaz e; do “menor amadurecido” ….. 63

5. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL ..……….………… 68

5.1. Técnica da ponderação/jurisprudência de valores ou Teoria da argumentação jurídica (regime de cedência recíproca): uma análise jurisprudencial…. ………..……… 72

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INTRODUÇÃO

Como já é de conhecimento geral, a essência da ciência jurídica, qual seja a lide, ad-vém da resistência de alguém à pretensão de outrem. Por via de consequência, muitas das vezes o Estado, ao exercer seu poder-dever de jurisdição, deve sopesar direitos fundamentais inerentes aos indivíduos ou à coletividade quando há o conflito de interesses envolvendo-os. Tendo em vista esta real e constante necessidade de se dar uma resolução à conflitos que en-volvam direitos fundamentais, mister se faz a análise das técnicas empregadas pelo Judiciário para tanto.

Ao estudarmos a jurisprudência nacional, em especial aquela formada pelo Supremo Tribunal Federal, podemos perceber que a técnica utilizada para este fim é a ponderação dos mesmos, decidindo desta forma, qual princípio prevalece em detrimento do outro, sempre de maneira casuística.

Para darmos continuidade, ou melhor dizendo, início, faz-se indispensável esclarec-imentos sobre um dos objetos desta obra, senão os principais, quais sejam os direitos funda-mentais. O que são, carga normativa, origem histórica, natureza jurídica. Por ora, nos basta sabermos que possuem natureza de princípios, e devido a isto possuem, por via de consequên-cia, grande valor axiológico, carregados de valores inseridos no ordenamento jurídico. Salien-ta-se ainda que os princípios hodiernamente não são meros nortes éticos a serem seguidos pela sociedade, ao menos não somente, mas possuem também uma carga normativa densa, assim como as leis.

Para José Afonso da Silva (2014, p. 177 ss) os direitos fundamentais seriam prerrog-ativas reconhecidas pelo direito positivo e voltadas a assegurar condições mínimas de existên-cia digna, livre e igual a todos os seres humanos. Seriam eles, para Georges Abboud (2016, p. 450), direitos assecuratórios dos cidadãos que delimitam o Poder Público (eficácia vertical) e particulares (eficácia horizontal), na medida em que não podem ser violados por estes ou aquele.

Ressalta-se que, conforme entendimento da Suprema Corte (ADIn 939-7/DF ), a 1 contrario sensu do que muitos juristas pensam, os direitos e garantias fundamentais não são

Ação de controle concentrado em que se discutia a constitucionalidade da EC 03/93, autorizando a União a

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instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se   aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis: 1) Princípio da anterioridade tributária; 2) Princípio da imunidade tributária recíproca (veda aos entes federados a instituição de tributos à patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros). Os institutos em epígrafe já haviam sido consideração pela jurisprudência da Suprema Corte como sendo direitos fundamentais individuais materiais (pois apesar de não formais por não estarem elencados no título II da CF/88, sua matéria versa sobre direitos fundamentais)

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apenas aqueles previstos e positivados no Título II da Constituição Cidadã de 1988, mas se encontram sim dispersos pelo texto da Carta, assim como aqueles implícitos na mesma.

Em suma, deixando claro a importante natureza jurídica dos direitos fundamentais, qual seja de princípio constitucional, pilares norteadores de todo ordenamento que, ao con-trário do que ocorre com as regras quando convirgem, ao nos depararmos com a colisão entre direitos fundamentais/princípios, o Judiciário deve, necessariamente, dimensionar sua decisão evocando uma técnica de ponderação dos direitos sub judice, e aplicar ao caso concreto aque-le que julgar ser o mais adequado para fornecer uma solução mais justa possível, mitigando os prejuízos de ambas as partes litigantes. O que não significa dizer que ao se aplicar determina-do direito fundamental em detrimento de outro, este se torna subitamente inválidetermina-do, conforme leciona Robert Alexy.

Isto posto, cabe neste momento apresentar o ponto fulcral deste trabalho, o embate travado entre o direito à vida e os direitos à liberdade religiosa, autodeterminação, dignidade da pessoa humana e autonomia da vontade. Conflito este observado nos casos em que a inter-venção médica da transfusão de sangue se mostra de vital importância para um tratamento apropriado, na medida que o paciente se encontra em iminente risco de vida e, contudo, este se nega a recebê-lo pois referido tratamento encontra-se diametralmente oposto aos dogmas religiosos de seu culto, qual seja os Testemunhas de Jeová.

Buscando entender os fundamentos teológico-científico que levou os adeptos desta religião a se absterem da ingestão de sangue, retemo-nos à duas principais justificativas. Pri-meiramente a interpretação realizada por eles de algumas passagens bíblicas, dentre elas os Livros de Gênesis, 9:3-4 ; Levítico, 17:10 e Atos 15:19-21 . Segundamente o argumento mé2 3 4 -dico de que a transfusão sanguínea causa mais malefícios que benefícios, tendo em vista que aqueles que a ela são submetidos estariam expostos a uma infinidade de enfermidades como infecções, Hepatite e HIV, por exemplo.

Ademais, fora organizada uma rede, no âmbito internacional, de atendimento especi-alizado para aqueles que se encontram em situação semelhantes, em que o tratamento deve ser fornecido, mas de maneira alternativa à transfusão previamente prescrita. A Comissões de

“3.Todo animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde, de

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-veras vos dou tudo. 4 Somente a carne com a sua alma – seu sangue – não deveis comer.”

“Quanto a qualquer homem da casa de Israel ou algum residente forasteiro que reside no vosso meio, que

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comer qualquer espécie de sangue, eu certamente porei minha face contra a alma que comer sangue, e deve-ras o deceparei dentre seu povo.”

“19 Por isso, a minha decisão é não afligir a esses das nações, que se voltam para Deus, 20 mas

escrever-4

lhes que se abstenham das coisas poluídas por ídolos, e da fornicação, e do estrangulado, e do sangue. 21 Pois, desde os tempos antigos, Moisés tem tido em cidade após cidade os que pregam, porque ele está sendo lido em voz alta nas sinagogas, cada sábado.”

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gações com Hospitais (CLH), existe em 230 países e territórios, e auxiliam na transferência de pacientes para hospitais ou equipes médicas que fazem uso de procedimentos alternativos à transfusão sanguínea. Também fazem trabalho de esclarecimento junto aos profissionais de saúde quanto a esses tratamentos alternativos, bem como em relação aos riscos das transfu-sões de sangue.

Atualmente, se levarmos em consideração a realidade brasileira no que tange a espe-cialização médico-profissional nas técnicas alternativas à transmissão sanguínea, não encon-tramos uma relevante quantidade de estudos na matéria ou profissionais suficientes que aten-dam à demanda de todo território nacional. Para ilustrar este cenário, tomo a liberdade de transcrever um trecho de um artigo publicado na Revista Espaço Ético (TAVARES; OLIVEI-RA, 2016), aonde aponta que “foram encontrados 566 textos; destes, 12 em língua portugue-sa. Após a exclusão dos textos em duplicidade e dos que não se enquadraram nos descritores, foram contemplados oito”.

