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INE EAD INSTITUTO NACIONAL DE ENSINO TEORIA GERAL DO DELITO E PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL

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INE EAD – INSTITUTO NACIONAL DE ENSINO

TEORIA GERAL DO DELITO E PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL

TEORIA GERAL DO DELITO E PRINCIPIOLOGIA

CONSTITUCIONAL

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INE EAD – INSTITUTO NACIONAL DE ENSINO

TEORIA GERAL DO DELITO E PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 3

CONCEPÇÃO REALISTA DO DELITO ... 4

LEGALIDADE E MODELO DE DELITO COMO OFENSA AO BEM JURÍDICO ... 6

DIREITO PENAL E CONSTITUIÇÃO ... 7

CONSEQUÊNCIAS DOGMÁTICAS E POLÍTICOS-CRIMINAIS DECORRENTES DA TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO ... 9

NO DIREITO PENAL DA OFENSIVIDADE NÃO HÁ ESPAÇO PARA O PERIGO ABSTRATO ... 13

CONCEITO MATERIAL DE DELITO ... 13

O PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE ... 14

O CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME ... 16

A TIPICIDADE PENAL INSERIDA NO (CLÁSSICO) CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME ... 18

A TIPICIDADE PENAL SOB O ENFOQUE DO PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE: O CONCEITO MATERIAL DE DELITO ... 19

PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL ... 26

Conceito de princípio ... 26

Princípios Constitucionais ... 28

Princípios Básicos da Constituição Federal ... 29

Princípios Fundamentais do Estado Brasileiro ... 29

Princípios Jurídico-Constitucionais ... 30

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NAS DEMAIS ÁREAS DO DIREITO ... 30

Princípios do Direito Processual Civil ... 30

Princípios Tributários ... 32

Princípios do Direito Administrativo ... 33

Princípios da Seguridade Social (Previdenciário) ... 33

Princípio do Direito Penal ... 33

DIREITOS FUNDAMENTAIS E PROPORCIONALIDADE: LIMITES E POSSIBILIDADES DA GESTÃO PRINCIPIOLÓGICA ... 33

ORDINARIEDADE E EFETIVIDADE PROCESSUAL: A HERANÇA ROMANOCANÔNICA DA COGNITIVIDADE E DOS JUÍZOS DE CERTEZA ... 38

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TEORIA GERAL DO DELITO E PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL

INTRODUÇÃO

O Estado civilizado, para exercer o controle das condutas desviadas, necessita do Direito penal (que é a forma de controle social mais formalizada que existe). Mas não pode nunca existir pena sem crime (esse é o primeiro axioma de Ferrajoli, desenvolvido no seu livro Direito e razão. E o que se entende por crime? Já que é ele (o crime, que no Brasil é sinônimo de delito) que desencadeia a drástica intervenção sancionatória estatal, importa saber o seu (preciso) conceito.

Duas concepções se destacam: o crime deve ser visto como mera desobediência da norma ou como ofensa concreta ao bem jurídico protegido pela norma penal? Basta realizar a tipicidade formal ou também se faz necessária a tipicidade material?

Nossa posição : em um Estado constitucional que se define, com efeito, como democrático (no sentido de que o povo é quem ostenta a máxima soberania, e não o legislador, que deve partir do reconhecimento da autonomia do homem, que é livre para orientar seu próprio destino) e de direito (que significa que o Estado não pode fazer nada fora dos limites fixados por ele mesmo), e que tem nos direitos fundamentais seu eixo principal, não resta dúvida que só resulta legitimada a tarefa de criminalização primária (criminalização legal feita pelo legislador) ou de criminalização secundária (feita pelo julgador) quando recai sobre condutas ou ataques concretamente ofensivos ao bem jurídico protegido pela norma penal e, mesmo assim, nem todos os ataques, senão unicamente os mais graves (fragmentariedade) é que podem ser incriminados ou punidos.

Em síntese: somente os ataques mais intoleráveis e que podem causar repercussões visíveis (palpáveis) para a convivência social é que devem ser castigados penalmente.

A incidência do Direito penal fundado na pena de prisão (esse é o atual modelo de Direito penal que adotamos), que retira do agente do fato (ou lhe restringe ou lhe ameaça) o direito fundamental da liberdade, não se justifica senão quando o fato desse agente afeta concreta e gravemente (lesão ou perigo concreto de lesão) um bem jurídico de elevada relevância (digno de proteção, merecedor de proteção).

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A premissa básica da teoria constitucionalista do delito é a seguinte: a afetação concreta (não presumida), transcendental (ofensa a terceiros), grave (ofensa com significado jurídico relevante) e intolerável (insuportável) de um bem jurídico relevante (digno de proteção) é, portanto, condição sine qua non do ius poenale do ius libertatis (do Direito penal centrado na sanção privativa da liberdade), ou seja, é sua ratio essendi .

Respeito ao princípio da proporcionalidade: se a liberdade é um bem jurídico de extremada relevância, sua eliminação ou restrição ou ameaça só se justifica quando o agente do fato, com sua conduta, tenha ofendido concreta e gravemente (lesão ou perigo concreto) bem jurídico de igual ou similar importância. O princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade) não autoriza nenhuma afetação desponderada ou desarrazoada do direito fundamental da liberdade.

O delito como ofensa ao bem jurídico: dentro do Direito penal fundado na pena de prisão a única concepção material de delito que encontra ressonância constitucional e perfeita afinidade com o tipo de Estado democraticamente consagrado que adotamos é, portanto, a que o considera como uma ofensa desvaliosa, ou seja, concreta, transcendental, grave e intolerável. De todas, essa é a concepção de delito que reputamos mais adequada, mais garantista e mais equilibrada (a mais razoável, em suma).

A norma existe para a tutela de um bem jurídico: aliás, como já afirmava em seu tempo ARTURO ROCCO, "é impossível conceber uma norma jurídica e uma obrigação jurídica que não servem à tutela de um interesse ou de um bem da vida, individual ou supra individual, e, em consequência, uma violação de uma norma jurídica e de uma obrigação jurídica que não se reconduz a uma lesão ou ao menos a uma ameaça a um interesse ou a um bem jurídico, é dizer, a um dano ou a um perigo de dano em sentido jurídico [...];[recorde-se] que o dever jurídico é o meio que utiliza o Estado para tutelar de maneira preventiva um bem ou interesse humano, individual ou social, contra as manifestações de vontades, é dizer, ações ou omissões humanas, danosas ou perigosas ao bem ou interesse protegido".

CONCEPÇÃO REALISTA DO DELITO

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Uma das mais importantes contribuições para a formulação do delito como ofensa a um bem jurídico, nas últimas décadas, provém da doutrina italiana chamada concepção realista do delito, que afirma ser a idoneidade da conduta um requisito geral do fato punível, que opera sobre o plano do conteúdo ofensivo ou antijurídico do fato. A idoneidade, conforme NEPPI MADONA, "não é um requisito mais da ação penalmente relevante, senão um juízo global formulado em relação à ofensividade do fato, do mesmo conteúdo antijurídico da figura delitiva".

Com base, assim, no art. 49.2 do CP italiano, postula-se que a mera subsunção do fato na descrição típica não é suficiente para fundamentar a incriminação. Para a existência de um delito não basta a mera desobediência dos

"enunciados verbais", senão uma violação efetiva do bem protegido. Não basta o desvalor da ação, sendo também indispensável o desvalor do resultado".

