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Frame Analysis; Molduras; Spin; Independência dos Media; Computador Magalhães.

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MEDIA VS SPIN GOVERNAMENTAL

RUI ALEXANDRE NOVAIS

UNIVERSIDADE DO PORTO CECS-UNIVERSIDADE DO MINHO

UNIVERSITY OF LIVERPOOL

JOANA CALDEIRA MARTINHO

UNIVERSIDADE DO PORTO Resumo

Este artigo visa identificar e caracterizar os enquadramentos prevalecentes na cobertura noticiosa do lançamento do “Magalhães”, supostamente o primeiro portátil de produ-ção portuguesa, que reacendeu a discussão sobre a influência e o papel dos media na cobertura das políticas e decisões governamentais do primeiro-ministro português, José Sócrates.

Com base numa análise das molduras dominantes do tratamento jornalístico por parte de três diários portugueses ao longo de quatro meses, o estudo conclui que, apesar de concederem espaço a visões críticas nas suas secções de opinião, os media não promove-ram enquadpromove-ramentos por sua iniciativa nem concedepromove-ram o mesmo espaço e semelhante destaque a molduras positivas e negativas relativas ao lançamento do Magalhães e even-tos associados. Não obstante alguma contestação, em parte resultante das lacunas e das inflações do spin governativo, os órgãos de comunicação ‘aceitaram’ e foram influencia-dos pelo enquadramento vantajoso do Magalhães perpetuado pelo Governo, confirmando a resiliência das molduras originais por parte das fontes de informação oficiais.

Palavras-chave

Frame Analysis; Molduras; Spin; Independência dos Media; Computador Magalhães. Introdução

Próximo do fim do seu primeiro mandato como primeiro-ministro, e em contraste com os primeiros tempos da sua governação, cresceram as críticas dirigidas a José Sócrates. Até certo ponto, esta inversão no apoio ao líder do XVII governo constitucional deve ser impu-tada a alguma erosão da capacidade de gestão de informação junto dos media, algo que sói suceder após o período de lua-de-mel do começo da legislatura. Na verdade, apesar de toda a atenção e cuidado, sem precedentes em Portugal, por parte do primeiro-ministro e dos seus assessores de imprensa e comunicação à imagem do executivo (e do seu líder em particular), a estratégia comunicacional revelar-se-ia não isenta de falhas.

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suce-deram-se expedientes reactivos, como os da negação e da vitimização. Nesse sentido, as-sistiu-se ao primeiro-ministro ou membros do governo e do Partido Socialista a acusarem os media de parcialidade na cobertura das acções do Executivo, com o intuito de gerar e propagar uma imagem negativa da tutela. Pior do que isso, os media foram conotados, no extremo, como veículos (e autores) de uma ‘campanha negra’ orquestrada contra a figura do próprio primeiro-ministro, à semelhança do episódio da licenciatura de José Sócrates (Público, 22.03.2007) e do caso Freeport (Público, 10.01.2009).

Nesse contexto em que a imparcialidade dos media face a figuras proeminentes no Es-tado e às suas políticas é posta em causa, faz sentido analisar o desempenho dos media na cobertura de uma das mais propaladas e controversas iniciativas governamentais re-lacionada com a política pública da educação e inovação tecnológica: o lançamento do

Magalhães - supostamente o primeiro portátil de produção portuguesa, criado para ser

disponibilizado a preço acessível, ou até nulo, às crianças dos 6 aos 11 anos no âmbito do programa e-escolinhas e que visava integrar as novas tecnologias no ensino básico. Constituindo um exemplo paradigmático de um maxi-evento promovido pelo governo que mereceu cobertura mediática sustentada, o folhetim Magalhães ficaria marcado por epi-sódios e desenvolvimentos polémicos que suscitaram a contestação de diversas frentes, incluindo a oposição parlamentar, os media e a opinião pública.

