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4 UMA ABORDAGEM SEMÂNTICO-PRAGMÁTICA DA MODALIDADE: A

5.2 O gênero textual carta de leitor

Entre os gêneros textuais do domínio jornalístico está a carta do leitor. Como todo gênero apresenta peculiaridades, é mais coerente caracterizá-lo e não defini-lo.

Em termos gerais, a carta do leitor é um gênero de domínio público, já que leitores de diferentes camadas sociais, detentores de diversos tipos de conhecimentos podem acessá-lo. Esses textos circulam nos jornais ou revistas em espaços fixos destinados à exposição dos posicionamentos dos leitores. Pode conter atos de fala distintos tais como: opinião, crítica, reclamação, denúncia, esclarecimento etc.

É possível considerar a carta de leitor como um subgênero do gênero carta, visto que há diferentes classificações de cartas como: carta comercial, carta aberta, carta argumentativa de reclamação, carta argumentativa de solicitação entre outras. Nessa esteira, convém citar Bazerman (2006) que considera a carta como o gênero que deu origem a muitos gêneros conhecidos hoje, pois nas primeiras épocas em que o homem necessitava se comunicar eram as cartas que reduziam a distância e permitiam a comunicação quase que “face a face”.

Diante de tais considerações, a carta do leitor apresenta variações no que se refere aos elementos organizacionais. Mas o que aproxima a carta do leitor do

gênero carta é a feição de comunicação espontânea, porque o locutor, como cidadão, busca apresentar o seu texto como a mais autêntica expressão do seu posicionamento diante de um fato.

Outro aspecto que merece observação neste gênero textual é o da intersubjetividade, ou seja, o da relação eu-tu. A carta do leitor tem dois interlocutores: o jornal a que se destina e os leitores. Através de marcas linguísticas e da própria referência do discurso, o locutor indica a quem se destina à enunciação.

É conveniente salientar que o sujeito, neste gênero textual, mostra-se como um cidadão extremamente comprometido com o conteúdo do que enuncia, mostra- se como um cidadão muito ligado à temática da sua enunciação. Nesse aspecto, o espaço destinado à publicação da carta de leitor seria “um simulacro de atuação democrática, enraizado na cultura, para evidenciar o dever ser do lugar comum”. (TROUCHE, 2010 p.695)

Assim, a carta de leitor pode ser caracterizada como um gênero do domínio público, portador de temáticas concernentes às práticas cotidianas e aos acontecimentos do momento, constituído por marcas linguísticas veiculadoras do posicionamento do sujeito.

6 METODOLOGIA

A maneira de tratar os dados em uma pesquisa está ligada à forma como se vê o objeto de estudo. O aparato teórico deste trabalho, a Teoria da Enunciação, pressupõe a língua convertida em discurso por um indivíduo, portanto produtora de sentidos. Em se tratando de sentido, de efeitos de sentido não há como precisar um

método, porque cada ato de uso da linguagem é único. Diante disso, não há, na teoria antes citada, uma metodologia fixa, rígida; mas procedimentos que viabilizam analisar um fato dentro da linguagem.

Flores et al. (2008b) observam que Benveniste considera concomitantemente, em suas análises, a língua e a linguagem, isso confere generalidade às suas descrições. Os mesmos autores afirmam ainda que, em uma análise enunciativa, dois aspectos são essenciais: a observação e a descrição. A primeira diz respeito à maneira pela qual o sujeito se marca naquilo que diz, ou seja, é o observável e a segunda diz respeito à construção de mecanismos internos de tratamento do dado, isto é, à explicitação de como o sujeito se marca naquilo que diz.

O corpus desta pesquisa é constituído de 30 (trinta) cartas, sendo 15 (quinze) do Jornal O Globo na versão impressa e 15 (quinze) do Jornal do Brasil na versão on line. A seleção do corpus foi realizada entre 01 de agosto de 2010 a 01 de outubro de 2010. Como este foi o período da campanha eleitoral para a presidência da república, e como houve muitas polêmicas, decidimos analisar somente as cartas referentes a esta temática. Para escolha das cartas, consideramos a ocorrência das marcas linguísticas que nos propomos a analisar: modalização deôntica e modalização epistêmica.