Tipicidade formal + tipicidade material: não basta, como veremos logo mais detalhadamente, a mera adequação típica formal (ou a tipicidade formal). No Estado constitucional e democrático de Direito, de onde emana a teoria constitucionalista do delito, este pressupõe também a tipicidade material, que é composta de duas exigências valorativas sumamente relevantes: (a) valoração da conduta, consoante o critério do risco proibido relevante de Roxin e (b) valoração do resultado jurídico (que deve ser concreto, transcendental, grave, intolerável, objetivamente imputável ao risco criado e que esteja no âmbito de proteção da norma penal).

Desvalor da ação + desvalor do resultado jurídico: o delito, portanto, não pode ser uma mera desobediência à norma nem tampouco só desvalor da ação, ou seja, unicamente uma ação ou omissão dolosa ou imprudente e ilícita. Segundo a perspectiva do Direito penal da ofensividade, a ação ou omissão penalmente relevante é tão só a que causa uma ofensa (lesão ou perigo) ao bem jurídico. O delito não se fundamenta, por conseguinte, exclusivamente na ação, senão, sobretudo, no resultado (em sentido jurídico, não naturalístico).

Crime não é só desobediência à norma: se a ação lesiva (concretamente ofensiva) é a base do delito, não há dúvida que não pode constituí-lo jamais a simples manifestação de uma vontade contrária a uma obrigação jurídica, que se esgota na ação. Para a existência do delito, para além da presença de uma ação ou omissão (uma conduta humana voluntária), também se faz necessário um resultado

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jurídico, que consiste numa perturbação (intolerável) do bem tutelado, isto é, de uma liberdade alheia.

Estaria este conceito material de delito em condições de cumprir a tarefa de limitar o legislador, o intérprete e o aplicador da lei? Seria um conceito garantista?

No plano formal, desde logo, a resposta é positiva. Mas também do ponto de vista político-criminal e dogmático é o conceito que melhores condições reúne em termos de operatividade, efetividade e garantias.

Mas para alcançar esse desideratum não há dúvida que é preciso fundamentar e materializar jurídico-constitucionalmente a exigência da ofensividade, que está destinada a cumprir importantes papéis no sistema jurídico-penal, por representar mais um limite tanto ao ius puniendi como ao ius poenale, ao qual estariam vinculados ao mesmo tempo o legislador, o intérprete e o aplicador da lei.

LEGALIDADE E MODELO DE DELITO COMO OFENSA AO BEM JURÍDICO

Não basta a mera legalidade formal: de qualquer forma, afirmar que o delito é uma ofensa a um bem jurídico e que o princípio da ofensividade conta com assento inclusive constitucional (implícito) significa revelar algo já indiscutivelmente relevante, porém, pode ainda ser muito pouco. Até porque, poderia o legislador do ponto de vista formal atender à liberal concepção do delito (estruturá-lo gramaticalmente em termos ofensivos), porém, substancialmente, não se sujeitar a nenhuma limitação em relação ao bem jurídico que deve ser selecionado para receber a proteção penal.

O delito (ou seja: o tipo legal de delito) que descrevesse, por exemplo, o seguinte: causar danos socialmente relevantes à ordem pública, no plano formal (seja no que se relaciona com o princípio da legalidade, seja no que concerne ao princípio da ofensividade), poderia não receber nenhuma censura. Mas seria, evidentemente, um absurdo, porque lhe falta taxatividade, materialização do bem jurídico, especificação da ofensa etc.

Consequentemente, trabalhar no sentido de materializar o conceito de bem jurídico, de revelar o verdadeiro conteúdo dos princípios limitadores do direito de punir (legalidade, ofensividade etc.) é uma obrigação impostergável da doutrina que

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se preocupa com o ius libertatis (isso foi o que fizemos no nosso livro Direito penal, v.1, 2. ed., São Paulo: RT, 2009).

Toda investigação orientada a consagrar novos ou ampliar os já existentes limites materiais da mais importante atividade estatal no campo sancionador deve ser bem vinda, precisamente porque nele está inserido o clássico e polarizado conflito entre o ius libertatis e o ius puniendi , isto é, as relações entre o indivíduo e o Estado.

A exigência de concreção da ofensividade começa, então, pela necessidade impreterível de materializar o conceito de bem jurídico (veja o livro acima citado, p.

227 e ss.).

Se a infecundidade político-criminal dos conceitos materiais de delito até aqui desenvolvidos é patente e indiscutível, isso se deve em grande medida a que são conceitos que correspondem às diversas fases formalistas (não garantistas) da evolução do conceito de bem jurídico. Enquanto não se revelar o conteúdo material vinculante da categoria do bem jurídico, os conceitos de delito correspondentes certamente não poderão cumprir plenamente o papel de garantia que se lhe atribui.

De qualquer modo, na medida em que o bem jurídico (já no atual estágio de sua evolução) é a expressão de uma liberdade (de uma relação social), já não se trata de um limite que seja fruto exclusivamente de exigências doutrinais, senão, sobretudo, uma emanação natural da própria Constituição e do seu eixo nuclear que é constituído pelos direitos fundamentais.

DIREITO PENAL E CONSTITUIÇÃO

Para mais além de recuperar as velhas e boas ideias e orientações iluministas, com todas as suas garantias, o fundamental consiste em estabelecer uma estreita relação entre a função criminalizadora e o modelo de Estado adotado, isto é, entre o Direito penal e a Constituição. Essa é justamente a linha que seguimos neste livro, inclusive no que concerne à questão do conceito de bem jurídico e de delito.

O conceito de delito como ofensa a um bem jurídico, consequentemente, deve ser proclamado como um conceito com dimensão constitucional, apesar da inexistência de um texto normativo explícito ad hoc.

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As razões para isso são diversas. Daí a defesa que se pode fazer da ideia de um conceito constitucional de delito ou de fato punível, que é sustentada na Espanha (por exemplo) por VIVES ANTÓN.

Não se discute que as disposições constitucionais quando asseguram ao legislador o direito de regular o ius puniendi nada (ou pouco) indicam de modo expresso a respeito do conteúdo da conduta punível, que é o núcleo do conceito material de delito. Por conseguinte, o papel de limite material não pode ser cumprido só com o princípio da legalidade se se admite que o legislador ordinário conta com poucas restrições conceituais vinculantes no que se refere ao delito e à pena.

A função garantista ou de segurança do princípio da legalidade se reduz a praticamente nada ou se aniquila quando se autoriza catalogar como delito qualquer tipo de conduta ou de pena ou "se se concedesse ao legislador ordinário, de modo absoluto, a possibilidade de determinar o que lhe aprouvesse; ele poderia dispor que é delito toda conduta antissocial ou que não é pena a privação da vida, desde que haja ordem governamental".

A fundamentação constitucional do conceito de delito entendido como ofensa a um bem jurídico, por conseguinte, para além da constatação de que a legalidade do delito não pode jamais significar uma atividade vazia ou arbitrária, conta com outras dimensões. Em outras palavras, o princípio da ofensividade obriga que a atividade de criminalização primária seja taxativa, clara e inequívoca e, de outro lado, determina uma das missões do Direito penal ou da pena que outra não é senão a de proteção de bens jurídicos.