Os tratamentos buscados e incentivados pelos Testemunhas de Jeová são mais facil-mente encontrados nos grandes centros urbanos como São Paulo. Todavia, em iminente risco de vida, qual conduta deve ser adotada pelo profissional médico diante deste cenário? Na bus-ca por uma possível resposta devemos ter em vista o que leciona o Código de Étibus-ca Médico e as resoluções do Conselho Federal de Medicina, além do que nos diz a própria Constituição Federal.

Atualmente, a jurisprudência nacional tem se consolidado no sentido de se ponderar a favor do direito à vida em detrimento ao direito à crença, principalmente quando se trata de pacientes menores de idades, os quais não possuem total capacidade civil para tomar decisões de tal porte, não possuem discernimento para tanto ou, por qualquer motivo, não conseguem expressar de maneira inequívoca a sua vontade. Cabe destacar que não se trata nestes casos da superação da vontade destes, mas sim da substituição da vontade dos pais e/ou responsáveis pela prestação jurisdicional, visando o bem estar do paciente.

O presente trabalho objetiva verificar o comportamento da jurisprudência nacional e a técnica de ponderação utilizada nos casos em que são identificados dois ou mais direitos/ princípios fundamentais que se encontram, aparentemente, em colisão. Analisar a eficiência dos tratamentos alternativos à transfusão de sangue e demonstrar qual seria a atitude mais ac-ertada a ser tomada pelo profissional médico quando diante de casos em que a vida do pa-ciente se encontra em perigo, mesmo que este se recuse a receber o tratamento prescrito por aquele.

O objeto deste trabalho é algo que desperta nas pessoas, de maneira quase imediata, uma reação de perplexidade por vezes, e intenso debate moral, jurídico, ético e social. Tema

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intrincado e repleto de vicissitudes. O conflito entre o direito à vida e o direito à crença reli-giosa, dois direitos de primeira grandeza. É de vital importância para a sociedade — em espe-cial para aqueles que são diretamente influenciados por qualquer decisão jurisdicional que os envolva — o debate. Não se deve jamais ignorar ou relevar uma boa discussão com argumen-tos bem construídos, sob o risco de vivermos numa sociedade intelectualmente engessada.

Procuramos ainda responder, ao longo do trabalho, algumas questões pertinentes, como: O que são direitos fundamentais? Qual a sua natureza jurídica e sua relevância para o ordenamento? Nos casos de aparente conflito entre direitos fundamentais, qual técnica é ado-tada pelo Judiciário, e em que consiste? Por que os Testemunhas de Jeová se negam a ingerir sangue? Apenas por motivos religiosos? Em casos de iminente risco de vida do paciente, qual conduta deve ser adotada pelos médicos? Podem estes tomar medidas que contrariem a au-tonomia da vontade dos seus pacientes? E quando se tratar de absolutamente incapazes (menores de idade)? Os tratamentos alternativos à transfusão é uma realidade no mundo, mas enquanto ao Brasil? Como vêm pensando nossos magistrados ao se depararem com casos similares? Pode/deve o Estado atuar de forma positiva (agir), ou estaria ele se imbuindo de uma discricionariedade exacerbada ao fazê-lo?

No que tange à metodologia de pesquisa, os capítulos serão edificado predominante-mente sob o cunho teórico-doutrinário baseado em obras de mestres do direito público, tendo em vista a grande carga teórica que requer o presente trabalho. Navegar pelas produções dos grandes teóricos e estudiosos se mostra de vital importância.

Além de pesquisas bibliográficas, pretendo fazer uso também de mecanismos como a internet para ter acesso à artigos de Direito, e também médicos, os quais pretendemos de-spender uma parcela razoável da pesquisa — tendo em vista que o Direito não “vive em uma ilha deserta” no mundo das ciências — para redigir meus capítulos de cunho mais factual. Ar-tigos estes que, diga-se de passagem, serão responsáveis por ampliar a perspectiva meramente jurídica do tema para uma visão mais complexa e completa.

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1. DIREITOS FUNDAMENTAIS

Por óbvio se faz necessário, antes de qualquer dissertação sobre o tema stricto sensu, uma breve introdução sobre os direitos fundamentais do homem lato sensu. Lançando mão de um método dedutivo (análise partindo do aspecto geral para o específico), pretendemos aqui preencher alguma lacuna ou imprecisão que por ventura venha a aparecer no decorrer do tra-balho.

1.2. Terminologias análogas

Pois bem. Para um melhor entendimento do objeto do presente capítulo, daremos iní-cio à este item analisando seus aspectos terminológicos, visto que grande parte dos juristas encontram certa dificuldade na utilização correta do termo, ou até mesmo ignoram sua relevância, empregando-os de forma acrítica como sinônimos, incorrendo em erro e impre-cisão de sentido.

“Direitos humanos”, “liberdades públicas”, “direitos inatos”, “direitos individuais”, estes são alguns termos que constantemente nos deparamos no ramo do Direito, e que não raramente são convenientemente substituídos por “direitos fundamentais” como termos anál-ogos, quando na realidade possuem, a depender do contexto utilizado, conotações diferentes, apesar deste último ser gênero do qual aqueles seriam espécies (PUCCINELLI JÚNIOR, 2014, p. 223). Apesar de todos eles fazerem alusão à prerrogativas do homem, há de se re-speitar, com um mínimo de esforço ao menos, o momento e locus em que devam ser manuse-ados.

Costumeiramente, o termo “direitos humanos” é encontrado em textos de con-venções e tratados, constantemente adotado por organizações internacionais, como a ONU. Vale destacar ainda que se trata uma redundância, sendo que todo e qualquer direito é dirigido aos homens.

Já as “liberdades públicas” e “direitos individuais” fazem imediata referência aos direitos fundamentais de primeira dimensão, que tutelam a liberdade, segurança e a pro-priedade contra o poder arbitrário do Poder Público. Contudo, há de se atentar ao fato de que os direitos tutelados pelas demais dimensões de direitos fundamentais não são aqui contem-plados.

O termo “direitos inatos”, remete-nos imediatamente à idéia de natureza, jusnatural-ismo e noções metafísicas incertas. São direitos que não são entregues ao homem, mas que com eles já nascem no momento de sua concepção, como o direito à vida, por exemplo.

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1.3. Breve evolução histórica

O foco do presente item será, como o título do mesmo indica, uma rápida exposição histórica dos direitos fundamentais do homem no decorrer dos séculos, procurando apontar aqueles momentos que seriam os mais relevantes para a compreensão desta gama de direitos, seu desenvolvimento e o modo como era visto desde a antiguidade até os dias atuais, com o advento do neoconstitucionalismo.

Num primeiro momento, podemos encontrar em Aristóteles, filósofo grego do século IV a.c., apontamentos da existência de determinados valores que decorriam da natureza da coisa, valores estes que eram os mesmos em todos os lugares. Com a constatação destes val-ores, via-se também a necessidade de resguardá-los. André Puccinelli (2014, p. 211) destaca três eventos na antiguidade os quais ousa nomear de precursores: “o veto do tribuno da plebe contra ações dos patrícios em Roma”; “a lei de Valério Publícola proibindo penas corporais contra cidadãos”; e “o Interdicto de Homine Libero Exhibendo, remoto antecedente do habbeas corpus”.

