• Nenhum resultado encontrado

Acho que nunca antes na história deste país... Modalização deôntica e modalização epistêmica em cartas de leitores do período eleitoral para presidência da república

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Acho que nunca antes na história deste país... Modalização deôntica e modalização epistêmica em cartas de leitores do período eleitoral para presidência da república"

Copied!
100
0
0

Texto

(1)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM MESTRADO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

TATIANA JARDIM GONÇALVES

ACHO QUE NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS...

MODALIZAÇÃO DEÔNTICA E MODALIZAÇÃO EPISTÊMICA EM CARTAS DE LEITORES DO PERÍODO ELEITORAL PARA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

NITERÓI 2012

(2)

TATIANA JARDIM GONÇALVES

ACHO QUE NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS...

MODALIZAÇÃO DEÔNTICA E MODALIZAÇÃO EPISTÊMICA EM CARTAS DE LEITORES DO PERÍODO ELEITORAL PARA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense como requisito para obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Estudos de Linguagem Linha de Pesquisa: Teoria e Análise Linguística Orientadora: Professora Doutora Vanda Maria Cardozo de Menezes

NITERÓI 2012

(3)

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

G635 Gonçalves, Tatiana Jardim.

Acho que nunca antes na história deste país... Modalização deôntica e modalização epistêmica em cartas de leitores do período eleitoral para Presidência da República / Tatiana Jardim Gonçalves. – 2012.

100 f.

Orientador: Vanda Maria Cardozo de Menezes.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2012.

Bibliografia: f. 88-91.

1. Análise do discurso. 2. Modalidade (Epistemologia). 3. Leitor de jornal. 4. Correspondência. I. Menezes, Vanda Maria Cardozo de. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Letras. III. Título.

CDD 801.955

(4)

TATIANA JARDIM GONÇALVES

ACHO QUE NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS...

MODALIZAÇÃO DEÔNTICA E MODALIZAÇÃO EPISTÊMICA EM CARTAS DE LEITORES DO PERÍODO ELEITORAL PARA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense como requisito para obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Estudos de Linguagem Linha de Pesquisa: Teoria e Análise Linguística Orientadora: Professora Doutora Vanda Maria Cardozo de Menezes

Aprovada em: 04 de abril de 2012.

Banca Examinadora

______________________________________________ Professora Doutora Vanda Maria Cardozo de Menezes (Orientadora)

Instituto de Letras da UFF

____________________________________________ Professora Doutora Maria del Carmen Fátima González Daher

Instituto de Letras da UFF

____________________________________________ Professora Doutora Magda Bahia Schlee de Brito Fernandes

Instituto de Letras da UERJ Suplentes:

____________________________________________ Professora Doutora Maria Teresa Tedesco

Instituto de Letras da UERJ

____________________________________________ Professora Doutora Beatriz dos Santos Feres

(5)

Dedico este trabalho à minha família e a todo usuário da língua que, conscientemente ou não, escolhe o recurso que melhor veicule seu ponto de vista, seu posicionamento diante dos fatos.

(6)

Não se chega a lugar algum sozinho. Agradeço a Deus pela oportunidade e pela luz. À minha família, a todos os mestres que passaram pelo meu caminho e me ensinaram que o conhecimento é fundamental para alavancarmos o espírito e o intelecto. Aos amigos que conheci nesta jornada. À professora Vanda pelo apoio e pela confiança. Às professoras Del Carmen Daher e Magda Bahia pelas observações valiosas no exame de qualificação. A todos que direta ou indiretamente torceram, muito obrigada.

(7)

(...) afirmo que nós, seres humanos, existimos como tais na linguagem, e tudo o que fazemos como seres humanos fazemos como diferentes maneiras de funcionar na linguagem.

(8)

Nesta dissertação, analisa-se e interpreta-se a manifestação da modalização deôntica e da modalização epistêmica em cartas de leitores e as diferentes orientações argumentativas que provocam no referido gênero textual. Verificam-se também as interfaces da modalização com a referenciação e com polifonia, pois modalizar também é construir e (re) construir objetos de discurso, e também é tornar possível a inserção, por meio de outras vozes, de outros pontos de vista no enunciado. Para o desenvolvimento do trabalho foi adotada uma concepção de língua enquanto prática, discurso postulada por Benveniste (2005). No que tange ao aspecto argumentativo, adotou-se a Teoria da Argumentação na Língua formulada por Ducrot (1976,1987,1989). Quanto à abordagem de referenciação, foram considerados os postulados de Mondada e Dubois (2003) e de Neves (2006). Para abordar o aspecto semântico-pragmático da modalização, recorreu-se a Pinto (1994) e a Koch (2009). A questão do gênero textual foi tratada sob a perspectiva sociorretórica postulada por Bazerman (2006). O corpus deste trabalho é constituído de 30 (trinta) cartas de leitores, sendo 15 (quinze) do jornal O Globo na versão impressa e 15 (quinze) do Jornal do Brasil na versão digital. As cartas foram coletadas entre 01 de agosto e 3 de outubro de 2010, considerando a temática eleições para a Presidência da República no Brasil. Para a análise, foram observadas as incidências da modalização deôntica e da modalização epistêmica, os itens lexicais veiculadores dos recursos e os efeitos de sentido decorrentes do uso dessa marca linguística. Observamos que a enunciação das cartas é confirmada pela presença da modalização deôntica ou da modalização epistêmica, ou seja, a ocorrência dessas marcas linguísticas decorre de um processo intersubjetivo, cooperativo.

Palavras-chave: enunciação; modalidade; modalização; argumentação; cartas de leitores.

(9)

In this dissertation, we analyze and interpret the expression of deontic modality and epistemic modality in readers' letters and the different argumentative orientations that make this textual genre possible. We verify also interfaces with the study of the referenciation and polyphony, because modalizing is also build and (re) construct objects of discourse, and also make it possible to insert through other voices, other points of view in the statement . To develop the study, we adopted a conception of language as practice, discourse postulated by Benveniste (2005). Regarding the aspect of argument, adopted the theory of argumentation in language formulated by Ducrot (1976,1987,1989). In the approach to the referenciation were considered Mondada and Dubois (2003) and Neves (2006) postulates’. To address the semantic-pragmatic aspects of modality, appealed to Pinto (1994) and Koch (2009). The question of genre has been treated from the sociorhetoric perspective postulated by Bazerman (2006). The corpus consists of thirty (30) letters from readers, fifteen (15) of O Globo newspaper in print and 15 (fifteen) of the Jornal do Brazil in digital version. The letters were collected between August 1 and October 3, 2010, considering the issue elections for the presidency in Brazil. For the analysis, we observed the effects of deontic modality and epistemic modality, lexical items backers of resources and the effects of meaning arising from language use that mark. It was possible to verify that the use of the deontic or epistemic modality depends of the enunciation, it means, the occurrence of these linguistic marks results from the intersubjective cooperative process of language use.