A natureza contraditória do evento justifica a adopção do folhetim Magalhães como estudo de caso. Para além de permitir determinar os enquadramentos - originários do go-verno ou gerados por iniciativa dos media - que prevalecem na cobertura noticiosa, e aferir como o discurso da elite política influencia as molduras dos media, cumpre igualmente o intuito de validar a legitimidade dos argumentos do primeiro-ministro José Sócrates acerca do desempenho dos media portugueses.

Enquadramento teórico do framing e das questões e hipóteses de investigação

O relacionamento dinâmico existente entre os media e os decisores políticos é frequen-temente caracterizado como sendo simbiótico ou de interdependência e exploração mú-tua (O’Heffernam, 1991: 88): enquanto as autoridades governamentais usam e tentam influenciar as reportagens noticiosas, os media beneficiam da cooperação do governo no tratamento jornalístico numa base regular.

Tal ‘dança estratégica’, no entanto, ao invés de ser sempre reciprocamente conveniente e pacífica, pode ser geradora de conflito e oposição organizada entre os intervenientes, dependendo de factores como a natureza das iniciativas governamentais ou o clima de opinião pública e da oposição parlamentar, entre outros. Nesse sentido, e assumindo que por norma pressões rivais e perspectivas contraditórias co-existem no processo de pro-dução noticiosa (Novais, 2007), não é incomum assistir-se a acesos combates na arena política entre os media e os governos a fim de estabelecer como determinado assunto, ini-ciativa ou medida governamental vai ser estruturado, definido e veiculado junto da opinião pública (Gamson & Modigliani, 1987, Walker, 1991 citado por Callaghan e Schnell, 2001). De um lado, os agentes políticos recorrem a molduras interpretativas e esforçam-se para

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garantir que os assuntos pretendidos e a orientação preferida logrem harmonizar-se com os critérios noticiosos – vulgo spin preventivo - a fim de atingir a agenda mediática e por essa via a opinião pública (Kurtz, 1998). Do outro, ainda que espartilhados por condicio-nalismos e rotinas que favorecem o acesso e a prevalência das versões oficiais, os media salvaguardam-se o ‘direito’ de exercerem o papel de vigilância e escrutínio do governo, com o intuito de evitar e expor abusos de poder.

Em ambos os casos, está envolvido um processo onde se desenvolve uma certa con-ceptualização sobre um assunto ou onde se reorienta o posicionamento sobre esse tema (Gamson, 1992; Iyengar, 1991), descrito na literatura como moldura, enquadramento ou

frame (Vreese, 2005).

Molduras ou frames podem ser concebidos, lato senso, como ‘pacotes interpretativos’ (Gamson e Modigliani, 1989:5), ‘poderosas ferramentas na construção de significado’ (Schuck e Vreese, 2006) ou “padrões persistentes de cognição, interpretação e apresen-tação, de selecção, ênfase e exclusão, com os quais os manipuladores de símbolos orga-nizam o discurso” (Gitlin, 1980: 7). Não obstante o carácter abrangente dessas definições genéricas, surgem na literatura concepções diferenciadas e especificamente vocaciona-das tanto para os media como para os decisores políticos.

Mais concretamente, enquanto no domínio político, os decisores fomentam que as suas políticas sejam entendidas de acordo com a versão pretendida (Shah et al., 2002:343), no caso dos media os frames estão associados a um conjunto de rotinas jornalísticas cuja finalidade consiste em embrulhar ou empacotar a realidade, isto é, converter uma série de eventos desprovidos de significado e irreconhecíveis em acontecimentos discer-níveis (Gamson e Modigliani, 1987: 143; Tuchman, 1978). Assim, em termos mediáticos, enquadrar ou emoldurar significa seleccionar e destacar facetas de eventos ou assuntos, e fazer ligações entre elas de forma a promover uma certa interpretação, avaliação, e/ou solução” (Entman, 2004:5). Desse modo, os media organizam o mundo para aqueles que o reportam e para os leitores que confiam nas notícias oferecendo às audiências esquemas de interpretação dos eventos (Gitlin, 1980:7).