Durante a Idade Média (século XII - XVI), os destaques são direcionados aos forais, outorgados pelos monarcas, objetivando a criação de direitos e deveres do povo para com os senhores feudais, em outras palavras, diminuía, de certa forma, as arbitrariedades destes.

Rapidamente introduzidas as eras mais longínquas, importa-nos agora uma ex-planação ligeiramente mais detalhada deste momento histórico em diante. É uníssono para os juristas e historiadores, que o “grande impulso responsável pelo extraordinário desenvolvi-mento dos direitos da pessoa humana deve-se às declarações de cunho universal adotadas após o declínio do regime medieval, quando o poder monárquico logrou consolidar o abso-lutismo” (PUCCINELLI JÚNIOR, 2014, p. 212). A burguesia que havia ascendido economi-camente com as grandes navegações e auxiliado os monarcas na instalação do Estado Abso-lutista, o grande Leviatã, fora por estes alijada da política, o que lhes causou grande aborreci-mento, e deram azo à elaboração da teoria de um Estado liberal, a qual praguejava aquele modelo régio como o maior estorvo à liberdade do homem e à expansão produtiva.

Duas revoluções puseram fim ao ancien régimen. A primeira, armada, quando tropas recusaram-se a empunhar armas contra os revolucionários, e ajudaram a depor o rei Luís XVI. A segunda, intelectual, cujos principais opositores à teoria legitimadora do antigo regime de Hobbes, como Kant, Locke, Montesquieu e Rousseau foram responsáveis pela criação de um Estado Absenteísta, primando a observação dos direitos inatos do homem e a segregação dos poderes, até então centralizados.

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A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, considerada por muitos como a gênese do constitucionalismo moderno, assim como outras declarações da época, de-fendia, em suma, que nenhum Estado poderia ser reconhecido ou legitimado, se não asse-gurasse à sua população a fruição de direitos existenciais mínimos, condizentes com a dig-nidade da pessoa humana e contribuíram para o reconhecimento universal dos direitos funda-mentais da primeira geração.

A maior preocupação naquele momento histórico era retornar a burguesia a seu sta-tus quo, na medida em que as declarações asseguravam essencialmente as liberdades públicas do povo, como o direito à liberdade, propriedade e segurança, devendo o Estado abster-se to-talmente de intervir nas particularidades de seus cidadãos. Toda esta política negativa por parte do Poder Público, acentuou o grande desnível das castas sociais, concluindo, portanto, que o ideal de igualdade antes proclamado, não passava de um artifício retórico, sem con-creção no plano prático. É dizer, a sociedade continuou estamental, e o liberalismo não operou grandes transformações sociais.

Com o incessante descontentamento, agora da classe operária, e o advento da Rev-olução Industrial, a divulgação do Manifesto Comunista de Marx e Engels, assídua crítica à ilusão vendida pelos ideais burgueses, caiu como uma bomba no seio da sociedade liberal.

Agora, além de continuar garantindo as liberdades públicas, as ideias de planificação social e o início do Welfare State renovaram o catálogo de direitos, devendo o Estado também prover necessidades econômicas, sociais e culturais, ambicionando uma conversão da até en-tão igualdade formal em uma igualdade material.

[…] no decorrer do século XX, foi possível acompanhar a incorporação desse novel catálogo nas Constituições que exsurgiram sob a denominação “constitutivas” ou “dirigentes”, pelo fato de imporem ao Estado a respons-abilidade de desenvolverem um programa de integração socioeconômica baseado na regulação do mercado de trabalho, na autorização para intervir no domínio econômico, bem assim na concessão de prestações positivas como a oferta de ensino público gratuito, atendimento clínico-hospitalar e pagamento de aposentadorias para amparar a velhice e a invalidez, tudo no afã de implementar a tão almejada justiça social.

Mais recentemente, sobretudo após as duas grandes guerras, novas preocu-pações passaram a afligir a humanidade, que se viu ameaçada […] Assim, sem descurar da proteção conferida à liberdade e à igualdade, os direitos fundamentais inauguraram um novo capítulo em sua eterna e gradual marcha evolucionista, passando a tutelar igualmente os valores da “solidariedade” e “fraternidade”, com vistas a assegurar a perpetuação da espécie e garantir um ambiente de convivência plural, saudável, pacífica e tolerante, além de estender às gerações vindouras novos direitos que viabilizem plenas condições de existência digna. (PUCCINELLI JÚNIOR, 2014, p. 215-216)

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Pois bem, como visto, grandes transformações no quadro político-jurídico-econômi-co opolítico-jurídico-econômi-correram no depolítico-jurídico-econômi-correr da história, especialmente dos século XX em diante, político-jurídico-econômi-com o fim das grandes guerras. As atrocidades presenciadas pela humanidade durante esta era de calami-dades, exigiram duras mudanças no pensamento crítico humano e, consequentemente, na ciência do Direito também, para uma adequação desta à nova realidade social.

Havia então uma clamor por mecanismos que reparassem os danos causados pelas indescritíveis situações de terror e que, simultaneamente, prevenissem futuros atentados à dignidade e direitos do homem.

Os instrumentos jurídicos positivados não seriam mais o suficiente para acompanhar a rápida evolução social, que a passos largos ultrapassavam a teoria positivista — teoria que teve à sua época e continua tendo grande importância no cenário jurídico mundial, consagrada na contemporaneidade por Hans Kelsen, com sua Teoria Pura do Direito, para a qual a lei se-ria a única fonte do Direito — que não conseguia acompanhá-la, pois a produção legislativa e seus respectivos processos e procedimentos eram e continuam sendo, ao menos em terrae brasilis, morosos. Para tanto, fora incorporado no âmago de nosso ordenamento jurídico o pós-positivismo ou neoconstitucionalismo a partir do século XXI, que nas palavra de Lenza (2012, p. 62):

Busca-se, dentro dessa nova realidade, não mais apenas atrelar o constitu-cionalismo à ideia de limitação do poder político, mas, acima de tudo, buscar a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais. (Grifo nosso)

E continua, citando Walber de Moura Agra (2008, p.31 apud LENZA, 2012, p. 62), 5 ipsis litteris:

[…] o neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferra-menta para a implantação de um Estado Democrático Social de Direito. […] Dentre suas principais características podem ser mencionadas: a) positi-vação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais; b) onipresença dos princípios e das regras; c) inovação hermenêutica; d) densificação da força normativa do Estado; e) desenvolvimento da justiça distributiva […] o seu modelo normativo não é o descritivo ou deontológico, mas o axiológico. No constitucionalismo moderno a diferença entre normas constitucionais e infraconstitucionais era apenas de grau, no neoconstitu-cionalismo a diferença é também axiológica. A “Constituição como valor em si”. O caráter ideológico do constitucionalismo moderno era apenas o de

AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

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limitar o poder, o caráter ideológico do neoconstitucionalismo é o de concretizar os direitos fundamentais. (Grifo nosso)

O que podemos perceber, com o advento do que se convencionou chamar na doutrina de neoconstitucionalismo, é a preocupação em dar sequência a já iniciada positivação dos di-reitos fundamentais (maior segurança jurídica), além de pulverizar em todo texto constitu-cional princípios, garantindo àqueles carga axiológica, típica destes e, ao contrário do que se via na teoria positivista, imputando-lhe força normativa e valor coercitivo, assim como as re-gras positivadas em forma de lei, e elevando seus status à fonte de Direito.

