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Sumário. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 288/09.1GBMTJ.L2.S1

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Supremo Tribunal de Justiça

Processo nº 288/09.1GBMTJ.L2.S1 Relator: MANUEL BRAZ

Sessão: 11 Outubro 2012 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO

HOMICÍDIO INFANTICÍDIO HOMICÍDIO PRIVILEGIADO

ACORDÃO DA RELAÇÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO

CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS DIREITO AO RECURSO

CONSTITUCIONALIDADE ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA

ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA

ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS

MEDIDA CONCRETA DA PENA CULPA

CAPACIDADE DA AUTO-CENSURA DIMINUÍDA

PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL

ANTECEDENTES CRIMINAIS CONFISSÃO

SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA

Sumário

I - Quando, em recurso, a Relação diminui a pena aplicada em 1.ª instância, sem alteração dos factos provados e da sua qualificação jurídica, deve

entender-se que, relativamente ao arguido, há confirmação. Na verdade, o que fundamenta o seu direito de interpor recurso de uma decisão judicial é a

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circunstância de esta lhe ser desfavorável, como resulta do art. 401.°, n.º 1, al.

b), do CPP, que apenas lhe permite recorrer das «decisões contra ele proferidas».

II - Ora, se o arguido, no caso de ser condenado em 1.ª instância em pena de prisão não superior a 8 anos, com confirmação dessa pena por acórdão da Relação, não pode recorrer desta última decisão, mal se compreenderia que, à luz do fundamento do direito de recorrer, lhe fosse permitido interpor recurso numa situação que só tem a novidade de lhe ser mais favorável, como é a do acórdão da Relação que, mantendo inalterados os respectivos pressupostos, reduz a pena aplicada pelo tribunal de 1.ª instância.

III - É neste sentido que o STJ vem decidindo maioritariamente, falando de confirmação in melius. E o TC, chamado a decidir sobre esta matéria por mais de uma vez, não viu neste entendimento desconformidade com normas

constitucionais (cf., por exemplo, Acs. 2/2006, 20/2007 e 125/2010).

IV - Porém, no caso, a fixação pela Relação da pena de 6 anos de prisão

ocorreu pela via da atenuação especial da pena. A atenuação especial da pena, mesmo quando não releva de uma alteração da matéria de facto, configurando uma diversa qualificação jurídica dos factos, por determinar uma diferente moldura penal, nos termos do art. 73.° do CP, constitui, só por si, um obstáculo à consideração do acórdão da Relação como confirmatório da decisão de 1.ª instância, devendo num tal caso reconhecer-se ao arguido o direito de pedir ao STJ o reexame do processo de determinação da pena, à luz dos novos

pressupostos, constituídos pelos novos limites da pena legal. E, no caso, a atenuação especial da pena fundou-se até numa alteração da matéria de facto.

V - A arguida aceita que os factos provados integram um crime de homicídio do art. 131.° do CP, tendo-se conformado com o acórdão da Relação na parte em que decidiu não se estar perante o crime de infanticídio do art. 136.°. O objecto da sua discordância é a determinação da medida concreta da pena dentro da moldura penal determinada pela atenuação especial, nos termos do art. 73.°, n.º 1, als. a) e b), do CP, ou seja, entre o limite mínimo de 19 meses e 6 dias de prisão e máximo de 10 anos e 8 meses de prisão.

VI - A arguida «actuou deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de tirar a vida ao seu filho», agindo porém «sem reflexibilidade» sobre o acto que praticou. Com esta última afirmação, contida nos factos provados, ter-se-á querido significar que ela não reflectiu sobre esse acto. Mas a arguida não perdeu o discernimento. Pretendendo matar o recém-nascido, apertou-lhe o pescoço, para o asfixiar. Não o conseguindo com esse gesto, devido ao estado de fragilidade física em que se encontrava em resultado do esforço do parto, procurou e encontrou outro meio idóneo, estrangulando-o com a alça elástica de um sutiã. Assim, agindo embora sob influência dos sentimentos de medo e

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vergonha de que viesse a saber-se do parto, o que lhe diminuiu a capacidade de autocensura, a arguida tinha o domínio da sua vontade e compreendia o alcance dos seus actos.

VII - E foi-lhe dada a oportunidade de que tudo se passasse de modo diferente, sem sacrifício da vida do filho: foi-lhe oferecida ajuda «no que respeita aos bens de que necessitaria durante a gravidez e após o nascimento da criança».

E uma colega ofereceu-se mesmo para receber em adopção o filho. A primeira destas ofertas, não a dispensando embora da vergonha de ter um filho

naquelas circunstâncias, libertava-a, pelo menos, da dependência dos seus familiares. E a segunda coadunava-se à manutenção do segredo perante a família e a generalidade das pessoas. Não aceitou, porque não quis admitir perante quem quer que fosse a gravidez, que sempre escondeu e negou.

VIII - Agiu, assim, a arguida com culpa que, no âmbito da atenuação especial da pena, se tem de considerar muito elevada, a permitir que a pena se fixe em medida mais próxima do limite máximo da moldura penal do que do mínimo.

Para se poupar a si ao medo e à vergonha de se saber que engravidara de um homem com quem não vivia e era casado com outra mulher, a arguida não poupou a vida do seu filho, indiferente aos contra-motivos éticos relacionados com os laços de sangue. Nem a primeira tentativa falhada a demoveu.

