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1. DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.1. Método científico hipotético-dedutivo e os dilemas ético-morais dos hard

De certa relevância, nesse momento, expor as fases e princípios constituintes do pro- cesso cognitivo que guia os médicos em suas tomadas de decisões diagnósticas e terapêuticas. Como citado, não se trata aqui de uma ciência exata, exemplo disso seria as constantes e gradativas evoluções que permeiam o ramo. O que garante ao profissional atuante um certo nível de discricionariedade, comedida por métodos e elementos que devem ser observados.

Os profissionais na área da medicina iniciam seus diagnósticos pela anamnese (basi- camente a entrevista ou consulta, primeiro contato entre médico e paciente), através dela o profissional irá obter os primeiros dados a serem utilizados nas fases posteriores, qual seja a criação de hipóteses, que será submetida à testes, pelo método dedutivo ou de tentativa e erro, com capacidade para refutá-las. Se lograr êxito em fazê-la, será de imediato descartada, do contrário será ela corroborada, desde que se observe forte verossimilhança e possibilite o iní- cio de um tratamento. A essa técnica cognitiva dá-se o nome de Método Científico Hipotético- Dedutivo (POPPER, 1974 apud RÉA-NETO, 1998, p. 301).19

Ainda segundo o Dr. Álvaro Réa-Neto (1998, p. 302), o processo de solução de prob- lemas clínicos se inicia, como fora dito, quando o paciente se apresenta ao médico. E os grandes objetivos deste processo, através do método supracitado, seriam dois: “a designação de um diagnóstico num nível de especificidade adequado para as considerações terapêuticas e

POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. São Paulo, Cultrix, 1974.

a seleção de um tratamento que afete o problema de forma a resolvê-lo ou aliviá-lo”. Em out- ras palavras, o profissional deve, lançando mão de toda sua gama de conhecimento da matéria e experiência no ramo, com informações a serem obtidas através de testes clínicos, descobrir qual o problema que acomete a saúde do paciente, sua origem, e o melhor tratamento possível para erradicá-lo ou amenizá-lo.

Após perpassar toda a fase “investigativa” e de acareação entre os sintomas e as hipóteses levantadas, testadas e corroboradas, o médico deve então tomar uma decisão diag- nóstica antes do início do tratamento. Apesar de, por vezes, nem todos os dados necessários se encontrarem à disposição, pelo caráter urgente da ocasião, o médico deve dar seu veredito baseado em sua experiência pregressa e dados à mãos, optando pela hipótese mais provável, prezando sempre beneficiar o paciente. Nas palavras de Réa-Neto, in verbis:

Uma vez feita a decisão diagnóstica, o médico deve executar a tarefa de se- lecionar o tratamento apropriado. […] Apesar dos esforços da medicina moderna em procurar estabelecer o melhor tratamento para cada doença em particular, a escolha terapêutica é influenciada pelas condições clínicas do paciente, pela presença de doenças intercorrentes, complicações, riscos terapêuticos, disponibilidade de recursos, custos e ex- periência do médico. Então, essa decisão repousa, principalmente, no con- hecimento do médico e de sua avaliação da possível utilidade que cada tratamento alternativo teria para cada um dos problemas do paciente. (RÉA- NETO, 1998, p. 306; 308-309) (grifo nosso)

E continua:

[…] o benefício potencial de uma escolha terapêutica, o médico também precisa levar em consideração seus custos e riscos. Estes envolvem o custo financeiro do tratamento, efeitos colaterais e as inconveniências e desconfor- tos associados a cada tratamento. Teoricamente, a alternativa com o menor custo e risco e o com maior benefício deve ser escolhida. Muitas vezes, isso não é tão simples e o médico tem de avaliar se benefícios adicionais com- pensam maiores custos e riscos. […] Quando, avaliando uma decisão en- tre dois tratamentos, o clínico procura estabelecer as vantagens de um sobre o outro. Algumas vezes, o benefício é grande e a decisão é fácil. Out- ras vezes, uma diferença de sobrevida de alguns poucos dias ou um controle melhor de uma manifestação clínica secundária (embora com significância estatística nos estudos) não são sufi- cientes para justificar a escolha de um dos trata- mentos (sem significância clínica). Se os riscos e custos também são semelhantes, a decisão é considerada empatada. Nesses casos, a ex- periência prévia do clínico ou a preferência do paciente são essenciais para a escolha. (RÉA-NETO, 1998, p. 309-310) (grifo nosso)

Podemos inferir com isso que, apesar de haver, durante os momentos de análise di- agnóstica e de tratamento, elementos que vinculam a decisão a ser tomada pelo clínico, o nív-

el de subjetivismo, principalmente no segundo — escolha do tratamento —, ainda é bastante elevado se levarmos em consideração, especialmente, as experiências pregressas dos profis- sionais.