O ius puniendi é exercido para alcançar alguns objetivos (retribuição, prevenção, ressocialização etc., tudo dependendo de cada ordenamento jurídico), porém, tudo isso é feito de modo limitado, com travas formais e materiais. É demasiadamente conhecida e historicamente irrefutável a vocação autoritária do Estado (tal como esclareceu Hobbes no seu Leviatã ).

Especialmente por sua posição hierárquica elevada, é precisamente a Constituição a que orienta, de modo primordial, por meio dos seus princípios, regras e valores, direta ou indiretamente, tanto os objetivos do Direito penal como seus principais limites. Um deles, dos mais relevantes, reside na proporcionalidade de toda sanção estatal. Daí se infere o seguinte: se o delito implica sempre a afetação de um bem jurídico fundamental (liberdade, patrimônio etc.), só é correto admitir sua

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incidência quando outro direito (de terceiras pessoas) de relevância essencial tenha sido turbado.

Proporcionalidade (só se justifica a privação de um direito da pessoa quando ocorra afetação de outro direito de igual ou maior relevância) e transcendentalidade (que seja um direito ou um interesse de um terceiro), desse modo, emergem como dois limites irrefutáveis da intervenção penal, se é que queremos dar sentido à declaração constitucional de inviolabilidade dos direitos fundamentais. Essa inviolabilidade, aliás, significa que o legislador ordinário não pode impor-lhes restrições, a não ser as que se reconduzem ao reconhecimento dos direitos de outras pessoas.

A declaração de inviolabilidade, portanto, não quer dizer que se assegura"

materialmente "a intangibilidade dos direitos fundamentais ou que eles não sejam suscetíveis de ataques. Representa, tão somente, um claro limite à atividade legislativa ordinária. O campo dos direitos fundamentais está amparado diretamente pela Constituição. Qualquer restrição deve basear-se não só em uma autorização para isso, senão especialmente em justificações razoáveis e proporcionais.

De tudo quanto foi dito é fácil compreender quão estreita é a relação entre Constituição e Direito penal (fruto dessa estreita relação, por conseguinte, é a teoria constitucionalista do delito). O Direito penal, em outras palavras, nada mais é (ou ao menos deveria ser) que o natural campo normativo de configuração dos princípios, valores e normas constitucionais.

Tudo isso resulta ratificado particularmente pela origem comum de ambos os ordenamentos: "a ciência do Direito penal e o constitucionalismo moderno são praticamente contemporâneos: ambos nasceram ao abrigo das ideias políticas da Ilustração, no empenho de assinalar os limites do poder (inclusive e sobretudo o punitivo) do Estado. E isso não foi uma casualidade, pois ao Direito penal incumbe regular o instrumento mais temível desse poder, seu último recurso, que é a pena".

CONSEQUÊNCIAS DOGMÁTICAS E POLÍTICOS-CRIMINAIS DECORRENTES DA TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO

Parece mais que natural que o conceito material e, porque não dizer, constitucionalista (ou teleológico-constitucional) de delito, como o que está sendo

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aqui proposto, precisamente porque pode (e deve) ocupar uma posição destacada no sistema jurídico-penal, tende a produzir uma série enorme de implicações:

(a) no que se refere ao princípio da fragmentariedade: sabe-se que para a criminalização de um fato é fundamental tanto o grau de relevância do bem jurídico, em razão do seu valor para o desenvolvimento da personalidade da pessoa, como o grau de sua afetação. O nível da ofensa, portanto, joga um papel político-criminal sumamente relevante. Sublinhe-se que o merecimento da tutela penal depende fundamentalmente desses fatores. É justamente na relação que se estabelece entre a graduação da afetação do bem jurídico e o seu valor é que reside a essência do princípio da fragmentariedade, que vai indicar qual é o nível de tutela mais adequado: penal ou não penal, delito de lesão ou delito de perigo, punição da tentativa ou não, punição da modalidade culposa ou não etc. Se compararmos o bem jurídico vida e o bem jurídico patrimônio, facilmente constataremos que o nível de proteção penal é distinto: uma morte culposa é punível; um dano culposo não o é.

Isso se deve ao princípio da fragmentariedade, que se destina então servir de base para a seleção do nível da tutela jurídica;

(b) o conceito material de delito como o que está sendo desenhado não só reúne capacidade de compreender a ofensa (lesão ou perigo concreto) como pressuposto indispensável da punibilidade, senão também que obriga a excluir do Direito Penal todas as incriminações de condutas meramente imorais (especialmente no âmbito dos delitos sexuais) ou puramente ideológicas, das cominações arbitrárias etc.;

(c) todas as decisões políticos-criminais consistentes em ampliar ou restringir o âmbito do punível deve levar em conta o conceito material de delito sugerido, sem prejuízo, além disso, de que toda decisão sobre criminalizar ou descriminalizar determinada conduta deveria também ser precedida de investigações empíricas (criminológicas) sobre o impacto real da decisão na sociedade, o grau de danosidade social da conduta, o impacto no potencial infrator, em sua família, em seu grupo de trabalho etc. Toda decisão político-criminal que não conta com o respaldo dessas orientações criminológicas move-se num terreno movediço, oscilante e meramente intuitivo.

Com efeito, como pode o legislador cominar para a infração de uma norma penal uma sanção que tem a relevância de uma pena ou medida de segurança, que

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constituem as duas formas mais contundentes de reação estatal, se não conta anteriormente com suficientes dados e informações sobre a oportunidade, adequabilidade ou necessidade da medida?

Dentre tantas outras numerosas repercussões que o conceito constitucional de delito está predestinado a provocar (no âmbito da política-criminal, na teoria do delito, na teoria da pena etc.), mais quatro, pelo menos, devem ser postas em destaque:

1ª) A vinculação do legislador, do intérprete e do aplicador da lei penal ao referido paradigma da ofensividade: o primeiro já não pode adotar técnicas legislativas incriminatórias reconduzíveis ao mero voluntarismo (à vontade) do infrator, ao seu modo de ser, ao seu modo de pensar; não é possível configurar o delito como mera desobediência à norma; ninguém pode ser castigado pelo que é ou pelo que pensa, senão pelo que faz ofensiva e intoleravelmente aos outros; os intérpretes e aplicadores da lei têm a tarefa de interpretar todos os tipos penais em termos ofensivos: de todos os significados possíveis que se extraem da literalidade legal deve-se preferir sempre o que se ajusta ao modelo de delito como ofensa a um bem jurídico, considerando-se atípicas todas as condutas não ofensivas, ainda que formalmente adequadas à descrição legal;

2ª) A refutação das tendências penais exageradas, desproporcionalmente intervencionistas, que buscam configurar o delito não segundo o modelo marcadamente garantista que aqui se indica, senão como mera violação de um dever ou de uma norma ou, mais grave ainda, como simples modo de viver;

3ª) A incompatibilidade das concepções subjetivistas do Direito penal e do delito com as modernas Constituições (voltaremos ao tema mais adiante). Com efeito, e invocando uma vez mais a síntese de MARINUCCI/DOLCINI, "elas [as Constituições] acolhem os clássicos princípios liberais da legalidade do delito e da pena, da irretroatividade da lei penal, contemplando uma ideia de delito que se reconduz não àquilo que o homem é ou quer (concepção subjetivista), senão pelo que ele faz (modelo objetivista) [...]; iluminada pela inteira fisionomia do Estado desenhado pela Constituição [...] a referência ao fato (contida no art. 25.2, da CI) revela em última instância seu tradicional significado liberal: fato é sinônimo de ofensa a bens jurídicos". Como se vê, da concepção subjetivista do ilícito penal, que o considera em última análise como um fato socialmente perigoso, passa-se, sob a

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égide dos modernos valores constitucionais, a uma concepção do delito como fato ofensivo típico, que não prescinde da necessária afetação do bem tutelado.

