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5. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

5.1. Técnica da ponderação/jurisprudência de valores ou Teoria da argumentação jurídica

Historicamente, o surgimento da Jurisprudência dos Valores se deu pós Segunda Guerra Mundial com a promulgação da Grundgesetz pelos aliados em 1949. Nos anos 58 seguintes, tentou-se alcançar uma forma de legitimar uma lei fundamental que não fora edita- da com a participação popular. “Daí a afirmação de um jus distinto da lex, ou seja, a invo- cação de argumentos que permitissem ao Tribunal recorrer a critérios decisórios que se encon- travam fora da estrutura rígida da legalidade. A referência a valores aparece, assim, como mecanismo de ‘abertura’ de uma legalidade extremamente fechada” (STRECK, 2014, p. 58).

Por muito tempo a subsunção (a premissa maior, norma, incide sobre a premissa menor, o fato) fora utilizada como raciocínio padrão na aplicação do Direito. E continua sendo, contudo não se mostra suficiente para aplacar problemas envolvendo princípios e dire- itos fundamentais (BARROSO, 2015, p. 372-373).

Sabemos que os direitos fundamentais possuem natureza jurídica de princípios, sendo-lhes inerente, portanto, grande carga axiológica (deontológica para Alexy [2015, p. 146]) e, segundo Lenio Streck, é devido à essa “estrutura alargada de dever-ser” dos princí- pios (mandados de otimização para Alexy [Cf. Item 1.4]) que ocorre o tensionamento ou fricção entre eles, sendo a valoração um momento subsequente que “incorpora o procedimen- to da ponderação”. Critica ainda o modo e o objetivo da incorporação dessa teoria argumenta- tiva no Direito brasileiro, visto que a finalidade perquirida por Alexy era “racionalizar” essa ponderação de valores, “ao passo que, no Brasil, os pressupostos formais — racionalizadores

Lei Fundamental da República Federal da Alemanha

— são praticamente desconsiderados […]”, e “esse uso descriterioso [pelos Tribunais brasileiros] da teoria alexyana, transformaram a regra da ponderação em um princípio [fenô- meno este que Streck vem denominando panprincipiologismo]” (STRECK, 2014, p. 59-60).

Além disso, parece estranho aos olhos do autor supracitado que os “adeptos da pon- deração não levem em conta a relevante circunstância de que é impossível fazer uma ponder- ação que resolva diretamente o caso.”, e continua alegando que “a ponderação — nos termos propalados por seu criador, Robert Alexy — não é uma operação em que se colocam dois princípios em uma balança e se aponta para aquele que ‘pesa mais’ […]” (STRECK, 2014, p. 60).

Com a devida vênia às ressalvas trazidas à baila nesse capítulo pelo grande crítico e hermeneuta supra, não é do escopo deste trabalho aprofundar de maneira criteriosa e analítica os posicionamentos a respeito da teoria alexyana, mas meramente expô-las. A intenção em trazer posicionamentos divergentes era tão somente sinalizar que tais pensamentos existem, são extremamente bem fundamentados, e se encontram em evidência dado o protagonismo judiciário vivido nas últimas décadas, que deram azo, por muitas vezes, à ativismos judiciais antijurídicos e anti-Constituição. Mister lembrar ainda que a posicionamento majoritário de hoje, um dia já foi minoritário, e os entendimentos não se encontram engessados em absoluto, mas sim fluidos como um rio, cujas margens não seriam outras que não a própria Constitu- ição.

Dando continuidade ao tratamento do objeto deste capítulo, por se tratar de um sis- tema jurídico unitário, este não pode prescindir de um princípio em face de outro, pois seriam eles mandamentos de excelência e a essência de todo o ordenamento, ao contrário do que ocorre quando se está diante de conflitos entre regras — resolvidos à luz do critério de vali- dade, para o qual a norma vale e, por via de consequência é aplicável ao caso concreto, ou não vale e por isso deve ser descartada, não aplicada (DWORKIN, 1998, passim ) — para os 59 quais podemos aplicar critérios excludentes como a hierarquia, especialidade ou ordem cronológica de vigência, buscando-se superar essa situações conflituosas.