Ainda neste sentido, explica Elma Zoboli (2013, p 390-392), ao discursar sobre a ca- suística (um dos métodos de tomada de decisões na bioética) que:

Na casuística, a habilidade para reconhecer detalhes e características rele- vantes do caso é o que mais importa para a resolução dos problemas éticos. Pesa mais a capacidade de reconhecer as circunstâncias da ação e condições do agente do que o domínio prévio dos princípios, conceituações e axiomas. Esses são referidos à medida que surgem na discussão dos casos, pois, na casuística, apreciam-se as regras e princípios morais no contexto especí- fico e circunstâncias reais dos casos – e não em discussões abstratas. O entendimento ético depende do reconhecimento dos paradigmas de bem e mal, certo e erra- do, como nos casos picos de justiça ou injustiça, crueldade ou gentileza, dizer a verdade ou mentir, cujos méritos e atitudes aceitas estão bem definidos. O conhecimento ético, mais que aceitar proposições univer- sais, é a habilidade de operar o discernimento ético com um olhar para con- siderações sutis e menos evidentes que podem ser cruciais na concretização das regras e princípios nas situações.

Assim sendo:

O primeiro passo na avaliação ética do caso é a distinção clara dos possíveis benefícios da intervenção, a partir da exposição dos fatos clínicos. A análise do caso inicia-se pela pergunta quais as indicações médicas para o caso? e nunca por questionamentos acerca dos direitos do paciente recusar o tratamento.

[…] As indicações médicas são apresentadas ao paciente, que decidirá sobre elas segundo sua preferência. A escolha livre e esclarecida do paciente tem importância ética, legal, clínica e psicológica, pois suas preferências in- tegram o núcleo da relação clínica. O paciente opta a partir das indicações e preferências. O conhecimento das preferências do paciente é essencial na ação médica, pois a cooperação e satisfação com a intervenção indicada de- pendem, em grande medida, do quanto esta vai ao encontro das necessi- dades, opções e valores do doente.

E conclui:

[…]Não há regra geral sobre a prioridade dos aspectos conjunturais , 20

mas considera-se que não podem ser priorizados em detrimento das in- dicações médicas, preferências do paciente ou qualidade de vida, nesta ordem. Para que os aspectos conjunturais tenham peso decisivo na tomada de decisão é preciso que o alcance dos objetivos da intervenção médica seja duvidoso; as preferências do paciente sejam desconhecidas; a qualidade de Nessa etapa precisam ser ponderados, dentre outros, os objetivos dos profissionais; padrões da boa prática;

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costumes da comunidade; regras legais; políticas de saúde; estruturação e condições dos planos e seguros privados de saúde; diretrizes para pesquisa biomédica; formação dos profissionais de saúde; considerações econômicas; credos religiosos; nível educacional da população. (ZOBOLI, 2013, p391-392) (grifo nosso)

vida do paciente seja mínima; o aspecto contextual em questão seja específi- co, nitidamente lesivo para terceiros e a decisão traga alívio para essa lesão. (grifo nosso)

Em suma, o que se quer dizer com isso é que, apesar das preferências de tratamento por parte do paciente ter relevante importância na escolha da terapêutica a ser adotada no caso específico pelo clínico, quando for esta baseada em credos religiosos, não podem ser prioriza- das em detrimento das indicações médicas que, apesar de estarem imbuídas de valores axioló- gicos do profissional, almejam sempre priorizar a vida e o bem-estar do paciente. Todavia, não convém neste momento abordarmos de maneira aprofundada o tema do enfrentamento entre autonomia da vontade do paciente versus autonomia profissional do médico, pois este será tratado em item próprio.

Problemas éticos na bioética são constantes nas tomadas de decisões pelos profissio- nais, o que pode causar uma “paralisia de sentidos” do profissional, impedindo-o de dar pros- seguimento ao seu trabalho, necessitando de auxílio para tanto. É o caso, por exemplo, da re- cusa pela transfusão sanguínea pelo paciente que se encontra em iminente risco de vida, e os médicos não sabem se agem de maneira forçosa em desconformidade com a autonomia da vontade do paciente, ou acata a vontade deste e sofre moralmente por não conseguir salvar a vida ou preservar a saúde do doente. Para estes casos em que ambos valores extremados solu- cionam o caso, mas acabam por aniquilar um ao outro a depender do escolhido, recorre-se a zona de penumbra, ou seja, leque de ações prudentes que “concretizam ao máximo os valores em conflito ou os lesam o menos possível” (ZOBOLI, 2013, p. 393).