4ª) A tipicidade penal, portanto, doravante, será sempre compreendida também em sentido material e garantista e dela (também) faz parte, como requisito explícito ou implícito, a ofensa ao bem jurídico, seja na forma de lesão, seja na de perigo concreto. Essa ofensa constitui a essência do resultado jurídico relevante (ou seja: desvalioso), que pressupõe seis exigências: o resultado jurídico deve ser:

(a) concreto, (b) transcendental, (c) grave,

(d) intolerável,

(e) objetivamente imputável ao risco criado e

(f) que esteja no âmbito de proteção da norma penal.

Disso também se infere, obviamente, que o princípio da ofensividade está destinado a funcionar como critério hermenêutico de extraordinário valor, em virtude do qual resulta impossível sancionar penalmente todos os comportamentos que concretamente não chegam a 'perturbar' ou afetar o bem consagrado normativamente. Para que um ato humano seja considerado penalmente relevante, além da materialização (exteriorização) de uma vontade criminosa, que é exigência do princípio do fato, faz-se necessário um plus , que é precisamente a ofensa (a iniuria ) ao bem jurídico tutelado.

Precisamente nos tristes momentos históricos de eclipse mais aguda do princípio da ofensividade é que mais arbítrio se cometeu contra a liberdade humana.

No tempo do nazismo, quando se prescindiu por completo não só do bem jurídico como da sua necessária ofensa, o delito foi configurado como mera desobediência à norma e todas as atrocidades daí derivadas são amplamente conhecidas.

Como bem ressaltou ZAFFARONI, "o injusto concebido como lesão a um dever é uma concepção positivista extremada [...]; é a consagração irracional do dever pelo dever mesmo. Não há dúvida que sempre existe no injusto uma lesão ao dever [uma violação à norma imperativa], porém o correto é afirmar que só existe essa violação quando se afeta o bem jurídico tutelado. Não se pode interromper arbitrariamente a análise do fato ou do fato punível e se a ação não prejudica terceiros, deve ficar impune, por expressa disposição constitucional".

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NO DIREITO PENAL DA OFENSIVIDADE NÃO HÁ ESPAÇO PARA O PERIGO ABSTRATO

Se a primeira exigência (emanada da teoria constitucionalista do delito) orienta que o resultado jurídico deve ser concreto, resulta claro que o Direito penal da ofensividade é incompatível com o perigo abstrato (ou presumido). Não há espaço no Direito penal fundado na pena privativa de liberdade para o perigo abstrato. A jurisprudência brasileira, entretanto, nem sempre segue esse paradigma liberal e democrático (mas, constitucionalmente falando, é um equívoco da jurisprudência, continuar admitindo o perigo abstrato).

CONCEITO MATERIAL DE DELITO

É imprescindível à sociedade a existência de normas jurídicas que disciplinem regras indispensáveis à convivência entre os sujeitos que a compõem. Dentre as diversas formas de controle social que visam a esse fim, há aquela que impõe aos indivíduos a proibição à prática de determinadas condutas, em relação às quais se prevê a aplicação de sanções de natureza penal, e cujo conjunto denomina-se Direito Penal.

O jus puniendi, no entanto, não pode ser exercido por seu titular (o Estado) de maneira arbitrária. Em razão da gravidade das sanções impostas por seu intermédio – as quais atingem um dos mais valiosos bens individuais existentes: a liberdade – e dos efeitos drásticos que sua aplicação acarreta para a sociedade e para o indivíduo rotulado como “criminoso”, é indispensável que a incidência do Direito Penal se realize em consonância com os princípios constitucionais que o norteiam e, em igual relevância, com a função por ele exercida em um Estado Democrático de Direito: a proteção de bens jurídicos relevantes à convivência social pacífica. Só assim pode- se falar em um sistema penal legítimo e capaz de equilibrar a relação ius puniendi versus ius libertatis.

Nesse contexto, o Direito Penal deve-se voltar única e exclusivamente à consecução dos fins que legitimam sua existência: a proteção de bens jurídicos e a pacificação social. Assim, a única forma de garantir a o devido respeito aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana é limitar a incidência das normas

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penais, condicionando-a aos casos em que haja ocorrido efetiva lesão ou risco concreto a bens jurídicos penalmente tutelados, em efetiva obediência ao princípio da ofensividade.

É evidente que a simples submissão de determinada conduta ao tipo penal descrito em lei não autoriza a aplicação do Direito Penal. Deve ele, pois, somente se insurgir contra as condutas efetivamente lesivas à sociedade e, nessa esteira, uma das formas de garantir esta correta utilização dos mecanismos penais é analisar o conceito de crime também sob a ótica material, condicionando a sua existência à efetiva lesão (ou risco concreto de lesão) a bens jurídicos tutelados pela norma penal, devendo-se inserir a tipicidade material no conceito analítico de crime, linha de entendimento da qual não pode fugir o estudo do Direito Penal do ius libertatis.

O PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE

Uma vez que o Direito Penal se consubstancia no instrumento de controle social mais drástico e grave dentre todos os existentes, é evidente que sua atuação não pode prescindir a existência de grave lesão, ou ameaça concreta de lesão, a bens juridicamente relevantes à sociedade, dotados de dignidade penal. Eis, pois, o princípio da ofensividade do fato, por meio do qual se suscita a necessidade de grave ofensa a tais bens jurídicos, ou ao menos ameaça concreta de grave lesão, para que se possa cogitar a existência de crime capaz de impulsionar a aplicação do sistema penal.

Consoante preleciona Gomes (2002, p. 29),

O princípio da ofensividade – nullum crimen sine iniuria –, como postulado político-criminal nuclear que emana do conjunto axiológico-normativo do Estado Constitucional de Direito, ancorado nos direitos fundamentais, e ainda tendo em consideração o princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos, passa a constituir a essência do modelo de delito (injusto) compreendido como fato (típico)

“objetivamente” ofensivo, é dizer, fato merecedor da sanção penal porque causou uma lesão ou perigo de lesão ao bem tutelado.

Em um Estado Democrático de Direito, amplamente comprometido com a proteção e efetivação dos direitos fundamentais da pessoa humana, não se pode conceber a existência de um Direito Penal desvinculado do princípio da

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ofensividade. Este, aliás, mais do que mera diretriz destinada a limitar o exercício do ius puniendi, consubstancia-se, em última análise, em um dos pilares de todo o sistema penal.

O axioma nullum crimen sine iniuria – que conta com uma inequívoca inspiração liberal e que hic et nunc é admitido como eixo de todo o sistema penal – encontra ressonância constitucional e legal, isto é, encontra eco tanto nos modernos modelos de Estado, que se caracterizam por ser constitucionais e democráticos de direito, como nos códigos e leis penais (BIANCHINI, MOLINA e GOMES, p. 314).