Os textos serão apresentados integralmente, pois o entorno, o contexto em que o fenômeno em estudo aparece é primordial para nossa observação e para a compreensão do leitor. Para esta apresentação, entretanto, foram estabelecidos alguns critérios. O primeiro refere-se, necessariamente, à ocorrência dos fenômenos analisados. O segundo critério diz respeito à divisão: considerando-se a ocorrência de modalização deôntica e de modalização epistêmica, foram escolhidas cinco cartas de cada mês – agosto, setembro e outubro – para formar cada grupo de 15 (quinze) cartas pertencentes aos dois jornais citados no parágrafo acima. O terceiro critério refere-se ao destaque dado aos enunciados em que os fenômenos aparecem. Para analisá-los, decidimos retirar de cada carta o enunciado em que havia ocorrência das marcas linguísticas estudadas e numerá-los, pois são exemplos de caráter teórico. Ressaltamos que a partir das análises, usaremos as convenções (MD) para modalização deôntica e (ME) para modalização epistêmica.

Observamos que 10 (dez) das cartas analisadas que constituíram o corpus não foram escritas por indivíduos do Rio de Janeiro. Estas cartas pertenciam a

outros estados, a saber: 5 (cinco) de São Paulo, 1 (uma) do Espírito Santo, 3 (três de Brasília) e 1 (uma) de Minas Gerais. Entretanto, para análise, não consideramos este item, somente a incidência de Modalização Deôntica (MD) e de Modalização Epistêmica (ME) nas cartas dos respectivos jornais e a referência ao aspecto das eleições que cada carta fez.

Como citado nas linhas iniciais deste trabalho, a pesquisa foi de caráter descritivo e explicativo, pois a partir do suporte teórico e dos postulados convergentes, descrevemos a ocorrência dos fenômenos linguísticos (modalização deôntica e modalização epistêmica) e explicamos como os mesmos desencadeiam efeitos de sentido no gênero em que se encontram. Não foram realizadas correções de nenhuma natureza.

7 ANÁLISE DOS DADOS

Analisar um fenômeno linguístico sob a ótica das teorias de base enunciativa é observar eventos únicos de usos da língua e explicitar como e o que estes usos desencadeiam. Assim com base nas considerações supracitadas, procederemos, neste capítulo, à análise do corpus.

CLGL 1 (01.08.2010)

Quase 30 milhões de pessoas acessam regularmente a internet de casa. A resposta a uma pesquisa sobre alguém, ou alguma coisa, demora apenas segundos. Difícil se ver no interior do Brasil uma casa sem antena parabólica. Possuímos todos os tipos de informação. Então, por que votamos tão mal? O brasileiro, seja pobre ou rico, nasce ouvindo a frase que nunca vai esquecer ao longo de toda a sua vida: “detesto política”. A partir daí, vão se desenvolvendo, com raras exceções, cidadãos alienados, propositadamente alheios aos fatos que ouvem, leem e veem, sem curiosidade de saber o que acontece nas entrelinhas dos acontecimentos que explodem à sua volta. É preciso explicar aos que “detestam política” que, a continuarem assim, sempre serão governados pelos políticos que eles detestam.

Wilson Gordon Parker, Nova Friburgo, RJ A CLGL1 faz referência à quantidade de informações que estão à disposição do povo devido à tecnologia e ao auxílio que isso proporcionaria no momento do voto. O locutor, entretanto, questiona por que motivo nós ainda não votamos bem, e atribui isso a um fato que habita a memória coletiva do povo: a ojeriza à política. Isso transformaria o povo em uma massa alheia. Encontramos nesta carta a ocorrência:

1. É preciso explicar aos que “detestam política” que, a continuarem assim, sempre serão governados pelos políticos que eles detestam.

A expressão destacada, um predicado cristalizado, indica MD, ligada ao eixo da conduta, dos valores morais. O fenômeno, no enunciado, indica a noção de necessidade, ou seja, é essencial que seja explicado ao povo que o pretexto de detestar política não pode mais ser usado, pois o país precisa de posicionamento de seus cidadãos. O locutor enuncia o que considera fundamental para o início de uma modificação no cenário político do Brasil.

A enunciação da carta apresenta tom moralizante e, por isso, contribui para o uso da MD, visto que o locutor coloca-se na posição de quem tem o conhecimento acerca da situação e sente-se habilitado a dizer o que é necessário para a mudança de mentalidade do povo.