IX - Tinha, é certo, a capacidade de autocensura diminuída, em função

daqueles sentimentos de medo e vergonha. Mas essa diminuição não podia ser em grau elevado, visto que há muito conhecia a situação em que se

encontrava e se preparou para o desenlace, tomando providências adequadas e lógicas em vista a manter o segredo. Na véspera do dia do parto, sentindo que este estava próximo, querendo apresentar uma justificação para a falta às aulas que sabia ir acontecer, disse às colegas que no dia seguinte faltaria à escola, por ter de ir a uma consulta médica. E fechou-se no seu quarto, aí se mantendo até o parto estar iminente, altura em que passou para o quarto de banho.

X - Por outro lado, o acto de causar a morte do recém-nascido levado a cabo por quem tinha o especial dever de o proteger, por razões de tão pouca valia, configura uma das mais desvaliosas condutas violadoras do bem vida que podem conceber-se no quadro da atenuação especial, convocando exigências de prevenção geral também muito elevadas, de tal modo que o mínimo de pena imprescindível à manutenção da confiança colectiva na ordem jurídica se situa na zona intermédia da moldura penal aplicável.

XI - Já as necessidades de prevenção especial assumem menor relevo, pois se, por um lado, a arguida facilmente se deixou subjugar pelos sentimentos de medo e vergonha, que sobrepôs às contra-motivações éticas decorrentes dos laços que a ligavam à vítima, por outro, não tem antecedentes criminais,

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confessou os factos (o que se encontra exarado na fundamentação da decisão de facto) e teve na pendência deste processo uma filha, vivendo feliz com ela e tendo agora o apoio da família, sendo de concluir que se encontra socialmente integrada.

XII - Mas, exigindo a prevenção geral uma pena situada na zona intermédia da moldura penal e permitindo a medida da culpa ir mais além, deve entender-se que a pena de 6 anos de prisão fixada na decisão recorrida, que está

ligeiramente mais próxima do limite mínimo, não excede a medida necessária nem a permitida.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No 1º juízo do Tribunal Judicial do Montijo, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi, em 26/10/2010, proferido acórdão que condenou a arguida AA, nascida em ..., pela prática de um crime de homicídio p. e p. pelo artº 131º do CP, na pena de 8 anos de prisão.

A arguida interpôs recurso para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 09/05/2012, o julgou parcialmente procedente, alterando a matéria de facto dada como provada em 1ª instância e fixando, pela via da atenuação especial, a pena em 6 anos de prisão.

Ainda inconformada, a arguida interpôs, em 06/06/2012, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo assim a sua motivação:

«1. Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal a quo ao condenar a recorrente pela prática dum crime de homicídio simples p. e p.

pelo art° 131° n° 1 do CP na pena de 6 (seis) anos de prisão efectiva, porquanto,

2. Na fundamentação da sua decisão o tribunal a quo menciona que baseou-se nas declarações da arguida que confessou integralmente os factos, nas

declarações das testemunhas e no relatório pericial - psiquiátrico junto aos autos.

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-No decurso do mês de Julho de 2008 a recorrente teve um relacionamento sexual com um individuo, casado, cuja identidade não se apurou.

-No mês seguinte a recorrente apercebeu-se de que estava grávida, através de um teste que adquiriu numa farmácia do Montijo.

-Durante os nove meses de gravidez a recorrente nunca consultou qualquer médico da especialidade de obstetrícia ou outra no sentido de acompanhar o desenrolar da gestação, estado que ocultou, vestindo roupas largas.

-Quando questionada pelas colegas do curso profissional que se encontrava a frequentar se estaria grávida, a recorrente sempre respondeu negativamente, inventando encontrar-se com o útero inchado devido a problemas relacionados com a tiróide, ora referindo sofrer de um tumor na zona da barriga, ora

alegando ter uma doença que lhe criava bolsas de água naquela zona.

-Versão que manteve mesmo depois de lhe ter sido oferecida ajuda, no que respeita aos bens de que necessitaria durante a gravidez e após o nascimento da criança, e mesmo depois de uma colega lhe referir que caso fosse possível, gostaria de adoptar o filho da recorrente após o seu nascimento.

-Na semana anterior à Páscoa do ano de 2009 a recorrente referiu às suas colegas que no dia seguinte, uma quarta-feira, não iria à escola, em virtude de necessitar deslocar-se a uma consulta médica.

-De facto, nesse dia foi contactando com a colega BB, informando que estava no médico, em tratamento, e à noite referiu-lhe estar deitada, com algumas dores mas que o tratamento tinha corrido bem e que já não tinha barriga.

-A recorrente AA, na noite de 8 de Abril de 2009, entre as 04h00 e as 05h00 começou a sentir fortes dores nos rins, seguidas de fortes dores na barriga, assim se mantendo até depois do almoço sempre fechada no seu quarto para que nenhum dos seus familiares se apercebesse.

-A determinada altura sentiu dores mais fortes, pelo que se dirigiu ao quarto de banho, tendo o trabalho de parto seguido o seu curso normal, com o

rebentamento do saco amniótico, tendo ocorrido o parto de um feto de termo, do sexo masculino, com 51cm de comprimento, que caiu no interior da sanita, local de onde foi retirado pela recorrente, após o que cortou o cordão

umbilical através de força de tracção produzida pelas mãos.

