• Nenhum resultado encontrado

Sumário. Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 1112/07-2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "Sumário. Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 1112/07-2"

Copied!
18
0
0

Texto

(1)

Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 1112/07-2

Relator: ANSELMO LOPES Sessão: 17 Setembro 2007 Número: RG

Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: JULGADO PROCEDENTE

LETRA DE FAVOR FALSIDADE MATERIAL

FALSIDADE INTELECTUAL

Sumário

I – Em termos de indícios para pronúncia ou não pronúncia não se podem convocar as mínimas conjecturas, a favor ou contra os arguidos, pois esse momento processual não vive de suposições, tendo que se trabalhar com factos com um grau indiciário elevado (ainda que, por vezes, sem prova directa) e com relevo jurídico-penal.

II – Numa situação em que o executado não teve, por qualquer forma, intervenção no conteúdo de uma letra e os arguidos, além de um deles a assinar como sacador, a terem dado, os dois, à execução, invocando, ora um mútuo verbal que querem ver retribuído, ora serem apenas intermediários, mas sendo assente não terem com o alegado aceitante e executado, que nem conhecem ou mal conhecem, qualquer relação subjacente, é de se considerar indiciado que ambos os exequentes são autores dos crimes de falsificação e de burla.

III – Para esses indícios contribuem, em especial, ainda os seguintes factos:

- Ter o executado emprestado a um filho dos arguidos, entretanto falecido, a quantia de 50.000,00 euros, conforme confissão de dívida regularmente assinada pelo mutuário;

- Ter a letra a data de 15 dias depois da citada confissão de dívida e ser o seu valor de 25.000,00 euros, alegando (também) os exequentes/arguidos que do empréstimo ao filho apenas foi realmente entregue a quantia de 25.000,00 euros, vindo a letra, alegadamente, preencher os outros € 25.000,00 euros;

- Ser o executado pessoa de economia desafogada;

(2)

- Ser a letra descontada, no banco, apenas pelo valor de 5.000,00 euros e vir a ser executada pelos 25.000,00 euros; e, finalmente,

- Ser falsa a assinatura do executado.

IV – Estes factos integram, quanto ao arguido, o crime de falsificação previsto nos artºs 255º, al. a), 256º, nº 1, al. a ou al. b)) e nº 3, ou, pelo menos, o

mesmo crime mas com referência à al. c) do artº 256º e o imputado crime de burla, e, quanto à arguida, pelo menos o crime de uso de documento falso e também o de burla.

V – Com efeito:

- Se foi o arguido o autor material e moral (há três caligrafias diferentes) da falsificação de toda a letra, assenta-lhe a previsão primeiramente indicada;

- Se a falsificação foi materialmente feita por outrem, a letra veio às mãos do arguido, que a assinou como sacador, sabendo que não tinha para com o

aceitante lá indicado qualquer relação subjacente e que, mesmo que a relação subjacente fosse de terceiro, ainda assim, ao fazer um saque de favor estava a fazer constar falsamente de um documento um facto juridicamente relevante, ou seja, estava a criar uma relação cambiária falsa e, neste caso, ajusta-se, pois, a previsão da al. b) do artº 256º;

- Nesta última hipótese, pelo menos, ao assumir a qualidade de sacador de uma relação cambiária para si fictícia, de favor, e ao fazer valer essa mesma relação em acção executiva, cometerá o arguido o crime de uso de documento falso e, em qualquer das situações, também o crime de burla agravada, pois em qualquer delas apenas está subjacente a intenção de obter para si e para terceiro, a mulher, um enriquecimento ilegítimo, causando prejuízo

patrimonial a outra pessoa;

- Por sua vez, quanto à arguida, apenas é apropriada a tipificação de uso de documento falso e da burla, mesmo que apenas a título de dolo eventual, pois, pelo menos ao passar procuração para a acção executiva deve ter tomado conhecimento do que a determinava e dos seus efeitos ou, pelo menos, uma vez que nem conheceria o executado, deve ter representado que se tratava de documento total ou parcialmente falso e conformou-se com isso.

VI – Quem assina uma letra com o nome de outrem, falsifica materialmente o documento, pois este deixa de ser genuíno; quem assina uma letra como sacador, sabendo que não tem para com o aceitante lá indicado qualquer relação subjacente, está a criar uma relação cambiária falsa, ou seja, está a falsificar intelectualmente o documento, quer porque a declaração nele incorporada não corresponde à realidade, quer porque se traduz num facto falso juridicamente relevante.

(3)

Texto Integral

Após audiência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

TRIBUNAL RECORRIDO

Tribunal Judicial de Póvoa de Lanhoso – Pº nº 147/04.4TAPVL

ARGUIDOS J.; e

E.

ASSISTENTE/RECORRENTE M.

RECORRIDOS

O Ministério Público e os arguidos.

OBJECTO DO RECURSO

O MºPº acusou os arguidos da prática, em co-autoria, de um crime de

falsificação e de um crime de burla qualificada, p. e p., respectivamente, pelos artºs 256º, nº1, al. a) e nº 3, e artºs 217º e 218º, nºs 1 e 2, al. a), todos do C.

Penal.

Os arguidos requereram abertura de instrução e viram a sua tese acolhida, pois foi proferido despacho de não pronúncia.

É desta decisão que vem interposto recurso, onde o assistente mantém que há indícios suficientes para levar os arguidos a julgamento pelos citados crimes.