Nesta busca por um provisionamento jurisdicional ao caso concreto, concomitante- mente ao dever do magistrado em evitar a total supressão de qualquer dos direitos fundamen- tais em questão, o princípio da proporcionalidade se mostra indispensável para tal tarefa. A proporcionalidade é princípio interpretativo de vital importância para a hermenêutica, em es- pecial a constitucional, sem mencionar que se trata também de um princípio geral de direito, devendo ser adotado em todo o ordenamento jurídico, não somente nas normas constitucio-

________. Taking rights seriously. 1998

nais (LENZA, 2012, p. 159). Ligado umbilicalmente ao princípio da harmonização e à otimi- zação dos direitos fundamentais, prima também pela moderação, prudência, bom-senso e equidade, lançando mão de exames de compatibilidade entre meios e fins, buscando evitar cerceamento desnecessários aos direitos fundamentais do homem.

Como parâmetro, podemos destacar a necessidade de preenchimento de 3 importan- tes elementos: a) adequação - o meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido; b) necessi- dade - a adoção da medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto e não puder ser substituída por outra menos gravosa; c) proporcionalidade em sentido estrito - se ambos pressupostos anteriores foram alcançados, deve-se então investigar se o ato praticado supera a restrição a outros valores constitucionais (LENZA, 2012, p. 159). “No Brasil, apesar de sua recente trajetória, o princípio da proporcionalidade vai se consoli- dando como parâmetro para o controle judicial dos atos emanados do Poder Público e, em particular, daqueles produzidos na seara legislativa” (PUCCINELLI JÚNIOR, 2014, p. 90).

Como dito, não é possível em casos de conflitos principiológicos, abrir mão de um em face de outro. Isto posto, o Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, vem fazendo uso da técnica de sopesamento dos valores ou interesses, cuja finalidade é preservar ao máximo aquele princípio, ou direito fundamental que não será aplicado em sua integrali- dade no caso sub judice, através de um juízo de proporcionalidade. Como bem observa Puc- cinelli (2014, p. 93) ao afirmar que “princípios aparentemente antagônicos devem abdicar da pretensão de serem aplicados de forma absoluta, prevalecendo somente até o ponto a partir do qual deverão renunciar a favor de um princípio divergente, e que, em dadas circunstâncias, mostra-se proporcionalmente relevante”.

Nesse mesmo viés, Alexy (2015, p. 116-117):

A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, exigência de sopesamento, decorre da relativização em face das possibilidade jurídicas. Quando uma norma de direito fundamental com caráter de princípio colide com um princípio antagônico, a possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do princípio antagônico. Para se chegar a uma decisão é necessário um sopesamento nos termos da lei de colisão.

[…]

A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de princí- pios serem mandamentos de otimização em face das possibilidade jurídicas. Já as máximas de necessidade e da adequação decorre, da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas.

Nos ensina Alexandre de Moraes que, apesar de fundamentais, os direitos em questão não são absolutos ou ilimitados (Cf. Item 4.4, ementa do HC provido pelo STJ em 2014) , en- contrando seu limiar nos demais direitos da mesma envergadura, igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade). E continua:

Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídi- cos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, re- alizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (con- tradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da nor- ma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua. (MORAES, 2016, p.93)