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-De seguida, e ainda no interior do quarto de banho, a recorrente, apesar de ter constatado que o recém-nascido estava vivo, fez força com as duas mãos no pescoço do recém-nascido, apertando-o, para que este desfalecesse, o que não conseguiu, já que se encontrava debilitada pelo esforço de parto e

também porque o recém-nascido, cada vez que abrandava a força que produzia com as mãos, fazia força no sentido de inspirar.

-Face a tal situação, a recorrente AA puxou para junto de si um “soutien”, usando uma das respectivas alças para estrangular o recém-nascido, rodeando o pescoço daquele com tal elástico, após o que deu, pelo menos, um nó cego, firmemente apertado, sempre fazendo força para que o elástico ficasse em pressão, tendo o recém-nascido acabado por desfalecer, assim vindo a ocorrer a sua morte.

-Após, envolveu o recém-nascido numa toalha, que colocou dentro de um saco de plástico, colocando no seu interior um outro saco com a placenta e outros objectos que se encontravam embebidos em sangue.

-Levou então o saco que continha o corpo do recém-nascido já sem vida, para o seu quarto, local onde o colocou ao lado de uma cómoda e onde permaneceu até ao dia 27 de Maio de 2009, altura em que foi encontrado pela sua irmã.

-No dia seguinte aos acontecimentos atrás descritos, 9 de Abril de 2009, a recorrente AA compareceu na escola que frequentava.

-A conduta da recorrente AA foi causa directa, adequada, necessária e exclusiva das lesões sofridas pelo recém-nascido, o qual nasceu de termo, apresentando, na data da autópsia, 1,93 8Kg de peso e 51 cm de comprimento, sem mal formações externas e internas aparentes, causando-lhe um sulco no pescoço, ao nível da laringe, único e completo, horizontal, com 1 cm de

largura, com sinal do nó na face lateral esquerda do pescoço.

-Lesões que lhe vieram a provocar a morte, causada por asfixia por estrangulamento, por acção de natureza contundente no pescoço.

-A recorrente actuou deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de tirar a vida ao seu filho.

-Não obstante saber que o mesmo poderia ter outro destino, quer fosse consigo quer fosse com terceiros, através da adopção.

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-Mais sabia que o recém-nascido, naquelas circunstâncias, estava

completamente indefeso, não podendo contar com a ajuda de ninguém para além da mãe, e sabendo que a sua conduta era adequada a causar-lhe a morte, como causou.

-Contudo, tal facto não a coibiu de actuar da forma descrita, porque queria provocar a morte do recém-nascido, sabendo que a sua conduta era proibida por lei mas, nem por isso deixando de a concretizar.

-A recorrente agiu de forma livre, consciente e voluntária, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

-A recorrente não praticou anteriormente qualquer facto pelo qual tenha sido criminalmente punida.

-Depois de ter abandonado o sistema de ensino aos 18 anos recorrente iniciou um período de 4 anos de experiência laboral. Durante esse período a sua mãe faleceu com um AVC.

-Com o falecimento da mãe a recorrente desorganizou-se emocionalmente, e iniciou uma relação conflituosa com o seu agregado familiar nuclear, que perdurou até à descoberta do corpo do recém-nascido dentro do saco de plástico.

-Quando suspeitou que a recorrente estava grávida o pai ameaçou-a que ou ela resolvia o problema ou punha-a fora de casa.

-Durante a gravidez a recorrente, por medo e por vergonha do impacto da sua situação junto da família e amigos, adoptou um mecanismo intelectual

segundo o qual negava a si própria que estava grávida agindo em estado mental condicionado pelo mecanismo da denegação, não tendo no acto de tirar a vida ao bebé urna completude do seu estado de consciência, no sentido em que agiu em estado de consciência mas sem reflexibilidade sobre o mesmo.

-Aquando da morte da mãe, pouco antes da notícia da gravidez, a recorrente reagiu com tristeza, num processo normal de luto, não tendo tido uma

depressão clínica.

-Durante o parto, a recorrente sofreu fortes dores físicas, sendo o seu estado mental de profundo cansaço.

-A recorrente, aquando da expulsão do feto não sofreu qualquer reacção aguda de pânico.

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-Durante a pendência deste processo a recorrente engravidou e teve uma filha.

-Manifesta grande felicidade por esta maternidade, tendo agora apoio da família.

4. Face a toda a matéria dada como provada a medida da pena que lhe foi aplicada é manifestamente excessiva, porquanto,

5. Operando a especial atenuação da pena, a mesma deveria estar no limiar inferior da moldura penal abstracta e mesmo assim suspensa na sua execução ainda que sujeita ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, e tal não sucede.

6. É que conforme ficou provado no douto acórdão, a recorrente padeceu duma perturbação de adaptação, tipo agudo, com perturbação do

comportamento, pelo que, quando tirou a vida ao bebé fê-lo num estado de consciência mas sem reflexibilidade sobre o mesmo, estava consciente mas a sua capacidade reflexiva sobre o próprio estado de consciência estava

comprometida.

7. A sua liberdade é menor e o juízo de censura que pode recair sobre a recorrente que sofre de perturbação da personalidade, que afecta a

capacidade de avaliação da ilicitude do facto e na capacidade de determinação terá de ser forçosamente menor.