DECISÃO RECORRIDA

É o seguinte o teor da decisão em apreço:

I

1 – Os arguidos requereram abertura de instrução a fls. 77 e sgts, alegando que não praticaram os crimes que lhes são imputados. Dizem que não

perpetraram qualquer plano para se locupletarem com qualquer quantia do assistente; negam, também, que tenham preenchido integral ou parcialmente a letra junta aos autos (com excepção da assinatura do arguido J.) e, afirmam, não praticaram os demais factos essenciais constantes da acusação. O arguido J. alegou, depois, novos factos que explicam a sua assinatura (como sacador) naquele título de crédito, factos esses que afastam, na sua tese, claramente, a

(4)

prática de qualquer acto ilícito pela arguida E., sua mulher, e por si próprio.

2 - Os arguidos requereram diversos actos de instrução, tendo sido junta documentação (cf. – fls. 234 e sgts e 245 e sgts) e sido ouvidas várias

testemunhas e tomadas declarações ao arguido J. – cf. actas de fls. 235, 245 e 255 e sgts.

II

1 – Até ao encerramento da instrução foram recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de falsificação e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs 256º, nº1, al. a) e nº 3, e artºs 217º e 218º, nºs 1 e 2, al. a), todos do C. Penal?

2 – No que diz respeito à arguida E. a resposta à questão formulada é claramente negativa e a sua fundamentação não exige mais do que dois ou três considerandos.

No decurso do inquérito nenhuma testemunha ouvida lhe imputou a prática de qualquer facto concreto limitando-se genericamente a emitirem simples juízos de valor – cf. declarações de fls. 86 e sgts, 88 e sgts e 91- que, com mais

pormenor, serão analisados mais à frente.

Só o assistente é que na queixa que apresentou faz referência à arguida.

Julgo que o assistente só a ela se referiu por ser ela exequente, ou seja, parte na acção executiva intentada contra si (processo nº 340/03.7TBPVL, que corre termos neste Tribunal).

É certo que deduziu a arguida uma pretensão executiva mas daí até dizer-se que, só com base nisso, ela arquitectou todo um plano, juntamente com o seu marido, vai um passo que, objectivamente, não pode ser dado com base na prova produzida em inquérito e instrução.

Face a isto, não há sequer qualquer necessidade de se analisar o mútuo

celebrado por ela (e o seu marido) junto do BES, S.A., para pagamento da letra junta aos autos (cf. – doc. de fls. 185, 204 e 260, sendo o nº da conta de que os arguidos são co-titulares o nº 000).-

3 – Já no que diz respeito ao arguido J. se a resposta àquela questão vai inequivocamente no mesmo sentido (ou seja, de que não há indícios

suficientes para a sua sujeição a julgamento pela prática dos dois referidos crimes), a fundamentação é mais complexa.

3.1 – Deve desde já dizer-se que, para além dos juízos formulados pelo assistente, nenhuma testemunha ouvida sabia alguma coisa de substancial

(5)

sobre os factos (nenhuma percepcionou factos concretos susceptíveis de fundamentar um qualquer juízo indiciário suficientemente seguro), limitando- se a fazer alguns juízos de valor, no meio de factos irrelevantes,

nomeadamente sobre a seriedade do arguido (no caso, falta de seriedade) e sobre aquilo que eles pensam que o arguido é capaz de fazer e sobre aquilo que eles pensam que o assistente não é capaz de fazer – cf. declarações de fls.

86, 88 e 91.

Ora, como para além destas declarações, temos apenas a tese apresentada e amplamente desenvolvida pelo assistente, é bom de ver que terão que ser os documentos juntos aos autos (letra, certidão do processo executivo,

informações do BES, etc.) e os juízos que sobre eles se fizerem, a suportar a presente decisão, sem perder de vista como já se disse, os já várias vezes referidos tipos incriminadores.

3.2 – O arguido J. reconhece que foi ele que sacou a letra junto aos autos, apondo nela a sua assinatura.

Negou, no entanto, que a tivesse preenchido e que no local da assinatura do aceitante tivesse aposto, feita pelo seu próprio punho, a assinatura do

assistente.

Como razão deste saque o arguido apresenta um conjunto de factos em que interveio o seu filho A, já falecido, e o assistente, factos esses que, deve desde já dizer-se, face às declarações das testemunhas ouvidas em instrução, não resultam minimamente indiciados também.

As testemunhas ouvidas de concreto nada sabiam - cf. – fls. 235 e 245 e sgts.

A conversa alegadamente ouvida (mais concretamente a expressão ouvida ao assistente do género “esteja descansado que eu assumo o pagamento da letra”

ou “deixe comigo que eu pago a letra”), surgiu de uma forma totalmente descontextualizada, não conseguindo nenhuma das testemunhas dar-lhe qualquer consistência ou espessura.

Muito estranho seria, pois, que o Tribunal julgasse minimamente indiciado que o assistente assumiu o pagamento da referida letra ao arguido.

Mas, dito isto, também não é menos verdade que para se chegar à conclusão de que estão indiciados os factos essenciais que constam da acusação não bastam as declarações do assistente, o título de crédito junto aos autos, e a documentação relativa à já referida acção executiva.

Em rigor, nada se sabe sobre o negócio (ou os negócios) que fundamentou a emissão da referida letra.

Uma coisa parece-nos segura: o assistente não apôs a sua assinatura no lugar do aceite.

Por simples comparação de documentos (cf. – documentação bancária do

(6)

assistente) julgo fundamentada esta conclusão.

Não pode é dizer-se, com segurança, que foi o arguido a apôr a assinatura do assistente naquele título.