A respeito das limitações impostas pelo princípio em comento, verifica-se que dele decorrem efeitos relacionados tanto à função legiferante criminal (função político-criminal) quanto à própria atividade de interpretação e aplicação da lei penal (função dogmática). Nesse ponto, aduz Bitencourt (2010, p. 52):

O princípio da ofensividade no Direito Penal tem a pretensão de que seus efeitos tenham reflexos em dois planos: no primeiro, servir de orientação à atividade legiferante, fornecendo substratos políticos-jurídicos para que o legislador adote, na elaboração do tipo penal, a exigência indeclinável de que a conduta proibida represente ou contenha verdadeiro conteúdo ofensivo a bens jurídicos socialmente relevantes; no segundo plano, servir de critério interpretativo, constrangendo o intérprete legal a encontrar em cada caso concreto indispensável lesividade ao bem jurídico protegido.

É possível cogitar, ainda, mais um efeito decorrente do princípio da ofensividade. Trata-se da alteridade ou transcendentalidade inerente ao Direito Penal, o qual, para Capez (2007, p. 13):

(…) proíbe a incriminação de atitude meramente interna, subjetiva do agente e que, por essa razão, revela-se incapaz de lesionar o bem jurídico. O fato típico pressupõe um comportamento que transcenda a esfera individual do autor e seja capaz de atingir o interesse de outro (altero).

Em síntese, considerando a gravidade das sanções impostas pelo instrumento de controle social denominado Direito Penal, bem como tendo em vista a sua primordial função em um Estado Democrático de Direito (qual seja, como se verá adiante, a proteção de bens jurídicos relevantes à convivência social), não há como se sustentar a existência de infração penal sem que dela decorra lesão, ou ameaça concreta de lesão, ao bem jurídico penalmente tutelado, do que se denota

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que o princípio da ofensividade constitui, ao lado da dignidade da pessoa humana, verdadeiro alicerce de todo o sistema penal comprometido com o ius libertatis.

O CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME

O conceito analítico de crime destina-se a apresentar os requisitos (ou pressupostos) necessários à existência da infração penal. Esta forma de conceituação, logo, é de grande valia para o estudo da teoria geral do delito, uma vez que permite a separação e a investigação isolada dos elementos que constituem a infração penal.

O conceito analítico de crime é basicamente desenvolvido em duas concepções: a bipartida e a tripartida.

De acordo com a primeira delas – a bipartida –, crime é fato típico e antijurídico, sendo que a culpabilidade (juízo de reprovabilidade da conduta do agente) não figura entre os elementos deste conceito, mas sim, constitui pressuposto para a aplicação da pena.

Essa concepção bipartida, consoante disserta Santos (apud, GOMES e MOLINA, 2009, p. 141),

(...) afirma a unidade conceitual entre a tipicidade e a antijuridicidade, como dados integrantes do tipo de injusto, que admitem operacionalização analítica separada, mas não constituem categorias diferentes do injusto penal. O tipo legal é a descrição da lesão de bens jurídicos e a antijuridicidade é um juízo de valoração do comportamento descrito no tipo legal, formando o conceito de tipo de injusto.

Acerca do fato típico, primeiro elemento integrante da constituição da infração penal, dissertam Zaffaroni e Pierangeli (2007, p. 337):

Tecnicamente, chamamos tipos a estes elementos da lei penal que servem para individualizar a conduta que se proíbe com relevância penal. Assim, por exemplo, “matar alguém” (tipo de homicídio – art. 121, caput); “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” (tipo de furto – art. 155, caput); “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” (tipo de estupro – art. 213) etc.

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Quando uma conduta se ajusta a algum dos tipos legais, dizemos que se trata de uma conduta típica ou, o que é o mesmo, que a conduta apresenta a característica de tipicidade (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2007, p. 337).

Já a respeito do segundo elemento do conceito analítico de delito, ensinam os precitados autores:

A antijuridicidade é, pois, o choque da conduta com a ordem jurídica, entendida não só como uma ordem normativa (antinormatividade), mas como uma ordem normativa e de preceitos permissivos.

O método, segundo o qual se comprova a presença da antijuridicidade, consiste na constatação de que a conduta típica (antinormativa) não está permitida por qualquer causa de justificação (preceito permissivo), em parte alguma da ordem jurídica (não somente no direito penal, mas tampouco no civil, comercial, administrativo, trabalhista etc.) (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2007, p. 490).

Para a formulação bipartida, então, a infração penal é composta pelo fato típico, compreendido como a existência de uma conduta que se amolde à descrição típica incluída em uma norma penal incriminadora, e pela antijuridicidade, a qual revela que a conduta – ou seja, o fato típico – é também contrário ao Direito.

De outra parte, de acordo com a segunda acepção – a tripartida –, o elemento culpabilidade encontra-se incluída no conceito de crime, o que leva a concluir que crime é fato típico, antijurídico e culpável. Para Gomes e Molina (2009, p. 142),

O sistema tripartido clássico (amplamente majoritário na doutrina penal atual) não só sustenta que são três as categorias que compõem o delito (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) como admite a plena autonomia de cada uma delas.

Crime, portanto, seria o fato típico, antijurídico e culpável (exigindo-se três estágios autônomos de valoração.

Portanto, para o sistema tripartido, só haverá crime caso a conduta praticada corresponda a uma descrição típica (fato típico), seja contrária ao Direito (antijurídica) e, ainda, se sobre ela recair um juízo de reprovabilidade, revelada pela existência de culpabilidade em relação ao agente que a praticou.

Embora seja a concepção tripartida majoritariamente adotada entre os doutrinadores, deve-se destacar que é a concepção bipartida a que mais se coaduna com a dogmática penal brasileira. Isso porque, com o advento da reforma penal veiculada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, a teoria geral do crime, no

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Código Penal brasileiro, passou a ser orientada pela teoria finalista (que substituiu a teoria causalista anteriormente adotada), segundo a qual o dolo e a culpa, antes inseridos no plano da culpabilidade, passaram a integrar a conduta (um dos elementos do fato típico). Assim, a culpabilidade, diante do finalismo, perdeu os únicos elementos que interessavam para a existência do crime, passando ela, portanto, a reger apenas a possibilidade de aplicação da pena stricto senso.

Com o finalismo de Welzel (cujo apogeu, na doutrina europeia, se deu entre 1945 e a década de sessenta do século passado) o tipo penal passou a ser composto de duas dimensões: a objetiva e a subjetiva. Esta última era integrada pelo dolo ou culpa (que foram deslocados da culpabilidade para a tipicidade). No temo do causalismo (e do neokantismo) o dolo e a culpa constituíam formas de culpabilidade. Pertenciam à culpabilidade. O deslocamento para a tipicidade veio a acontecer com o finalismo de Welzel (GOMES e MOLINA, 2009, p. 158).

A culpabilidade, então, não figura como elemento do crime, mas sim revela um dos pressupostos para a aplicação da pena. A adoção de entendimento contrário traria consequências de ordem técnica e prática impossíveis de serem contornadas pela dogmática penal brasileira.

Portanto, conclui-se que, sob o prisma analítico, na dogmática brasileira a infração penal é conceituada como fato típico e antijurídico.