8. Por sua vez a imputabilidade diminuída reflecte-se na capacidade de culpa, traduzindo-se numa diminuição da culpa.

9. A estes factos há que acrescer a idade da recorrente 23 anos, trata-se duma jovem, a qual engravidou na sequência duma relação fortuita, a vergonha e receio de critica e maledicência das pessoas do meio pequeno em que vive, a confissão dos factos, o arrependimento, a recorrente está inserida socialmente e profissionalmente e actualmente também familiarmente, voltou a engravidar, tem uma filha e manifesta grande felicidade, sofre pelo acto que praticou e sente uma permanente penalização pela morte do bebé, facto que a

acompanhará para o resto da sua vida.

10. Por outro lado desde a prática dos factos já decorreram 3 anos, tendo a recorrente um comportamento exemplar.

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11. A aplicação de qualquer pena tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, art° 40° n° 1 do CP, não podendo

ultrapassar a medida da culpa, assim se definindo a medida da pena no seu limite máximo.

12. Por outro lado, a medida da pena faz-se também em função das exigências de prevenção de futuros crimes, o que definirá a medida da pena no seu limite mínimo.

13. Na determinação da medida da pena há um limite mínimo que nenhuma consideração de socialização pode ultrapassar: a defesa do ordenamento jurídico.

14. A pena de quatro anos suspensa na sua execução, satisfaria in casu o objectivo de protecção do especifico bem jurídico – vida – e nomeadamente porque os sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais não se opõem a tal.

15. A atenuação especial da pena é exclusiva das penas singulares e dirige-se à moldura penal abstracta que o legislador fixa para cada tipo legal de crime.

16. Como prescreve Figueiredo Dias, esta figura deve ser utilizada em

“hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo normal de casos que o legislador terá lido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva“.

17. A pena aplicada não obedece no seu quantum aos critérios dosimétricos do art° 71° do CP.

18. Todas as circunstâncias atenuantes deverão ser consideradas no

excepcional quadro do art° 72° de CP, diminuindo de forma acentuada a culpa, bem como as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global do facto especialmente atenuada.

19. A moldura penal abstracta, fixada de acordo com o art° 73° do CP tem que ter em consideração o grau de ilicitude que é elevado e as consequências que são irreparáveis, contudo não se pode esquecer a ausência de antecedentes criminais, a inserção social, profissional e familiar da recorrente, o sofrimento que para a mesma resultou do seu acto, que se traduz numa permanente penalização pela morte do bebé que a acompanhará para o resto da sua vida.

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20. As exigências de prevenção especial são diminutas, pois não é de prever que a recorrente reitere este comportamento, o que já é visível atendendo a que já houve outra gravidez em que o bebé nasceu e está tudo bem.

21. As exigências de prevenção geral são relevantes atendendo a que estamos perante o bem jurídico mais valioso da nossa ordem jurídico-penal.

22. Conclui-se assim que não foram suficientemente valoradas circunstâncias atenuantes que a lei expressamente enumera no seu elenco exemplificativo: a conduta posterior ao facto, a ausência de antecedentes criminais, o impacto da situação da recorrente junto dos amigos e familiares, a vergonha e o medo do pai e o tempo decorrido desde a prática do mesmo.

23. Todos os factos mencionados supra têm necessariamente de relevar para a condenação, sendo desnecessária a prisão efectiva para os fins visados com a sua aplicação, bem como uma duração tão acentuada corno a decidida no douto acórdão recorrido.

24. Refere o acórdão do STJ de 18/02/2004 que o “passado do arguido, a sua integração familiar e profissional, a sua personalidade, o carácter mais ou menos ocasional do delito, etc., etc., são factos-índice a ponderar na emissão de um juízo de prognose favorável na prevenção da sucumbência ao crime “.

25. Face ao exposto há que concluir, salvo o devido respeito, que a pena

aplicada foi excessiva, devendo a mesma ser reduzida para 4 anos suspensa na sua execução ainda que sujeita ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, que V. Exas.

entendessem como adequadas ao caso em apreço, por se afigurar-nos ser justa, adequada, acautelando, dentro do limite inultrapassável imposto pela culpa, as finalidades retributivas da pena e as exigências de prevenção geral, tendo sempre em mente a finalidade de ressocialização da recorrente.

26. “A pena que exceda a necessidade de prevenção é uma pena desnecessária e, portanto, puro desperdício”.

27. A pena aplicada não obedeça no seu quantum aos critérios dosimétricos do art° 71° do CP.

28. O douto acórdão violou deste modo os art°s 40°, 71° n°s 1 e 2, 72°, 73° e 131° todos do C. Penal.

Pelo exposto,

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Deverá o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene a recorrente pela prática dum crime de homicídio simples p. e p. pelo art° 131° do CP na pena de 4 (quatro) anos suspensa na sua execução ainda que sujeita ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova».

Respondendo, o MP defendeu a inadmissibilidade do recurso, com apelo ao artº 400º, nº 1, alínea f), do CPP, considerando o acórdão da Relação confirmatório da decisão de 1ª instância, e, a não ser assim decidido, a sua improcedência.

O recurso, inicialmente não admitido, veio a sê-lo posteriormente, na sequência de decisão do vice-presidente deste Supremo Tribunal no âmbito de reclamação oposta ao despacho de não admissão.

No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor procurador-geral-adjunto pronunciou-se no sentido da recorribilidade do acórdão da Relação e da improcedência do recurso.

Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.

Não foi requerida a realização de audiência.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

1. No decurso do mês de Julho de 2008 a arguida teve um

relacionamento sexual com um indivíduo, casado, cuja identidade não se apurou.