(10)

CLGL Carta de leitor do Jornal O Globo CLJB Carta de leitor do Jornal do Brasil MD Modalização deôntica

(11)

INTRODUÇÃO ...12

1 APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DE TRABALHO: objetivos e hipóteses...15

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ...17

2.1 A Teoria da Enunciação ...17

2.2 A Pragmática linguística ...21

2.3 A Teoria da argumentação na língua ...25

2.4 A Categorização...30

3 A MODALIDADE ...32

3.1 A noção de modo ...32

3.2 As origens dos estudos sobre modalidade...33

3.3 Considerações e perspectivas sobre modalidade ...34

3.3.1 Duas perspectivas funcionalistas ...34

3.3.2 Duas concepções para modalização...36

3.3.3 Duas considerações enunciativas ...36

3.4 Tipos de modalidade ...38

3.4.1 Modalidade alética ...38

3.4.2 Modalidade epistêmica...39

3.4.3 Modalidade deôntica ...39

4 UMA ABORDAGEM SEMÂNTICO-PRAGMÁTICA DA MODALIDADE: A MODALIZAÇÃO ...40 4.1 Interfaces da modalização ...44 4.1.1 Modalização e polifonia...44 4.1.2 Modalização e referenciação...47 4.2 Expressões da modalização...48 5. OS GÊNEROS TEXTUAIS ...51

5.1 Os gêneros do domínio jornalístico ...52

5.2 O gênero textual carta de leitor ...53

6 METODOLOGIA ...55

7 ANÁLISE DOS DADOS...57

8 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ANÁLISE ...84

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...88

(12)

INTRODUÇÃO

O homem não se vale da língua somente como instrumento de pensamento ou de comunicação, o uso a converte em discurso como advoga Benveniste (2005). Esse discurso, fundamentado na e pela linguagem, possibilita a identificação do locutor no enunciado. É possível entrever avaliações e posicionamentos do locutor através das marcas linguísticas deixadas no enunciado. Isso também é possível porque o exercício da língua pressupõe o outro, alguém a quem o discurso se destina. Nesse processo, a linguagem passa a ser concebida como espaço de interação, espaço em que os participantes do ato comunicativo são ativos e produzem seus textos em consonância com as suas intenções, lançando mão de estratégias linguísticas que melhor as veiculem. Essas estratégias instituem sentidos, conferem direcionamentos, vieses argumentativos distintos em um texto. Já se pode, assim, falar em argumentação, argumentação baseada na atividade linguística que está presente em todo texto.

Nessa perspectiva, os textos que circulam na sociedade são produtos dessa atividade linguística, pois são produzidos por locutores que se valem da língua para se expressarem em seus textos. Com os textos do domínio jornalístico não poderia ser diferente, principalmente com os textos denominados, nessa área, como argumentativos ou textos de opinião. É o caso da Carta de leitor, que, em termos gerais, cumpre a função de veicular o ponto de vista de um cidadão acerca de um assunto socialmente relevante. Em um texto dessa natureza, facilmente verificamos a presença do locutor pelas marcas de primeira pessoa, e, principalmente, por outras marcas que denunciam seu posicionamento.

Tais marcas ou estratégias linguísticas, que orientam o sentido do texto, são muitas, entre elas está a modalização, que indica o grau de comprometimento do locutor em relação ao seu enunciado ou em relação ao conteúdo desse enunciado. A modalização pode ser deôntica, ligada aos valores morais, ao indicar noções como necessidade, obrigatoriedade; ou epistêmica, ligada ao eixo do saber, ao transmitir noções como possibilidade, probabilidade, incerteza. O comprometimento maior ou menor de um locutor dá ao interlocutor pistas para a leitura do texto, bem como subsídios para uma resposta.

A língua é, desse modo, manejada pelo locutor que, de forma consciente ou não, se coloca no discurso e deixa instruções de como esse discurso deve ser

(13)

interpretado. Ocorre, assim, a interlocução, o campo de atuação em que locutor e interlocutor se encontram para que ocorra a atividade linguística.

Esta dissertação é composta de nove capítulos, a saber:

No primeiro capítulo, constam os objetivos gerais e específicos, as motivações e justificativas para o estudo.

No segundo capítulo, faremos uma explanação de todo o suporte teórico em que nos apoiaremos, isto é, faremos a exposição de aspectos da Teoria da Enunciação de Benveniste (2005), da Pragmática Linguística com base em Austin (1962), Marcondes (2005) e Brandão (2001), apresentaremos a Teoria da Argumentação na língua de Ducrot (1976,1987 e 1989) e algumas peculiaridades acerca de categorização com base em Wittgeinstein (1999) e Rosch (1973) .

No terceiro capítulo, discorreremos sobre a noção de modo sob as considerações de Mattoso Camara (2002), Bechara (2004), Cunha e Cintra (2008), Azeredo (2008) e Mateus (1989). No mesmo capítulo, apresentaremos também algumas concepções acerca de modalidade e de modalização sob a ótica de Haliday (2002) e Neves (2002), Azeredo (2008), Castilho e Moraes de Castilho (1996), Benveniste (2005), Coracini (1991) e Cervoni (1989). Exporemos, ainda, considerações atinentes aos tipos de modalidade.

O quarto capítulo trará uma abordagem semântico-pragmática da modalidade com base em Pinto (1994) e Koch (2003, 2009) e trará, ainda, das interfaces da modalização com a polifonia e da modalização com a referenciação.

Sob a perspectiva sociorretórica, no quinto capítulo, abordaremos a noção de gêneros textuais. Faremos, ainda, uma exposição sobre os gêneros da esfera jornalística sob a ótica de Melo (1985) e uma exposição sobre o gênero Carta de leitor.

O sexto capítulo se refere aos procedimentos metodológicos adotados para uma análise linguística de base enunciativa. Nele, discorremos sobre os meios empregados para empreender a análise e também sobre a coleta e a seleção do corpus.

Posteriormente, no sétimo capítulo, à luz das teorias que dão suporte à pesquisa, faremos a descrição e a explicação do fenômeno a que nos propomos estudar bem como dos efeitos de sentido gerados pela modalização nos textos selecionados.

(14)

Apresentaremos, no oitavo capítulo, os resultados das análises e algumas reflexões acerca das mesmas.

No nono capítulo, trataremos da conclusão do trabalho. Faremos uma exposição sobre os desdobramentos do fenômeno estudado no gênero textual Carta de leitor.

Este trabalho insere-se na Linha de Pesquisa Teoria e Análise Linguística: aspectos semântico-pragmáticos da linguagem vinculada ao programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense que se destina a descrever o funcionamento de alguns recursos linguísticos em diversos gêneros textuais.

(15)

1 APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DE TRABALHO: objetivos e hipóteses

Compreender a língua como atividade implica considerar que os sentidos são gerados na interlocução, na troca; que um enunciado, atrelado ao momento único de produção, abarca estratégias que melhor veiculem tais sentidos.

Diante disso, pretendemos, neste trabalho, analisar e descrever a manifestação das modalizações deôntica e epistêmica na construção da argumentação em textos do gênero carta de leitor.

Ao empreendermos tal análise, verificaremos as relações entre as marcas linguísticas, observaremos as interfaces da modalização com a referenciação e com a polifonia, visto que modalizar também é construir e (re) construir objetos de discurso e, ainda, a modalização, muitas vezes, é um recurso usado para evocar outras vozes, outros pontos de vista, instituindo sentidos variados.

A primeira motivação para tal estudo está no fato de que a modalização, como uma das marcas linguísticas da argumentação, ainda necessita de maiores investigações no que tange ao seu aspecto semântico-pragmático.

A segunda motivação relaciona-se ao gênero textual escolhido para compor o corpus de análise. A Carta de leitor, como gênero de domínio público, dá ao leitor comum a oportunidade de atuar como locutor e, assim, opinar, reclamar, elogiar, denunciar, solicitar, enfim, dá a esse leitor que escreve a possibilidade de exercer a sua cidadania e, portanto, colocar-se como sujeito de seu discurso, imprimindo neste a sua subjetividade. Assim, julgamos relevante verificar e descrever o funcionamento da modalização deôntica e da modalização epistêmica como marcas linguísticas da argumentação em textos do gênero textual “Carta de leitores”.

Os dois tipos de modalização de que tratará este trabalho — modalização deôntica e modalização epistêmica — estão, respectivamente, relacionados aos eixos da conduta e do saber, como já dito, e, ao serem mobilizadas pelo locutor, transmitem noções como necessidade e, respectivamente, possibilidade, por exemplo. Não se trata, todavia, somente disso, há uma marcação de sentido, há direcionamentos que ultrapassam tais noções. Em face disso, questiona-se como a modalização deôntica e a modalização epistêmica colaboram para o processo de argumentação de um texto, ou seja, como se desdobram para gerar sentidos.

Como a marca linguística supracitada será analisada sob a ótica da Linguística da Enunciação, formulamos a hipótese principal de que se trata de uma estratégia resultante de um processo, de uma prática, isto é, tanto a modalização

(16)

deôntica quanto a modalização epistêmica geram direcionamentos distintos, de acordo com a enunciação e com os locutores. A modalização seria, desse modo, uma construção realizada no e pelo discurso, porque a língua em uso e a subjetividade/intersubjetividade em diferentes momentos e espaços propiciam isso.