Muito se falou em conflito de direitos fundamentais e aplicação do princípio da pro- porcionalidade em sua resolução, contudo, deve-se destacar que, essa ponderação de valores só pode ocorrer em casos concretos, fator que possui grande importância na matéria. Nesse sentido complementa Paulo Gustavo Branco (MENDES; BRANCO, 2014, p. 266 ss) que “a normatividade dos princípios é, nesse sentido, provisória, potencial com virtualidades de se adaptar à situação fática, na busca de uma solução ótima”, e continua afirmando que “devem- se comprimir ao menor grau possível os direitos em causa, preservando-se a sua essência, o seu núcleo essencial […]. Põe-se em ação o princípio da concordância prática, que se liga ao postulado da unidade da Constituição, incompatível com situações de colisão irredutível de dois direitos por ela consagrados [como as regras, v.g.]”. Por fim conclui chamando atenção para elementos que o julgador intérprete deve tomar conhecimento antes de proferir a sen- tença, ou seja, a “especificidade do bem que o direito fundamental vista proteger conduz à revelação de limites máximos de conteúdo”, v.g. quando um tratamento de hemotransfusão é prescrito pelo médico à paciente TJ e esse se recusa a recebê-lo. Quando a questão é levada ao judiciário para análise, este deverá proceder à técnica de ponderação, e observar as vicissi- tudes do caso sub judice, como a (in)existência de risco iminente de morte (Cf. Item 4.3), ca- pacidade de agir do paciente (Cf. Item 4.5), (in)existência de tratamentos alternativos à dis- posição com possibilidade de produzir efeitos satisfatórios à manutenção da vida (Cf. Item 3.3.1), dentre muitos outros.

Barroso (2015, p. 373-374) descreve o processo de ponderação em três distintas eta- pas: a) detectar no sistema as normas relevantes para a solução do conflito, identificando eventuais conflitos entre elas. Normas que apontem para uma mesma solução devem ser agru- padas para facilitar o emprego da próxima fase; b) examinar as circunstâncias do caso e sua interação com os elementos normativos ora em posições antagônicas, com isso poder-se-á

apontar com maior clareza o papel e a extensão de cada um. Até esse momento as fases apon- tam um raciocínio aplicado para qualquer processo hermenêutico aplicado à easy ou hard cases; c) fase dedicada à decisão baseada nas análises dos grupamentos de normas da fase 1 conjuntamente com as circunstâncias dos fatos no caso concreto da fase 2. Nessa etapa a pon- deração será exaltada, de modo a apurar os pesos a serem atribuídos aos diversos elementos e optar pela prevalência naquele caso de uma norma ou agrupamento em detrimento de outra, e em que intensidade será ele aplicado, de maneira cautelosa para não haver um cerceamento integral da norma não aplicada.

Destaca o mestre constitucionalista que, o método de ponderação de valores deve ser ministrado pelos intérpretes de maneira comedida, na medida que envolve, inevitavelmente, um envolvimento subjetivo por parte deles, passível do mau uso e não é remédio para toda e qualquer situação:

É bem de ver, no entanto, que a ponderação, embora preveja a atribuição de pesos diversos aos fatores relevantes de determinada situação, não fornece referências materiais ou axiológicas para a valoração a ser feita. No seu lim- ite máximo, presta-se ao papel de oferecer um rótulo para voluntarismos e soluções ad hoc, tanto as bem-inspiradas como as nem tanto.

Para evitar ou minimizar o risco identificado acima, a doutrina tem se em- penhado em desenvolver alguns elementos de segura˜ca, alguns vetores in- terpretativos. De fato, para que as decisões produzidas mediante ponderação tenham legitimidade e racionalidade, deve o intérprete:

a) reconduzi-las sempre ao sistema jurídico, a uma norma constitucional ou legal que lhe sirva de fundamento: a legitimidade das decisões judiciais decorre sempre de sua vinculação a uma decisão majoritária, seja do consti- tuinte seja do legislador;

b) utilizar-se de um parâmetro que possa ser generalizado aos casos equiparáveis, que tenha pretensão de universalidade: decisões judiciais não devem ser casuísticas nem voluntaristas;

c) produzir, na intensidade possível, a concordância prática dos enunciados em disputa, preservando o núcleo essencial dos direitos. (BARROSO, 2015, p. 375-377)

CONCLUSÃO

Como visto, o tema demanda exaustivo e intenso debate a respeito dos direitos fun- damentais que envolvem o mesmo. O caso das transfusões de sangue toma proporções além das questões meramente médicas quando envolvem a necessidade dessa terapêutica nos adep- tos da organização religiosa Testemunhas de Jeová, onde somente no Brasil existem mais de 700.000 (CFM, 2014, p. 1).