2. No mês seguinte a arguida apercebeu-se de que estava grávida, através de um teste que adquiriu numa farmácia do Montijo.

3. Durante os nove meses de gravidez a arguida nunca consultou qualquer médico da especialidade de obstetrícia ou outra no sentido de acompanhar o desenrolar da gestação, estado que ocultou, vestindo roupas largas.

4. Quando questionada pelas colegas do curso profissional que se encontrava a frequentar se estaria grávida, a arguida sempre respondeu negativamente, inventando encontrar-se com o útero inchado devido a problemas relacionados com a tiróide, ora referindo sofrer de um tumor na zona da barriga, ora

alegando ter uma doença que lhe criava bolsas de água naquela zona.

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5. Versão que manteve mesmo depois de lhe ter sido oferecida ajuda, no que respeita aos bens de que necessitaria durante a gravidez e após o nascimento da criança, e mesmo depois de uma colega lhe referir que caso fosse possível, gostaria de adoptar o filho da arguida após o seu nascimento.

6. Na semana anterior à Páscoa do ano de 2009 a arguida referiu às suas colegas que no dia seguinte, uma quarta-feira, não iria à escola, em virtude de necessitar deslocar-se a uma consulta médica.

7. De facto, nesse dia foi contactando com a colega BB, informando que estava no médico, em tratamento, e à noite referiu-lhe estar deitada, com algumas dores mas que o tratamento tinha corrido bem e que já não tinha barriga.

8. A arguida AA, na noite de 8 de Abril de 2009, entre as 04h00 e as 05h00 começou a sentir fortes dores nos rins, seguidas de fortes dores na barriga, assim se mantendo até depois do almoço, sempre fechada no seu quarto para que nenhum dos seus familiares se apercebesse.

9. A determinada altura sentiu dores mais fortes, pelo que se dirigiu ao quarto de banho, tendo o trabalho de parto seguido o seu curso normal, com o

rebentamento do saco amníótico, tendo ocorrido o parto de um feto de termo, do sexo masculino, com 51 cm de comprimento, que caiu no interior da sanita, local de onde foi retirado pela arguida, após o que cortou o cordão umbilical através de força de tracção produzida pelas mãos.

10. De seguida, e ainda no interior do quarto de banho, a arguida AA, apesar de ter constatado que o recém-nascido estava vivo, fez força com as duas

mãos no pescoço do recém-nascido, apertando-o, para que este desfalecesse, o que não conseguiu, já que se encontrava debilitada pelo esforço de parto e também porque o recém-nascido, cada vez que abrandava a força que produzia com as mãos, fazia força no sentido de inspirar.

11. Face a tal situação, a arguida AA puxou para junto de si um “soutien”, usando uma das respectivas alças para estrangular o recém-nascido, rodeando o pescoço daquele com tal elástico, após o que deu, pelo menos, um nó cego, firmemente apertado, sempre fazendo força para que o elástico ficasse em pressão, tendo o recém-nascido acabado por desfalecer, assim vindo a ocorrer a sua morte.

12. Após, envolveu o recém-nascido numa toalha, que colocou dentro de um saco de plástico, colocando no seu interior um outro saco com a placenta e

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13. Levou então o saco que continha o corpo do recém-nascido já sem vida, para o seu quarto, local onde o colocou ao lado de uma cómoda e onde

permaneceu até ao dia 27 de Maio de 2009, altura em que foi encontrado pela sua irmã.

14. No dia seguinte aos acontecimentos atrás descritos, 9 de Abril de 2009, a arguida AA compareceu na escola que frequentava.

15. A conduta da arguida AA foi causa directa, adequada, necessária e exclusiva das lesões sofridas pelo recém-nascido, o qual nasceu de termo, apresentando, na data da autópsia, 1,938 kg de peso e 51 cm de comprimento, sem malformações externas e internas aparentes, causando-lhe um sulco no pescoço, ao nível da laringe, único e completo, horizontal, com 1 cm de largura, com sinal do nó na face lateral esquerda do pescoço.

16. Lesões que lhe vieram a provocar a morte, causada por asfixia por estrangulamento, por acção de natureza contundente no pescoço.

17. A arguida actuou deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de tirar a vida ao seu filho.

18. Não obstante saber que o mesmo poderia ter outro destino, quer fosse consigo quer fosse com terceiros, através da adopção.

19. Mais sabia que o recém-nascido, naquelas circunstâncias, estava

completamente indefeso, não podendo contar com a ajuda de ninguém para além da mãe, e sabendo que a sua conduta era adequada a causar-lhe a morte, como causou.

20. Contudo, tal facto não a coibiu de actuar da forma descrita, porque queria provocar a morte do recém-nascido, sabendo que a sua conduta era proibida por lei, mas nem por isso deixando de a concretizar.

21. A arguida agiu de forma livre, consciente e voluntária, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

22. A arguida não praticou anteriormente qualquer facto pelo qual tenha sido criminalmente punida.

23. Depois de ter abandonado o sistema de ensino aos 18 anos a arguida iniciou um período de 4 anos de experiência laboral. Durante esse período a sua mãe faleceu com um A VC.

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24. Com o falecimento da mãe a arguida desorganizou-se emocionalmente, e iniciou uma relação conflituosa com o seu agregado familiar nuclear, que perdurou até à descoberta do corpo do recém-nascido dentro do saco de plástico.