Cremos, ainda, que embora a modalização deôntica esteja ligada ao eixo da conduta, dos valores morais, no gênero textual carta de leitor, também passa pelo crivo do conhecimento, da crença do locutor. Observamos que o locutor se expressa como alguém que é ávido conhecedor do que é ético e moral em determinado âmbito da atividade humana e, por isso, pode apontar, dizer o que deve ou não ser feito.

Outra hipótese refere-se às fronteiras entre as ideias expressas pelas tipologias de modalização. Ao observar, preliminarmente, o uso da categoria em alguns exemplares do gênero textual que será analisado, verificamos a ocorrência de um gradiente, isto é, mesmo havendo a lexicalização prototípica de modalização deôntica ou de modalização epistêmica, o contexto, a enunciação desencadearam sentidos atrelados a mais de uma noção. Com isso, podemos admitir que há fronteiras, mas que seriam linhas muito tênues entre as categorias que uma tipologia consegue abarcar. É possível que não haja fronteiras nítidas.

(17)

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste capítulo, discorreremos sobre os referenciais teóricos nos quais este trabalho está alicerçado.

2.1 A Teoria da Enunciação

O homem é, essencialmente, um ser de e da língua. Através dela, nomeia, designa, expressa sentimentos, expõe opiniões. Enfim, por meio da língua, o homem se movimenta e se firma no mundo. Se a língua dá ao homem tais possibilidades, devemos questionar como isso ocorre.

O homem sempre investigou a língua, sempre formulou hipóteses acerca do seu funcionamento. Platão, no Crátilo, indagava sobre a relação entre os nomes e as coisas. Epicuro, em Pensamentos, especulava sobre a origem da língua e defendia a tese de que nossas designações linguísticas eram inicialmente determinadas pelas sensações particulares dos homens e depois, pelo uso, tais designações tornavam-se convenções. Tais formulações mostram que a linguagem sempre suscitou no homem o desejo de investigar e de sistematizar o maior bem cultural de um povo. Assim, o homem percebeu a língua como objeto a ser explorado e compreendido.

Sendo, então, a língua um objeto a ser explorado, era de se esperar que houvesse um campo único para os seus estudos. Nesse viés, está Saussure, que para a fundação de uma ciência linguística, concebeu a língua como uma estrutura em que cada elemento exerce uma função. Saussure não inclui a fala em suas formulações por considerar que isso não era atribuição da linguística e, sim, de outras ciências. Tal concepção não contempla o falante, aquele que usa a língua, tal concepção, portanto, não contempla a construção do sentido.

Como a ciência não estaciona, como há mudanças em relação ao objeto de estudo, as reflexões sobre a língua prosseguem e, entre outras concepções, encontramos as de Benveniste. A partir da própria noção de estrutura, o linguista introduz o sentido nos estudos da língua. Dessa forma, a língua não é mais concebida somente como uma estrutura autônoma, em que todas as regras devem ser retidas. A língua é uma estrutura articulada pelo usuário, pelo falante. Nesse ponto, já não se estuda apenas a língua, nesse ponto começa o estudo da linguagem.

(18)

A partir dessa ligação entre estrutura e sujeito no processo de utilização da língua, é possível afirmar que a Linguística admite o componente subjetivo.

Nesse viés, é preciso recorrer à distinção que Benveniste faz entre o semiótico e o semântico. O semiótico está ligado ao que é intralinguístico, ou seja, ao que é intrínseco à estrutura da língua. O nível semiótico compreende o conjunto de signos de uma língua, signos que são largamente usados por uma comunidade. Esses signos se relacionam e nesse inter-relacionamento se distinguem uns dos outros, gerando a significação. A esse respeito assevera o linguista:

Cada signo entra numa rede de relações e de oposições com os outros signos que o definem, que o delimitam no interior da língua. Quem diz semiótico diz intralinguístico. Cada signo tem de propósito o que o distingue dos outros signos. Ser distintivo e ser significativo é a mesma coisa. (BENVENISTE, 2005b, p.227-228)

Assim, define-se um dos olhares que se pode ter sobre a língua: o olhar semiótico, ou seja, o olhar sobre a forma da língua, forma necessária para a expressão do significado.

A segunda distinção que Benveniste faz acerca da língua refere-se ao nível semântico. O nível semântico está ligado à comunicação, à interação do homem e aos inúmeros usos que este faz da língua, às inúmeras situações comunicativas em que o homem pode se inserir. Segundo Benveniste (2005, p. 229b), “somente o funcionamento semântico da língua permite a integração da sociedade”. Esse nível é, portanto, o que caracteriza a atividade que o locutor realiza com a língua.

Enquanto no nível semiótico a unidade mínima é o signo, propriedade da língua, unidade que tem significado no sistema; no nível semântico, a unidade mínima é a palavra, unidade que resulta da articulação do signo com o contexto pela qual se expressa o pensamento. Tais palavras, quando combinadas, formam uma unidade maior, a frase, a expressão semântica por excelência1. A frase, como elemento resultante da atividade da língua, veicula conceitos, ideias que estão fora da língua. A frase é sempre uma ocorrência única, particular, uma vez que há no entorno do locutor, um contexto, uma situação que provoca e que, produz a frase.

Tanto forma quanto sentido, ou seja, tanto semiótico quanto semântico estão interligados, visto que

(19)

Sobre esse fundamento semiótico, a língua-discurso constrói uma semântica própria, uma significação intencionada, produzida pela sintagmatização das palavras em que cada palavra não retém senão uma pequena parte do valor que tem enquanto signo. (BENVENISTE, p. 233-234b)

Entre o semiótico e o semântico, então, deve-se questionar sobre o uso das formas da língua e o uso da língua. As formas da língua estão ligadas à estrutura da língua, ao passo que a língua é o todo, abarca a totalidade das formas. Mencionar, portanto, emprego das formas e emprego da língua é observar universos diferentes e fazer distinções significativas. Para Benveniste (2005b), o emprego das formas é um conjunto de regras, que estabelece as condições sintáticas nas quais as formas podem ou devem normalmente aparecer, visto que elas pertencem a um paradigma que orienta as escolhas possíveis. Já o emprego da língua é um mecanismo total e constante que, de uma maneira ou de outra, afeta a língua inteira. Dessa forma, “A enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (BENVENISTE, 2005b, p. 82)

Enunciação é o ato de produção do enunciado, é o processo. Nada tem de material, resulta da mobilização da língua por parte do locutor. Enunciar é apropriar-se da língua e transformá-la em discurso. Uma pergunta imediata apropriar-seria: como apropriar-se dá tal apropriação?

A forma primária de apropriação e utilização da língua é a fala, a realização vocal da língua. Mesmo nesse aspecto, a enunciação é única. O processo não se repete, pois cada indivíduo que se apropria da língua o faz em situações diversas, por isso, mesmo que os sons sejam diferentes, o ato de produzir um enunciado é único.

O locutor também se apropria da língua através das formas da mesma. Ao empregá-las, como citado anteriormente, produz sentido, semantiza a língua.

A apropriação da língua e seu uso supõem, consequentemente, uma interação de todos os mecanismos disponíveis, ou seja, recursos sonoros, morfológicos e situacionais. Logo, a apropriação da língua, que dá origem à enunciação, é realizada pelo que Benveniste denomina aparelho formal da enunciação, que é o instrumento do qual o locutor se apropria para enunciar sua posição através de indícios específicos.

(20)

A enunciação é um processo desencadeado pela equação eu-tu-aqui-agora, isto é, as relações entre locutor e interlocutor, as características singulares de tempo e espaço determinam o ato enunciativo. As pessoas do discurso eu-tu são indissociáveis, há uma interdependência entre ambas. O eu só o é porque existe um tu e o tu só o é devido ao eu. Há uma questão de reversibilidade entre essas pessoas, isto é, ora o eu passa a tu e o tu passa a ser eu na interação enunciativa.