Efectivamente, ninguém o viu a manuscrever a assinatura do assistente

naquela letra no local destinado ao aceite; não foi feito qualquer exame àquela assinatura a fim de se saber se apresenta ela alguns traços ou características da letra do arguido; e nenhum documento junto aos autos faz pensar com algum grau de segurança a prática de tal acto pelo arguido.

Mas imaginemos que sim, que foi o arguido que apôs a assinatura do

assistente naquele título, falsificando-o com o objectivo de obter para si um enriquecimento ilegítimo.

Qual seria o passo seguinte para concluir com êxito tal projecto?

A ideia passaria sempre por usar aquele título, obviamente.

Como?

No campo das simples conjecturas em que nos encontramos, o passo óbvio seria colocar a letra em circulação, criando uma cadeia cambiária complexa, à custa de um endosso seu e de um ou mais endossos seguintes.

Nesta hipótese, o património a ser atingido pelo arguido não seria

imediatamente o do assistente mas o do endossado, em consequência da relação jurídica subjacente ao próprio endosso.

Como juízo hipotético sobre aquilo que poderia ser feito por quem falsifica uma letra este é o mais consistente.

Por isso, para afastar este comportamento mais ou menos previsível, tem que se estar perante a prática pelo arguido de alguns factos concretos que com segurança nos façam concluir pela existência de um outro plano com alguma objectividade e racionalidade.

Ora, se atentarmos no que o arguido realmente fez a inconsistência dos factos constantes da acusação e o seu enquadramento afigura-se-me evidente.

O que é que fez o arguido?

Começou por apresentar a letra a “desconto bancário”.

O Banco BES, S.A., confiando no arguido e na genuinidade da letra apresentada, entregou-lhe a quantia por ela titulada.

Este tipo de desconto normalmente apresenta para a instituição bancária um risco relativamente diminuto.

Com efeito, na data do vencimento do título, não sendo ele pago pelo

aceitante, é imediatamente devolvido ao sacador (foi o que aconteceu) tendo ele que assumir o seu pagamento à respectiva instituição ou é ele (e o

aceitante) imediatamente accionado para o pagamento coercivo da quantia titulada e demais acréscimos legais e contratuais.

Estes considerandos são já suficientes para se poder começar a pensar que o

(7)

arguido pode ter agido de boa-fé, no sentido de ter encarado a referida letra como uma letra sem qualquer vício (independentemente de como já se disse nada se poder saber com segurança sobre o ou os negócios que lhe estão subjacentes e de o arguido nela figurar como sacador).

Depois, face à devolução do título o arguido intentou contra o aceitante acção executiva (cf. – processo nº ---).

Na acusação constrói-se um complexo conjunto de factos a respeito desta pretensão executiva.

Resumidamente, a referida acção foi intentada com o objectivo de tornar revel o assistente e, sem o seu conhecimento, atingir e vender judicialmente parte do seu património, consumando-se assim a intenção de enriquecimento.

Julgo a dedução de tal pretensão executiva, atenta a sua publicidade, a

complexidade de actos processuais a praticar, a inevitável demora deste tipo de acções, o eventual chamamento de outros credores nos termos do disposto no artº 864º, do C. P. C., a intervenção, a qualquer momento, do executado fazendo cessar a sua revelia, a intervenção do Mº Pº em representação do executado revel, nos termos do disposto no artº 15º do C.P.C., e a possibilidade de, mesmo depois de concretizadas as vendas e pago o exequente, poder o executado revel requerer a todo o tempo a anulação da própria execução nos termos do artº 921º do C. P. C., julgo, dizia, que a dedução de tal pretensão só pode é reforçar, tornando-o consistente, aquele juízo perfunctório de que o arguido teve como boa, ou seja, não viciada, a letra que deu à execução.

A título meramente exemplificativo veja-se a complexidade dos actos processuais praticados até à “citação edital” do executado (cf. – fls. 118 e sgts.).

O Tribunal da Comarca de Póvoa de Lanhoso procedeu às respectivas

pesquisas nas bases de dados que originou a emissão de carta precatória e de nova carta registada com prova de depósito.

Só depois de todas estas diligências é que o exequente (como qualquer exequente) pediu a citação edital do executado.

Mas este pedido de citação edital foi acompanhado de novas diligências por parte do Tribunal junto da GNR de Braga e da GNR de Vila Verde (Prado) e, só após tudo isto, é que o executado foi citado editalmente, afixando-se os

respectivos editais e publicando-se no Correio do Minho os respectivos anúncios.

O arguido ainda fez mais do que tudo isto.

Depois de ter intentado aquela acção executiva, após a devolução pela instituição bancária do respectivo título, outorgou um contrato de

financiamento para liquidação àquela instituição da quantia que esta lhe havia entregue – cf. docs de fls. 204 e 260 - estando a pagar ao banco (juntamente

(8)

com a sua mulher) a quantia mensal de €328,70 até integral pagamento.

Se aquele primeiro juízo perfunctório (de que o arguido encarou a mencionada letra como uma letra sem qualquer vício) adquiriu consistência com a aludida pretensão executiva, com a obrigação assumida, que está a ser cumprida, perante a instituição de crédito referida, tal juízo adquire foros de quase evidência (conclusão que afasta também a imputação ao arguido de ter usado um documento falso, nos termos do disposto no artº 256º, nº 1, al. c) e nº 3, do C. Penal).