A TIPICIDADE PENAL INSERIDA NO (CLÁSSICO) CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME

Os elementos que compõem a infração penal, segundo acima demonstrado, são o fato típico e a antijuridicidade.

Para se verificar a existência de um fato típico, e assim iniciar a perquirição acerca de sua antijuridicidade, é necessário proceder a um juízo de compatibilização entre a conduta investigada e o ordenamento jurídico penal. Uma vez constatado que a conduta se subsume perfeitamente a um tipo penal incriminador, diz-se tratar de uma conduta típica, ou seja, revestida de tipicidade. Nas palavras de Bitencourt (2010, p. 304),

Há uma operação intelectual de conexão entre a infinita variedade de fatos possíveis na vida real e o modelo típico descrito na lei. Essa operação consiste em

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analisar se determinada conduta apresenta os requisitos que a lei exige, para qualificá-la como infração penal, chama-se “juízo de tipicidade” (...).

Quando o resultado desse juízo for positivo significa que a conduta analisada se reveste de tipicidade. No entanto, a contrário sensu, quando o juízo de tipicidade for negativo estaremos diante da atipicidade da conduta.

Assim, para se cogitar a existência de um fato típico, exige-se, em primeiro lugar, a existência de uma conduta humana voluntária e dirigida a um determinado fim. Esta conduta, em segundo lugar, deve ser a causa de resultado naturalístico ou ao menos jurídico. Por fim, deve a conduta passar por um juízo positivo de tipicidade (ou adequação típica), a qual, segundo Greco (2009, p. 25), significa a “subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador”.

Mas para a teoria bipartida clássica do conceito analítico de crime, o juízo de tipicidade necessário para a existência de um fato típico se satisfaz apenas com a adequação formal da conduta ao tipo penal, não havendo necessidade de se proceder qualquer juízo material referente a sua ofensividade. Assim, a mera subsunção da conduta à norma penal incriminadora satisfaz o juízo de tipicidade formal requerido pela doutrina clássica.

A Tipicidade é uma decorrência natural do princípio da reserva legal: nullum crimen nulla poena signe praevia lege. Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal. (...) Um fato para ser adjetivado de típico precisa adequar-se a um modelo descrito na lei penal, isto é, a conduta praticada pelo agente deve subsumir-se na moldura descrita na lei (BITENCOURT, 2010, p. 305).

No entanto, sob os ditames da teoria constitucionalista do delito, e considerando, ainda, os valores consagrados pelo Estado Democrático de Direito, a tipicidade penal não pode ser compreendida sob o aspecto meramente formal, mas deve, sobretudo, ser analisada sob o aspecto material. A tipicidade penal, segundo se dissertará a seguir, é constituída pela tipicidade formal e a tipicidade material.

A TIPICIDADE PENAL SOB O ENFOQUE DO PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE: O CONCEITO MATERIAL DE DELITO

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O Direito Penal é considerado o meio de controle social mais drástico dentre todos os existentes. Além de suas sanções incidirem sobre um dos valores mais caros aos cidadãos (a liberdade), a sua atuação no meio social provoca efeitos indiretos nefastos, que contribuem para o aumento das desigualdades sociais e para a repressão das classes menos favorecidas.

Assim, no Estado Democrático de Direito, o qual, consoante sustentado alhures, está ancorado nos valores da dignidade da pessoa humana e no respeito aos direitos fundamentais, dentre os quais se destaca a liberdade, valor diretamente atacado pelas sanções penais, não se pode conceber a existência de um sistema de penal sem que ele esteja, de igual forma, regido pelo respeito aos direitos e garantias individuais e aos valores oriundos da dignidade da pessoa humana, e orientado pelos princípios constitucionais penais. Essa compatibilização pode ser alcançada com a limitação do âmbito de atuação do Direito Penal, dirigindo-o apenas à consecução de sua missão primordial na sociedade.

Conforme argui D’Avia (2009, p. 53),

Pode-se observar, mesmo que de forma muito breve, a absoluta falta de sentido em se falar de liberdade como direito constitucional fundamental e, simultaneamente, permitir a criminalização irrestrita do seu exercício. Ora, se toda incriminação resulta em uma forte limitação à liberdade de agir – a tipificação pode ser vista como um processo de ponderação de bens, no qual a liberdade cede em prol da tutela de um outro valor como a vida, no homicídio; o patrimônio, no furto, etc. –, essa limitação, de modo a respeitar a condição de direito constitucional fundamental do bem jurídico liberdade, deve atender a pressupostos mínimos, entre eles, a tutela exclusiva de valores dotados de nível constitucional – isto é, de valores que se encontram em uma relação de harmonia com a ordem axiológica jurídico- constitucional – e detentores de um tal conteúdo axiológico, que justifique a forte restrição à liberdade ocasionada pela incriminação. Logo, uma restrição que se faz possível somente quando indispensável para a tutela de particulares bens jurídicos, de bens jurídicos providos de uma significativa e suficiente consistência axiológica, enfim, de bens dotados de dignidade jurídico-penal. Ou, de forma ainda mais clara: a liberdade, enquanto valor constitucional fundamental, somente pode ser restringida quando o seu exercício implicar a ofensa de outro bem em harmonia com a ordem axiológico-constitucional.

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A missão do Direito Penal no Estado Democrático de Direito consiste na exclusiva proteção, fragmentária e subsidiária, dos bens jurídicos mais importantes para a sociedade. A atividade de criminalização, destarte, não pode incidir sobre valores de menor importância ou irrelevantes para a convivência social, da mesma forma que estão excluídos de seu âmbito de incidência questões eminentemente morais ou ideais vinculadas apenas a um segmento social. De igual forma, o exercício do ius puniendi também deve operar nesse sentido, de maneira que a infração penal não constitui mera transgressão à norma incriminadora, mas sim, deve constituir uma transgressão aos valores por ela protegidos. Segundo aduz Roxin (2006, p. 39),

(…) Consistindo a missão do Direito Penal na proteção de bens jurídicos, então o injusto penal deve manifestar-se como o menoscabo de um bem jurídico, isto é, como lesão ou colocação em perigo de um bem jurídico.

Para a teoria constitucional do delito, portanto, é inegável a importância dos princípios constitucionais limitadores do Direito Penal, que se apresentam como meio para estreitar o âmbito de incidência desse sistema de controle social e garantir que a sua atuação na sociedade seja sempre legítima e em consonância com os valores inerentes ao Estado Democrático de Direito. E ainda em posição de maior destaque se encontra o princípio da ofensividade, que condiciona a atuação do Direito Penal no meio social à criminalização de condutas capazes de lesionar bens jurídicos dotados de dignidade penal.

Assim é que a concepção analítica de crime até aqui apresentada, em quaisquer de suas construções (bipartida ou tripartida), não contempla em sua estrutura o elemento necessário para compatibilizá-la aos fins do Direito Penal no Estado Democrático de Direito. Isso porque, a mera subsunção formal de uma conduta, ainda que antijurídica, a um tipo penal não é suficiente para fazer surgir a figura de um delito. A análise constitucional da teoria geral do delito, portanto, deve- se iniciar pela construção de um conceito material de delito.