Trata-se aqui de um aparente conflito entre direitos de grande envergadura e im- portância para o homem e seus respetivos desdobramentos, quais sejam o direito à vida em face da liberdade religiosa, ambos albergados e protegidos pela própria Constituição Federal brasileira (artigos 5º, caput e incisos VI, respectivamente) e documentos internacionais que versem sobre direitos humanos. Os direitos fundamentais possuem natureza jurídica de princípios, não podendo ser cerceados por ninguém, seja o Estado ou outro particular.

Considerando que se tratam de direitos indisponíveis do homem, da discussão sobre o conflito aparente destas normas exsurgem questionamentos sobre a motivação religiosa dos Testemunhas, advindas das interpretações por eles dada à passagens bíblicas que condenam o consumo de sangue pelo homem, seja ele humano ou animal. Além disso, questões também sobre o valor da vida para esses adeptos religiosos são levantados. O que podemos aferir desse assunto, como visto é que, independentemente se a interpretação das Escrituras Sagradas dada por eles é autêntica ou não, trata-se de uma crença, devendo, portanto, ser pro- tegida como direito fundamental constitucional, reconhecido como tal pelo nosso ordenamen- to jurídico. Quanto ao segundo apontamento, ficara mais que evidenciado, no decorrer da obra, que a vida para os Testemunhas e o próprio Jeová, é um bem sagrado, não podendo dela se dispôr, presente inclusive no sangue, advindo daí a vedação de sua ingestão.

Não obstante a recusa por motivos religiosos, podem ainda ser apontadas motivações de cunho médico para embasar essa recusa por parte dos Testemunhas de Jeová. Sem embargo dos benefícios advindos da transfusão de hemocomponentes em casos onde a mesma se mostra indispensável, como em grandes traumas hemorrágicos em que há uma missiva perda de sangue pelo paciente que necessita de imediata reposição, pesquisas sobre os riscos e con- sequências dessa terapêutica demonstram que na grande maioria dos casos, os possíveis gan- hos advindos da transfusão não justificam a grande probabilidade de perdas (riscos de in- fecções diversas, erro profissional, rejeição do organismo do receptor, etc). Assim, impulsion- ada pelos motivos previamente expostos, a comunidade médica (com grande auxílio da própria organização dos Testemunhas de Jeová) vem constantemente avançando técnicas cirúrgicas e tratamentos de enfermidade do sangue que não necessitam de hemocomponentes

para serem bem sucedidas (Bloodless Medicine), mais seguras e eficientes que a transfusão sanguínea, apesar de não haver substitutos para alguns componentes sanguíneos ainda.

A bioética envolve em seu cerne, questões éticas sobre a vida, e dentre os vários princípios norteadores, merecem destaque, por estarem umbilicalmente envolvidos com o ob- jeto desse trabalho, os princípios da autonomia ou autodeterminação e da beneficência, prin- cipalmente quando o hard case requer uma tomada de decisão arbitrária do profissional médico ou que este observe as vontades do paciente.

A autonomia estaria intimamente ligada à idéia de autodeterminação, ou seja, o pa- ciente possui o direito de escolher para si aquilo que melhor lhe convir, em conformidade com suas crenças e convicções éticas ou religiosas. Como consequência desse princípio, surge o instituto do Consentimento Informado, para o qual é livre ao paciente escolher a terapêutica a qual será submetido, sendo dever do médico manter-lhe informado sobre todos os aspectos dela, ou seja, seus riscos, benefícios, possíveis complicações, custos, etc.

Falou-se também que é defeso ao médico, contra o consentimento do enfermo, ad- ministrar tratamento previamente negado por ele ou seus responsáveis, devendo a vontade destes ser respeitada e salvaguardada de qualquer arbitrariedade. Contudo, baseado no jura- mento hipocrático do médico e no princípio da beneficência, quando houver iminente risco de morte do paciente, é dever ético, moral e legal do profissional garantir o bem maior, qual seja a vida, especialmente quando envolve menores ou pessoas que não se encontram em condições de exteriorizar seus anseios.