25. Quando suspeitou que a arguida estava grávida o pai ameaçou-a que ou ela resolvia o problema ou punha-a fora de casa.

26. Durante a gravidez a arguida, por medo e por vergonha do impacto da sua situação junto da família e amigos, adoptou um mecanismo intelectual

segundo o qual negava a si própria que estava grávida, agindo em estado mental condicionado pelo mecanismo de denegação, não tendo no acto de tirar a vida ao bebé uma completude do seu estado de consciência, no sentido em que agiu em estado de consciência mas sem reflexibilidade sobre o mesmo.

27. “Aquando da morte da mãe, pouco antes da notícia da gravidez, a arguida reagiu com tristeza, num processo normal de luto, não tendo tido uma

depressão clínica “.

28. “Durante o parto, a arguida sofreu fortes dores físicas, sendo o seu estado mental de profundo cansaço.

29. “A arguida, aquando da expulsão do feto não sofreu qualquer reacção aguda de pânico”.

30. Durante a pendência deste processo a arguida engravidou e teve uma filha.

31. Manifesta grande felicidade por esta maternidade, tendo agora apoio da família.

E foi dado como não provado que

a) ao esconder o cadáver da forma atrás descrita, a arguida pretendia posteriormente desfazer-se dele, fazendo-o desaparecer e não mais ser encontrado, o que bem sabia não estava autorizada a fazer;

b) durante o parto, arguida não perdeu o controle das emoções e no final, limpou o quarto de banho”;

c) durante a gravidez, em momento não concretamente apurado a arguida decidiu livrar-se da criança, matando-a após o seu nascimento.

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Conhecendo:

Sobre a questão da admissibilidade do recurso:

O MP junto da Relação, considerando que o acórdão desse tribunal era confirmatório da decisão de 1ª instância, defendeu a sua irrecorribilidade, com fundamento na norma do artº 400º, nº 1, alínea f), do CPP («Não é

admissível recurso: De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos»).

Como se viu, tendo o tribunal de 1ª instância condenado a recorrente, pela prática de um crime de homicídio do artº 131º do CP, na pena de 8 anos de prisão, a Relação, em recurso, fixou a pena em 6 anos de prisão.

Quando, em recurso, a Relação diminui a pena aplicada em 1ª instância, sem alteração dos factos provados e da sua qualificação jurídica, deve entender-se que, relativamente ao arguido, há confirmação. Na verdade, o que fundamenta o seu direito de interpor recurso de uma decisão judicial é a circunstância de esta lhe ser desfavorável, como resulta do artº 401º, nº 1, alínea b), do CPP, que apenas lhe permite recorrer das «decisões contra ele proferidas»

(fórmula que, conforme se decidiu no acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2011, publicado no DR, série I, de

11/03/2011, já abrange o «interesse em agir» do nº 2). Ora, se o arguido, no caso de ser condenado em 1ª instância em pena de prisão não superior a 8 anos, com confirmação dessa pena por acórdão da Relação, não pode recorrer desta última decisão, mal se compreenderia que, à luz do apontado

fundamento do direito de recorrer, lhe fosse permitido interpor recurso numa situação que só tem a novidade de lhe ser mais favorável, como é a do acórdão da Relação que, mantendo inalterados os respectivos pressupostos, reduz a pena aplicada pelo tribunal de 1ª instância.

É neste sentido que o Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo maioritariamente, falando de confirmação in melius (cf., por exemplo,

acórdãos de 25/03/2009, CJ, Acórdãos do STJ, Ano XVII, Tomo I, página 236;

de 27/01/2010, proc. nº 401/07.3JELSB.L1.S1; de 07/04/2010, proc. nº 295/05.3GCTND.C2.S1; e de 27/05/2010, proc. nº 139/07.1JAFUN.L1.S1, disponíveis em Sumários de acórdãos do STJ).

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E o Tribunal Constitucional, chamado a decidir sobre esta matéria por mais de uma vez, não viu neste entendimento desconformidade com normas

constitucionais (cf., por exemplo, acórdãos nºs 2/2006, 20/07 e 125/2010).

Porém, no caso, a fixação pela Relação da pena de 6 anos de prisão ocorreu pela via da atenuação especial da pena.

A atenuação especial da pena, mesmo quando não releva de uma alteração da matéria de facto, configurando uma diversa qualificação jurídica dos factos, por determinar uma diferente moldura penal, nos termos do artº 73º do CP, constitui, só por si, um obstáculo à consideração do acórdão da Relação como confirmatório da decisão de 1ª instância, devendo num tal caso reconhecer-se ao arguido o direito de pedir ao Supremo Tribunal de Justiça o reexame do processo de determinação da pena, à luz dos novos pressupostos, constituídos pelos novos limites da pena legal.

E, no caso, a atenuação especial da pena fundou-se até numa alteração da matéria de facto.

Essa alteração consistiu em considerar provado:

a) o último segmento da matéria de facto descrita no nº 26: “agindo em estado mental condicionado pelo mecanismo de denegação, não tendo no acto de tirar a vida ao bebé uma completude do seu estado de consciência, no sentido em que agiu em estado de consciência mas sem reflexibilidade sobre o

mesmo”.

b) “Aquando da morte da mãe, pouco antes da notícia da gravidez, a arguida reagiu com tristeza, num processo normal de luto, não tendo tido uma

depressão clínica “.

c) “Durante o parto, a arguida sofreu fortes dores físicas, sendo o seu estado mental de profundo cansaço”.

d) “A arguida, aquando da expulsão do feto, não sofreu qualquer reacção aguda de pânico”.