No processo de disponibilização de informação aos consumidores há, no entanto, con-dicionantes que podem influenciar tanto as qualidades estruturais das notícias como a intensidade do impacto dos media na negociação dos enquadramentos: normas e valores sociais, pressões e constrangimentos organizacionais, pressão de grupos de interesse, rotinas jornalísticas ou orientações políticas dos jornalistas (Shoemaker & Reese, 1996; Jeffres, 1997; e Scheufele, 1999).

Entre estes factores que condicionam a relação entre o poder e as notícias, iremos con-centrar o foco analítico nas rotinas jornalísticas. Isto porque os ideais da objectividade e da imparcialidade aproximam frequentemente os media das chamadas instituições “legi-timadas” (Tuchman, 1978). Nesse sentido, e em vista da usual dependência de análises, citações e informação vindas das elites, cujas perspectivas são conduzidas ao público através dos media, as molduras veiculadas nos meios de comunicação podem também originar-se de fora da organização jornalística (Nelson et al., 1997). Enquanto transmisso-res de mensagens originárias de terceiros, os media desempenham, pois, um papel duplo:

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veículos disseminadores das molduras de outros actores, e construtores e promotores de molduras interpretativas (Cohen, 1963; Cook, 1998; Patterson, 1998).

Em face do exposto, sobressai a ideia que os jornalistas são, pelo menos em parte, res-ponsáveis pelas molduras, passível de ser encontrada nas notícias e, consequentemente, também responsáveis por difundir e moldar a orientação do conteúdo informativo que chega ao público (Tuchman, 1978).

Fundamental para o entendimento do processo dinâmico de negociação e influência que tanto os políticos como os media podem exercer no enquadramento de políticas públicas é o estudo recente de Callaghan e Schnell (2001). Os autores constataram que dessa competição entre os políticos e os media resultam, por norma, os seguintes cenários: 1) conteúdo mediático dominado pela versão oficial das autoridades em resultado do esforço de spin governamental; 2) amálgama de versões do governo e filtro mediático; 3) versão unicamente gerada pelos media imune aos inputs originais do governo. A materialização desses cenários revela quem domina, em última instância, o debate público. Uma mensa-gem dominada pela versão oficial das autoridades governamentais indicia o sucesso do poder executivo em manter o controlo na definição do assunto e, em potencial, a influência junto da opinião pública. Pelo contrário, um cenário de mistura de mensagens ou de pre-valência da versão mediática constitui evidência inequívoca (e de certa forma inédita) dos

media enquanto moldadores activos da mensagem política (Ibidem.). De facto, os media

podem assumir-se como actores políticos activos no estabelecimento dos enquadramen-tos, tanto na forma como interpretam os temas e a informação política, como pela maneira como estruturam o debate público em virtude de poderem privilegiar uma das versões ou certos assuntos em detrimento de outros (Gamson, 1992; Iyengar, 1991).

Baseado na proposta de Callaghan e Schnell, este estudo pretende determinar qual o en-quadramento que prevaleceu na cobertura noticiosa do lançamento do Magalhães. Foram, formuladas as seguintes hipóteses co-relacionadas mas mutuamente exclusivas:

Hipótese 1 – Existem molduras governamentais que se instalam e sobrepõem no

âmbi-to de uma cobertura caracterizada pelo fluxo constante de notícias positivas nos media portugueses.

Hipótese 2 – Verifica-se uma mistura de mensagens ou predominância de molduras

me-diáticas no âmbito de uma cobertura caracterizada por um fluxo constante de notícias negativas e contestatárias nos media portugueses.

A expectativa inicial apontava para a prevalência dos esforços de spin por parte do governo e da equipa de José Sócrates no sentido de gerar molduras favoráveis ao

Ma-galhães e de manter um fluxo de notícias de carácter positivo nos media. Tal expectativa

assentava em resultados de estudos anteriores que confirmam a resiliência dos enquadra-mentos originais (Hall et al., 1978) e no pressuposto de que, por norma, os media só geram os seus próprios enquadramentos apenas nos casos excepcionais em que as molduras dos decisores políticos não só não se enquadram com as normas jornalísticas e estão desajus-tadas da realidade, mas também se revelam falsas.