Nesse mesmo sentido, Gomes (2002, p. 15) ensina que

Para fundamentar as premissas que acabam de ser referidas, impende considerar que no Estado Constitucional de Democrático de Direito, fundado nos direitos fundamentais, o Direito penal (particularmente o Direito penal que envolve o ius libertatis), em razão dos custos e da violência que significa, somente se justifica

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quando presentes algumas exigências ético-políticas (externas), e uma delas consiste em que o agente unicamente pode ser responsabilizado pelo fato cometido quando tenha causado uma concreta ofensa, ou seja, uma lesão ou ao menos um efetivo perigo de lesão para o bem jurídico que constitui o centro de interesse da norma penal.

Com efeito, o estudo do delito sob os ditames da teoria constitucional do Direito Penal está condicionado à adoção, pela dogmática penal, de um conceito material de delito, o qual, no entendimento de D’Avila (2009, p. 51),

(...) corresponde, em um primeiro momento, a uma compreensão político- ideológico estabelecida nos ideais de um Estado laico, liberal, tolerante, pluralista e multicultural, comprometido com a dignidade humana e com o reconhecimento de direitos fundamentais, em clara e assumida oposição a Modelos de Estado autoritários, erigidos na persecução de objetivos éticos, na punição de inclinações antissociais e na mera infração ao dever. Afinal, como a própria história demonstra, não só a compreensão do ilícito sempre disse muito sobre o modelo de Estado em que é implementada, como o Modelo de Estado sobre a acepção de ilicitude que recepciona.

Aliás, para o precitado autor, no sistema penal brasileiro a ofensividade encontra guarida na própria Constituição Federal. Em suas palavras,

A ofensividade é, sem dúvida, por inúmeras razões, uma exigência constitucional. Aliás, parece-nos possível encontrar elementos ara justificar uma tal exigência, tanto em âmbito puramente principiológico como, e principalmente, à luz das regras constitucionais. Partindo de um ordenamento constitucional fundado na inter-relação de regras e princípios, podemos, mediante a admissão de uma proposição de ordem e paz a cargo do Estado de Direito, reconhecer um princípio geral fundamental de tutela de bens jurídicos, densificador do princípio estruturante do Estado de Direito. Pois é exatamente desse princípio geral de tutela de bens jurídicos que decorre tanto o princípio geral de garantia representado pela necessária ofensa, como o princípio constitucional impositivo, representado pela intervenção penal necessária, o que significa dizer que ambos estão submetidos ao âmbito normativo do princípio originário, não admitindo uma conflitualidade que extrapole os limites da tutela de bens jurídicos, ou seja, que toda incriminação que vá além dos limites da ofensividade não corresponde a um interesse político-criminal

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legítimo, eis que estaria fora do âmbito de proteção do seu princípio confirmador (D’AVILA, 2009, p. 69/70)

Para que se possa cogitar a intervenção penal na sociedade é imprescindível, destarte, a prática de uma conduta antijurídica que se subsuma formalmente à descrição contida em um tipo penal incriminador (tipicidade formal) e que ela, sobretudo, seja hábil a lesionar ou ao menos a expor a risco concreto de lesão determinado bem jurídico penalmente tutelado (tipicidade material). Assim é que o conceito analítico de crime ditado pela teoria constitucional do Direito Penal não pode prescindir de nenhum desses elementos, pelo que se conclui que crime consiste em um fato formal e materialmente típico e antijurídico.

Atualmente, a tipicidade

(...) deve ser admitida como formal e também material. Já não se pode menosprezar o lado material da tipicidade. A locução “fato típico” é exageradamente reducionista: doravante devemos falar sempre em “fato formal e materialmente típico” (GOMES e MOLINA, 2009, p. 137).

É o que consiste, na visão de Rogério Greco, a tipicidade conglobante.

Para que ocorra a chamada tipicidade conglobante, devemos verificar se o comportamento formalmente típico praticado pelo agente é: a) antinormativo; b) materialmente típico. A tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antinormativa, isto é, contrária à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material) (GRECO, 2009, p. 25/26).

Deste modo, é perfeitamente possível concluir que, sob o prisma da teoria constitucionalista do delito, a tipicidade penal não se realiza apenas com a adequação forma da conduta ao tipo penal incriminador, pois, para além da tipicidade formal (mera adequação típica), é imprescindível a existência de ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal, isto é, a tipicidade material. E ainda, é preciso que a ofensa oriunda da conduta seja grave o bastante a legitimar a incidência do Direito Penal como última forma de controle social, pois,

Para justificar a intervenção penal (que é a mais severa das intervenções), será imprescindível, em consequência, que a conduta externa praticada (formalmente típica e subjetiva ou normativamente imputável ao agente) não só concretize a descrição legal (típica), senão também que ofenda concretamente

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(lesão ou perigo) o bem jurídico protegido, que, no caso, é a vida, sob determinadas condições ou circunstâncias (i.e., consubstanciada numa relação social) (GOMES, 2002, p. 24).

A infração penal, por conseguinte, não é apenas infração à norma proibitiva, mas acima de tudo é infração aos valores por ela tutelados, de forma que não se pode mais cogitar o estudo do conceito analítico de crime, dentro da perspectiva do Direito Penal do uis libertatis, apenas sob a estruturação fato formalmente típico e antijurídico. É forçosa a adoção, pela dogmática penal brasileira, do conceito material de delito, pelo qual este se verifica apenas diante de uma conduta formal e materialmente típica e, ao mesmo tempo, antijurídica.

A incidência do Direito Penal, então, só encontra legitimidade quando estritamente direcionada à realização da sua missão no Estado Democrático de Direito, qual seja, a pacificação social por meio da exclusiva proteção de bens jurídicos primordiais para a convivência coletiva. Essa proteção, deve-se acrescentar, se desenvolve de forma subsidiária e fragmentária, uma vez que o Direito Penal do ius libertatis é concebido como a ultima ratio dentre todos os sistemas de controle social.

Uma tal concepção onto-antropológica do direito penal, percebida e recepcionada juridicamente através do modelo de crime como ofensa a bens jurídico-penais, não só, vale reiterar, atribui ao ilícito uma posição privilegiada na estrutura da dogmática do crime, eis que portador, por excelência, do juízo de desvalor da infração enquanto elemento capaz de traduzir para além da intencionalidade normativa, também a própria função do direito penal, como propõe a noção de ofensa a bens jurídicos, a noção de resultado jurídico como a pedra angular do ilícito-típico. De forma sintética: não há crime (legítimo) sem ofensa a um bem jurídico-penal. Proposição que pretende, para além de expressar um inequívoco ideário político-ideológico, assumir-se como formulação principalmente constitucional (D’AVILA, 2009, p. 50/51).

Na perspectiva da teoria constitucional do Direito Penal e diante dos valores consagrados pelo Estado Democrático de Direito, o delito passa a ser compreendido, novamente nas palavras de Gomes e Molina (2009, p. 126), “como fato formal e materialmente típico. (...) a tipicidade penal, doravante, nos crimes

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dolosos, é a soma da tipicidade formal + tipicidade material (ou valorativa) + tipicidade subjetiva”.

Portanto,

Para o juízo (positivo) de tipicidade penal, em sentido material e constitucional, já não bastará, destarte, a mera realização formal da conduta descrita na fattispecie. O fato concreto, para ser típico, requer: (1) a realização da conduta descrita (subsunção formal da conduta ao tipo), (2) a imputação objetiva e subjetiva ou normativa da conduta (dolo ou culpa) e (3) a necessária produção de um resultado jurídico (afetação – lesão ou perigo concreto de lesão – do bem jurídico protegido). (GOMES, 2002, p. 40).