Esta superação do Estado de Direito, aonde a única fonte normativo-coercitiva do ordenamento era a produção legislativa pelo Poder Legislativo, para um Estado Democrático Social de Direito aonde os princípios ocupam um lugar de indiscutível importância, como fonte normativa e interpretativa do sistema jurídico, operou como uma ponte entre os valores sociais e a Justiça.

Como dito, a produção normativa de per si não é capaz de acompanhar as inovações das relações sociais do cotidiano. Especialmente se levarmos em conta a estagnação do Con-gresso Nacional e Assembléias Legislativas, os quais tem que se ocupar diariamente com uma demanda exacerbada de medidas do Executivos as quais necessitam de análise rápida, para conceder-lhes ou não eficácia contínua. Sem mencionar a atual descredibilidade das institu-ições e a crise em que se encontram, no atual cenário de escárnio para com a população brasileira. O quadro de corrupção aguda, afoga o Judiciário e demais Poderes com demandas de impensáveis proporções, o que acaba por retirar do maquinário estatal engrenagens essen-ciais para a efetivação dos direitos, fundamentais ou não. Devido a esta constatação, os princípios e seu valor axiológico, assim como seu papel complementar e hermenêutico, se fazem necessários para a manutenção da Justiça.

José Afonso da Silva destaca que, a ampliação, constante transformação histórica destes direitos e, principalmente, o emprego de vários terminologias para se designar os dire-itos fundamentais, dificultam por demasiado uma concisa conceituação daqueles.

Para concluir, é nítido o fato de que os direitos fundamentais do homem constituem uma variável ao longo da história dos últimos séculos, cujo elenco se modificou e continua se modificando, ao sabor das condições históricas, dos interesses, das classes no poder ou dos meios disponíveis para a realização dos mesmos. Em suma, os direitos fundamentais seriam produto de uma constante evolução social.

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Importa-nos agora, conceituar aquilo que se consignou denominar de “direitos fun-damentais”. Para tanto, devemos antes responder a pergunta: como podemos identificar/classi-ficar uma norma como sendo fundamental? Indagação brilhantemente trazida à baila por Robert Alexy em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais (1986), traduzida por Virgílio Afonso da Silva (2015, p. 65). Para responder a este questionamento, deve-se basear a respos-ta em aspectos materiais e formais , segundo Alexy e Canotilho (1992, p. 509 apud SAR6 7 -LET, 2017, p. 411).

A priori Alexy remete essa “fórmula” de identificação à definição dos direitos fun-damentais de Carl Schmitt (1973, p. 190) para o qual "apenas aqueles direitos que constituem 8 o fundamento do próprio Estado e que, por isso e como tal, são reconhecidos pela Constitu-ição”. Entretanto, esta concepção de direitos fundamentais estaria estrita e unicamente ligada ao caráter histórico de um determinado Estado. Por exemplo, para o Estado Liberal, os dire-itos individuais de liberdade seriam os únicos a serem classificados como tal. Na opinião de Alexy, e na nossa também, este pensamento não pode ser tomado como absoluto.

A identificação pelo aspecto único e meramente formal também é rechaçada por Alexy, na medida que este discorda, assim como a hodierna doutrina e jurisprudência brasileira, que somente são fundamentais aquelas normas que se encontram sob este título na Constituição, tese há tempos enfrentada e superada por nosso Supremos Tribunal Federal.

Alexy (2015, p.75-76), após alguns devaneios em busca de uma correta identificação de direitos fundamentais dentro da Constituição alemã, decreta:

A definição do conceito de norma de direito fundamental baseada no con-ceito de uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais di-zia respeito, até aqui, somente às normas de direitos fundamentais atri-buídas. Mas ela pode ser estendida também às normas de direitos funda-mentais diretamente estabelecidas e pode, nesse sentido, ser generalizada. Uma tal definição geral sustenta que normas de direitos fundamen-tais são todas as normas para as quais existe a possibilidade de uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais. Para as

De modo geral, os direitos fundamentais em sentido formal podem, acompanhando Konrad Hesse, ser de

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-finidos como aquelas posições jurídicas da pessoa (na sua dimensão individual ou coletiva) que, por decisão expressa do legislador-constituinte, foram consagradas no catálogo dos direitos fundamentais. Por outro lado, direitos fundamentais em sentido material são aqueles que, apesar de se encontrarem fora do catálogo, por seu conteúdo e por sua importância podem ser equiparados aos direitos formalmente (e materialmente) fun-damentais. (SARLET, 2017, p. 415) (grifo nosso)

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992. p. 509.

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SCHMITT, Carl. Verfassungsrechtliche Aufsatze aus den Jahren 1924-1954. 2. ed., Berlin: Duncker &

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normas diretamente estabelecidas normalmente é suficiente uma referên-cia ao texto constitucional. (grifo nosso)

Superada a problemática de assinalar os direitos fundamentais no texto constitu-cional, o próximo tópico que merece atenção seria a natureza jurídica daqueles.

Como previamente exposto ao final do item anterior, com o desenvolver dos fatos históricos do século XX em diante, e a constante mutação das relações sociais, mostrou-se indispensável para a manutenção das relações humanas, normas mais flexíveis e que não nec-essariamente tenham de estar positivadas para emanarem poder coercitivo. Atribuiu-se então aos princípios o status de norma jurídica, assim como as regras, que apesar de já existirem, não eram vistos na teoria positivista com a mesma importância que as leis, principal e única fonte do Direito até aquele momento.

Em geral, tanto regra como o princípio são vistos como espécies normativas, uma vez que ambos descrevem algo que deve ser. Ambos se valem de categorias deontológicas comuns às normas (dever, permissão e proibição).

Na concepção de Robert Alexy (2015, p. 90-91), os princípios seriam mandamentos de otimização, ou seja, “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possí-vel dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes” (grifo nosso).Podendo ser satis-feitos em graus variados a depender das eventualidades acima. O que não ocorre com as re-gras, que para o autor, não há graus de satisfação, ou são cumpridas ou não são, devendo ser observadas sempre que válidas. E conclui: “Isso significa que a distinção entre regras e prin-cípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau”.

Quando se trata de estremar regras e princípios, porém, é bastante frequente o emprego do critério da generalidade ou da abstração. Os princípios seriam aquelas normas com teor mais aberto do que as regras. Próximo a esse crité-rio, por vezes se fala também que a distinção se assentaria no grau de deter-minabilidade dos casos de aplicação da norma. Os princípios

corresponde-riam às normas que carecem de mediações concretizadoras por parte do

legislador, do juiz ou da Administração. Já as regras seriam as normas

suscetíveis de aplicação imediata. […] Os princípios teriam, ainda, virtudes

multifuncionais, diferentemente das regras. Os princípios, nessa linha, de-sempenhariam uma função argumentativa. Por serem mais abrangentes que as regras e por assinalarem os standards de justiça relacionados com certo instituto jurídico, seriam instrumentos úteis para se descobrir a razão de ser de uma regra ou mesmo de outro princípio menos amplo. (MENDES, 2014, p. 120-121) (grifo nosso)

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E continua, citando Dworkin (1978, p. 24-26 apud MENDES, 2014, p. 122):9

[…] se os fatos que uma regra estipula ocorrem, então ou a regra é válida, e a solução que dela resulta deve ser aceita, ou não é válida, e não contribuirá em nada para a decisão”. Em havendo um conflito entre regras, a solução haverá de se pautar pelos critérios clássicos de solução de antinomias (hie-rárquico, da especialidade e cronológico).