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Considerações metodológicas e corpus analítico

Tal como não existe uma definição consensual de frame e framing, tampouco se encontra na literatura um método de análise único (Vreese, 2005). De facto, a maioria dos inves-tigadores adopta um modelo de análise de framing já existente, enquanto uma minoria opta por criar o seu próprio método, que tende a centrar o foco analítico nas molduras específicas do tema em estudo (e não tanto nas molduras genéricas). O presente trabalho, ao invés de incidir sobre o ângulo das molduras e das consequências do framing na per-cepção da informação por parte dos públicos1, centra-se no processo das molduras.

Assim sendo, a escolha recaiu sobre o modelo proposto por Entman (2004), cuja meto-dologia assenta no postulado de que desempenham basicamente quatro funções: definir problemas; diagnosticar causas; sugerir soluções; e formular juízos morais. Fizémos adap-tações da formulação original de Entman às idiossincrasias do presente estudo. A função de definição de problemas (ou problemáticas) consiste no enquadramento geral de um acontecimento, agente ou item, isto é, a forma como é apresentado e as suas caracte-rísticas; a função de diagnóstico de causas versa, tal como o nome indica, em apontar o que está por trás do acontecimento ou item, as suas razões. O terceiro tipo de molduras abrange as respostas e reacções (ou remédios) que surgem na consequência da definição de problemas. Finalmente, as molduras de juízo moral compreendem as caracterizações opinativas do acontecimento, agente ou item indicado pela primeira moldura, sendo que o elemento “moral” implica uma certa carga emocional.

O estudo dos enquadramentos baseia-se na análise de três jornais generalistas por-tugueses: um diário de referência - o Público - e dois diários de cariz mais popular - o

Jornal de Notícias (JN) e o Correio da Manhã (CM). O período compreendido vai de 30 de

Julho de 2008, quando foi apresentado ao país o projecto do Magalhães, e termina a 4 de Novembro desse ano, com o final da Cimeira Ibero-Americana, o último desenvolvimento relevante no folhetim.

Os textos foram seleccionados através da Gesco, base de dados nacional de jornais, mediante a procura pela palavra-chave - “magalhães”. Foram excluídas as peças que, apesar de mencionarem o computador para crianças, não estavam relacionadas com o assunto (exemplo: notícias sobre queixas feitas à Entidade Reguladora da Comunicação por causa de um sketch do programa “Gato Fedorento”, que focava o Magalhães). Destes procedimentos de selecção resultou um universo de 116 textos (artigos de opinião, notí-cias e chamadas de capa) que constitui o corpus de análise.

Resultados: As tendências da cobertura e dos enquadramentos

Como se vê pelo Gráfico 1, enquanto o JN e o Público dedicaram quase 50 textos (notícia, artigo de opinião ou comentário) à temática do Magalhães, o CM dedicou-lhe apenas 20

1 Estudos atestam que as molduras interferem na reacção e na leitura da audiência às notícias. Por exemplo, Nelson et al. (1997) testaram a tolerância da audiência face a a uma manifestação do Ku Klux Klan e concluíram que a audiência exposta à notícia que utilizava o frame da liberdade de expressão se mostrou mais tolerante do que a exposta à moldura da manifestação como perturbação de ordem pública.

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textos. A menor cobertura quantitativa do evento, verifica-se também a nível da diversida-de temática, uma vez que nada publica sobre as críticas iniciais da Fenprof, o alargamento do programa aos alunos do 2º ciclo, o envolvimento da JP Sá Couto no processo de fraude, a subida de preço do Magalhães e, finalmente, a promoção do portátil na Cimeira Ibero--Americana e as respectivas críticas.