Essas situações ficam mais evidentes se levarmos em consideração que, no Brasil, atualmente, temos em torno de 426.454 médicos atuantes (CFM; CREMESP, 2012, p. 16) para um total de aproximadamente 900.000 postos de serviços públicos e privados em todo o Brasil (CFM; CREMESP, 2012, p. 17) conforme aponta projeções feitas em 2012 pelo Con- selho Federal de Medicina conjuntamente ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Contudo, segundo informações fornecidas pela Associação das Testemunhas de Jeová em petição ao CFM, os profissionais e hospitais com programas de terapêuticas sem transfusão de sangue no Brasil são de aproximadamente 4.500 médicos e 5 hospitais, mais precários que os número encontrados nos Estado Unidos da América, em que tais programas encontram-se implantados em mais de 100 hospitais (CFM, 2014, p.2), e infinitamente menor que os números de profissionais atuantes em terrae brasilis, conforme exposto acima.

No que tange aos menores, há nos ordenamentos jurídicos estrangeiros e em docu- mentos internacionais, como tratados e convenções, uma relativização da incapacidade do menor de idade quanto ao assunto da autonomia para escolher para si a terapêutica que lhe parecer mais adequada, baseada na idéia de consentimento informado. No Brasil, essa “Teoria

do menor amadurecido”, em que o nível de cognição e desenvolvimento psicossocial da cri- ança/adolescente é levada em consideração para se avaliar o grau de autonomia a ser-lhe atribuída, ainda não encontra respaldo legal, não obstante o esforço doutrinário em se constru- ir um entendimento naquele sentido.

Esse embate travado entre o arbítrio e dever do médico de prescrever o tratamento que julgar ser o mais adequado para o diagnóstico efetuado, e o direito do paciente de negar seu consentimento para a terapêutica que é antagônica à suas convicções, acabam por criar problemas jurídicos e administrativos. Resumindo o que fora dito no capítulo atinente à re- sponsabilidade médica, o entendimento tanto dos Conselhos Profissionais (de medicina, de enfermagem) quanto do Códex Civil, Penal e de Defesa do Consumidor, é no sentido de não responsabilizar o médico quando este ministrar tratamento que julgar indispensável para a manutenção da vida do enfermo. E quando resultar em sequelas indesejadas, o Diploma con- sumeirista prevê que, sem embargo da regra (responsabilidade objetiva do prestador de serviço), os profissionais liberais somente podem ser responsabilizados após arguição de cul- pa do mesmo.

Grande parte dos casos envolvendo o embate de direitos fundamentais em tela, acabam sendo enfrentados no Judiciário, cenário em que o magistrado deverá dar a solução mais justa possível. Mister ressaltar que, ao contrário do que ocorre com as regras (onde a aplicação de uma no caso concreto exclui as demais), quando se fala em direitos fundamentais está se falando também em princípios, por isso, quando se está diante de aparente colisão en- tre esses, deve-se aplicar uma técnica de sopesamento ou ponderação de valores, para a qual deve-se primar pela manutenção de todos os princípios, optando-se pela solução em que haja uma perda mínima para aquele princípio que não será aplicado em sua integralidade.

Imperioso ressaltar que, curiosamente, apesar da grande demanda de casos símiles se propagarem pelo Judiciário dia à dia, e da indiscutível relevância do tema, tendo em vista sua relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassando os interess- es subjetivos da causa para a coletividade — daí reconhecida, a priori, a existência de reper- cussão geral (artigo 1035, §1º, do CPC) —, nossa Suprema Corte não se posicionou sobre o assunto, permanecendo inerte frente à conflitos que, diga-se de passagem, não são nem um pouco recentes para alegar desconhecimento.

Por fim, diante de todo o exposto, podemos concluir que a jurisprudência e códigos deontológicos dos profissionais da saúde ainda prezam pela vida em detrimento dos demais direitos, contudo, demonstram que esse entendimento não é absoluto e sinais de mudanças podem ser vistos conforme os avanços da biomedicina se tornam mais claros.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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AZEVEDO, Álvaro Villaça. Autonomia do paciente e direito de escolha de tratamento médi-

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