Ensina Dworkin que os princípios, de seu lado, não desencadeiam automati-camente as consequências jurídicas previstas no texto normativo pela só ocorrência da situação de fato que o texto descreve. Os princípios têm uma dimensão que as regras não possuem: a dimensão do peso. Os princípios po-dem interferir uns nos outros e, nesse caso, “deve-se resolver o conflito le-vando-se em consideração o peso de cada um”. Isso, admitidamente, não se faz por meio de critérios de mensuração exatos, mas segundo a indagação sobre quão importante é um princípio – ou qual o seu peso – numa dada si-tuação. [assunto a ser tratado em momento posterior]

Não há como se falar em direitos fundamentais sem falarmos em regras e, especial-mente, princípios, pois como nos ensina Vale (2009, p. 129), “o forte conteúdo axiológico das normas de direitos fundamentais e sua elevada posição hierárquica no ordenamento jurídico fazem com que, na maioria das vezes, elas sejam interpretadas como princípios”.

Para Juliano Bernardes e Olavo Augusto Ferreira (2016, p. 627-628), direitos funda-mentais são um:

Conjunto de direitos estabelecidos por determinada comunidade política or-ganizada, com o objetivo de satisfazer ideais ligados à dignidade da pessoa humana, sobretudo a liberdade, a igualdade e a fraternidade. […] Os direitos fundamentais são objeto do direito público interno de cada Estado, espe-cialmente do direito constitucional. Trata-se dos direitos do homem “objecti-vamente vigentes numa ordem jurídica concreta” (CANOTILHO 1993, p. 517). Não correspondem necessariamente, portanto, ao rol dos direitos hu-manos, pois cada ordenamento jurídico estatal pode estabelecer catálogo próprio de direitos fundamentais, de acordo com as respectivas especifici-dades.

Ingo Wolfgang Sarlet (2017, p. 394-395), mestre constitucionalista aponta nesta mesma direção ao diferenciar o termo “direitos humanos” do termo “direitos fundamentais”, esclarecendo que estes seriam positivados e aplicados no âmbito interno do ordenamento ju-rídico de determinado Estado, sendo atribuições destes e suas respectivas culturas, histórias e anseios sociais constituí-los. Possuem, portanto, sentido mais restrito e preciso.

DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1978. p. 24-26.

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Segundo Pedro Lenza (2012, p. 961) os direitos fundamentais seriam gênero dos quais os direitos coletivos e individuais constantes no Título II de nossa Constituição seriam espécies. O aludido mestre não se preocupa muito em conceituar o que seriam os direitos fun-damentais em seu sentido material, faz apenas uma distinção entre direitos e garantias funda-mentais. Sendo assim, para Lenza “os direitos são bens e vantagens prescritos na norma con-stitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercí-cio dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados”.

Neste mesmo viés, uma gama de outros constitucionalistas, dentre eles André Puc-cinelli (2014, p. 210-211), nas palavras desse:

No quadro da Constituição Federal de 1988, é possível distinguir entre nor-mas declaratórias, que estabelecem direitos que são bens ou vantagens con-stitucionalmente previstos, e normas assecuratórias, que fixam garantias, isto é, meios ou recursos destinados a assegurar o pleno exercício de direitos fundamentais […] cada direito possui a correspondente garantia constitu-cional. Pode ser que um único dispositivo constitucional traga embutido em sua redação tanto o direito quanto a garantia […] seria a hipótese do art. 5º, VI, CF/88, que traz no mesmo preceito o direito à liberdade de crença e a garantia de proteção aos locais de culto e suas liturgias. […] O art. 5º, caput, da CF/88 estendeu textualmente a proteção dos direitos e garantias funda-mentais aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, deixando de mencionar os apátridas, as pessoas jurídicas e os estrangeiros não residentes, emergindo daí questionamentos sobre a abrangência do manto protetivo […] não nos parece adequado empreender uma interpretação que fique refém da literalidade do enunciado […] O que se propõe é a interpretação sistemática e teleológica (finalística) da norma, estendendo os direitos e garantias fun-damentais a todas as pessoas.

Em suma, podemos conceituar os direitos fundamentais como sendo aquelas pre-rrogativas indispensáveis ao homem e núcleo de proteção da dignidade da pessoa humana, reconhecidas pelo poder constituinte originário de cada Estado como tal. Trata-se, portanto, do exercício de soberania de cada País, na medida que mesmo que determinado direito exista em dois ou mais ordenamentos, não significa necessariamente que lhe será atribuído status de fundamental em todos eles.

Apesar de existir, no ordenamento brasileiro, uma grande gama de dispositivos con-stitucionais que, por consequência, gozam de uma superioridade hierárquica formal e material em relação às demais normas infraconstitucionais, aqueles que recebem do conjunto normati-vo (regras e princípios) constitucional um status diferenciado, não podem ser negligenciados pelo Poder Público ou particulares, ou sofrerem com emendas à Constituição pelo poder con-stituinte reformador, suprimindo-os ou modificando-os in malam partem.

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Como visto, o artigo 5º, §1º, CF/88 assegurou aos direitos fundamentais aplicabili-dade imediata, apesar de sabermos não ser o caso em sua totaliaplicabili-dade, por existirem normas de aplicabilidade mediata que necessitam de ulterior edição para garantirem àqueles eficácia.

São características usualmente atreladas aos direitos fundamentais: a) imprescritibili-dade, não há prazo para sua exigência ou exercício; b) inalienabiliimprescritibili-dade, não podem ser vendi-dos ou cedivendi-dos; c) irrenunciabilidade, não se pode abrir mão destes direitos; d) inviolabili-dade, deve ser respeitado pelo Poder Público (eficácia vertical) e particulares (eficácia hori-zontal); e) universalidade, são inerentes à todos os cidadãos àquela Constituição submetidos, de forma indistinta; f) efetividade, direta e imediata, em regra, necessitando de regulamen-tação a posteriori em seletos casos, quando assim a Constituição determinar; g) interde-pendência e complementaridade, estes direitos devem ser interpretados de forma sistêmica e conjunta.

1.5. Direito à vida

Pensar no direito à vida, nos remonta imediatamente aos primórdios do ser humano, a uma idéia de valor intrínseco, inato, natural e indissociável dele, por via de consequência, à ideia de direito natural, conforme leciona Locke.

Ainda nesta linha, sua importância pode ser facilmente percebida tanto para o ser humano quanto para o Estado e sua consequente existência, na medida que, de acordo com a premissa do contrato social construída por Hobbes, o homem se via fadado a autodestruição, sendo necessário para a sua sobrevivência delegar para o Estado uma parcela de sua liber-dade.

