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Mesmo inserida nos estudos linguísticos, a categoria modalidade é de difícil delimitação e conceituação. Isso se dá pela dificuldade de dissociação dos componentes lógico, linguístico e discursivo, pelas diferentes concepções teóricas utilizadas para o tratamento da categoria e pela nomenclatura, pois há autores que utilizam os termos modalidade e modalização indistintamente e os que, ao contrário, atribuem diferentes conceitos a cada um dos termos.

Assim, cabe mencionar algumas considerações e perspectivas sobre a categoria a fim de explicitar as diferentes abordagens que existem no que se refere ao seu estudo.

3.3.1 Duas perspectivas funcionalistas

Entre as abordagens funcionalistas, está a da corrente europeia, que tem em Halliday o seu principal representante. Para o autor (2004), a modalidade pode ser dividida entre os processos de modulação e modalização. O primeiro se refere às propostas (enunciados que veiculam ofertas e ordens) e que têm como polos a determinação e a proibição, ao passo que o segundo diz respeito às proposições e tem como polos a afirmação e a negação.

Outro posicionamento funcionalista relacionado à modalidade é o de Neves (2002; 2006). A autora afirma que o estudo da expressão linguística da modalidade pressupõe as considerações dos modelos lógicos, mas se desvincula desses pelo caráter não-lógico das línguas naturais. As línguas naturais estão condicionadas ao uso e o uso é único, não se repete e tem como produtor um falante que está inserido em uma dada situação. Logo, o estudo da modalidade, sob a ótica linguística, deve considerar tais condições.

Ao abordar as tipologias da modalidade, a linguista usa o termo modalização. A autora concebe a modalidade alética, mas levanta uma discussão

sobre a mesma, uma vez que esta tipologia está ligada à verdade dos mundos possíveis. Tal atributo da modalidade alética dificilmente pode ser medido, verificado no uso de uma língua, pois

[...] é muito improvável que o enunciado se possa manter como uma asserção descompromissada das intenções e das necessidades do falante que assevera, é muito improvável, afinal, que um conteúdo asseverado num ato de fala seja portador de uma verdade não filtrada pelo conhecimento e pelo julgamento do falante. Uma investigação sobre o valor puramente alético de uma proposição a retiraria do contexto de enunciação para centrar-se na organização lógica interna de seus termos e na relação que ela mantem com os mundos possíveis, nos quais seria, ou não, verdadeira. (NEVES, 2002, p.180)

Por isso, a autora assevera que as modalidades stricto sensu são a epistêmica (ligada ao eixo do conhecimento) e a deôntica (ligada ao eixo da conduta), porque podem ser analisadas em ocorrências da língua através das lexicalizações que as materializam.

Neves ainda ressalta que necessidade e possibilidade são as noções que se colocam na base das tipologias das modalidades. Assim, a modalidade epistêmica está relacionada à necessidade e à possibilidade epistêmicas expressas por proposições contingentes, ou seja, que dependem de como o mundo é, do conhecimento que o falante tem do mundo. Já a modalidade deôntica, também está relacionada à necessidade e à possibilidade, mas vinculada às obrigações e às permissões. Desse modo, em ocorrências da língua temos, respectivamente, noções como necessidade epistêmica e possibilidade epistêmica e necessidade deôntica e possibilidade deôntica.

3.3.2 Duas concepções para modalização

Azeredo (2008) considera a modalização como sendo a expressão das intenções e pontos de vista do enunciador. Por meio da modalização, o enunciador inscreve no enunciado seus julgamentos e opiniões sobre o conteúdo do que diz ou escreve, indicando ao interlocutor que efeitos de sentido pretende produzir.

Outro posicionamento referente à modalização é o de Castilho e Moraes de Castilho (1996), que apresentam uma distinção entre modalidade e modalização. Para eles, modalidade é o modo como o falante apresenta o conteúdo proposicional,

isto é, em uma forma assertiva (afirmativa ou negativa), interrogativa e jussiva (imperativa ou optativa); ao passo que modalização consiste na estratégia empregada pelo falante para expressar seu relacionamento com o conteúdo proposicional, avaliando seu valor de verdade ou expressando seu julgamento com a forma escolhida para a verbalização desse conteúdo. Observa-se, nesse posicionamento, não só uma definição, mas uma preocupação com a nomenclatura e com a distinção dos conceitos de cada uma delas.