E em dar como não provados os seguintes factos que haviam sido considerados provados na decisão de 1ª instância:

-Ao esconder o cadáver da forma atrás descrita, a arguida pretendia posteriormente desfazer-se dele, fazendo-o desaparecer e não mais ser

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-Durante o parto, arguida não perdeu o controle das emoções e no final, limpou o quarto de banho.

Na atenuação especial pesou essencialmente aquela nova factualidade da alínea a), que foi levada à conta de imputabilidade diminuída.

Não pode, assim, o acórdão recorrido ser considerado confirmatório da decisão de 1ª instância e, por isso, não ocorre o pretendido fundamento de irrecorribilidade.

2. Sobre o mérito do recurso:

A arguida aceita que os factos provados integram um crime de homicídio do artº 131º do CP, tendo-se conformado com o acórdão da Relação na parte em que decidiu não se estar perante o crime de infanticídio do artº 136º . O objecto da sua discordância é a determinação da medida concreta da pena dentro da moldura penal determinada pela atenuação especial, nos termos do artº 73º, nº 1, alíneas a) e b), do mesmo código, ou seja, entre o limite mínimo de 19 meses e 6 dias e máximo de 10 anos e 8 meses de prisão.

A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita, de acordo com o disposto no artº 71º, em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele,

circunstâncias essas de que ali se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.

À questão de saber de que modo e em que termos actuam a culpa e a

prevenção responde o artº 40º, ao estabelecer, no nº 1, que «a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na

sociedade» e, no nº 2, que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado.

Na lição de Figueiredo Dias, a aplicação de uma pena visa acima de tudo o

“restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime”. Uma tal finalidade identifica-se com a ideia da “prevenção geral positiva ou de integração” e dá

“conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o art. 18º, nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática”.

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Há uma “medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, mas que não fornece ao juiz um quantum exacto de pena, pois “abaixo desse ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função

primordial”.

Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, “entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico)” actuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena.

A medida da “necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial”, mas, se o agente não se

«revelar carente de socialização», tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em «conferir à pena uma função de suficiente advertência» (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, páginas 79 a 82).

A arguida «actuou deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de tirar a vida ao seu filho», agindo porém «sem reflexibilidade» sobre o acto que praticou.

Com esta última afirmação, contida no nº 26 dos factos provados, ter-se-á querido significar que ela não reflectiu sobre esse acto. Mas a arguida não perdeu o discernimento. Pretendendo matar o recém-nascido, apertou-lhe o pescoço, para o asfixiar. Não o conseguindo com esse gesto, devido ao estado de fragilidade física em que se encontrava em resultado do esforço do parto, procurou e encontrou outro meio idóneo, estrangulando-o com a alça elástica de um sutiã. Assim, agindo embora sob influência dos sentimentos de medo e vergonha de que viesse a saber-se do parto, o que lhe diminuiu a capacidade de autocensura, a arguida tinha o domínio da sua vontade e compreendia o alcance dos seus actos.

E foi-lhe dada a oportunidade de que tudo se passasse de modo diferente, sem sacrifício da vida do filho: Foi-lhe oferecida ajuda «no que respeita aos bens de que necessitaria durante a gravidez e após o nascimento da criança». E uma colega ofereceu-se mesmo para receber em adopção o filho. A primeira destas ofertas, não a dispensando embora da vergonha de ter um filho naquelas

circunstâncias, libertava-a pelo menos da dependência dos seus familiares. E a segunda coadunava-se à manutenção do segredo perante a família e a

generalidade das pessoas.

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Não aceitou, porque não quis admitir perante quem quer que fosse a gravidez, que sempre escondeu e negou.

Agiu, assim, a arguida com culpa que, no âmbito da atenuação especial da pena, se tem de considerar muito elevada, a permitir que a pena se fixe em medida mais próxima do limite máximo da moldura penal do que do mínimo.

Para se poupar a si ao medo e à vergonha de se saber que engravidara de um homem com quem não vivia e era casado com outra mulher, a arguida não poupou a vida do seu filho, indiferente aos contra-motivos éticos relacionados com os laços de sangue. Nem a primeira tentativa falhada a demoveu.

Tinha, é certo, a capacidade de autocensura diminuída, em função daqueles sentimentos de medo e vergonha. Mas essa diminuição não podia ser em grau elevado, visto que há muito conhecia a situação em que se encontrava e se preparou para o desenlace, tomando providências adequadas e lógicas em vista a manter o segredo. Na véspera do dia do parto, sentindo que este estava próximo, querendo apresentar uma justificação para a falta às aulas que sabia ir acontecer, disse às colegas que no dia seguinte faltaria à escola, por ter de ir a uma consulta médica. E fechou-se no seu quarto, aí se mantendo até o parto estar iminente, altura em que passou para o quarto de banho.

Por outro lado, o acto de causar a morte do recém-nascido levado a cabo por quem tinha o especial dever de o proteger, por razões de tão pouca valia, configura uma das mais desvaliosas condutas violadoras do bem vida que podem conceber-se no quadro da atenuação especial, convocando exigências de prevenção geral também muito elevadas, de tal modo que o mínimo de pena imprescindível à manutenção da confiança colectiva na ordem jurídica se situa na zona intermédia da moldura penal aplicável.