Não obstante o que fora dito, não é do interesse do presente autor analisar o direito à vida sob uma ótica jusnatural, mas sim sob a perspectiva da teoria (neo)positivista, para a qual “o reconhecimento —na perspectiva do direito positivo — de um direito à vida, como direito humano e fundamental, todavia, não pode ser confundido com a noção de necessidades ou mesmo de instintos (inclusive o de defesa e de sobrevivência), que recebem proteção jurídica” (SARLET, 2017, p. 529-530).

Apesar de seu status como direito de primeira grandeza, por muito tempo o direito à vida vinha sendo negligenciado pelos recém formados Estados, assim como pelo direito inter-nacional. Uma primeira menção a ele pode ser encontrada na Declaração de Direitos da Virgí-nia (1776) — aonde podemos começar a vislumbrar uma noção próxima daquela noção de direitos fundamentais e humanos que temos hodiernamente — que incluí-a-o em seu artigo 1º, inserido num rol de direitos inerentes à pessoa humana. Algumas décadas depois, a

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Constitu-ição Federal norte-americana de 1787, mais especificamente após a quinta emenda (1791), o direito à vida, que até então não fora contemplado naquele documento, passa a assumir uma condição de direito fundamental naquele ordenamento jurídico.

Esse aspecto coadjuvante que os Estados atribuíam ao direito à vida em seus respec-tivos ordenamentos perpetuou pela Revolução Francesa (1789) e posterior Carta Constitu-cional (1814), os quais faziam apenas uma menção daquele direito normalmente atrelado a conceitos de garantia e segurança. Esta postura dos Estados perdurou até o término da II Guerra Mundial, responsável não somente por uma reviravolta na ordem mundial, mas tam-bém pela profunda reforma material das Constituições e os papéis que desempenhavam. Sem mencionar que fora fator decisivo na constituição da ONU, além de vários tratados e con-venções internacionais, como a Declaração dos Direitos Humanos da ONU (1948) e Con-venção Americana de Direitos Humanos (1969), que objetivavam, especialmente, prevenir a eclosão de novas atrocidades como aquelas testemunhadas na primeira metade do século XX.

Como consequência lógica desta mudança de pensamento, passando a vida do homem a ser priorizada no rol garantista de direitos, uma onda de vedações a pena de morte foi tomando os ordenamentos jurídicos de vários países como resultado da ratificação e adesão daqueles à importantes documentos internacionais que eram editados com frequência. Essa alteração fora aderida de maneira total e imediata por alguns, enquanto outros, até pou-cas décadas atrás — pou-caso da Inglaterra e França, em que a pena de morte por enforcamento ou guilhotina ainda eram permitidos, por exemplo — optaram por uma transição gradual até a total extirpação desta pena de suas Constituições, de acordo com os Protocolos Adicionais na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950) nos casos dos países europeus.

No que tange à evolução constitucional brasileira, nos ensina Ingo Wolfgang Sarlet (2017, p. 532) que até a Constituição de 1934 não havia previsão alguma do direito à vida, no entanto, com o advento da Carta supra, apesar de ainda não haver uma expressa positivação, surgiu a vedação à pena de morte, permitida apenas em tempos de guerra (exceção mantida pela hodierna CRFB/88 em seu artigo 5º, XLVII, ‘a’). O reconhecimento explícito do direito à vida adveio apenas na Constituição de 1946, a qual previa-o em seu artigo 141, caput como direito individual e mantendo o banimento à pena de morte de sua predecessora, situação que não mais se modificou.

Vale constatar que, mesmo que a Constituição Cidadã de 1988 banhe o direito à vida com uma blindagem de direito individual fundamental e tudo o que este status o proporcione, como a característica de inviolabilidade, por exemplo — em simetria com os tratados e con-venções os quais o Brasil é signatário —, a pena de morte nos casos de guerra declarada pelo

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Presidente da República autorizado pelo Congresso Nacional (artigo 84, XIX, CRFB/88) con-tra país escon-trangeiro acaba por fragilizar toda esta pretensa proteção.

Levando em consideração a atual importância conferida ao direito à vida por nossa atual Carta Magna, partamos agora a uma conceituação doutrinariamente construída. De for-ma objetiva, o direito à vida consistiria no direito de todos os seres hufor-manos viverem (SAR-LET, 2017, p. 533). Parece uma constatação óbvia, tautológica e redundante, todavia, se pen-sarmos que a pouco menos de um século surgiriam ideologias nacional-socialistas, respon-sáveis por disseminar promessas de “purificação racial”, o que resultaria mais tarde no episó-dio mundialmente conhecido (e por alguns poucos ignorado) como Holocausto, aquela definição não parece mais tão sem sentido.

Apesar de não haver em absoluto uma hierarquia entre os direitos fundamentais, pos-itivados ou não na Constituição, questão pacificada por nossa Suprema Corte e pela quase to-talidade da doutrina, o direito à vida é abordado de uma maneira um tanto quanto elevada por ilustres constitucionalistas como Paulo Gustavo Gonet Branco (2014, p. 377) em obra conjun-ta com Gilmar Mendes, in verbis:

A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais dire-itos e liberdades dispostos na Constituição. Esses diredire-itos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro sem antes não fosse assegurado o próprio direito de estar vivo e para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse. (grifo nosso)

E continua:

Dada a capital importância desse direito e em reconhecimento de que deve ser protegido sobretudo nos casos em que o seu titular se acha mais vul-nerável, a Constituição, no art. 227, dispõe ser ‘dever da família, da so-ciedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta pri-oridade, o direito à vida’.[…] Proclamar o direito à vida responde a uma ex-igência que é prévia ao ordenamento jurídico, inspirando-o e justificando-o. Trata-se de um valor supremo na ordem constitucional, que orienta, informa e dá sentido último a todos os demais direitos fundamentais.

Neste mesmo diapasão, a professora e doutora em Direito Civil e Biodireito, Adriana Maluf (2015, p.146-147):

A vida é o bem supremo da existência, seu valor mais precioso, disso ninguém duvida. Vem antes de qualquer outro direito, ou seja, prevalece so-bre todos os demais — o princípio do primado do direito à vida prevalece então em face dos outros direitos nos casos de conflitos. De sua proteção

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emanam todos os direitos e deveres do homem. Sejam oriundo de leis, dos códigos morais, dos costumes, da ética.

Concordamos com o exposto acima, de que a vida possui, por conclusão patente, um importância indiscutível para o ser humano, visto que se trata de um bem intrínseco a sua própria natureza, prévio até mesmo a ideia de direito e ordenamento jurídico, e destaca-se por se tratar de pressuposto para a efetivação de toda a gama de direitos constitucional e legal-mente garantidos. Todavia, há de se atentar à hermenêutica do leitor quando for realizada a leitura de passagens como a supra. Minha intenção com este “alarme” é desmistificar o pen-samento de que, apesar de inviolável e de seu estimado valor, o direito a vida não é absoluto como alguns doutrinadores professam, que quando em confronto com outro de mesma na-tureza (direito fundamental) deva, de imediato, de maneira instantânea, prevalecer em detri-mento dos demais. Este entendidetri-mento não encontra respaldo nem na doutrina nem na ju-risprudência de nossos tribunais, inclusive os superiores, ponto a ser abordado de maneira mais minuciosa em momento posterior.