A análise ontológica do injusto penal, realizada segundo a concepção material do delito, contribui também para a satisfação da missão social positiva do sistema penal no Estado Democrático de Direito, já que o Direito Penal, segundo se salientou alhures, ao exercer uma função protetora de bens jurídicos, auxilia a criação do conjunto de valores sociais tidos como mais importantes para a convivência comum pacífica.

A esse respeito, consoante aduz Capez (2007, p. 2),

Ao prescrever e castigar qualquer lesão aos deveres ético-sociais, o Direito Penal acaba por exercer uma função de formação do juízo ético dos cidadãos, que passam a ter bem delineados quais os valores essenciais para o convívio do homem em sociedade.

Assim, na medida em que esses valores são absorvidos da própria sociedade, segundo uma atividade perceptiva constante das mutações sociais, é possível inferir que o Direito Penal legítimo e democrático constitui reflexo do próprio seio social, e constitui meio para a promoção e confirmação de seus valores.

Portanto, o Direito Penal não pode ser utilizado pelas classes dominantes como instrumento de controle destinado à manutenção e perpetuação do poder, por meio da confecção de um sistema punitivo opressor e discriminativo, voltado à punição apenas das classes menos favorecidas. Esse pensamento utilitarista não deve se sobrepor aos fins sociais do Direito Penal, porquanto, novamente segundo leciona Capez (2007, p. 4),

(...) o Direito Penal deve ser compreendido no contexto de uma formação social, como matéria social e política, resultado de um processo de elaboração

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legislativa com representatividade popular e sensibilidade capaz de captar tensões, conflitos e anseios sociais.

Ainda nesta perspectiva, ao destacar a função primordial do Direito Penal no Estado Democrático de Direito, o conceito material de delito colabora com a realização de um juízo de compatibilização vertical de todo o ordenamento jurídico penal com os preceitos consagrados pela Constituição Federal, porquanto somente permite erigir à posição de bens jurídico-penais aqueles valores sociais derivados ou compatíveis com o texto magno.

De todo o exposto, conclui-se que o Direito Penal do ius libertatis, orientado pela teoria constitucional do delito, pelos valores da dignidade da pessoa humana e pelo respeito aos direitos fundamentais, não pode se conformar com a concepção analítica de delito em sua faceta puramente formal. É imprescindível, por conseguinte, que o delito seja estudado sob o prisma das funções do Direito Penal no Estado Democrático de Direito, de maneira a determinar a inclusão no conceito analítico de crime a chamada tipicidade material, consubstanciada pela existência de grave lesão (ou, ao menos, efetivo risco de lesão) ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Só assim se pode considerar legítima a incidência do Direito Penal na sociedade e, acima de tudo, pode-se reputar justificados os efeitos drásticos dela oriundos. Portanto, todo o estudo da dogmática penal deve – e é evidente que assim o seja – ser pautado pela concepção material do delito.

A compatibilização da relação ius puniendi versus ius libertatis, definitivamente, só se faz possível mediante a adoção de um sistema penal orientado pelo princípio da ofensividade e restrito à proteção de bens jurídicos dotados de dignidade penal, porquanto apenas diante de uma grave lesão a esses valores é que se pode cogitar a restrição da liberdade.

PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL

Conceito de princípio

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Os conflitos envolvendo direitos fundamentais colidentes, segundo a teoria principiológica alexyana, encontram solução nos juízos de ponderação, através do princípio da proporcionalidade – que registra três desdobramentos –, propiciando a solução adequada ao caso concreto.

Entretanto, os juízos axiológicos encontram barreira na segurança jurídica, ou seja, na busca desenfreada pelo contraditório prévio. Tal posicionamento enseja a contrariedade à concessão da antecipação dos efeitos da tutela no embate entre direitos fundamentais conflitantes, abortando a efetividade processual, além de aniquilar o direito que não pode se constituir em refém do tempo e da ordinariedade.

Assim, resta aos operadores do direito retirar a névoa que encobre a segurança jurídica e buscar o fim do paradigma racionalista, herança da tradição romano-canônica, percebendo que não há no direito cognição exauriente que leve aos perseguidos juízos de certeza, mas sim a necessidade premente de valoração dos direitos fundamentais e análise da verossimilhança, no intuito de otimizar as tutelas de urgência, premiando assim a efetividade processual.

Adverte-se, aqui, que o que se propõe não é a asseguração da efetividade processual ao arrepio do contraditório e da ampla defesa – também direitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos –, mas sim o estabelecimento de um critério de razoabilidade fulcrado na verossimilhança, na aparência da verdade e na quase certeza, critérios que inspiraram a tutela antecipatória e as tutelas de urgência em geral. Nessa esteira, pode-se asseverar que a concessão tardia da tutela ou a perniciosa gestão do tempo também dão azo ao ultraje dos direitos fundamentais e redundam na malfadada inefetividade, representada no perecimento de direitos tardiamente recognocidos.

Princípios são “normas providas de um alto grau de generalidade, de um alto grau de indeterminação e que por isso requerem concretização por via interpretativa, sem a qual não seriam suscetíveis de aplicação a casos concretos, que desempenham uma função “importante” e “fundamental” no sistema jurídico ou político unitariamente considerado, ou num ou noutro subsistema do sistema jurídico conjunto (o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito das Obrigações) ”.

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Princípios Constitucionais

No decorrer da história, uma série de princípios foram criados para nortear e estruturar o Estado de Direito. Esses princípios podem ser observados nas Constituições existentes no mundo, pois elas são responsáveis por definir a estrutura básica, fundamentos e bases para determinado sistema.

Os princípios foram influenciados principalmente pelas Revoluções Francesa e Americana. No Brasil, desde o século XIX, havia certa resistência na elaboração de uma Constituição Brasileira, visto que, o país era comandado por um rei que tinha suas regras próprias. Com o passar dos anos, foram criadas sete constituições que fizeram mudanças na história do país. A partir delas, muitos princípios foram implantados e, atualmente, representam o pilar do Estado Brasileiro.

Estado de Direito: Modelo de estado onde a lei conduz a vida social e também a do Estado. Através da lei, todas as competências e funções dos órgãos do Estado são definidos, além disso, os cidadãos estarão protegidos por meio de mecanismos que lhes darão o direito de requerer do Estado, quando este não tiver cumprindo os seus objetivos.

O que é Princípio?

A palavra princípio no dicionário significa o início de algo, o que vem antes, a causa, o começo e também um conjunto de leis, definições ou preceitos utilizados para nortear o ser humano. É uma verdade universal, aquilo que o homem acredita como um dos seus valores mais inegociáveis.

Por exemplo, ouvimos em diversos lugares que: “Todos têm direitos iguais”.

Esse trecho está presente no Artigo 5º da Constituição Federal. Ele é apenas uma pequena parte da infinidade de benefícios, se pode dizer assim, pertinentes à população.

Uma vez que seja direito de todo cidadão brasileiro ter ciência dos seus benefícios e garantias – e deveres, é claro – é uma iniciativa ponderada e a prática da cidadania exercer esse direito do cidadão que também é um princípio.

Referências

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