Outras categorias que permeiam a enunciação são as de espaço e tempo, o aqui e o agora que situam o ato enunciativo. Tanto o eu como o tu só podem interagir, se compartilharem do mesmo momento e da mesma situação, isto é, eu e tu compartilham a mesma condição de referência. Em Benveniste, a referência é a situação que possibilita ao locutor produzir um enunciado que o interlocutor interprete, confira sentido ao mesmo. Por isso, a enunciação é sempre única. O ato enunciativo implica simultaneidade, isto é, a presença de um locutor e de um alocutário/interlocutor e espaço e tempo atuais. O ato enunciativo é, desse modo, um ato do presente, não do presente gramatical, mas do presente da enunciação.

Como foi mencionado acima, a apropriação da língua por parte do locutor requer a presença do outro. O outro é essencial para que a enunciação aconteça. O locutor, ao se apropriar da língua, implanta, necessariamente, um interlocutor. Assim “Toda enunciação é, explícita ou implicitamente, uma alocução, ela postula um alocutário”, (BENVENISTE, 2005b, p. 84), seja este alocutário real ou imaginário, como no caso de um monólogo, o processo enunciativo necessita dele, já que é um processo interativo.

Nesse ponto, há a constituição da subjetividade. Benveniste (2005a, p.286) define subjetividade como “capacidade de o locutor se propor como sujeito”. A subjetividade diz respeito à pessoa eu implicada no discurso, no entanto, sabe-se que enunciação é interação, que enunciação presume o outro, o tu, assim, e, até mesmo por uma questão lógica, só é possível dizer eu pela existência de um tu, o que constitui a dialética essencial à enunciação. Essa dialética é a intersubjetividade, condição da subjetividade. Ao instaurar o outro no discurso, o locutor sinaliza que sua presença é indispensável e o outro ao conceber este eu como tu, como seu alocutário, também torna sua presença necessária. Esse jogo em que as duas pessoas estão implicadas constitui a intersubjetividade que determina a subjetividade. O locutor se funda como sujeito porque existe um polo que o alicerça e dá condições para isso.

(21)

A respeito de subjetividade e de sujeito na teoria de Benveniste, cabe ressaltar que o linguista não usa os termos em uma acepção psicologizante. Benveniste determina um sujeito linguístico, constituído e identificado no exercício da língua. O mesmo se dá com a subjetividade que nada tem de interior ao indivíduo, o próprio linguista afirma que a linguagem é a possibilidade da subjetividade, porque possui as formas linguísticas apropriadas para expressá-la.

Assim, abordar a modalização sob o prisma enunciativo, é concebê-la como resultado do processo eu-tu/aqui-agora, ou seja, como um recurso oriundo da atividade linguística, de um processo em que os interlocutores recorrem aos níveis semiótico e semântico da língua para se posicionarem como sujeitos do seu discurso. A modalização, portanto, passa a ser engendrada pela intersubjetividade, fundamento da subjetividade.

Neste capítulo, abordamos os principais eixos que constituem a Teoria da Enunciação de Benveniste. Adotar a Enunciação como referencial teórico é conceber a língua nas suas dimensões formais, no nível semiótico como diz o referido autor, mas é também deixar de mencionar o termo língua e usar o termo linguagem, uma vez que a enunciação é a língua em ação, em exercício. A língua, nessa perspectiva, não está mais restrita (se é que já esteve) à estrutura. A enunciação, este ato único, singular, peculiar torna a língua discurso produzido pelo locutor que requer outro locutor que, por sua vez, também produz um discurso. Nesse ciclo, a enunciação integra a língua.

2.2 A PRAGMÁTICA LINGUÍSTICA

No subcapítulo precedente, tratamos da Linguística da Enunciação e dos principais eixos que norteiam essa teoria. Entre as noções abordadas estão as de pessoa e de intersubjetividade, indissociáveis uma da outra. A noção de pessoa refere-se ao eu, instância produtora do discurso, e ao tu, instância que recebe esse discurso. Nessa implicação, subjetividade e intersubjetividade se complementam e tornam o ato enunciativo único, assim, eu-tu, subjetividade-intersubjetividade já apontam a linguagem enquanto ação, atividade.

A língua, ao ser usada por um indivíduo, é ação, atividade que produz efeitos e institui sentidos. Desse modo, esta língua-ação passa a ser linguagem,

(22)

porque o uso desencadeia várias implicações e vários efeitos. A linguagem, então, passa a ser objeto da pragmática linguística.

A pragmática pode ser compreendida de duas formas no âmbito da filosofia da linguagem. Na primeira acepção, de ordem semântica e representacional, a pragmática está ligada à noção de verdade, isto é, a compreensão de uma sentença linguística deve corresponder à realidade e ao contexto em que está inserida. Na segunda acepção, o significado de uma sentença está ligado ao uso que se faz da linguagem. Além do contexto e dos participantes do ato comunicativo, o uso é fator determinante. Dessa forma, “Essas concepções acrescentam à consideração do contexto a ideia de que a linguagem é uma forma de ação e não de descrição do real.” (MARCONDES, 2005, p.11-12)

Na perspectiva adotada neste trabalho, adotaremos a segunda consideração, isto é, adotaremos a concepção de pragmática que considera a linguagem como ação. Mas cumpre observar, que esse segundo posicionamento, de acordo com Marcondes (2005), também compreende dois prismas: o primeiro refere-se à visão de Wittgeinstein que considera o uso, mas não propõe uma teoria ou um tratamento sistemático para esse uso. O segundo refere-se à proposta de Austin, com a concepção de Atos de Linguagem, para distinguir três tipos de atos presentes em um enunciado. É neste posicionamento que nos deteremos.

Austin (1962) postula, inicialmente, que a linguagem em uso e os elementos constituintes desse uso são Atos de Linguagem. Esses atos, na concepção do autor, dependem do que ele determina de condições de sucesso ou de felicidade para terem êxito. O estudioso fez a distinção entre os constativos e os perfomativos. Os constativos compreendem sentenças que são usadas para descrever um fato ou evento. São considerados como verdadeiros ou falsos, pois dependem das condições de verdade em que a sentença é proferida. Já os performativos compreendem sentenças usadas para realizar algo, constituem tipos de ações encarados como bem ou mal sucedidos, visto que para que se realizem uma espécie de contrato entre os participantes do ato comunicativo deve ser respeitado. Como exemplo de constativo temos: “Joana está na escola”, e de performativo “Garanto que trago o livro”. É possível observar que um ato constativo pode ser verdadeiro ou falso, já que é visto como correspondente à realidade, ao momento da enunciação, nesse sentido pode ser contestado. Já o performativo não é verdadeiro nem falso, porque não descreve fatos, mas é bem ou mal sucedido, já que depende

(23)

das circunstâncias da realização do ato. O performativo depende de um contrato, ou seja, no exemplo acima, o locutor, ao dizer “garanto”, assume um compromisso perante o interlocutor.

Essas considerações preliminares de Austin logo foram reformuladas. Segundo Marcondes (2005), Austin observou que o constativo também tinha a possibilidade de ser performativo, ou seja, descrever é também um ato que poderia ser bem ou mal sucedido; bem como os performativos que também têm uma dimensão constativa, uma vez que têm uma relação com um fato. Em face disso, a propriedade performativa é estendida a toda a linguagem e o Ato de Fala passa a ser a base da significação, compreendendo três dimensões: os atos locucionários, os atos ilocucionários e os atos perlocucionários.

O ato locucionário é o ato preliminar de uso da linguagem, corresponde à emissão de sons que organizam a língua para a comunicação. Segundo Searle (apud Koch, 2003), o ato locucionário é constituído de um ato de referência e um ato de predicação. Por meio da referência, é designada uma entidade do mundo extralinguístico e por meio do ato de predicação atribui-se a essa entidade uma certa propriedade, estado ou comportamento.