A seguir outra carta do mesmo jornal CLGL 2 03.08.2010

O presidente do TSE recomenda aos eleitores que pesquisem as vidas/fichas dos candidatos para não votar errado. Os eleitores não têm tempo para isso: trabalham para sustentar a família ou são analfabetos ou semi, e não saberiam como fazê-lo. Como os eleitores já pagam os altos salários desse judiciário, por que ele não cassa as candidaturas dos aéticos? Parece-me que isso é tarefa da Justiça, e não somente aplicar multas.

Mário A. Dente, São Paulo, SP O texto traz um discurso em que a segmentação está presente. O locutor separa os eleitores na classe do proletariado ou na classe dos analfabetos. Os primeiros não teriam tempo para analisar as fichas dos candidatos, os outros não teriam capacidade intelectual. O locutor confere a atribuição de analisar as fichas dos candidatos ao judiciário e lança mão do enunciado:

2. Parece-me que isso é tarefa da Justiça, e não somente aplicar multas.

Observamos, neste recorte, a ocorrência de ME construída pela oração parece-me que. Ao introduzir o pronome oblíquo me, o locutor se engaja, se inscreve, se compromete em alto grau com o que enuncia e sente autorizado a dar sua opinião sobre “o que se devia fazer”. A oração usada é também um índice de polifonia, pois convoca outra voz. Ao enunciar, deixando como marca essa expressão, o locutor chama o TSE à responsabilidade: TSE é que deve analisar as fichas dos candidatos, não o povo, que não tem condições para isso.

Na carta

CLGL 3 (07.08.2010)

A candidata Dilma deve ter condicionado sua presença ao primeiro debate televisivo à proibição de perguntas relacionadas com política externa, Chávez, mensalão e corrupção deslavada. Nenhum dos debatedores falou sobre isso, nem mesmo os repórteres. Ficamos sem saber se, eleita, continuará praticando atitudes dúbias e

convenientes apenas aos que estão por dentro e nas periferias do poder. Nos três temas abordados – segurança, saúde e educação – disse ela que continuará fazendo o melhor. Pergunta-se: por que não o fez, chefe que era do gabinete mandatário da nação?

Joubert Treffis, Rio

O locutor desta carta se apresenta como um observador atento. E, como todo observador atento, avalia o que vê. Retiramos do texto o seguinte enunciado:

3. A candidata Dilma deve ter condicionado sua presença ao primeiro debate televisivo (...)

O auxiliar modal em destaque expressa ME. Observa-se que não se trata aqui de grau de comprometimento, mas de uma “avaliação” feita pelo locutor. Ao usar o fenômeno, o locutor levanta uma hipótese: a de que Dilma teria determinado que perguntas seriam feitas no debate. Isso se confirma pelos fatos citados por ele ao longo do texto.

Em outra carta

CLGL 4 (12.08.2010)

Marina demonstrou na entrevista que é hábil no falar e não se deixa manipular por outros. No entanto, para presidir o Brasil é preciso mais. Se os brasileiros almejam um Brasil próspero, justo e livre, precisamos colocar acima de tudo os princípios éticos básicos, pois ninguém está acima da lei, os fins não justificam os meios; e no episódio do mensalão do governo Lula, Marina se omitiu, e quem cala, às vezes, demonstra consentir. Também há outro ditado que nos diz: “Dize-me com quem andas, e te direi quem és.” Marina sempre andou com o PT, alcançou respeito internacional com seu trabalho pelo meio ambiente através desse partido. Algo que não me convenceu foi a sua afirmação de que PSDB, DEM e PT são fisiologistas, ao mesmo tempo falando que com eles vai governar, sem ficar refém deles. Por acaso ela é a nova milagreira nacional? Samuel Rodrigues de Souza, Rio O locutor desta carta, inicialmente, enuncia algumas qualidades da candidata Marina Silva, mas quebra a expectativa do interlocutor, ao usar um operador argumentativo que introduz um argumento. O enunciado que contém este argumento:

O enunciado contém um predicado cristalizado (é + particípio) que se apresenta em contexto de MD. Tal fenômeno, no contexto, expressa necessidade. Ou seja, para Marina governar, na avaliação do locutor, é necessário mais do que eloquência.

O locutor argumenta em favor da ética no enunciado seguinte:

5. Se os brasileiros almejam um Brasil próspero, justo e livre, precisamos colocar acima de tudo os princípios éticos básicos (...)