Não julgo pois suficientemente indiciado que o arguido tenha aposto, pelo seu próprio punho a assinatura do assistente na letra junta aos autos e que tenha intentado a execução com a intenção de obter bens daquele em processo executivo para posterior venda e enriquecimento ilegítimo.

III

À luz de tudo o exposto, julgo não suficientemente indiciados os factos essenciais constantes da acusação, nomeadamente, os referidos nos parágrafos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º.

Julgo também não suficientemente indiciados os factos referidos nos artºs 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 16º, 17º, 18º, 21º, 22º e 26º, todos do

requerimento de abertura de instrução.

Por isso, não pronuncio os arguidos J. e E. pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de falsificação p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al.

a) e nº 3, do C. Penal e de um crime de burla qualificada p. e p. pelos artºs 217º e 218º, nº 2, al. a), do C. Penal.

MOTIVAÇÃO/CONCLUSÕES

É o seguinte o texto a que o recorrente chama conclusões e que, por economia, preferimos transcrever verbum pro verbo:

1. Desde logo, mal andou o tribunal recorrido ao não pronunciar a arguida mulher, invocando não haver indícios suficientes do seu envolvimento na prática dos crimes constantes da acusação, ou seja, em co-autoria, e na forma consumada, de um crime de falsificação e de um crime de burla qualificada, 2. Ora, a arguida mulher, não intentou, juntamente com o seu marido, arguido, uma execução de uma letra, no valor de 25 mil euros que o assistente, ora recorrente nunca aceitou?

3. A qual nunca foi resultado de qualquer contrato verbal entre ambos arguidos e assistente,

4. É que, resulta dos autos que a arguida mulher, tal como o seu marido, bem sabiam que aquele dinheiro não lhes era devido pelo assistente e para

intentarem a execução, marido e mulher recorreram aos serviços de um advogado, outorgando-lhes uma procuração.

(9)

5. Pelo que, não há dúvidas de que a arguida mulher assinou essa procuração, não se aceitando pois que venha agora o tribunal, porque, como diz o

despacho o arguido marido apresentou novos factos...

6. Ora, apresentou novos factos, (mentiras), para se ilibar e ilibar a mulher, e o tribunal não apreciou devidamente a prova, pois constam claramente versões contraditórias, quer da execução, quer do requerimento de abertura da

instrução. Ora, um claro e manifesto erro de apreciação e valoração da prova por parte do tribunal recorrido.

7. Ao que o tribunal, não poderia ficar alheio, e quando muito ficar com fundadas e sérias dúvidas, que aliás estão patente ao longo da decisão.

8. E, nesta fase processual a dúvida não pode originar a não pronúncia, pois o princípio amplamente aplicado no direito processual penal do "in dubio pro reo" deve sim ser aplicado, mas em sede de julgamento!

Por outro lado,

9. A letra em causa nos autos, ou seja, na acusação e na execução, não é

sequer a mesma que os arguidos referem na abertura da instrução, pois basta ver o documento de fls.185, a letra e o oficio solicitado ao BES para verificar que as datas valor e liquidação referidas na declaração de fls. 185 não

correspondem às datas de emissão e vencimento da letra. Portanto, e mais uma vez, uma errada apreciação da prova produzida, que tinha de,

devidamente apreciada originar decisão diversa.

10. E pese embora a informação bancária posterior, de fls. …., referindo que a letra é a mesma, também aí se diz que parte do capital da mesma tem a ver com um empréstimo efectuado pelos arguidos para obterem saldo suficiente para a sua liquidação.

11. Ora, se isto é verdade, esta letra não poderá ser a mesma que foi dada à execução, pois aqui, os exequentes arguidos não referiram a apresentação da mesma a desconto bancário, e se assim é, e é o Banco quem o refere, não é verdade o que os arguidos alegaram quando vestiam a pele de exequentes, onde diziam que a letra resultava de um contrato verbal de mútuo - cfr. art. 5°

da p.i. da execução.

12. Porém, se atentarmos no requerimento de abertura de instrução, constata- se que aqui já falam os arguidos de um saque no valor de 25.000,00€, não em favor dos arguidos mas sim do seu filho, embora passando pelo arguido pai.

13. Mais contradições que o tribunal preferiu não relevar, mas claramente reveladoras do plano arquitectado pelos arguidos para extorquirem dinheiro ao primeiro.

14. Apesar da falta de seriedade do arguido manifestada pelas testemunhas e que o tribunal mencionou mas preferiu “fechar os olhos”.

15. O tribunal refere que o arguido J. reconhece que sacou a letra junta aos

(10)

autos, apondo nela a sua assinatura e que “uma coisa parece-nos segura: o assistente não apôs a sua assinatura no lugar do aceite”.

15. Porém, diz ainda que não pode é “...dizer-se, com segurança., que foi o arguido a apor a assinatura do assistente naquele título”.

16. Mas, quem mais seria, se o próprio arguido admite e reconhece que na letra em causa apôs a sua própria assinatura, e se depois de o fazer é o próprio arguido, juntamente com a sua mulher, que intenta uma execução contra o assistente, tendo por base essa mesma letra?

17. Apesar de o tribunal não o poder afirmar, como diz, com segurança,

porque ninguém viu o arguido a manusear a assinatura, do assistente, porque nenhum exame foi efectuado à mesma, pelos factos relatados há indícios suficientes dos factos relatados na queixa e na acusação.

18. Se há contradições na origem daquela letra, se o arguido marido

reconhece e admite que na mesma apôs o seu nome, se é ele e a sua mulher quem intenta execução da mesma contra o assistente, quais são as duvidas do tribunal? Ou, quais são as certezas do tribunal?