Atrelado ao aspecto meramente biológico, do qual pudemos depreender que, pelo simples fato de existir vida no ser humano este possui intrinsecamente o direito de viver de per si, em suma de não ser morto, há também um segundo desdobramento, que imbuiria ao direito à vida um caráter dúplice. Essa segmentação consistiria, para o direito brasileiro, no direito a uma vida digna, diretamente vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana constante no artigo 1º, III da CRFB/88, princípio fundamental da República Federativa do Brasil. Nas palavras de Paulo Gustavo Branco (2014, p. 383):

O direito à vida é por vezes referido sob um modo qualificado, num sentido amplo, a abranger não apenas a preservação da existência física, mas desig-nando, além disso, um direito a uma vida digna. Essa expressão abarcaria o direito a alimentação, a habitação, a vestuário, a educação elementar, entre outras pretensões […] A vida humana — como valor central do ordenamento jurídico e pressuposto existencial dos demais direitos fundamentais, além de base material do próprio conceito de dignidade humana — impõe medidas radicais para a sua proteção.

E complementa Lenza (2012, p. 970) que além das prestações positivas do Estado com suas políticas públicas, no sentido de garantir uma existência digna, há também a vedação constitucional (artigo 5º, XLVII, e respectivas alíneas, CRFB/88) a “qualquer trata-mento indigno, como a tortura, penas de caráter perpétuo, trabalhos forçados, cruéis, etc”, neste mesmo sentido Alexandre de Moraes (2016, p. 97-98).

Contudo, há aqueles que entendam se tratar de institutos distintos, que apesar de manterem uma relação bastante íntima, não se confundem em absoluto, com o “propósito de

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se evitarem os riscos de uma ‘biologização’ da dignidade, o que assume relevo especialmente quando em causa a proteção da vida e da dignidade nos limites da vida […] Para ilustrar, bas-taria recordar que a dignidade da pessoa humana não exige necessariamente uma proteção absoluta do direito à vida” (SARLET, 2017, p. 534-535).

Falou-se muito sobre o dever do Estado de vedar a extirpação da vida e simultanea-mente garantir condições mínimas para que este direito seja exercido de forma digna. Contu-do, esta eficácia vertical seria a única, ou há também vinculação e obrigação de observar essa premissa por parte dos demais particulares?

Por dedução podemos responder com uma assertiva. Como vimos no item anterior, onde buscava dissertar de maneira sintetizada sobre os direitos fundamentais lato sensu, além da aplicabilidade imediata (em regra), dos direitos que possuem status de fundamental, como é por evidente o caso do direito à vida, irradiam eficácia tanto em face do Estado (eficácia ver-tical) quanto em face dos particulares (eficácia horizontal), para tanto o Códex Penal nacional se preocupa em sancionar severamente aquele que tenta, auxilia, ou extirpa de fato a vida de outrem.

Passemos agora a expor outro direito fundamental que elenca, ao lado do direito à vida, papel de protagonismo ante o presente trabalho: a liberdade religiosa.

1.6. Direito à liberdade

Uns buscam conceituar a liberdade lato sensu de maneira negativa, de forma que se-ria livre aquele que resistisse a opressão ou coação da autoridade. Outros definise-riam-na com uma perspectiva positiva, ou seja, é livre quem participa da autoridade. Uma conceituação errônea na opinião de José Afonso da Silva (2014, p. 234), que ao seu ver, pecam ao con-fundirem a semântica de autoridade com a de autoritarismo (autoridade deformada, ilegítima). Na visão do constitucionalista, liberdade não seria alcançada na ausência absoluta de atos co-ercitivos ou de autoridade, para ele estes elementos seriam indissociáveis, senão vejamos:

[…] autoridade e liberdade são situações que se complementam. É que a au-toridade é tão indispensável à ordem social — condição mesma da liberdade — como esta é necessária à expansão individual. Um mínimo de coação há sempre que existir. ‘O problema está em estabelecer, entre a liberdade e a autoridade, um equilíbrio tal que o cidadão médio possa sentir que dispões de campo necessário à perfeita expressão de sua personalidade’. Portanto, não é correta a definição de liberdade como ausência de coação. O que é válido afirmar é que a liberdade consiste na ausência de toda coação

anor-mal, ilegítima e imoral. Daí se conclui que toda lei que limita a liberdade

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por aqueles cuja liberdade restringe […] Assim, a definição da Declaração de 1789 é mais aceitável: ‘A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem: assim, o exercício dos direitos naturais do homem não tem outros limites senão os que assegurem aos demais membros da so-ciedade o gozo dos mesmo direitos. Esses limites somente a lei poderá de-terminar’. Mas acrescenta: ‘A lei não pode proibir senão as ações nocivas à sociedade’.

Como vimos, a liberdade não significa necessariamente a ausência de autoridade ou sanções — propósito dos direitos fundamentais de 1ª dimensão (liberdades), que visavam pro-teger o povo das ingerências do Estado, como vimos ao discorrer sobre os direitos fundamen-tais e sua evolução histórica —, como se queria com um Estado Liberal, mas consiste sim na intervenção estatal no sentido de delimitar, visando a ordem social e direitos alheios, as liber-dades concedidas aos cidadãos, devendo estes a exercer com a finalidade de, simultanea-mente, satisfazer suas pretensões sem esbarrar nas esferas de direito de outrem, a moral, os bons costumes ou a ordem pública, como bem ensina nosso Pretório Excelso (STF, RTJ 51/344; STJ, RT 699/376). Neste sentido, cito André Puccinelli Júnior (2014, p. 240-241):

Assim, a prática litúrgica desenvolvida de madrugada em local sem isola-mento acústico pode ser restringida se perturbar o descanso noturno dos moradores vizinhos. De igual modo, o sacrifício de seres humanos em rituais religiosos deve ser tratado como crime. A limitabilidade desse direito fun-damental também autoriza o profissional de saúde a ignorar os preceitos de uma dada religião para salvaguardar outros bens e direitos igual-mente relevantes. Assim, pela ponderação dos interesses em jogo (vida

versus religião), não responderá por crime de constrangimento ilegal o

médico que proceder à transfusão sanguínea de uma testemunha de Jeová contra sua vontade ou de seus familiares. (grifo nosso)

Apesar de concordar em parte com o respeitado jurista, não podemos ser tão categóricos ao afirmar que o direito à vida (apesar de sua fulcral importância, como visto) deva sempre prevalecer em face ao direito à liberdade religiosa. Pois como o próprio autor disse, haverá uma “ponderação de valores” antes de qualquer decisão a ser tomada pelo mag-istrado ou tribunal de maneira casuística.

Mister ressaltar, contudo, que a definição acima exposta por José Afonso da Silva refere-se tão somente ao gênero liberdade, do qual as liberdades de crença, culto, religião, consciência, dentre outras, seriam espécie. Além disso, devemos aqui realizar uma distinção entre elas, visando uma explanação mais clara e objetiva, evitando imprecisões terminológi-cas que poderiam causar-nos confusão no decorrer da obra, mesmo que alguns autores optem

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por ignorar, assim como ocorre com o termo “direitos fundamentais” (Cf. Item 1.2), os insti-tutos complementam-se mas não se confundem ou embaraçam.