3.3.3 Duas considerações enunciativas

Benveniste (2005b, p. 192), na explanação que faz sobre os verbos auxiliares, compreende a modalidade como uma asserção complementar referente ao enunciado de uma relação. O autor menciona que, no âmbito da lógica, a modalidade compreende possibilidade, impossibilidade e necessidade. Entretanto, no âmbito linguístico, há duas modalidades básicas: a possibilidade e a necessidade.

Para Coracini (1991), as modalidades constituem verdadeiras estratégias retórico-argumentativas, uma vez que pressupõem uma intencionalidade discursiva, não podendo ser isoladas do ato de fala em que estão inseridas. A autora procura mostrar que a modalidade é a expressão da subjetividade de um enunciador que assume com maior ou menor força o que enuncia, engajando-se mais, engajando-se menos, seguindo normas determinadas pela comunidade em que se insere.

Ao abordar a problemática das modalidades, Cervoni (1989) assevera que todo enunciado é modalizado em maior ou menor grau. O autor assevera que para se chegar a uma concepção da modalidade no âmbito da linguística, é preciso estabelecer restrições. Para ele, há uma diferenciação entre o que é tipicamente modal e o que é parcialmente modal. Assim, chama de núcleo duro o que é tipicamente modal, ou seja, o que está ligado às noções básicas das modalidades advindas da lógica.

O núcleo duro, segundo Cervoni, é constituído pelas seguintes estruturas: modalidades proposicionais (ex.: É necessário que Paulo volte, Paulo deve voltar). As modalidades proposicionais caracterizam-se por sua exterioridade à proposição que modalizam, isto é, incidem sobre toda a proposição. Entre os auxiliares modais,

dever e poder são, nas palavras do referido autor, incontestavelmente, os mais marcados pela polissemia.

Além das modalidades proposicionais e dos auxiliares de modo, o autor acrescenta o que chama de equivalentes, ou seja, alguns advérbios derivados de adjetivos tipicamente modais: necessariamente, obrigatoriamente, certamente, provavelmente, facultativamente. Podemos citar como exemplo:

3. Certamente ele será demitido.

É possível observar que o advérbio em destaque incide sobre todo o conteúdo proposicional “ele será demitido”.

Cervoni (op. cit., p.68) denomina modalidades impuras aquelas que aparecem implícitas ou mescladas em certos lexemas e morfemas. Essas modalidades são consideradas como parcialmente modais, uma vez que incidem sobre parte da proposição, como afirma o autor. Os mecanismos que expressam a modalidade impura são os lexemas verbais, algumas expressões unipessoais (formadas, segundo o autor, por adjetivos como útil, agradável, interessante) e os modos e tempos verbais.

Como exemplo de modalidade veiculada por lexema verbal o autor cita: 4. Eu sustento que João é amável.

Na ilustração, o verbo sustentar acrescenta algum sentido sobre a proposição “João é amável”.

Em se tratando das expressões unipessoais, é possível exemplificar com: “É grave que ele esteja doente”. Nessa proposição, nota-se uma avaliação sobre o conteúdo proposicional, entretanto em “Uma grave doença”, o adjetivo qualifica o substantivo sem conferir qualquer tipo de avaliação, não havendo, pois, modalização, conforme salienta Cervoni.

O modo verbal também expressa uma modalidade menos explícita como em: “Lamento que Ana tenha vindo”, ou implícita como em: “A luta vem/Venha a luta”. No primeiro exemplo, a presença do verbo lamentar indica que o locutor faz uma avaliação sobre o conteúdo da proposição, já nos outros exemplos, o modo verbal expressa o desejo do locutor acerca da vinda da luta.

Para Cervoni, modalidade não se confunde com modalização. Na concepção do autor, a modalidade faz parte do fenômeno modalização.

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