19. Como pode, face a todas as contradições e factos relatados, o tribunal concluir que não há indícios suficientes!!!

20. Ora, foram incorrectamente apreciados e consequentemente julgados os factos supra relatados.

21. Mais uma vez se diz, na dúvida pronuncia-se e não o contrário! Aliás a dúvida está patente ao longo do despacho de pronuncia, onde o tribunal recorrido, se coloca na posição de arguido, e com os conhecimentos, que o mesmo não tem, elabora, uma tese, a sua, mas que, com certeza não pode concluir ser a dos arguidos.

22. Alias, repete-se, é o próprio tribunal recorrido que refere o depoimento das testemunhas, mencionando que os mesmos não sabiam nada de relevante sobre os factos, e que se limitaram a "fazer juízos de valor sobre a seriedade do arguido (no caso) falta de seriedade)"

23. Pelo que, e desde logo, se o pretendessem fazer, ou seja, endossar a letra, teriam, face ao supra referido, muita dificuldade em faze-lo. Não saberiam, ou não teriam a quem o fazer! Desde logo, andou muito mal o tribunal recorrido na apreciação da prova produzida!

Acresce que,

24. E, passando já para o plano da "realidade" dos factos ocorridos, o tribunal recorrido diz que a letra foi apresentada a pagamento. Estranho!!!!

25. Antes de mais, não se aceita, de forma tão clara como o fez o tribunal recorrido, que a letra tenha sido apresentada a pagamento.

26. Isto porque, aquando da propositura da execução, os exequentes, ora arguidos, nem sequer mencionam tal facto, o que não é normal, caso a mesma

(11)

tivesse de facto sido apresentada a pagamento.

27. Depois porque, dos documentos juntos pela dita instituição bancária, vem referida a letra, como sendo a mesma, mas em contexto e finalidades, que, salvo o devido respeito, nos parecem diversos daqueles que os arguidos referem, e que, o tribunal considerou.

28. Mas, ainda que se tratasse da mesma letra, dúvidas não restam que foi o arguido quem a preencheu, foi o arguido que apôs o seu nome, e que não foi o assistente que apôs o seu próprio nome.

29. Dúvidas também não existem que a mesma letra foi dada à execução pelos arguidos, e contra o assistente, ora recorrido.

30. No requerimento de abertura de instrução o próprio arguido reconhece que não era a letra do assistente a que estava no título de crédito em causa, mas mesmo assim não se coibiu de a executar!

31. E, entendeu o tribunal recorrido, salvo o devido respeito, mas muito mal, que o facto de o arguido ter apresentado a letra a pagamento, era sinal de estar a agir de boa fé.

32. Antes de mais, refira-se que os arguidos nunca disseram nos autos que tentaram alguma vez receber, extrajudicialmente, do assistente o montante titulado na letra, e isto sim, poderia ser um sinal de boa fé!

33. Os arguidos alegam uma dívida do assistente no valor aposto na letra, quando o mesmo era credor do filho (entretanto falecido) dos arguidos no valor em dobro, o que, no mínimo é estranho, pois estando o assistente a haver a quantia de 50 mil euros do filho dos arguidos, ainda lhes fosse emitir uma letra no valor de 25 mil euros!!

34. E não podemos esquecer que o próprio banco veio dizer que o capital da letra era destinado, em parte à liquidação de um empréstimo que os arguidos estavam a pagar, o que contradiz totalmente a tese de que a letra resultaria de um mútuo verbal.

35. Pelo que, mais uma vez, andou mal o tribunal recorrido na apreciação da prova produzida, a qual não foi devidamente valorada face aos elementos de prova juntos. Tendo, em consequência, decidido incorrectamente.

36. Por outro lado, o tribunal, não considerando válida a acusação, vem reconhecer que os arguidos, ao intentarem a execução e prosseguindo

"pacientemente" a tramitação processual daqueles autos, agiram sempre de boa-fé.

37. Ora, estes nunca tentaram, extrajudicialmente receber a quantia que dizem ser credores do assistente, como se disse. Porque não o são!

38. Sabiam que o mesmo era morador no estrangeiro e apesar disso não

deram tal informação ao tribunal. Aqui devidamente aconselhados sabiam que mais valia aguardar "pacientemente", deixando seguir os trâmites processuais,

(12)

ainda que mais demorados, mas no caso mais eficazes!

39. Contrariamente ao vertido no despacho de não pronúncia, o caminho seguido pelos arguidos, aquando da execução, é o que, normalmente e

previsivelmente, seria adoptado por alguém que estivesse a praticar os factos descritos na queixa e na acusação.

40. De facto, só actuando dessa forma, os arguidos puderam branquear a falsificação da letra e o seu uso indevido, pois, o percurso seguido pelos arguidos teve o propósito exactamente contrário àquele que o tribunal descortinou.

41. Só actuando da forma que o fizeram é que os arguidos conseguiriam mover uma execução contra o assistente conseguindo que este não deduzisse qualquer defesa nos autos.

42. Para isso, contribuiu decisivamente a indicação de uma morada do

assistente, onde os arguidos sabiam muito bem que este nunca seria citado.

43. Por isso, a citação edital funcionaria como a "cereja no topo do bolo", resguardando os arguidos de quaisquer suspeitas das suas verdadeiras intenções.