1.6.1. Liberdade de consciência

Prevista em nossos artigos 5º, VI , VIII combinado com 143, §1º. Para Ingo Wolf-gang Sarlet (2017, p. 651) a liberdade de consciência seria imensamente mais abrangente que a liberdade religiosa na medida que as hipóteses da primeira abarcariam aquelas “que não têm relação direta com opções religiosas, de crença e de culto. Bastaria aqui citar o exemplo daqueles que se recusam a prestar serviço militar em virtude de sua convicção (não necessari-amente fundada em razões religiosas) de participar de conflitos armados e eventualmente vir a matar alguém”. Neste mesmo sentido nos ensina Konrad Hesse (1995, p. 168 apud SAR10 -LET, 2017, p. 651), para ele a liberdade de consciência não estaria constrito apenas em seu aspecto interno, ou seja, a formação de consciência, mas também no aspecto externo, visto que o direito fundamental sub judice deve ser externado através da atuação e decisões tomadas em razão da consciência do sujeito de direitos.

Segundo José Celso Mello Filho (1986, p. 440), “a liberdade de consciência constitui o núcleo básico de onde derivam as demais liberdades do pensamento. É nela que reside o fundamento de toda a atividade poítico-partidária, cujo exercício regular não pode gerar re-strição aos direitos de seu titular”.

Fala-se muito em objeção de consciência, para alguns trata-se de uma reles escusa, para a outra esmagadora maioria, trata-se de uma forma com a qual será possível o sujeito de direito manter-se fiel à suas convicções, sejam elas de qual cunho forem. O artigo 5º, VIII e 143, §1º ambos da Constituição de 88 deixam essa possibilidade bem clara, poderá aquele que alegar a imposição estatal imposta à todos por lei, abnegar-se desta caso seja imperioso para que suas convicções sejam mantidas incólumes. A objeção mais abordada e conhecida é a do serviço militar, cujos serviços alternativos encontram-se previstos na Lei 8.239/91, que em

HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrecht der Bundesrepublik Deutschland. 20. ed. Heidelberg: C.

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seu artigo 3º, §2º define o que seria serviço alternativo, e nos parágrafos 3º e 4º encon11 12 13 -tram-se os órgãos ou locais em que estas atividades deverão ser prestadas. Cumpre salientar que, em caso de descumprimento, seja total ou parcial, das atividades alternativas, implicará na não emissão do Certificado de Prestação Alternativa ao Serviço Militar Obrigatório e, por via de consequência, na suspensão dos direitos políticos do de cujus, até que o prazo previs14 -to tenha acabado e a prestação devida cumprida.

Por fim, resta destacar o fato de que, apesar de não ser muito comum, a objeção de consciência não reside apenas na hipótese de serviço miliar, e mesmo que, ao contrário do que ocorre nele, não haja lei que regulamente o serviço alternativo, é do meu entender e também do autor Paulo Gustavo Branco (2014, 437-438) que não pode um direito fundamental, cuja aplicabilidade deve ser imediata, ser sobrepujado por inércia legislativa.

1.6.2. Liberdade religiosa

Também denominada liberdade de crença ou de culto, a liberdade religiosa é uma das mais antigas e fortes reivindicações do indivíduo, levando em conta o seu apelo político há tempos. A história nos ensina que, no decorrer das eras, a religião era tido como instrumento de dominação de massas pelos governos e autoridades. Toda crença ou ideologia que se opun-ha àquela crença dominante era instintivamente repudiada, aumentando com isso os episódios de intolerância, o que posteriormente viria a dar origem a lutas por liberdades de crença, “uma das primeiras asseguradas nas declarações de direitos e a alcançar a condição de direito hu-mano e fundamental” (SARLET, 2017, p. 645) tanto no âmbito internacional quanto nos catálogos de direito constitucional.

Lei 8.239/91, art. 3º, §2º: “Entende-se por Serviço Alternativo o exercício de atividades de caráter admi

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-nistrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencial-mente militar”.

Lei 8.239/91, art. 3º, §3º: “O Serviço Alternativo será prestado em organizações militares da ativa e em

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órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos Ministérios Civis, me-diante convênios entre estes e os Ministérios Militares, desde que haja interesse recíproco e, também, sejam atendidas as aptidões do convocado”.

Lei 8.239/91, art. 3º, §4º: “O Serviço Alternativo incluirá o treinamento para atuação em áreas atingidas

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por desastre, em situação de emergência e estado de calamidade, executado de forma integrada com o órgão federal responsável pela implantação das ações de proteção e defesa civil”.

art. 15, caput, IV, CRFB/88: “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará

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nos casos de: …

(32)

Seu surgimento, conforme anota o jurista Maurício Scheinman em artigo publicado 15 em 2005 e atualizado em 2007, pode ser datado do “século III d.C que a expressão liberdade religiosa — libertas religionis — foi, provavelmente, utilizada pela primeira vez, por Tertu-liano, advogado convertido ao cristianismo e que passou a defender a liberdade religiosa em face dos abusos do Império Romano” e continua, “é, como se sabe, um direito humano fun-damental, assegurado pelas Constituições dos diversos Estados democráticos, e também, por importantes declarações e tratados internacionais de direitos humanos”.

Há de se anotar que, assim como aconteceu com o direito à vida, a extensão do dire-ito a liberdade religiosa, e sua proteção, varia dentre os documentos internacionais de diredire-itos humanos e também dentre os ordenamentos jurídicos internos, de acordo com suas respecti-vas influências histórico-culturais. Para a presente empreitada acadêmica, nos basta selecionar e apresentar as convenções que atingem diretamente nossa legislação, para tanto importa-nos observar o que nos diz a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969, que em seu artigo 12 aborda de maneira bastante abrangente e garan16 -tista o direito por ora estudado.

Ainda na ceara internacional, um dos documentos de maior relevância neste âmbito, até mesmo pelo alto índice de aderência dos Estados signatários, é a “Declaration on the Elimination of All Forms of Intolerance and of Discrimination Based on Religion or Belief”, promulgada pela Assembléia Geral da ONU sob a resolução de nº 36/55 de 25 de novembro de 1981. Tomado como base da própria organização internacional, os princípios da dignidade e igualdade inerentes a todos os seres humanos independentemente de raça, sexo, linguagem ou religião, decreta que todos Estados democráticos devem respeitar o direito fundamental da liberdade religiosa, crença e consciência, sendo dever dos governos mundiais promoverem medidas que garantam seus exercícios, prevenindo e reprimindo episódios de intolerância de qualquer estirpe. Neste sentido, tomo a liberdade de transcrever, in verbis, o que nos fala seus artigos 1º, 2º, e 5º do referido documento, vejamos:

SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência. Alguns apontamentos. Revista Jus

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Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 712, 17 jun. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/arti-gos/6896>. Acesso em: 13 out. 2017.

“1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de

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conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de fessar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em pro-vado. 2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças. 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. 4. Os pais e, quando for o caso, os tutores têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educa-ção religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.

Referências

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