O ato ilocucionário tem como aspecto básico a força ilocucionária, contém o próprio performativo, é dotado do próprio ato a ser realizado. Se alguém diz “Prometo entregar o trabalho amanhã”, o uso do verbo prometer institui a própria promessa. O verbo pode se encontrar implícito, mas o contexto é suficiente para explicitar a força da promessa. Nesse sentido, o ato de fala constituído de determinada força extrapola o âmbito da língua e acessa o mundo extralinguístico, por isso “Um dos objetivos principais da análise dos atos de fala consiste precisamente em tornar explícita a força do ato realizado, permitindo assim identificar seu tipo”. (MARCONDES, 2005, p. 19)

Finalmente, o terceiro ato de fala, o perlocucionário é o que exerce determinados efeitos sobre o interlocutor, tais como: convencer, assustar, agradar etc.

No que tange à realização dos atos de fala, é importante ressaltar que todo ato de fala é simultaneamente locucionário, ilocucionário e perlocucionário, pois “sempre que se interage através da língua, profere-se um enunciado linguístico dotado de certa força que irá produzir no interlocutor determinado (s) efeito (s), ainda que não aquele(s) que o locutor tinha em mira”. (KOCH, 2003, p. 19)

(24)

Uma das condições para análise e aplicação da Teoria dos Atos de fala é considerar a intenção do locutor e o seu reconhecimento por parte do ouvinte. Intenção, na concepção de linguagem aqui adotada, não é algo psicologizante, interior ao indivíduo, mas é manifestada pelas marcas linguísticas que possibilitam a “atuação” do enunciado. Assim sendo, a intenção “se deixa representar de uma certa forma no enunciado, por meio do qual se estabelece entre os interlocutores um jogo de representações, que pode corresponder ou não a uma realidade psicológica ou social”. (KOCH, 2009a, p.22)

A análise da língua sob a ótica da pragmática requer a observância dos itens acima citados. A pragmática, nesse sentido

visa à utilização da linguagem, sua apropriação por um enunciador que se dirige a um alocutário em um contexto determinado. Ela está preocupada com a linguagem enquanto ação, atividade humana e as relações de interlocução aí estabelecidas. (BRANDÃO, 2001, p.164)

A linguagem, nesse caso, é ação, porque o próprio enunciado veicula as ações. Essa ação realizada através do uso da linguagem também está ligada à exterioridade linguística, há relações de saber e de poder envolvidas. Não é possível realizar um ato de fala ilocucional, por exemplo, sem ter a credibilidade social para isso. Se isso ocorre, o efeito pretendido não se realiza. Além disso, a linguagem em ação é dirigida por convenções sociais, por rituais, digamos que moldam esse uso e determinam as ações. A esse respeito Vogt (1983, p. 11) diz:

O jogo de representações acionado pela atividade linguística põe a linguagem na cena de um espetáculo maior e mais complexo: o da história, da cultura e das máscaras sociais que, embora coladas ao nosso rosto, nem sempre sabemos o que significam e nem porque as portamos.

Sob esse prisma, ao eleger a modalização como a marca linguística que irá imprimir seu grau de comprometimento, sua avaliação em um enunciado, o locutor o faz com base na relação com o interlocutor. O locutor aciona os recursos da língua que melhor marquem seu posicionamento no enunciado a fim de que o interlocutor perceba tais marcas e, consequentemente, nesse processo de intersubjetividade, institua um sentido para as mesmas naquele momento. Está aí o aspecto semântico-pragmático da modalização.

(25)

Em vista disso, considerar a língua como ação, atividade, “via de mão-dupla” entre locutor e interlocutor pressupõe que o sujeito se apropria da língua e o faz a partir do interior para o exterior e, também, como sujeito coletivo, do exterior para o interior, viabilizando assim a relação entre homem, linguagem e mundo.

2.3 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA

Se a língua, quando usada, passa a ser linguagem em ação, se ao usarmos a mesma pretendemos provocar certos efeitos, atingir o outro; significa então que o uso da linguagem produz sentidos. Ora, se o sentido é oriundo da semantização da língua e se esta semantização pressupõe dois polos comunicativos — locutor e interlocutor —, tais sentidos, em um discurso, direcionam o outro, desencadeiam no interlocutore a ação pretendida. Desse modo, a linguagem em ação é também argumentação, porque a linguagem é fator de interação entre os homens.

Discorrer, todavia, sobre argumentação é fazer, necessariamente e antes de tudo, um retorno à antiguidade clássica, mais especificamente à Retórica. Esta disciplina floresceu na Grécia antiga em virtude da mudança do sistema político da época. O processo de democratização aboliu as lutas corporais e toda forma de disputa violenta. O homem da República precisava defender e requerer seus direitos de forma condizente com o novo sistema político, assim surge a Retórica.

Retórica, do lat. rhētōrica deriv. do gr. Rhētorikē, significa a arte de falar bem, de forma eficaz e persuasiva. É a arte da oratória. Em termos disciplinares, a Retórica tinha como princípio basilar o uso de raciocínios lógicos para constituir os discursos. Estava ligada ao campo dos conhecimentos prováveis e não das certezas, por isso, a controvérsia, a polêmica, a dialética, o embate de opiniões permeavam a Retórica. Sistematizada por Aristóteles, o filósofo que lhe conferiu uma sólida base teórica, a Retórica investigou os mecanismos que, em cada esfera discursiva, eram capazes de provocar a adesão do público, ou nas palavras do filósofo: ”(...) a retórica parece ter, por assim dizer, a faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer questão dada” (ARISTÓTELES 2005, p.96). Assim, essa disciplina consistia em uma técnica na organização dos discursos, consistia em formular raciocínios para elaboração dos discursos.

Tratando ainda dos estudos sobre argumentação, cabe citar Perelman e Tyteca (1996), que atualizaram os estudos retóricos. A partir dos seus estudos, os

(26)

conceitos propostos por Aristóteles forma ajustados à nossa época. Suscitou-se uma discussão acerca do ato de convencer e do ato de persuadir que são os dois vértices da argumentação. Na perspectiva desses autores, convencer é falar à razão do outro, ao passo que persuadir é falar à emoção do outro.

A argumentação até então estava ligada a uma técnica de organização do discurso, mas esse discurso é viabilizado e materializado pela língua; assim a argumentação também está na língua. Nesse viés, está Oswald Ducrot (1987), estudioso que, com a colaboração de Anscombre, cunhou a tese da argumentação na língua. Tal teoria postula que a orientação argumentativa de um enunciado é determinada pelos elementos linguísticos que o constituem.

A primeira etapa da teoria constituída por Ducrot, a forma padrão, alicerça-se na tealicerça-se de que o sujeito falante aprealicerça-senta um argumento como justificativa para uma determinada conclusão. O argumento contém um fato e constitui a apresentação de uma justificativa. Tal concepção está relacionada com as teorias lógico-referencialistas, ou seja, a argumentação estaria atrelada a fatores externos à língua e nunca internos. A argumentação aqui corresponderia à organização do discurso em consonância com a realidade apresentada. Nesta fase, os trabalhos significativos de Ducrot foram os relativos aos implícitos e aos atos de linguagem.

A segunda etapa da Teoria da Argumentação na Língua é a denominada teoria dos topoi argumentativos. Aqui o valor das palavras é o responsável pela orientação argumentativa do enunciado. Segundo o autor, toda língua possuiria pares de frases que, embora apresentem a mesma enunciação acerca do mundo, teriam uma orientação argumentativa diferente. É possível ilustrar esta afirmação com os seguintes exemplos do autor:

1. Pedro trabalhou pouco. 2. Pedro trabalhou um pouco.

Ambas as frases manifestam o mesmo fato: trabalho em pequena quantidade. Contudo, o sentido, em contextos distintos, orienta para conclusões diferentes. Partindo da premissa de que o trabalho leva ao êxito profissional e até pessoal, é possível concluir que Pedro, no primeiro exemplo, poderá fracassar, ao passo que Pedro, no segundo exemplo, tem chances de êxito. Nessa perspectiva,

(27)

A significação de certas frases contém instruções que determinam a intenção argumentativa a ser atribuída a seus enunciados: a frase indica como se pode, e como não se pode argumentar a partir de seus enunciados. (DUCROT, 1989, p. 18)

Ducrot constatou, entretanto, um problema nessa etapa da teoria: certas frases permitiam conclusões distintas, mas não impediam conclusões idênticas. Tomando novamente como exemplo: Pedro trabalhou pouco, se considerarmos que o trabalho leva ao sucesso, podemos concluir “Pedro vai fracassar”. A mesma conclusão, de acordo com o contexto, pode ser dada a Pedro trabalhou um pouco. Desse modo, foi necessária uma reformulação da teoria.

Na etapa posterior da teoria, transfere-se a construção do viés argumentativo para os enunciadores. Ducrot alega que o valor argumentativo de um enunciado depende do enunciador, do ponto de vista deste. Argumenta que, em um enunciado, estão presentes vários pontos de vista, começa, assim, a trabalhar com a noção de polifonia. Ducrot refuta a unicidade do sujeito e estabelece uma distinção entre sujeito, locutor e enunciador. O sujeito ou autor de um enunciado é definido por Ducrot como o ser empírico, isto é, aquele que, em termos práticos, produziu o enunciado, é uma ficção discursiva, visto que é praticamente impossível recuperá-lo no discurso. Já o locutor é “alguém a quem se deve imputar a responsabilidade deste enunciado” (Ducrot, 1987, p. 182), é alguém a quem se pode remeter as marcas de primeira pessoa. Finalmente o enunciador ou os enunciadores não são empíricos nem responsáveis, mas são os diversos pontos de vista, as diversas perspectivas que encontramos no interior de um enunciado.

Conquanto Ducrot tenha elaborado sua teoria considerando frases ou fragmentos de enunciados, os preceitos são perfeitamente aplicáveis a estruturas mais complexas de enunciados, ou seja, a textos mais complexos. Encontramos suas formulações linguísticas em textos pertencentes a diferentes gêneros, o que corrobora sua tese de que a argumentação está inscrita na língua.

A Teoria da Argumentação na Língua é uma teoria de caráter enunciativo-pragmático, pois a partir da estrutura linguística pressupõe análises de usos individuais e únicos da língua e parte da noção de atos de fala para definir o caráter ilocucional como determinante de relações intersubjetivas de caráter jurídico.

Conceber a argumentação como fator básico da atividade linguística é conceber a própria língua como veículo das intenções e pretensões de seus

(28)

locutores e interlocutores. A língua só é essencialmente argumentativa, porque seus usuários a fazem assim, seus usuários, através dos elementos constituintes da língua, pretendem orientar seus discursos para determinadas direções. Nas palavras de Koch (2003, p.29) “procuramos dotar nossos enunciados de determinada força argumentativa”. Então, pela linguagem, o homem se representa como ser social.

Se a argumentação é inerente à língua, se elencamos categorias da língua para dotar nossos discursos de dada força argumentativa, cumpre expor tais marcas, tais pistas que dão ao interlocutor instruções relativas ao sentido pretendido. De acordo com o que Koch (2009a, p. 33) apresenta como as marcas linguísticas da argumentação, podemos citar: as pressuposições, os operadores argumentativos, os índices de polifonia e os modalizadores.

As pressuposições estão ligadas à estrutura, à sintaxe da língua, são, pois, linguisticamente marcadas no enunciado. As pressuposições trazem um dito e um não-dito, isto é, um posto e um pressuposto. O posto é o que está declarado, já o pressuposto é o que não está declarado, mas é resgatado através das marcas linguísticas no enunciado. No exemplo, Paulo parou de beber temos:

Posto: Paulo parou de beber Pressuposto: Paulo bebia

Segundo Cabral, (2010, p. 65), alguns dos apoios linguísticos da pressuposição são:

• verbos de julgamento (implicam uma avaliação do objeto do processo pelo agente): lamentar;

• verbos que indicam mudança ou permanência de estado, como: ficar, permanecer, começar a, passar a, deixar a, continuar;

• verbos implicativos (são aqueles que estabelecem alguma relação de implicação referente ao fato expresso): conseguir, tentar;

• certos conectores circunstanciais, como: desde que, antes que, depois que, visto que;

• certos advérbios: já, ainda

Entre os recursos linguísticos que materializam a argumentação estão também os operadores argumentativos, termo cunhado por Ducrot, para designar

(29)

recursos da língua que têm a finalidade de indicar a força argumentativa dos enunciados. Esses operadores são os conectivos: mas (o operador argumentativo por excelência, segundo Ducrot), porém, embora, já que, pois, aliás, até, além do mais.

Cumpre mencionar outra marca linguística da argumentação, a polifionia. Este termo refere-se a um fenômeno através do qual se fazem ouvir, no mesmo enunciado, diversas vozes, vozes que falam de perspectivas, de pontos de vista diferentes. O locutor pode ou não se identificar com esses pontos de vista, entretanto a sua ocorrência em um enunciado provoca encadeamentos discursivos distintos, pois recorrendo a diferentes vozes, o locutor pode se eximir de certa reponsabilidade, pode respaldar o conteúdo do seu enunciado. A polifonia pode se manifestar através:

• de determinados operadores argumentativos como: ao contrário, pelo contrário. Ex: Roberto não é um traidor. Pelo contrário, tem-se mostrado um bom amigo. O operador argumentado em destaque faz remissão a uma voz que diz ser Roberto um traidor. (cf. KOCH, 2009a)

• da pressuposição. Ex: João já não confia na mulher.

Pressuposto: João confiava na mulher

Posto: João atualmente não confia na mulher

Embora o locutor seja um só, há perspectivas diferentes que se chocam. Quem afirma que João confiava na sua mulher não é o locutor, mas outra voz, outro ponto de vista. (cf. Koch 2009a)

• do uso do futuro do pretérito. Ao usá-lo, o locutor não se responsabiliza pelo dito, atribui a outrem a sua fala. Ex.: A atriz estaria namorando um diretor da emissora. O uso do verbo permite que o locutor se distancie do que diz é como se ele dissesse (não sou eu quem diz)

• da modalização. Através de certos recursos da língua, do modo como o que se diz é dito, outras vozes são evocadas. Por exemplo: Parece que o governo já decidiu o destino dos recursos hídricos./ Talvez o governo priorize a educação.

(30)

A polifonia permite que o locutor torne seu discurso mais persuasivo, se isente de responsabilidade ou respalde seu discurso. A polifonia, segundo Ducrot, é constitutiva de todo discurso, uma vez que em todo enunciado podemos encontrar mais de um personagem, não há, portanto, nessa perspectiva, sujeito único, porque necessariamente estamos recorrendo a outras vozes.

Podemos, finalmente, citar os modalizadores, que também estão entre as marcas linguísticas da argumentação. Os modalizadores são indicadores do grau de engajamento, de comprometimento do locutor com o seu enunciado. Os modalizadores são a lexicalização, a materialização linguística das modalidades. Os modalizadores são representados por: advérbios, auxiliares modais, verbos de atitude do campo proposicional, modos e tempos verbais: uso do futuro do pretérito (com valor de probabilidade), uso do imperativo, do subjuntivo, predicados cristalizados.

No tocante aos modalizadores, cumpre mencionar que são a manifestação do fenômeno modalidade, isto é, são, no discurso, a lexicalização de um fenômeno que, além de imprimir no enunciado a subjetividade do locutor, funciona como pista que institui sentidos variados que podem ser identificados pelo interlocutor.

Expusemos neste capítulo, as principais marcas linguísticas da argumentação. Marcas que comprovam a tese de Ducrot de que a argumentação está inscrita na língua.

2.4 A CATEGORIZAÇÃO

Como citado na introdução, a partir de observações preliminares em alguns exemplares do gênero textual que será analisado neste trabalho, verificamos que algumas ocorrências de modalização deôntica e de modalização epistêmica apresentam gradientes, isto é, as noções expressas ocorrem mais ou menos afastadas do que as categorias prototipicamente expressariam. Assim, é necessário discorrermos brevemente acerca de categorização.

A noção primária de categoria vem de Aristóteles. Para o filósofo, as entidades do mundo podiam ser designadas em conformidade com sua essência, ou seja, os traços mais fundamentais de determinado objeto dariam aos indivíduos de uma comunidade a autonomia para falar exatamente acerca deste objeto. Dessa forma, os traços mais gerais eram considerados para definição de uma coisa e os traços periféricos não. Isso conferia ao uso da linguagem um status objetivista, era

(31)

como se a percepção do falante detectasse somente os traços fundamentais de um objeto.

Tal noção foi repensada por outros autores, entre eles Wittgeinstein (1999). Ao usar a noção de jogos de linguagem, o autor mostra que os traços de uma coisa, de um elemento, agrupam-se por semelhanças. Portanto, um objeto, um elemento se enquadra em uma categoria por traços semelhantes dentro de um grupo, mas nem sempre compartilha essas características por igual, pois o uso que fazemos da linguagem leva-nos a criar categorias que não são tão definidas.

Ainda nessa esteira, podemos citar Rosch (1973), para quem a categoria podia ser observada através da noção de protótipo. O protótipo é o representante de uma categoria, ou seja, um determinado objeto apresenta um traço, uma característica que o torna o exemplar de determinada categoria. Desse modo, é possível reconhecermos um ponto central, um núcleo dentro de um grupo, e outros elementos que não apresentariam as características por completo estariam mais ou menos afastados desse núcleo. Teríamos, portanto, um gradiente, um contínuo no que tange às categorias, essas seriam mais ou menos prototípicas.

Diante de tais considerações, podemos concluir que modalização deôntica e modalização epistêmica, enquanto categorias discursivas, também apresentam seus traços peculiares, mas também podem apresentar gradientes, porque na enunciação, que é o colocar a língua em uso, podem se aproximar ou se afastar dos traços que as caracterizam como exemplares. Assim, serão alteradas as ideias expressas pela categoria e, até mesmo, o seu funcionamento, que já é distinto se considerarmos o contexto em que aparece.

3 A MODALIDADE

Neste capítulo, discorreremos sobre a definição de modalidade, fundamental para a constituição deste trabalho. Mas, consideramos necessário discorrer antes sobre a noção de modo bem como sobre as origens dos estudos sobre modalidade.

(32)

3.1 A noção de modo

Mencionar o termo modalidade é, de certa forma, fazer remissão ao termo modo, visto que tais noções se entrecruzam na perspectiva de alguns autores. O modo é concebido como uma categoria gramatical ligada ao verbo. Mencionamos abaixo a perspectiva de alguns autores acerca da categoria.

Para Camara Júnior (2002, p.169), o modo é a propriedade que tem a forma verbal de designar a nossa atitude psíquica em face do fato que exprimimos.

Bechara (2004, p. 221) observa a questão do modo em conformidade com a posição do falante em face da relação entre a ação verbal e seu agente. Assim, temos o modo indicativo (em referência a fatos tidos como verdadeiros, reais), modo subjuntivo (em referência a fatos incertos, hipotéticos), modo condicional (em referência a fatos dependentes de certa condição), modo optativo (em relação a ação como desejada pelo agente) e modo imperativo (em relação a um ato que se exige do agente).

Cunha e Cintra (2008, p. 394) chamam de modo as diferentes formas que tomam o verbo para indicar a atitude (de certeza, de dúvida, de suposição, de mando etc.) da pessoa que fala em relação ao fato que enuncia.

Azeredo (2008, p. 209) verifica que o enunciador, através de mudanças flexionais do verbo, expressa uma série de relações entre o momento da fala e os diferentes momentos em que se situam os fatos a que ele se refere.

Para Mateus et al. (1989, p.106), através dos modos, os verbos exprimem a relação modal entre locutor e estado de coisas. O emprego dos modos verbais está ligado aos tipos de atos ilocutórios e sua seleção faz-se em função dos tipo de frases em que se inserem.

É possível perceber nas considerações acima que modo e modalidade, de certa forma, estão relacionados. Mas a distinção entre ambos está no fato de que o modo se relaciona, comumente, aos verbos; ao passo que a modalidade engloba outros itens lexicais ligados a fatores intra e extralinguísticos.

3.2 As origens dos estudos sobre modalidade

A modalidade é um tema que perpassa várias áreas do conhecimento humano. Os estudos sobre a modalidade estão atrelados à Antiguidade clássica e, mais especificamente, à Lógica Modal. Nesse âmbito, Aristóteles se dedicou aos estudos das proposições modais. O filósofo preocupou-se em distinguir o modo

(33)

como as proposições veiculavam as noções de possível, não possível; contingente e não contingente; impossível e necessário.

Para estabelecer a diferença acima mencionada, Aristóteles fez a distinção entre proposições simples e atributivas e proposições modais. Nas primeiras simplesmente se afirma ou se nega algo, enquanto nas últimas, nas proposições modais, não só se atribui, se afirma algo; como também se indica o modo como se une ou se determinam as partes da proposição.

Nesse ponto, temos a distinção entre o dictum e o modus. Na proposição modal, o dictum é uma qualidade do enunciado; enquanto o modus é uma atribuição que afeta o enunciado. No exemplo: É possível que eu consiga chegar cedo, temos o modus (é possível que) e o dictum (eu consiga chegar cedo). O modus afeta, modifica e incide sobre o dictum, caso contrário não haveria, na lógica, uma proposição modal e sim uma proposição atributiva, simples.

Outra questão, ainda referente aos estudos da modalidade no campo da lógica, diz respeito ao fato de a modalidade se referir às proposições ou aos fatos. No primeiro caso, tratar-se-ia de uma modalidade em sentido lógico, estrutural da proposição; no segundo caso, de uma modalidade em sentido ontológico. Na primeira hipótese, a modalidade estaria ligada ao raciocínio e na segunda ao ser, às próprias questões da existência.

As premissas acima ultrapassaram o campo da filosofia e da lógica e adentraram o campo dos estudos linguísticos. Não obstante alguns princípios da lógica tenham sido e ainda sejam utilizados para o estudo da categoria linguística modalidade, os estudos lógicos primam pela estrutura dos enunciados, ao passo que a linguística prima pela relação entre enunciador e proposição. Em face disso, devemos citar Bally que observa na oração o dictum, base da oração e o modus, operação do falante sobre o dictum. Assim,

[...] se a língua é o acervo dos signos e das relações entre os signos, enquanto todos os indivíduos lhes atribuem os mesmo valores, a fala é o funcionamento desses signos e de suas relações para expressar o pensamento individual: é a língua em ação, a língua realizada. (BALLY, Charles, apud FLORES, 2008a, p.17)

(34)

Assim sendo, a modalidade passa a ser vista e observada como elemento veiculador de subjetividade ou como elemento que é mobilizado pelo homem. O enunciador passa a integrar o componente modalidade e a categoria passa a ser observada e concebida no âmbito linguístico.

3.3 Considerações e perspectivas sobre modalidade

Mesmo inserida nos estudos linguísticos, a categoria modalidade é de difícil delimitação e conceituação. Isso se dá pela dificuldade de dissociação dos componentes lógico, linguístico e discursivo, pelas diferentes concepções teóricas utilizadas para o tratamento da categoria e pela nomenclatura, pois há autores que utilizam os termos modalidade e modalização indistintamente e os que, ao contrário, atribuem diferentes conceitos a cada um dos termos.

Assim, cabe mencionar algumas considerações e perspectivas sobre a categoria a fim de explicitar as diferentes abordagens que existem no que se refere ao seu estudo.

3.3.1 Duas perspectivas funcionalistas

Entre as abordagens funcionalistas, está a da corrente europeia, que tem em Halliday o seu principal representante. Para o autor (2004), a modalidade pode ser dividida entre os processos de modulação e modalização. O primeiro se refere às propostas (enunciados que veiculam ofertas e ordens) e que têm como polos a determinação e a proibição, ao passo que o segundo diz respeito às proposições e tem como polos a afirmação e a negação.

Outro posicionamento funcionalista relacionado à modalidade é o de Neves (2002; 2006). A autora afirma que o estudo da expressão linguística da modalidade pressupõe as considerações dos modelos lógicos, mas se desvincula desses pelo caráter não-lógico das línguas naturais. As línguas naturais estão condicionadas ao uso e o uso é único, não se repete e tem como produtor um falante que está inserido em uma dada situação. Logo, o estudo da modalidade, sob a ótica linguística, deve considerar tais condições.

Ao abordar as tipologias da modalidade, a linguista usa o termo modalização. A autora concebe a modalidade alética, mas levanta uma discussão

(35)

sobre a mesma, uma vez que esta tipologia está ligada à verdade dos mundos possíveis. Tal atributo da modalidade alética dificilmente pode ser medido, verificado no uso de uma língua, pois

[...] é muito improvável que o enunciado se possa manter como uma asserção descompromissada das intenções e das necessidades do falante que assevera, é muito improvável, afinal, que um conteúdo asseverado num ato de fala seja portador de uma verdade não filtrada pelo conhecimento e pelo julgamento do falante. Uma investigação sobre o valor puramente alético de uma proposição a retiraria do contexto de enunciação para centrar-se na organização lógica interna de seus termos e na relação que ela mantem com os mundos possíveis, nos quais seria, ou não, verdadeira. (NEVES, 2002, p.180)

Por isso, a autora assevera que as modalidades stricto sensu são a epistêmica (ligada ao eixo do conhecimento) e a deôntica (ligada ao eixo da conduta), porque podem ser analisadas em ocorrências da língua através das lexicalizações que as materializam.

Neves ainda ressalta que necessidade e possibilidade são as noções que se colocam na base das tipologias das modalidades. Assim, a modalidade epistêmica está relacionada à necessidade e à possibilidade epistêmicas expressas por proposições contingentes, ou seja, que dependem de como o mundo é, do conhecimento que o falante tem do mundo. Já a modalidade deôntica, também está relacionada à necessidade e à possibilidade, mas vinculada às obrigações e às permissões. Desse modo, em ocorrências da língua temos, respectivamente, noções como necessidade epistêmica e possibilidade epistêmica e necessidade deôntica e possibilidade deôntica.

3.3.2 Duas concepções para modalização

Azeredo (2008) considera a modalização como sendo a expressão das intenções e pontos de vista do enunciador. Por meio da modalização, o enunciador inscreve no enunciado seus julgamentos e opiniões sobre o conteúdo do que diz ou escreve, indicando ao interlocutor que efeitos de sentido pretende produzir.

Outro posicionamento referente à modalização é o de Castilho e Moraes de Castilho (1996), que apresentam uma distinção entre modalidade e modalização. Para eles, modalidade é o modo como o falante apresenta o conteúdo proposicional,

(36)

isto é, em uma forma assertiva (afirmativa ou negativa), interrogativa e jussiva (imperativa ou optativa); ao passo que modalização consiste na estratégia empregada pelo falante para expressar seu relacionamento com o conteúdo proposicional, avaliando seu valor de verdade ou expressando seu julgamento com a forma escolhida para a verbalização desse conteúdo. Observa-se, nesse posicionamento, não só uma definição, mas uma preocupação com a nomenclatura e com a distinção dos conceitos de cada uma delas.

3.3.3 Duas considerações enunciativas

Benveniste (2005b, p. 192), na explanação que faz sobre os verbos auxiliares, compreende a modalidade como uma asserção complementar referente ao enunciado de uma relação. O autor menciona que, no âmbito da lógica, a modalidade compreende possibilidade, impossibilidade e necessidade. Entretanto, no âmbito linguístico, há duas modalidades básicas: a possibilidade e a necessidade.

Para Coracini (1991), as modalidades constituem verdadeiras estratégias retórico-argumentativas, uma vez que pressupõem uma intencionalidade discursiva, não podendo ser isoladas do ato de fala em que estão inseridas. A autora procura mostrar que a modalidade é a expressão da subjetividade de um enunciador que assume com maior ou menor força o que enuncia, engajando-se mais, engajando-se menos, seguindo normas determinadas pela comunidade em que se insere.

Ao abordar a problemática das modalidades, Cervoni (1989) assevera que todo enunciado é modalizado em maior ou menor grau. O autor assevera que para se chegar a uma concepção da modalidade no âmbito da linguística, é preciso estabelecer restrições. Para ele, há uma diferenciação entre o que é tipicamente modal e o que é parcialmente modal. Assim, chama de núcleo duro o que é tipicamente modal, ou seja, o que está ligado às noções básicas das modalidades advindas da lógica.

O núcleo duro, segundo Cervoni, é constituído pelas seguintes estruturas: modalidades proposicionais (ex.: É necessário que Paulo volte, Paulo deve voltar). As modalidades proposicionais caracterizam-se por sua exterioridade à proposição que modalizam, isto é, incidem sobre toda a proposição. Entre os auxiliares modais,

(37)

dever e poder são, nas palavras do referido autor, incontestavelmente, os mais marcados pela polissemia.

Além das modalidades proposicionais e dos auxiliares de modo, o autor acrescenta o que chama de equivalentes, ou seja, alguns advérbios derivados de adjetivos tipicamente modais: necessariamente, obrigatoriamente, certamente, provavelmente, facultativamente. Podemos citar como exemplo:

3. Certamente ele será demitido.

É possível observar que o advérbio em destaque incide sobre todo o conteúdo proposicional “ele será demitido”.

Cervoni (op. cit., p.68) denomina modalidades impuras aquelas que aparecem implícitas ou mescladas em certos lexemas e morfemas. Essas modalidades são consideradas como parcialmente modais, uma vez que incidem sobre parte da proposição, como afirma o autor. Os mecanismos que expressam a modalidade impura são os lexemas verbais, algumas expressões unipessoais (formadas, segundo o autor, por adjetivos como útil, agradável, interessante) e os modos e tempos verbais.

Como exemplo de modalidade veiculada por lexema verbal o autor cita: 4. Eu sustento que João é amável.

Na ilustração, o verbo sustentar acrescenta algum sentido sobre a proposição “João é amável”.

Em se tratando das expressões unipessoais, é possível exemplificar com: “É grave que ele esteja doente”. Nessa proposição, nota-se uma avaliação sobre o conteúdo proposicional, entretanto em “Uma grave doença”, o adjetivo qualifica o substantivo sem conferir qualquer tipo de avaliação, não havendo, pois, modalização, conforme salienta Cervoni.

O modo verbal também expressa uma modalidade menos explícita como em: “Lamento que Ana tenha vindo”, ou implícita como em: “A luta vem/Venha a luta”. No primeiro exemplo, a presença do verbo lamentar indica que o locutor faz uma avaliação sobre o conteúdo da proposição, já nos outros exemplos, o modo verbal expressa o desejo do locutor acerca da vinda da luta.

Referências

Documentos relacionados

12. Sem prejuízo das futuras decisões sobre a PAC e do financiamento da União Europeia após 2006, de quaisquer eventuais resultados decorrentes da implementação do ponto 22

Se, com base num relatório e numa recomendação da Comissão, o Conselho Europeu de Dezembro de 2004 decidir que este país satisfaz os critérios políticos de Copenhaga, a União

O Conselho Europeu reitera o seu compromisso de apoiar as autoridades e o povo iraquianos, em conformidade com a Comunicação da Comissão intitulada "A União Europeia e o Iraque –

Além disso, o Conselho Europeu encarrega o Conselho Justiça e Assuntos Internos de pôr em prática o mais rapidamente possível todo o pacote de medidas aprovadas no Conselho Europeu

Para se calcular a eficiência das equipes de cada liga foi utilizada a metodologia primeiramente proposta por Thanassoulis (1999) e depois estendida e aplicada

Cilindros ISO15552, Cilindros redondos, série RNDC, guarnições em NBR, FKM, baixa temperatura 15.000 km para curso médio de 200 mm corresponde a 37x10 6 ciclos.. Cilindros

Modelos, configurações e opções variadas estão disponíveis para responder às necessidades da maior parte dos utilizadores : Elevadores para posição sentada ou deitada,

Para a catalogação dos documentos musicais manuscritos utiliza-se, como estrutura-base, a ISBD(PM) mas recorre-se a algumas práticas comuns na descrição de manuscritos e