44. Mas, da matéria de facto levada para os autos não podia o tribunal ter decidido pela não pronúncia, tendo errado, de forma notória na valoração da prova junta e produzida, e em consequência formulado uma errada convicção, e julgado de forma incorrecta os factos.

45. Ora, decidindo pela não pronúncia dos arguidos pelos factos constantes da queixa e da acusação o douto despacho recorrido violou as normas constantes dos artigos 410.º, n.º 2 e als. a) e b) do n.º 3 do 412, todos do C.P.P.

RESPOSTA

No Tribunal recorrido, o Ministério Público respondeu para defender o julgado, dizendo em especial o seguinte:

…o assistente limita-se na sua resposta a tecer considerandos sem contudo concretizar e especificar em que pontos concretos da prova e em que meios de prova se estriba para considerar, ao invés do Tribunal a quo, suficientemente indiciados todos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de ilícito consistentes na falsificação de documento autêntico e de burla imputados aos arguidos, pretendendo socorrer-se de prova indiciária, que não explana com rigor.

Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que não assiste qualquer razão ao recorrente, pois que uma mera análise crítica e recorrente das regras de experiência comum de toda a prova, nomeadamente a carreada nos autos na fase de Inquérito e a produzida na fase da instrução, levam-nos a concluir precisamente o contrário do que aquele concluir, mas tal como o Meritíssimo

(13)

Juiz de Instrução Criminal a quo decidiu e fundamentou.

(…)

Mutatis mutandi, também em relação ao arguido J. inexiste nos autos qualquer prova directa dos factos denunciados já que não houve realização de exame à letra, não lhe foram colhidos autógrafos e o arguido negou ter procedido à imitação da assinatura do assistente no local destinado ao aceitante na letra dos autos.

Na verdade, embora, no decurso do inquérito o arguido J. tenha lançado mão da faculdade que lhe assiste nos termos do artigo 61.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, o certo é que em instrução requereu a sua audição no âmbito do qual esclareceu que algum tempo antes do falecimento, o seu filho apresentou-lhe uma letra, que é a que consta dos autos, integralmente preenchida inclusivamente no lugar do aceite, com excepção do espaço destinado à identificação do sacador; a intenção do seu filho era a de que o depoente descontasse essa letra em instituição bancária, uma vez que ele não o poderia fazer pois não tinha crédito bancário; primeiro deslocou-se à

agência da Caixa Geral de Depósitos da Póvoa de Lanhoso, que não aceitou aquela letra para desconto foi depois à agência do Banco Espírito Santo de Porto D’Ave, Taíde, Póvoa de Lanhoso, tentar descontá-la, pois conhecia o respectivo gerente; por causa disso aquele banco entregou-lhe a quantia de 5000,00 euros que entregou ao seu filho, Até à data do funeral, jamais tinha tido qualquer contacto com o tal M.; a primeira vez que falou com ele foi no funeral do seu filho onde falaram educadamente sobre a letra; o tal Sr. M.

disse-lhe que não havia nenhum problema e chegou a dizer-lhe que lhe iria pagar a letra.

PARECER

Nesta instância, o Ilustre Procurador Geral-Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso, dizendo essencialmente o seguinte:

Debruçando-nos sobre os presentes autos, temos que concluir como foi decidido no despacho criticado: há falta de indiciação dos crimes imputados aos arguidos.

É por demais evidente que à arguida não se pode imputar um qualquer juízo de censura. A mesma figura apenas como exequente numa acção cível que, juntamente com o arguido, seu marido, propôs contra o assistente. Só isso, sendo até estranho como nessa acção já nela figura como autora.

Neste particular, nada autoriza a afirmação duma indiciação criminosa. A sua não pronúncia é, pois, uma exigência de justiça.

Quanto ao arguido, a prova da imputação dos dois mencionados crimes é francamente escassa e nada assertiva.

(14)

É escassa pois que, no que concerne ao crime de falsificação ninguém, absolutamente ninguém presenciou o arguido a falsificar a assinatura do

assistente, assinatura que, como acima já se evidenciou, não corresponde à do assistente.

O que em causa poderia estar, então, é o crime de uso de documento falso por parte do arguido. É ilícito penal que ao mesmo também é atribuído na

acusação do MºPº - vd. fls. 160 e seguintes.

Não deixa de ser verdade, completamente verdade, que o arguido usou documento falso. E assim é porque a assinatura do aceite posto na letra de câmbio não foi feita pelo punho do assistente, não sendo a sua assinatura.

Usou documento falso porque o apresentou a desconto em instituição

bancária, dessa forma obtendo financiamento da mesma. Não tendo logrado o pagamento do falso aceitante, certo é que o pagamento daquela recaiu sobre o sacador – a sua pessoa. Mas tal facto, não retira a evidência de ter usado um documento falso para obter dinheiro vivo num momento em que dele,

seguramente, precisava.

Só que a relevância penal desta conduta passa, forçosamente, por saber se o arguido quando assim procedeu, sabia que o documento – a letra – continha falsificação, que o documento no aceite tinha aposta assinatura que não era do aceitante, do sacado.

Ora, essa prova seguramente que não existe no processo. Nenhuma testemunha, nem o assistente pode asseverar tal facto. Isso poderia ser apurado se se tivesse conhecimento de quem havia procedido ao

preenchimento da letra e junto dela se obter a informação das circunstâncias concretas que rodearam a emissão daquele título. Mas até ao momento, não se sabe quem é que, efectivamente, preencheu aquele documento, quando é que o mesmo foi completado e porque é que o foi.