GRÁFICO 1 – PRESENÇA DAS NOTÍCIAS SOBRE O MAGALHÃES NA COBERTURA NOTICIOSA

Fonte: Público, Jornal de Notícias e Correio da Manhã; Novais e Martinho, 2011

Apesar de amplamente noticiado, o Magalhães esteve pouco presente na primeira pá-gina: apenas quatro vezes no JN, três no Público e uma no CM. Nessas ocasiões, cinco temas de índole negativa superam os três de natureza positiva.

Numa vertente qualitativa, é notório o esforço de spin por parte do governo, perceptível no fluxo constante de notícias positivas ainda que, muitas vezes, a matéria seja de carác-ter especulativo. Um exemplo desta tendência concerne as notícias que se referem à pro-cura do Magalhães por outros países estrangeiros, que têm como fonte única o governo, e que na maioria dos casos, não merecem cobertura noticiosa continuada.

A análise constata que o lançamento do Magalhães se inseriu numa operação comunica-cional do governo, muito pouco escrutinada pelos media, tendo as mensagens essenciais passado, sem filtro, para as audiências. Chavões (computador português, bem exportável, melhorias no ensino e no acesso às novas tecnologias) e elogios (da tutela, da JP Sá Cou-to, da Intel) foram transmitidos ab initio pelos meios de comunicação. Apesar de algumas cautelas por parte do Público, que desde o começo alerta que o portátil é “quase inteira-mente produzido em Portugal”, é notória a deficiência inquisidora dos media no sentido de questionar a moldura interpretativa proposta pelo governo.

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GRÁFICO 2 – PRESENÇA DOS ENQUADRAMENTOS SOBRE O MAGALHÃES NA COBERTURA NOTICIOSA

Fonte: Público, Jornal de Notícias e Correio da Manhã; Novais e Martinho, 2011

Nos enquadramentos, os “juízos morais” sobre o Magalhães e os actores e eventos associados são a categoria dominante nestas peças (46%). Segue-se os enquadramentos de “definição de problemas” (38%), “soluções” (14%) e, por fim, “causas” (5%).

Entre os juízos morais, favoráveis ou desfavoráveis ao Magalhães (e eventos e inciden-tes associados), os primeiros constituem cerca de 45%, para 55% dos segundos, esinciden-tes provindo na maioria de textos de opinião, onde os autores se permitem a liberdade de cri-ticar (por vezes jocosamente) a situação. Mesmo assim, constitui um indício revelador da disposição independente da parte da imprensa portuguesa ao vocalizar as invectivas con-tra as autoridades governamentais. Mais concretamente, nesta categoria, a moldura que acusa o governo de ser propagandístico e que apelida a iniciativa Magalhães de “show mediático” é a mais frequente (22%), sendo também a mais frequente das críticas (39%). A classificação de aspectos da iniciativa Magalhães e de intervenientes como mentirosos ou falsos e a crítica à “fachada” criada contabilizam 14%, e as dúvidas ou suspeitas sobre os trâmites do projecto do governo pesam apenas 7%.

A exigência de suporte financeiro às autarquias, os louvores dos professores ao

Ma-galhães e o sobrecarregar de tarefas burocráticas sobre os professores também atraem

críticas (em conjunto, 9%). A título de exemplo, os professores classificam as acções de formação como “surreais” (JN, 17.10.2008:10; Público, 16.10.2008:14). Em oposição às críticas às acções de formação, há apenas um juízo favorável, vindo de um elemento da tutela, que classifica as acções de formação como uma “mais-valia”.

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Outra situação que merece críticas, ainda que com valores residuais, é a exagerada promoção do Magalhães na Cimeira Ibero-Americana. Embora a maioria dessas críticas esteja incluída na moldura da propaganda, algumas vozes falam nos possíveis danos di-plomáticos que a actuação de José Sócrates pode ter causado a Portugal, uma versão que coexiste com a classificação do desempenho do primeiro-ministro como uma boa

perfor-mance diplomática, um enquadramento ainda mais residual.