Já as necessidades de prevenção especial assumem menor relevo, pois se, por um lado, a arguida facilmente se deixou subjugar pelos sentimentos de medo e vergonha, que sobrepôs às contra-motivações éticas decorrentes dos laços que a ligavam à vítima, por outro, não tem antecedentes criminais, confessou os factos (o que se encontra exarado na fundamentação da decisão de facto) e teve na pendência deste processo uma filha, vivendo feliz com ela e tendo agora o apoio da família, sendo de concluir que se encontra socialmente integrada.

Mas, exigindo a prevenção geral uma pena situada na zona intermédia da moldura penal e permitindo a medida da culpa ir mais além, deve entender-se que a pena de 6 anos de prisão fixada na decisão recorrida, que está

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ligeiramente mais próxima do limite mínimo, não excede a medida necessária nem a permitida.

Perante esta medida da pena, fica prejudicado o conhecimento da pretensão da sua suspensão, pois, nos termos do artº 50º, nº 1, do CP, só pode

suspender-se a execução de penas de prisão de medida não superior a 5 anos.

Decisão:

Em face do exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso.

A recorrente vai condenada a pagar as custas, sendo de 6 UC a taxa de justiça.

Lisboa, 11 de Outubro de 2012

Manuel Braz (relator)

Santos Carvalho («com declaração de voto» porquanto «Embora a questão da qualificação jurídica dos factos não tenha sido colocada pela recorrente, fui de opinião que o STJ, na sua qualidade de tribunal de revista, de última

instância, portanto, com o dever acrescido de zelar pela boa aplicação do direito, devia ter equacionado a hipótese de se estar, afinal, perante um crime de infanticídio (art. 136.° do CP) ou de homicídio privilegiado (art. 133.° do CP).

Na verdade, se a arguida, no momento do crime, atuou “não tendo no ato de tirar a vida ao bebé uma completude do seu estado de consciência, no

sentido em que agiu em estado de consciência mas sem reflexibilidade sobre o mesmo”, pode tê-lo concretizado ainda sob a influência perturbadora do parto.

Não se contraponha que a arguida desde o início da gravidez elaborou esse desfecho como possível, pois o que os peritos médicos concluíram é que

“adotou um mecanismo intelectual segundo o qual negava a si própria que estava grávida, agindo em estado mental condicionado pelo mecanismo de denegação”.

Por outro lado, a arguida vivia ainda em casa do pai, isto é, de algum modo sob a sua dependência moral e, em parte, material. Ora, existia uma

“relação conflituosa com o seu agregado familiar nuclear, que perdurou até à descoberta do corpo do recém-nascido” e, “quando suspeitou que a arguida estava grávida o pai ameaçou-a que ou ela resolvia o problema ou punha-a fora de casa”.

Por isso, “durante a gravidez a arguida, por medo e por vergonha do impacto da sua situação junto da família e amigos”, desenvolveu um

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mecanismo psicológico de denegação da gravidez, que não é um processo voluntário e racional, mas inconsciente, que culminou, com a lógica própria desse quadro psíquico, com o homicídio, como forma de fazer desaparecer a principal prova de que poderia ter existido essa gravidez.

Isto é, a arguida agiu, de algum modo, dominada pelo desespero que a situação da sua gravidez acarretava, que era vivamente repudiada pela família próxima, tanto mais que fora originada por relações sexuais com homem

casado.

Estas e outras considerações deviam ter sido equacionadas pelo STJ.

Mas também seria de considerar, agora em desfavor da arguida, que poderia ter-se socorrido, no devido tempo, do mecanismo da interrupção voluntária da gravidez, de forma legal, gratuita e sigilosa.

Não o tendo feito, por razões que não explicou, a sua ação não tem uma culpa tão diminuída que permita integrá-la, em rigor, no crime de infanticídio ou no de homicídio privilegiado, mas situa-se numa zona que se encontra no limiar dessas tipificações legais.

Daí que fosse mais ajustada uma pena que se fixasse entre os quatro e os cinco anos de prisão, pois enquadra-se no quadro da moldura abstrata da pena especialmente atenuada pelo crime de homicídio simples, mas também fica no patamar máximo da pena por aqueles crimes privilegiados.

A pena, porém, não seria suspensa na sua execução, por razões de

prevenção geral, que se existem na maioria dos casos de crime de homicídio consumado, ainda que com uma pena especialmente atenuada, para mais quando praticado na pessoa de um filho recém-nascido»).

Pereira Madeira («com voto de desempate a favor do relator») ---

[1] “A denegação é um mecanismo de defesa em que o sujeito se recusa a reconhecer como seu um pensamento ou um desejo que foi anteriormente expresso conscientemente. Negar a realidade é uma forma de proteção contra algo que pode gerar dor ou sofrimento. A denegação é um fenómeno que se pode observar, por exemplo, em pacientes que descobrem possuir uma doença incurável ou em casos de perda de um ente amado. A denegação é, assim, a perceção de um acontecimento doloroso, em que surge uma desestruturação de si, cuja primeira reação é ver, mas ao mesmo tempo não ver, ouvir mas não escutar, entender mas não compreender. Freud constatou a existência da denegação como resistência no tratamento da histeria, em que uma

representação consciente é recusada e posteriormente recalcada” – http://

www.infopedia.pt/$denegacao

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