Na análise dos casos clínicos extremos, como o supracitado, é comumente adotado por conselhos e comissões de bioética um procedimento deliberativo (ZOBOLI, 2013, p. 394- 396) proposto por Diego Garcia, que deve seguir determinadas etapas para se chegar a uma conclusão ótima: a) deliberação sobre os fatos — o profissional que identificou o caso como problema ético e ficou sem saber o que fazer apresenta-o à comissão de bioética, narrando-o destacando os aspectos controversos moralmente, como questões religiosas, por exemplo; b) deliberação de valores — os membros da comissão elencam os problemas morais percebidos com a narrativa do caso clínico, deve-se evitar questionamentos ambíguos e redundantes como ”O médico deve respeitar a decisão do paciente que recusa a transfusão?” ou “É legal respeitar/recusar a decisão do paciente na recusa da transfusão?”, afinal eis o questionamento central eleito pelo profissional que o levou a procurar a comissão e permitirá a identificação dos valores em conflito; c) deliberação sobre os deveres — a identificação dos cursos de ação seriam as prováveis soluções para o caso e questão, e os valores em discussão se encontram nos “polos extremos”. As saídas morais que ficam entre os polos seriam os “cursos de ação

itermediários”, e ao chegar ao centro desta zona se encontra o “justo meio”, o qual permite agir assegurando, na medida do possível, o máximo de ambos os valores em discussão; d) de- liberação sobre responsabilidades — a escolha do “justo meio” ou “curso ótimo” pelo profis- sional será então submetido à comprovação de consistência por meio de provas temporais (exercício mental para se pensar se esta decisão está sendo precipitada ou não), legais (como é mister ressaltar a moral e direito não se confundem mais, portanto, por vezes uma decisão ba- seada na moral pode afrontar os aspecto legal), públicas (goza a decisão de de argumentação pública, responsável e justa?). A decisão mais prudente deve passar por todas as provas a ela submetidas; e) decisão final — no final de tudo a comissão oferece ao profissional os cami- nhos prudentes capazes de solucionar o caso e o clínico deve optar por seguir a deliberação ou não.

Independentemente das questões éticas envolvendo a escolha da melhor terapêutica para um paciente que, a priori, necessitaria de uma hemotransfusão, há critérios laboratoriais que devem ser levados em conta conjuntamente com critérios clínicos, pois cada paciente pode apresentar individualidades em seu quadro. Em trabalho de dissertação de Pedro Bone- quini Júnior (2017, p. 11-13) para obtenção de seu título de Mestrado, são expostos indica- ções para as transfusões durante ou no pós-operatório de cirurgias. Aludido autor destaca com precisão que, apesar de não existirem critérios universalmente aceitos que definam o momen- to em que um paciente deva sofrer uma intervenção dessa natureza, as indicações clássicas para se identificar a real necessidade de um tratamento envolvendo sangue e hemoderivados, seriam aqueles “baseados basicamente em dados laboratoriais como diminuição de hematócri- to abaixo de 30% e hemoglobina inferior a 10g/dL”. Contudo como já fora dito, somente as indicações laboratoriais não seriam suficientes para determinar os gatilhos transfusionais , 21 seria necessária uma análise casuística de “parâmetros clínicos como hipotensão, taquicardia e hipercardia associados a sinais de metabolismo anaeróbio”. Ressalta ainda que em determina- dos casos o tratamento com hemocomponentes alogênicos se mostra imprescindível para a manutenção da vida e saúde do paciente:

Empiricamente é aceitável que, em pacientes com perda aguda de massa sanguínea maior que 50% do volume de sangue circulante, a decisão da imediata transfusão de células vermelhas tenha de ser tomada. Entretanto, é importante definir quais são os pacientes que necessitam realmente restabe- lecer componentes sanguíneos e fluidos o mais especificadamente possível, para garantir que o uso de hemocomponentes seja feito de forma racional.

Segundo Bonequini Júnior, seriam os “vários fatores que precipitam uma transfusão sanguínea” (2017, p.

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Não obstante o dilema ético-moral desses hard cases, a serem enfrentados pelos pro- fissionais de saúde, convém nos itens que se seguem trazer a tonas os benefícios e riscos tra- zidos pela transfusão sanguínea aos pacientes que a ela se submetem.

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