Quanto a benefícios, a moldura positiva mais frequente é a classificação do Magalhães como bom/revolucionário para o ensino (15%), um enquadramento proveniente sobretu-do da tutela que o promove como “instrumento principal da democratização sobretu-do ensino” (Público, 24.09.2008:10). Outros benefícios da iniciativa Magalhães são a potencial cria-ção de empregos na JP Sá Couto (4%), a expansão da própria JP Sá Couto e de outras empresas (3%), e mais raramente o “entusiasmo” que o Magalhães suscita nos líderes e empresários de outros países.

Por último, a incidência de críticas feitas à própria comunicação social, por falta de escrutínio da iniciativa Magalhães (e das restantes acções governamentais), representa 7% e tendem a surgir apenas em textos de opinião, tanto de jornalistas como de persona-lidades externas. A moldura de ‘definição de problema’ abrange as definições dos vários “incidentes” que foram surgindo (envolvimento da JP Sá Couto no processo de fraude fiscal; acusações feitas ao governo de estar a pressionar as autarquias a pagar as facturas de internet), assim como a forma como a iniciativa Magalhães, no geral, é retratada. Ao contrário do que sucedeu na categoria anterior, as molduras favoráveis ao Magalhães são aqui dominantes (63%). O aspecto mais enfatizado nos media da iniciativa Magalhães - e revelador da influência do spin governamental - é o seu potencial de exportação - como maneira de abrir portas para o mercado externo e como estando a ser objecto de contratos com outros países (34% das peças desta categoria).

A questão de o Magalhães ser ou não português congrega, só por si, um terço dos en-quadramentos desta categoria. Saliente-se que José Sócrates criara uma designação “hí-brida” do Magalhães para a Cimeira Ibero-Americana, chamando-lhe “o primeiro grande computador ibero-americano” (Público, 31.10.2008:18; JN, 02.11.2008:8).

O chavão - perpetuado pela tutela e pela JP Sá Couto – de que o Magalhães incluía 30% de “incorporação nacional”, mas que o objectivo era ser 100% português (exceptuando o processador da Intel) surge também algumas vezes (4,8%). O CM será o jornal que mais parece aceitar a falsa identidade portuguesa do Magalhães, caracterizando-o como “inovação portuguesa” e “alta tecnologia lusitana” (31.07.2008:6/7). Ao mesmo tempo, só no CM e no JN é possível encontrar a alusão ao facto do Magalhães ser baseado no Classmate PC da Intel, ou de que não ser 100% português. A designação de “portátil por-tuguês” (e as suas variantes) é abandonada pelos três jornais, em momentos diferentes. O CM é o primeiro a largar a definição, que aparece pela última vez em 18 de Agosto de 2008, (“JP Sá Couto admite que PC é apenas montado em Portugal”), o Público deixa cair a definição dias depois enquanto o JN só abandona tal paradigma em Outubro. Embora não muito relevante quantitativamente (5%), o Governo surge retratado como ‘distribuidor’ de

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Outros assuntos que aparecem definidos nas notícias, embora com valores muito baixos, são a pressão sobre as autarquias pelo Ministério da Educação, para pagarem a Internet sem terem dinheiro para o fazer (8%); o envolvimento da JP Sá Couto no processo de fraude fiscal (6%) e o sobrecarregar dos professores com burocracia pelo governo (5%).

A maior parte dos frames contabilizados na categoria das “soluções” (14%) refere-se a soluções apontadas para os vários “acidentes de percurso” do Magalhães. O que congre-ga mais frames de remédio ou melhoramento é a pressão do Estado sobre as autarquias para pagarem as despesas de internet do Magalhães (35%). Neste caso, a tutela, ao ser acusada pelo PSD de estar a pressionar as autarquias, alega não o estar a fazer, que foram as autarquias a querer colaborar (embora não mencione uma única). Outras “respostas” ao problema passam pelas autarquias se recusarem a pagar e pela possibilidade de a DREN negociar tarifários especiais com operadoras (ambas representando 24%).