A asserção é feita em relação aos brasileiros na sua totalidade, mas ao enunciar qual é o requisito fundamental para que alguém possa governar o Brasil, o locutor se inclui no discurso através da marca de primeira pessoa do plural. Isso é realizado através do auxiliar modal precisamos, que no recorte introduz a MD e expressa a noção de obrigatoriedade. Para endossar tal obrigatoriedade, tal dever de colocar a ética acima de tudo; o locutor recorre ao ditado popular “Dize-me com quem andas, e te direi quem és”, assim evoca vozes do senso comum que reafirmam sua tese, seu ponto de vista.

CLGL 5 (26.08.2010)

A Receita precisa blindar seus funcionários. Afinal, eles estão lá a mando de seus chefes. Deve haver um setor específico só para violar o sigilo fiscal daqueles que incomodam o governo. Tudo começou com a invasão da conta bancária do caseiro Francenildo e, de lá para cá, os trabalhos foram aperfeiçoados. Interessante notar que a candidata do governo à Presidência disse que o partido vai entrar com duas ações, uma por calúnia e a outra para receber explicações da Polícia Federal de “como esses sigilos foram vazados”. Responsabilizar e punir funcionários, nem pensar, visto que a ordem vem de cima. Izabel Avallone, São Paulo SP

Mais uma carta fazendo referência a uma das polêmicas que permearam o processo eleitoral no primeiro mês de campanha: a quebra do sigilo fiscal. Encontramos as seguintes ocorrências:

6. A Receita precisa blindar seus funcionários.

Ao observar as ocorrências, diríamos que, prototipicamente, tratar-se-iam de MD e de ME, respectivamente. Entretanto, as duas ocorrências detonam, na verdade, ironia.

Na primeira ocorrência, o auxiliar modal destacado remete, sim, à noção de obrigatoriedade, mas o enunciado seguinte confere o tom de ironia e, consequentemente, desencadeia outro enunciado. É como se o locutor evocasse o seguinte enunciado: Os funcionários fazem o que seus chefes determinam, por isso não devem punidos, mas sim seus superiores.

A segunda ocorrência é um fenômeno de ME, pois decorre de um “saber” do locutor que quer levantar uma “hipótese” acerca do funcionamento dos setores da Receita Federal. A ironia, no enunciado, está ancorada no absurdo, pois não há um setor responsável pela violação do sigilo fiscal dos que incomodam o governo.

Após as duas ocorrências do fenômeno, encontramos o enunciado:

Interessante notar que a candidata do governo à Presidência disse que o partido vai entrar com duas ações (...)

A expressão em destaque é um modalizador avaliativo que, no texto em questão, contribui para reforçar a ironia e, ainda, permite depreender outro enunciado que seria: Como se a candidata não soubesse das violações. A expressão desencadeia desse modo a polifonia.

A respeito da ironia, Maingueneau (2011, p. 175) afirma que se dá quando o locutor subverte, desqualifica sua própria enunciação. Na escrita, isso pode ser percebido através de palavras que expressem distanciamento do que está sendo dito ou através do contexto evocado pelo texto como é o caso da carta analisada. Mais uma vez observamos uma enunciação confirmar o uso da modalização.

Observamos mais uma carta CLGL 6 (02.09.2010)

A quebra de sigilo na Receita Federal atingindo qualquer pessoa, candidato ou não, é fato gravíssimo e sinal de perigo real para a democracia. Tem que ser investigada e explicada, jamais banalizada. Ninguém deve se sentir ameaçado pela possível violação da lei, e quebra de sigilos telefônico, bancário ou de dados na Receita é inadmissível. Maria Ceci Ramos do Vale, Rio

Esta carta apresenta um cunho avaliativo ao se referir ao episódio da quebra do sigilo fiscal como fato gravíssimo e sinal de perigo real para a democracia brasileira. Apresenta também um tom de preocupação com os direitos e a privacidade do cidadão brasileiro. Ressaltamos os enunciados:

8. Tem que ser investigada e explicada, jamais banalizada.

9. Ninguém deve se sentir ameaçado pela possível violação da lei [...]

Em (8), a ocorrência de MD prototípica veiculada pela expressão tem que exprime a ideia de obrigatoriedade. Observa-se o tom de cobrança do locutor que, como cidadão, acredita que os seus direitos precisam ser protegidos por alguma esfera responsável por agir nesse sentido.

Em (9), verificamos a incidência da MD expressa pelo auxiliar modal destacado. No recorte, o uso da marca linguística está vinculado ao eixo da crença, isto é, no enunciado, o locutor demonstra saber que seus direitos não podem ser violados. É possível observar a polissemia deste item lexical, embora o verbo dever possa ser usado para indicar necessidade ou obrigatoriedade, verificamos no trecho o uso do item para expressar o que Neves (2002) denomina de necessidade epistêmica, ou seja, a partir do conhecimento que tem acerca da democracia e de direitos instituídos, o locutor confirma que o povo não precisa se preocupar com a violação dos seus direitos.

Um aspecto que merece destaque nesse enunciado é a negação. Mateus et.al. (1989) afirmam que a negação é uma operação de modificação que atua sobre as modalidades lexicalizadas, proposicionais, ilocutórias e pragmáticas. Ocorre, no recorte, o que as autoras denominam negação pronominal. O pronome ninguém incide sobre o conteúdo do enunciado e desencadeia um efeito de sentido de totalidade, é como se o locutor alertasse todos os cidadãos sobre a necessidade de não temer pela violação dos seus direitos.

CLGL 7 (04.09.2010)

Começa mais uma novela sobre invasão de privacidade fiscal às vésperas das eleições. Tenho acompanhado as notícias e as opiniões do público. Talvez minha cabeça esteja cansada e meu

discernimento prejudicado, pois ainda não consegui respostas para algumas questões: por que um partido cuja candidata, segundo as pesquisas, está muito à frente do segundo lugar faria tal coisa? A quebra de sigilo, respondem alguns, ocorreu em 2009. Ok, mas por que só agora, a um mês das eleições, foi divulgada? O PSDB afirma ter sido gente do PT. Pergunto: seria necessário falsificar assinatura, autenticação etc. para que um funcionário do primeiro escalão do governo tivesse acesso a tais informações? Não acredito. Com certeza, bastaria uma ordem e receberiam uma cópia de qualquer declaração de renda. Nisto eu acredito.

Bartolomeu Paes Leme de Abreu, Rio

O locutor desta carta demonstra desconfiar da veracidade da referida quebra de sigilo fiscal. Antes de introduzir os questionamentos referentes à sua desconfiança, enuncia:

10. Talvez minha cabeça esteja cansada e meu discernimento prejudicado.

O advérbio em destaque introduz a ME que, no recorte, expressa possibilidade. O fenômeno desencadeia a polifonia que traz outro ponto de vista, outro enunciado: Minha cabeça é sã ou Tenho discernimento suficiente. Além disso, a ironia também está presente. O locutor parece se desqualificar, ao se caracterizar como alguém que hipoteticamente não estaria em seu juízo perfeito a ponto de não conseguir encontrar respostas para questões que, pelo próprio contexto, são retóricas, pois já se sabe quais são as respostas.

Posteriormente, encontramos a ocorrência de ME no recorte:

11. Com certeza, bastaria uma ordem e receberiam uma cópia de qualquer declaração de renda. (...)

O fenômeno é produzido pela locução adverbial em destaque. Está no campo do saber, do conhecimento, exprime, obviamente, a noção de certeza. Com essa expressão de ME, estabilizada, cristalizada o locutor exprime alto grau de comprometimento, de engajamento com o dito. Aparece após os questionamentos do locutor e incide sobre todo o enunciado que apresenta a “verdade” sobre dado conteúdo. Tais ocorrências, nesta carta, corroboram o tom de desconfiança que está ligado ao conhecimento que o locutor tem de dada situação.

CLGL 8 (16.09.2010)

José Dirceu criticou a liberdade de imprensa ao proferir palestra para sindicalistas petroleiros na Bahia. Chegou mesmo ao extremo de dizer, em uma afronta, que a imprensa brasileira tem excesso de liberdade! É repugnante a postura desta pessoa que se arvora dona do país e do poder, colocando em risco o que ainda nos resta como um dos maiores orgulhos: a voz da liberdade, guardiã da democracia e sentinela da lei e da ordem! A imprensa deve, sim, continuar sempre livre, nunca se subjugar aos interesses escusos ou mesmo vender-se aos tiranetes. Aqui ainda não é a Venezuela!

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