Claro está – é evidente a olho nu, que pelo menos 3 pessoas preencheram a letra de câmbio. O arguido após o seu nome nela e quem escreveu a data do vencimento e o montante dela, não foi a mesma pessoa que escreveu o nome e morada do sacado, o local de emissão, o nome do sacador e outros dizeres que do lado esquerdo da letra são visíveis. Os grafismos são distintos.

Sendo assim, claro fica que o decidido sobre a indiciação do mencionado crime no que concerne ao uso de documento falso, se mostra completamente

acertado. Nada há, pois, a censurar no despacho criticado.

Por outro lado, o caso em apreço não consente que se possa dizer indiciado o crime de falsificação na hipótese prevista na alínea b) do art. 256 do CPenal – fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante. O que deixamos dito sobre o uso do documento falso no que tange à apreciação da prova, tem aqui plena aplicação. Não se patenteia qualquer falsidade

(15)

intelectual nem um qualquer abuso de assinatura.

Daí, portanto, a correcção do despacho criticado.

E se assim é quanto à falsificação, seguramente que o é, também, quanto à burla. Não existindo indiciação da falsificação funcionando esta como

instrumento daquela, afastado está qualquer juízo prognóstico de condenação do arguido.

Por isso, e aqui também, a sem mácula do despacho em apreço.

PODERES DE COGNIÇÃO

O objecto do recurso é demarcado pelas conclusões da motivação – artº 412º do C.P.Penal, sem prejuízo do conhecimento oficioso nos termos do artº 410º, nº 2 do mesmo Código, do qual serão as citações sem referência expressa.

FUNDAMENTAÇÃO

O que se busca nestes autos, como é evidente, é um conjunto de indícios que sejam suficientemente fortes para se acreditar na condenação dos arguidos pelos crimes imputados.

E, para começar, há que pôr mais dois factos em evidência:

1º- Pode dar-se como adquirido que o assistente nada fez, nem sequer um rabisco, para ser executado com base na letra em causa; e

2º - Os indícios recaem todos - e só podem recair - exactamente sobre quem na letra intervém e dela tirou proveitos: os arguidos.

Isto posto, e assente, o resto torna-se deveras fácil: os indícios são vários e bastantes e os pormenores que permanecem obscuros não são nada que um bom julgamento não resolva, devendo-se, em especial, analisar

exaustivamente o percurso bancário da letra, incluindo as anormalidades da sua localização em Porto d’Ave e de, sendo ela de € 25.000,00, só ter sido

“descontada” por € 5.000,00!!!

Não podemos convocar para aqui a mínima conjectura, a favor ou contra os arguidos, pois este momento processual não vive de suposições. Temos que trabalhar com factos com um grau indiciário elevado (como é óbvio, não se consegue, em casos destes, a prova directa dos factos) e com relevo jurídico- penal.

Ora, factos dessa natureza a reter são os realçados: o assistente não será visto nem achado, por qualquer forma cambiária, no conteúdo da letra e os

arguidos, além de um deles a assinar como sacador, deram-na (os dois, note-se bem) à execução, invocando um mútuo verbal que querem ver retribuído.

As tentativas de explicação dos arguidos, em especial do arguido, são tão incríveis como irrelevantes. E também contraditórias, pois, além do mais que se verá, afirmam, por um lado, que a letra representava o crédito de um

(16)

mútuo feito ao assistente e, por outro, vêm depois dizer que foram apenas intermediários, devido ao mau nome bancário do filho!

Absolutamente inverosímil é também a versão, constante dos pontos 4, 5 e 6 de fls. 177 vº, de que o assistente só teria entregue ao filho dos arguidos € 25.000,00 dos € 50.000,00 da confissão de dívida e…

Vem incompleto o raciocínio, notando-se a incongruência da ligação do

conteúdo daqueles três pontos com o teor do ponto 7 e, depois, dos pontos 8 e 9: não há ligação lógica entre os temas e a locução conjuncional subordinativa causal é que…, do ponto 7, está ilogicamente colocada.

Subentendendo-se que a letra viria preencher os outros € 25.000,00, não se aceita como razoável que o filho dos arguidos tenha subscrito o documento de fls. 34 por € 50.000,00 e que, 15 dias depois, aparecesse uma letra de €

25.000,00 assinada no aceite não se sabe por quem, que pelo assistente não terá sido.

Cabe dizer-se que o raciocínio dos arguidos também falha rotundamente quando ousam a explicação dos citados pontos 4 a 6 e… 7 a 9, pois, na verdade, o arguido vem a confessar (cf. fls. 256) que o banco apenas lhe entregou € 5.000,00 que depois entregou ao filho!!!

Se assim fosse, então o crédito real perante o alegado aceitante seria apenas desses € 5.000,00 e não dos € 25.000,00 (as partes ainda não fizeram contas sobre a dívida confessada dos € 50.000,00) e a diferença, € 20.000,00, dá, pelo menos, uma medida do enriquecimento ilegítimo dos arguidos.

Deve realçar-se, ainda, o absurdo da afirmação do citado ponto 4 - a

declaração/confissão de dívida não atesta que o filho dos arguidos já tivesse, naquela altura, recebido os cinquenta mil euros - e do ponto 6 - na verdade o queixoso havia entregue tão-só a quantia de vinte e cinco mil euros ao falecido A -, já que se chegaria à conclusão de que, no espaço de 15 dias, o credor de € 50.000,00 se confessava devedor de 25.000 e que o devedor de 50.000 era também credor de 25.000!!!

É ilogismo a mais.