O segundo “problema” mais coberto pelas molduras que apresentam uma solução é o facto de o Magalhães não ser português, questão que suscita reacções principalmente da JP Sá Couto, que afirma que o computador “pode e deve” (Público, 21.08.2008:32) ser considerado o primeiro computador português ou que alega que “o importante é que a concepção deste Magalhães é realmente portuguesa” (CM, 18.08.2008:21). Como defesa contra a divulgação do seu envolvimento no processo de fraude fiscal, a JP Sá Couto afir-ma que a notícia já era pública e declara-se inocente.

Igualmente importante nesta categoria é a contabilização de reacções em defesa da iniciativa e que criticam a sua desvalorização (15%). Estas reacções não surgem apenas do lado da tutela – como quando José Sócrates critica “quem se empenha em desvalori-zar o Magalhães, ‘considerando que isso é uma atitude de quem não precisa’” (Público, 24.09.2008:10), mas são também vinculadas em textos de opinião, como o do director-ad-junto do Público, Manuel Carvalho, que, apesar de reconhecer todas as falhas da iniciati-va, diz que “nada justifica uma crítica rotunda ao programa e-escolinhas” (27.09.2008:44). A moldura da ‘identificação de causa ou agente’ é a menos frequente, apenas 5% do total. A causa apresentada para a iniciativa Magalhães é emoldurada de formas semelhantes, sempre positivas, sendo que os dois objectivos mais frequentes se confundem: contribuir para a modernização e acesso às novas tecnologias (53%) e melhorar a política educativa (41%) expressa na frase emblemática de José Sócrates: “O Magalhães não é uma estrela que caiu do céu, mas um dos mais visíveis resultados do movimento de modernização que atravessa a sociedade portuguesa” (Público, 04.10.2008:42). A moldura de causa é igual-mente aplicada quando o Magalhães sobe de preço, devido à mudança de processador.

Discussão dos Resultados

Uma das conclusões que ressalta da análise dos resultados prende-se com o notório esforço de spin por parte do governo, identificável no fluxo constante de notícias positivas. Aliás, partindo do pressuposto de que qualquer governo pretende promover uma luz fa-vorável ou passar uma mensagem positiva das suas iniciativas, não surpreende o esforço da equipa de comunicação governamental na publicitação da versão de que se tratava de uma aposta na educação.

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A estratégia comunicacional governamental teve reflexo imediato no tratamento noticio-so, dado que as molduras de carácter positivo do Magalhães prevalecem na cobertura me-diática, algo que confirma a hipótese 1 (em detrimento da 2) avançada neste trabalho. De facto, houve predominância das molduras governamentais, absorvidas pelos media, com especial incidência nas que concernem a definição da situação enfatizando o potencial revolucionário e democratizante do Magalhães, em contraste com os juízos morais nega-tivos, devidos, em grande parte à contestada origem portuguesa do computador, apesar das tentativas do governo em colocar a ênfase no potencial de exportação do Magalhães.

Não obstante este foco de resistência, a estratégia foi aparentemente bem sucedida não só junto dos media mas também junto das audiências: segundo uma sondagem de finais de Setembro, 69% dos portugueses conhecia os apoios do Estado à educação e 75% sabia da existência do Magalhães (CM, 29.09.2008:4-5). Em face do exposto, parece que grande parte do público foi atingido pelas molduras iniciais, não “amorfamente” positivas mas objectivamente favoráveis ao Magalhães: ampla distribuição junto das crianças, ser o primeiro computador português e abrir portas para a exportação e a expansão do mercado português.

Apesar de parecer evidente que a tutela conseguiu passar uma imagem positiva e até in-contestada (pelo menos na fase inicial) da iniciativa Magalhães, é também importante sa-lientar que existiu um ponto de viragem na cobertura e contradição por parte da imprensa no início de Outubro - quando é “revelado” que a JP Sá Couto e o Estado têm uma relação pouco ortodoxa. A partir dessa altura surgem mais notícias desfavoráveis e é dada maior atenção às críticas, algo que expõe fragilidades na capacidade de resposta do governo, como as reacções não muito convincentes às acusações de tentar forçar as autarquias a pagar a Internet. Também o primeiro-ministro vê retratadas as suas acções promotoras na Cimeira Ibero-Americana como ridículas e provocadoras de gargalhadas, pela imprensa que dá voz à oposição a cair em peso em cima de José Sócrates.

Perante esses desenvolvimentos desfavoráveis que questionam a versão governamen-tal, o governo consegue contrabalançar gerando factos noticiosos positivos relativos às novas medidas aplicadas ao Magalhães e aos novos avanços no campo da exportação como as negociações com 11 países para exportar o Magalhães ou a expansão da JP Sá Couto, destinados a preencher inundar a agenda mediática (JN, 24.10.2008:10; e Público, 26.10.2008:35).

Face a tais esforços por parte do governo e da equipa do primeiro-ministro no sentido de gerar molduras favoráveis ao Magalhães e de manter um fluxo de notícias de carácter positivo na agenda mediática, não é perceptível nos jornais analisados evidência da pro-moção, por iniciativa própria, de uma cobertura deliberadamente negativa do lançamento do Magalhães e demais eventos associados. A contestação e as críticas da posição oficial do governo surgem de iniciativas externas ao jornal e não se equiparam às versões positi-vas do spin governamental. De facto, pode mesmo dizer-se que os órgãos de comunicação ‘aceitaram’ passivamente (numa fase inicial) e foram influenciados pelo enquadramento vantajoso do objecto Magalhães perpetuado pelo Governo. Mais ainda, o primado das molduras externas aos media, resulta, em parte, “de se investigar muito pouco nos meios

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de comunicação tradicionais” conforme escreve Helena Matos, num artigo de opinião, pelo que questões fundamentais como a da verdadeira ‘nacionalidade’ do Magalhães e a dos critérios subjacentes à escolha da JP Sá Couto como parceira na iniciativa são dei-xadas de lado ou exploradas deficitariamente pelos media convencionais e só encontram ecos de ressonância na blogosfera (Público, 12.08.2008:35).

Embora diminuam de frequência com o passar do tempo e com o surgimento de notícias negativas, as molduras de carácter positivo são em todo caso dominantes, pelo que não é possível afirmar que os jornais em questão tenham privilegiado as questões negativas inerentes ao computador portátil (ou equiparado às positivas), o que invalida a hipótese 2. Ao invés de justificar as invectivas do primeiro-ministro relativamente ao tratamento noticioso do computador Magalhães, esta análise da cobertura mediática da iniciativa governamental valida a tendência dos media de aceitação quase passiva das molduras provenientes das versões governamentais. Na verdade, conclui-se que os media desem-penham a sua função de watchdogs de forma pouco enérgica: inicialmente, propagando as versões governamentais quase sem filtro; posteriormente, pouco questionando as fa-lhas encontradas nesta iniciativa tão polémica e contestada.

Em suma, os resultados deste trabalho validam os pressupostos existentes na literatura: o primeiro enquadramento, a primeira imagem, o primeiro juízo, ou a primeira caracteriza-ção de um determinado actor, evento ou assunto, por norma, prevalece durante o período de vida de uma notícia (Hall et al., 1978); os condicionalismos resultantes das rotinas jornalísticas, e a dependência das fontes oficiais em particular, transformam os media em veículos privilegiados, ainda que por vezes sem intenção, da propaganda e do spin go-vernamental. Acima de tudo, permitem validar o argumento, avançado neste trabalho, de que os media geram os seus próprios enquadramentos só em casos excepcionais, quando as molduras dos decisores políticos não se enquadram com as normas jornalísticas ou se revelam totalmente falsas e não apenas desajustadas da realidade.

REFERÊNCIAS

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