A versão do mútuo dos arguidos ao assistente, não sendo processualmente ingénua, não tem, obviamente qualquer fundamento, pois, além de os arguidos não terem qualquer tipo de relação com o alegado mutuário (só se

conheceram no funeral do filho), não cabe na cabeça de ninguém que este último (que, tudo o indica, parece ter economia desafogada) tivesse entregue ao filho dos arguidos, em 18-09-02, a quantia de € 50.000,00 e de seguida, 15 dias depois, em 02-10-02, estivesse a pedir € 25.000,00 a estranhos.

Mutatis mutandis, é um absurdo pensar-se, e afirmar-se, que tudo se passou com o filho dos arguidos e que o mútuo foi por este feito …a quem 15 dias antes lhe tinha entregue € 50.000,00, estando a financiar a abertura de um

(17)

comércio!

Não se esqueça, entretanto, que o assistente nada terá a ver com a letra! Quer ela tivesse sido “criada” pelos arguidos quer pelo seu filho, …o assistente é totalmente estranho a tal título. Por isso, ao atribuir ao assistente a qualidade de aceitante, a dita letra é falsa, não interessando, agora, quem é que

falsificou a assinatura do assistente. Há na letra mais falsidades e relevantes.

E, afastada, naturalmente, a hipótese ter sido o filho dos arguidos a fazer o mútuo ou a elaborar aquele papel, reconduzimo-nos à segunda indicada

evidência: só os arguidos são sérios suspeitos, pois foi o arguido quem assinou a letra como sacador e só ele, e a mulher, estão a tentar beneficiar com tal título.

Mas, seja qual for a versão, sempre os arguidos terão que responder pelos seus actos, que, indiciariamente, ou integram, quanto ao arguido, o crime de falsificação previsto nos artºs 255º, al. a), 256º, nº 1, al. a ou al. b)) e nº 3, ou, pelo menos, o mesmo crime mas com referência à al. c) do artº 256º e o

imputado crime de burla, e, quanto à arguida, pelo menos o crime de uso de documento falso e também o de burla.

Vejamos como.

Se foi o arguido o autor material e moral (há três caligrafias diferentes) da falsificação de toda a letra, assenta-lhe a previsão primeiramente indicada.

Se a falsificação foi materialmente feita por outrem, a letra veio às mãos do arguido, que a assinou como sacador, sabendo que não tinha para com o

aceitante lá indicado qualquer relação subjacente e que, mesmo que a relação subjacente fosse de terceiro, ainda assim, ao fazer um saque de favor estava a fazer constar falsamente de um documento um facto juridicamente relevante - ACSTJ 07-11-2001, Proc. n.º 2527/01 - 3.ª Secção - Lourenço Martins (relator):

I - Na falsificação material o documento deixa de ser genuíno, não garante a sua proveniência ou a sua forma está adulterada; na falsificação intelectual o documento é inverídico, ou porque a declaração incorporada no documento não corresponde à prestada ou porque se traduz num facto falso juridicamente relevante.

II - O que se mostra essencial é tentar detectar se existe ou não uma mutatio veri, de forma a colocar no lugar da realidade uma aparência diversa,

aceitável no tráfico geral do documento ou na sua utilidade social., ou seja, estava a criar uma relação cambiária falsa. Neste caso, ajusta-se, pois, a previsão da al. b) do artº 256º.

Nesta última hipótese, pelo menos, ao assumir a qualidade de sacador de uma relação cambiária para si fictícia, de favor, e ao fazer valer essa mesma

relação em acção executiva, cometerá o arguido o crime de uso de documento

(18)

falso e, em qualquer das situações, também o crime de burla agravada, pois em qualquer delas apenas está subjacente a intenção de obter para si e para terceiro, a mulher, um enriquecimento ilegítimo, causando prejuízo

patrimonial a outra pessoa.

Quanto à arguida, apenas é apropriada a tipificação de uso de documento falso e da burla, mesmo que apenas a título de dolo eventual, pois, como salienta o ofendido, pelo menos ao passar procuração para a acção executiva deve ter tomado conhecimento do que a determinava e dos seus efeitos ou, pelo menos, uma vez que nem conheceria o executado, deve ter representado que se

tratava de documento total ou parcialmente falso e conformou-se com isso.

ACÓRDÃO

Pelo exposto, acorda-se em se julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, a substituir por outra que pronuncie os arguidos pelos citados crimes.

Sem custas.

*

Guimarães, 17 de Setembro de 2007

Referências

Documentos relacionados

Para eficiência biológica, de forma geral, utiliza-se a comparação de produtividades entre sistemas (monocultivo e cultivo consorciado), sendo avaliados a partir de

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

A seqüência analítica • Definição do problema • Escolha do método • Amostragem • Pré-tratamento da amostra • Medida • Calibração • Avaliação •

6 Consideraremos que a narrativa de Lewis Carroll oscila ficcionalmente entre o maravilhoso e o fantástico, chegando mesmo a sugerir-se com aspectos do estranho,

Como irá trabalhar com JavaServer Faces voltado para um container compatível com a tecnologia Java EE 5, você deverá baixar a versão JSF 1.2, a utilizada nesse tutorial.. Ao baixar

Nesse contexto, a análise numérica via MEF de vibrações sísmicas induzidas por detonações se mostra como uma metodologia que pode contribuir significativamente

Figure 8 shows the X-ray diffraction pattern of a well-passivated metallic powder and a partially oxidized uranium metallic powder.. Figure 7 - X-ray diffraction pattern of

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá