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Uma experiência de trabalho com as famílias em um Centro de Educação Infantil: um olhar dialógico para as práticas educativas MESTRADO PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sandra Marangoni Ferraz

Uma experiência de trabalho com as famílias em um Centro de

Educação Infantil: um olhar dialógico para as práticas educativas

MESTRADO PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sandra Marangoni Ferraz

Uma experiência de trabalho com as famílias em um Centro de

Educação Infantil: um olhar dialógico para as práticas educativas

MESTRADO EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação: Psicologia da Educação, sob orientação da Profa. Dra. Heloisa Szymanski.

SÃO PAULO

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FICHA CATALOGRÁFICA

FERRAZ, Marangoni Sandra. Uma experiência de trabalho com famílias em um Centro de Educação Infantil: um olhar dialógico para práticas educativas. São Paulo: 2011. 118 p.

Dissertação de mestrado: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Área de concentração: Psicologia da Educação

Orientadora: Professora Doutora Heloisa Szymanski

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Às mães e aos pais que se dispuseram a buscar uma nova maneira de educar os filhos, não permitindo a

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AGRADECIMENTOS

Ao Criador, pela vida e pela capacidade que nos dá para ser com o outro, refletir a realidade e intervir neste mundo, contribuindo com a sua transformação.

À minha família, em especial aos meus pais Orlando e Izabel, que me colocaram neste mundo e me apoiaram em minhas escolhas.

Ao Ivan, meu esposo, e aos seus pais pela paciência, contribuição e incentivo.

À querida professora Heloisa, meu agradecimento especial por me aceitar como orientanda, pela paciência e dedicação nas orientações e pela força diante dos desafios que surgiram ao

longo do curso.

À querida Derly Fabres, minha segunda mãe, pelo apoio aos meus projetos e por ter mostrado, através de seu exemplo, o valor do trabalho educativo junto às famílias e às crianças

oprimidas.

À grande amiga Glória Maria de Oliveira, por ter me mostrado o valor da área da educação bem como a responsabilidade que devemos ter ao assumir o compromisso com esta causa.

Às professoras Mitsuko A. M. Antunes, Laurinda R. Almeida e Edna Martins, pela leitura cuidadosa e pelas contribuições no exame de qualificação.

À professora Ana Maria Saul pela acolhida em seu curso sobre a teoria de Paulo Freire no Programa de Currículo e por aceitar fazer parte de minha banca de defesa.

À professora Clarilza P. Sousa e à Simone Calil pela disponibilidade para ser suplente em minha banca de defesa.

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Marcos Marinho, Gilberto Ferreira, Marcela Ronca, Roberta Scatolini e Renata Capeli, com quem muito aprendi e compartilhei experiências.

À Márcia, diretora da escola em que trabalho e às minhas amigas Tânia, Fabiana, Arlete, Thais, Eliane, Vera e Célia, pela colaboração e paciência diante de minhas ausências.

Aos participantes, representantes das famílias, por compartilhar suas experiências de práticas educativas com os filhos e aos participantes funcionários e representantes da comunidade, pela acolhida e disponibilidade de socializar o trabalho que desenvolvem junto às famílias.

À equipe de professores do Programa de Psicologia da Educação da PUC/SP, por me eleger para fazer parte do curso e pelas significativas contribuições em minha formação.

À Fernanda Gehrke, pela correção cuidadosa desta pesquisa e à Elisa Pinto, pela tradução do resumo.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

_______________________________________ Profa. Dra. Heloisa Szymanski (Orientadora)

_______________________________________ Profa. Dra. Ana Maria Saul (PUC-SP)

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi compreender uma experiência duradoura do trabalho com as famílias em um Centro de Educação Infantil (CEI), a partir dos protagonistas que atuam nele deste o seu o início: pais, funcionários e representantes da comunidade. Para tanto, as perguntas que permearam esta investigação foram: Como foi percebido pelos protagonistas o trabalho com as famílias? Houve algumas decorrências deste trabalho no seu cotidiano e no de funcionários do CEI? Trata-se de uma pesquisa qualitativa, e para a compreensão do fenômeno seguiu-se o referencial de Paulo Freire, em especial a sua compreensão de diálogo. Utilizou-se de entrevistas reflexivas que foram analisadas e discutidas com aportes no referencial elegido. Os resultados mostraram que: algumas famílias refletiram sobre as suas práticas educativas e parecem ter assumido um modo mais dialógico no ato de educar sem perder a autoridade; compreenderam que o autocontrole, a persistência, a paciência, o pensar antes de agir e o dialogar são caminhos para educar os filhos e ultrapassar o modo como foram educadas; apesar de exigir esforço, viram que a participação nos encontros reflexivos trouxe benefícios para a educação dos filhos e para o seu próprio crescimento. Quanto à equipe do CEI e aos membros da comunidade, perceberam que: o trabalho com as famílias ampliou e é necessário que exista; as mudanças referentes ao trabalho com elas foram graduais e nem todas as participantes aderiram à proposta do diálogo; as transformações são possíveis, requerem um trabalho a médio e longo prazo, pois envolvem crenças e hábitos já enraigados; reconhecem que elas estão mais próximas, confiantes e apoiando as decisões da instituição. Ao término deste estudo, podemos perceber que há uma busca contínua pela vivência de uma prática dialógica, tanto pela equipe do CEI e pelos representantes da comunidade com as famílias, quanto por algumas famílias junto aos seus filhos e com os membros da instituição. Há sinais concretos de transformação nas práticas dos protagonistas e estes enunciam a validade dos conceitos freireamos para uma educação libertadora, democrática e mais digna.

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ABSTRACT

The objective of this research was to understand a lasting experience of working with families at the CEI – Centro de Educação Infantil (Early Childhood Center), based on protagonists who work there since it was opened: parents, staff members and community representatives. Thus, the questions that have permeated this research were: How was the work with the families perceived by the protagonists? Were there any consequences of that work in the daily routine of CEI employees? This is a qualitative research and, in order to understand the phenomenon, it was based on the ideas of Paulo Freire, in particular what he understands by dialogue. Reflective interviews were used and they were analyzed and discussed with basis on the work of Paulo Freire. The results showed that: some of the parents reflected about their educational practices and seem to have assumed a more dialogic attitude in educating without losing authority; they understood that self-control, persistence, patience, thinking before acting and dialogue are ways to educate their children and overcome how they themselves were educated; although it requires effort, they were able to see that the participation in reflective meetings brought benefits to the education of their children and for their own growth. As for the CEI team and community members, they found that: the work with the families has been extended and is indispensable; the changes related to working with them were gradual and not all participants agreed to the proposal of dialogue; and transformations are possible, but they require work in the medium and long term, because they involve old beliefs and habits; they recognize that they are more united, confident and supportive of the decisions made by the institution. Upon completion of this study, we can see that there is a continuous search for the existence of a dialogic practice by both CEI staff members and community representatives with the families and by some families with their children with the members of the institution. There are concrete signs of change in the practices of the protagonists and they confirm the validity of Freire’s concepts with regard to a liberating, democratic and more dignified education.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO... 11

1. CONTEXTO DA PESQUISA... 21

1.1. Vila Orquídea: um pouco de história... 21

1.2. O Centro de Educação Infantil Joana D´Arc... 24

1.3. Estrutura, funcionamento e organização... 26

1.4. Ações desenvolvidas... 27

2. INTRODUÇÃO... 29

2.1. A família: uma instituição que se transformou... 29

2.2. Educação da criança: um papel da família e das instituições educacionais... 33

2.3. Primeiras instituições de atendimento às crianças: Roda dos Expostos... 35

2.4. As creches no Brasil: um percurso pela história... 36

2.5. O que afirmam as pesquisas sobre o trabalho com as famílias?... 44

3. REFERENCIAL TEÓRICO... 48

3.1. O diálogo na perspectiva de Paulo Freire... 48

Educação Ser Humano Diálogo 3.2. O diálogo e as categorias: humildade, comunicação e pensar crítico... 53

Humildade Comunicação Pensar Crítico 4. O MÉTODO... 59

4.1.Procedimentos metodológicos da pesquisa... 59

4.2. Procedimentos para a coleta de dados... 60

4.3. Participantes... 63

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5. ANÁLISE... 67

5.1. Apresentação e organização dos dados... 67

5.1.1. Constelações... 67

6. DISCUSSÃO... 90

6.1. Sobre o trabalho da equipe PUC com as famílias e suas decorrências... 91

6.2. Sobre o trabalho da equipe PUC com a equipe do CEI e suas decorrências 102 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 106

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APRESENTAÇÃO

Algumas considerações sobre a escolha do tema de estudo Educação Infantil e Família se fazem necessárias nesse primeiro momento.

O princípio de minha experiência profissionalfoi em 1997, em um colégio particular no município de Dois Vizinhos, Paraná, na educação infantil, enquanto cursava o segundo ano do magistério. Principiante na educação, não tinha consciência da importância do trabalho da escola integrado à família. Compreendia que cada instituição desenvolvia a sua tarefa independente uma da outra.

Ao chegar à cidade de São Paulo em 1998, trabalhei em outra escola particular, porém, na primeira série do ensino fundamental. Nela, a proposta de trabalho com a família se dava por meio de reunião coletiva bimestral; reunião individual, quando necessário; algumas festas ao longo do ano e exposição de projetos desenvolvidos com as crianças por meio de uma feira cultural. Participar dessa escola e da experiência do trabalho com as famílias foi muito enriquecedor para mim.

A exposição de projetos na feira cultural apresentada às famílias era o resultado de uma proposta envolvente e significativa do trabalho desenvolvido com as crianças durante o semestre. Essa proposta possibilitava diferentes maneiras de contato da criança com a leitura e a escrita em sala de aula e, para que os pais conhecessem um pouco do processo que era desenvolvido na aprendizagem delas, pensou-se nessa exposição.

Observando as famílias participando do evento, era comum ver os filhos mostrando e explicando a elas a sua produção. Posso dizer que foi uma experiência marcante, pois eram visíveis a alegria e o contentamento dos pais, ao perceberem que seus filhos estavam aprendendo naquela instituição que eles escolheram e na qual confiaram.

Depois de atuar nessa escola, em 1999, fui convidada a trabalhar como educadora e, posteriormente, como coordenadora de uma Instituição não-governamental (ONG), que atendia crianças e adolescentes em situação de rua e de risco no centro de São Paulo. As que viviam em situação de rua eram de diferentes regiões da cidade de São Paulo e até de outros Estados e as em situação de risco, pertenciam à região central, viviam em cortiços, ocupações e pensões.

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oferecidas pela ONG – computação, acompanhamento escolar, capoeira, dança, bazar escola, curso de bijuterias, biblioteca, passeios educativos e brinquedoteca.

Conhecendo a importância que a família tem no processo de aprendizagem da criança e do adolescente, a principal meta era a de desenvolver uma proposta de trabalho que possibilitasse a participação da família. No primeiro caso, a meta era que a criança/adolescente saísse da rua e voltasse para casa. Já no segundo, a preocupação era de que se fortalecessem os laços familiares, contribuindo para que essas crianças/adolescentes não deixassem a escola e a família, como fizeram as primeiras.

As tentativas de desenvolvimento de uma proposta de trabalho com as famílias daquelas que viviam em situação de rua foi um grande desafio. Havia a necessidade de um intenso trabalho de localização de suas residências, trabalho que não era nada fácil por vários motivos – mudança de endereço, crianças/adolescentes que passavam o contato errado para que não fossem localizados por seus pais, distância etc. Já no segundo caso, o contato com as famílias era mais fácil por pertencerem ao bairro. Com elas, a meta era a de obter 100% de participação. Essa participação era considerada quando houvesse a presença de algum membro da família nas reuniões coletivas; nas reuniões individuais para tratar de algum assunto que surgisse em relação à criança ou ao adolescente; e, nos eventos comemorativos.

No início deste trabalho, assim que era comunicado às crianças/adolescentes que haveria reunião com as famílias percebíamos, que elas ficavam aflitas e logo diziam – “eu não fiz nada né”? “o que você vai falar de mim”? “o que a gente fez”?

Essas preocupações manifestadas por elas evidenciavam uma experiência de reunião com os pais que nos parecia não ter sido agradável. A pauta que nossa equipe preparava para os encontros com as famílias não era de listas de recados e reclamações, mas sim, dividida em momentos de reflexão, de formação sobre algum tema e de alguns comunicados, um momento para que a família expressasse sugestões, dúvidas ou inquietações a respeito do filho.

Aos poucos, notamos que o temor das crianças/adolescentes pelas reuniões com os seus pais foi se desvanecendo, ao perceberem que o intuito daquele encontro era o de criar vínculo e dialogar sobre a educação delas. Perceberam também, que não tínhamos o propósito de difamá-las por indisciplina ou por outro motivo, mas sim, estabelecer uma comunicação com a família.

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descoberta que muito contribuiu para a minha formação. Comecei a perceber os diferentes contextos a serem considerados ao atuar na educação. Notei que as crianças das escolas particulares com as quais trabalhei viviam uma realidade social, cultural e econômica bem diferente das que pertenciam à ONG.

Aos 20 anos, filha de uma família com pai, mãe e filhos, morando numa casa com muito espaço, jardim e a presença da natureza, posso dizer que pude conhecer famílias bem diferentes da minha e morando em minúsculos espaços sem a presença da natureza. Cabe aqui relatar a realidade de algumas delas.

Numa manhã, nós, eu e mais uma educadora, saímos para a visita familiar na casa da aluna V., que ficava dentro de um antigo casarão, subdividido em várias outras inúmeras casas. Entramos por um portãozinho e fomos por um corredor escuro até o final, para chegar ao pequeno quarto onde residiam a aluna e mais cinco pessoas. A mãe, muito simpática, nos acolheu muito bem e nos falou de sua família. O esposo era alcoólatra, às vezes tentava agredi-la, porém seu filho maior de 17 anos não permitia.

A segunda família que visitamos foi a do aluno I. Ele vivia também num antigo casarão subdividido em mais ou menos 15 quartos, sendo que em cada um deles havia uma família morando. O curioso foi descobrir que existia um único banheiro para todas utilizarem. Entramos por uma porta estreita e seguimos por um corredor escuro, no final dele descemos por uma escada para chegar à parte do porão que era um lugar também pouco claro, sem ventilação e onde havia um vazamento que aparentava ser de água suja; havia muito cheiro de cigarro, maconha e outros maus cheiros. Lá estava o quarto de mais ou menos 12 m² em que I. morava. Os móveis eram uma cama de casal, uma geladeira e um fogão. Quem nos recebeu foi a mãe, pois o pai se encontrava preso e os outros dois filhos estavam na escola.

A terceira visita que fizemos foi na casa de J.. Seus pais trabalhavam com a reciclagem de lixo, numa parte do terreno construíram uma pequena casa de tijolos à vista para morar e o quintal, que não era tão pequeno, era usado para separar o lixo reciclável. Antes de J. participar da ONG, ele brincava na rua e no espaço em que os pais trabalhavam separando o lixo.

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Nesta época, eu não tinha dúvidas que deveria continuar na área da educação. O contato com a prática educativa contribuiu com a minha opção profissional. Em 2000 iniciei a graduação no curso de pedagogia na Universidade Mogi das Cruzes (UMC), depois de um ano, optei pela transferência para a PUC/SP por acreditar que nesta universidade eu teria uma formação melhor.

Ao longo do curso de pedagogia na PUC, os professores enfatizaram a importância do trabalho da escola junto à família e, no último ano da graduação, a Profa Heloisa Szymanski foi convidada para um encontro com a nossa turma. Falou-nos do programa do mestrado em psicologia da educação e de sua pesquisa com as famílias em uma comunidade da periferia de São Paulo. Interessada nesse tema, a primeira atitude que tive foi a de adquirir o seu livro, “A relação família escola: desafios e perspectivas”.

Nesse encontro, outro sonho surgia, o de cursar o mestrado. Mas, meu propósito era de atuar um pouco mais na prática, uma vez que estava terminando a graduação. Assim, continuei trabalhando na ONG acima citada.

Depois de trabalhar vários anos com a educação de crianças/adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco, nossa equipe percebeu que o número de crianças que saíam da escola e de suas famílias aumentava diariamente. Foi então que decidimos ampliar o trabalho, investindo na educação desde a primeira infância, atendendo às crianças que também viviam em situação de risco, porém que moravam com os pais.

Em 2004, nossa equipe, juntamente com algumas pessoas da Itália que queriam contribuir com educação de crianças de baixa renda em São Paulo, decidiu fundar uma Instituição educativa para crianças de 2 a 6 anos, principalmente, filhas de catadores de materiais recicláveis.

A opção por essas crianças se deu pelo fato de estarem expostas a diferentes riscos, ao brincarem continuamente nas ruas movimentadas do centro, andarem nas carroças junto a seus pais e, muitas vezes, sofrerem acidentes sérios, por não terem espaços dignos em casa para brincar e por, na maioria das vezes, ficarem trancadas dentro dos cortiços, ocupações ou depósitos de materiais reciclados onde algumas famílias também costumavam morar.

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acolhimento e a escuta eram elementos que estavam sempre presentes em nossa prática e, diariamente, íamos demonstrando às famílias quem éramos, quais eram as nossas intenções para com as crianças e para com elas e, aos poucos, foram reconhecendo que estávamos ali para apoiá-las e para contribuir na educação de seus filhos.

A intenção principal dessa instituição denominada de Centro de Educação Infantil era de que essas crianças em situação de vulnerabilidade e risco tivessem o direito de participar de um espaço educativo que possibilitasse a elas a vivência de uma infância com todos os seus direitos garantidos, já que as escolas municipais da região não as acolhiam pela ausência de vagas. Além disso, a intenção era de contribuir para que, num futuro bem próximo, elas não fossem morar na rua, não optassem pelas drogas, mas sim, que pudessem fazer escolhas mais dignas para si.

Foram muitos os desafios enfrentados no início desse trabalho, dentre eles o relacionamento com as famílias, como já mencionamos anteriormente. A agressividade de algumas delas para com algumas professoras era um fato que precisava de uma atenção de nossa equipe, uma vez que, alegavam que determinadas professoras estavam maltratando seus filhos.

Diante dessa situação, tivemos a ideia de criar um espaço de escuta. Portanto, pais e também professores e equipe de direção tinham a possibilidade de se expressar e dialogar com a mediação de uma profissional da área de biossíntese1.

Aos professores, era reservado um tempo para expressarem as suas dificuldades de atuar com algumas crianças que chegavam ao CEI, bem como com algumas famílias. Aos pais, era agendada uma hora, uma vez por semana, para que pudessem dialogar com a terapeuta sobre as suas inquietações relacionadas ao trabalho das professoras e possíveis dúvidas na educação dos filhos.

Depois de um tempo, percebemos que esse espaço de escuta e de diálogo amenizou os conflitos e foi contribuindo com o surgimento da confiança, por parte dos pais, em relação aos professores.

Observando as crianças, percebemos que um grupo, de quatro ou cinco, apresentava um comportamento muito agressivo com seus colegas e, às vezes, com as professoras. Diante desse fato, e no papel de coordenadora pedagógica, criamos, com o apoio de toda a equipe, outro espaço de encontro com a família dessas crianças e uma psicóloga. Os encontros

1 Essa abordagem foi criada por David Boadella nos anos 60 como uma tentativa de lidar com a insatisfatória

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aconteciam quinzenalmente. A família tinha a oportunidade de expressar, naquele grupo, as dificuldades que encontravam na educação dos filhos e quais eram as alternativas que buscavam para solucionar as questões que surgiam. Nesse diálogo entre as famílias e a psicóloga, elas foram revendo a sua maneira de educar, assim como foram aprendendo novas maneiras de solucionar os desafios na educação de seus filhos, ao escutar o depoimento da experiência de outros pais.

A finalidade desses encontros entre as famílias e a psicóloga era a de criar um espaço de troca de experiências na educação da criança, pois, como afirmou Freire (1992, p. 32) “(...) a educação sozinha, não faz transformação do mundo, mas esta a implica (...) ninguém chega a parte alguma só (...)”. As famílias, assim como o CEI, muitas vezes sentem dificuldade de lidar com as questões que surgem na educação da criança. A troca de experiências, nestes casos, contribui muito para uma ação mais coerente por parte de ambas.

Há famílias que encontram maneiras sábias e humanas de educar o filho, elas têm estratégias de resolução de problemas que, muitas vezes, outras não têm. Por esse motivo, geralmente passam despercebidas possibilidades de ação que permitem educar e ajudar a criança em suas necessidades. Assim, criar momentos de interação entre elas foi fundamental.

Os encontros semanais eram uma oportunidade de socialização de experiências. Esse trabalho foi uma tentativa de quebra do estigma de que os pais não sabem educar os seus filhos, quebra da culpa de que eles são os responsáveis pelo insucesso da criança na escola. Como resultado dessa prática, ouvimos o depoimento das professoras, afirmando que as crianças estavam mais tranquilas e se relacionando melhor com os colegas, o mesmo depoimento ouvimos por parte dos pais. Tais fatos confirmavam a relevância dos encontros com as famílias.

Depois de atuar em escolas particulares, em ONGs como educadora e coordenadora pedagógica, em 2005, tive a oportunidade de trabalhar como professora de educação infantil em CEI municipais, localizados em regiões diferentes – sul, oeste e centro de São Paulo. Em todos, percebi que havia problemas de relacionamento entre professores/direção e famílias. Tais conflitos se referiam aos bilhetes mal escritos nas agendas, mordidas entre crianças, roupas perdidas, comunicação inadequada pessoalmente ou por escrito, medicação, atrasos das famílias na entrada e na retirada da criança, entre outras coisas.

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coloca discordando do trabalho dos professores e do CEI como um todo, ela nem sempre é ouvida e compreendida.

O CEI e a família têm o direito de acertar, assim como o de errar, por isso a importância do diálogo para que as questões de comunicação e outras sejam compreendidas e ajustadas. Quando não há, por parte do CEI, um olhar para a família como alguém que é também participante e pertencente a ele e que, portanto, deve ter espaço para agir e decidir em conjunto, os conflitos afloram e o diálogo não acontece. Como afirmou Freire (1996),

aceitar e respeitar as diferenças é uma (...) virtude sem o que a escuta não se pode dar (...). Se me sinto superior ao diferente não importa quem seja, recuso-me escutá-lo ou escutá-la. O diferente não é um outro a merecer respeito, é um isto ou aquiescutá-lo, descartável ou desprezível ( p. 136).

Na década de 50, Paulo Freire já se preocupava com um trabalho junto às famílias. Para que se concretizasse, ele foi possibilitando caminhos que levassem ao encontro das duas instituições, assim como à compreensão, por parte das famílias, da prática educacional que era desenvolvida com os seus filhos. Ele buscava o diálogo e a participação ativa delas, a fim de compartilhar a educação das crianças e de ajudá-las a terem uma presença política de participação democrática nas decisões vividas na escola (FREIRE, 1992).

O que Freire fez, há cinco décadas, parece ser uma prática distante de se tornar realidade em muitas CEIs, ONGs e escolas. Por outro lado, há instituições que promovem trabalhos com as famílias, como a Associação/CEI que será o foco desta pesquisa, que atua em parceria com a equipe de pesquisadores da PUC desde quando foi inaugurado.

Em síntese, apesar das cenas de conflitos, ocasionadas muitas vezes pelos próprios membros da equipe da escola, por não conseguirem promover uma proposta de diálogo com a família, pude vivenciar nos CEI municipais cenas que demonstraram experiências de sintonia, vínculos, busca de integração e diálogo. Por exemplo, gincanas com os pais, exposição dos projetos desenvolvidos com as crianças, oficinas diversas como: brinquedo, pintura, projeto história na família, roda de história com os pais, piquenique, teatro dos professores para os pais e a comunidade, Conselho de Escola, Associação de Pais e Mestres, bilhetes claros e registrados de maneira respeitosa, reuniões com pautas flexíveis, realizadas por meio do diálogo e com a intenção de conhecer melhor as famílias.

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Desse grupo, participam as professoras de CEI e EMEI (Escolas Municipais de Educação Infantil) de diferentes regiões de São Paulo. Observando os relatos das professoras, pude perceber que as que frequentam o curso há mais tempo já mudaram a sua concepção de trabalho com as famílias. Elas já as percebem como colaboradoras na proposta educacional das crianças.

Estudando sobre o tema em questão nesse grupo de estudo, percebi que outros lugares do mundo, como Itália e Portugal, já avançaram bastante na prática de uma proposta de trabalho com as famílias. Os coordenadores pedagógicos, juntamente com as professoras, “planejam atividades educativas com crianças e pais, definindo diretrizes metodológicas e educacionais, hipóteses de trabalho e instrumentos de avaliação” (GHEDINI, 1996, p. 204).

Há uma clareza, por parte da equipe das creches da Itália, por exemplo, de que a creche e a família têm o seu papel inestimável e que as interações entre elas tornam-se essenciais para o desenvolvimento e uma proposta de qualidade (GHEDINI, 1996).

Na adaptação das crianças, por exemplo, os pais podem permanecer na escola por um determinado período, a fim de que esse processo seja mais humano e tranquilo. No que se refere ao tempo que os pais ficam com a criança no período de adaptação, Ghedini (1996) expressa que varia, pois depende da necessidade de cada criança.

Há diversas pesquisas desenvolvidas sobre as vantagens de um trabalho integrado entre as escolas e as famílias, o que ocorre, como afirma Vequi (2008), é que a abordagem referente ao tema da educação familiar no Brasil ainda é pouco difundida, ao contrário do que ocorre em outros países, como Espanha, França, Itália e Portugal. Difundir a necessidade dessa prática é essencial, dado que traz muitos benefícios ao desenvolvimento da criança.

Os diversos questionamentos sobre a educação infantil e, especificamente, sobre o trabalho da escola integrado à família, impulsionaram-me a continuar o meu percurso educacional e profissional como pesquisadora da educação da infância. Tenho consciência de que é um grande desafio pesquisar esse campo. Como Sarti (1995) já afirmou, estudar a família não é tão simples, pois nos remete a nós próprios, a nossa identidade, por assim ser, exige distanciamento, algo que não é tão simples.

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O objetivo desta pesquisa foi compreender uma experiência duradoura do trabalho com as famílias em um CEI a partir dos protagonistas: pais, funcionários e membros da comunidade que atuam nesta instituição desde o seu início. Para tanto, as perguntas que permearam esta investigação foram: Como foi percebido pelos protagonistas o trabalho com as famílias? Houve algumas decorrências deste trabalho no seu cotidiano e no de funcionários da CEI? Para viabilizar essa intenção, esta pesquisa se incluiu ao Projeto mais amplo << Participação e Diálogo: da Prática dialógica na família à gestão participativa na escola >> coordenado pela Profª Heloisa Szymanski em uma comunidade localizada na zona norte da cidade de São Paulo.

No primeiro capítulo, por sugestão da banca de qualificação, apresentamos o contexto da pesquisa com o intuito de situar o leitor no local e na realidade onde o estudo foi realizado. Nele trazemos um pouco da história da comunidade e do CEI e mostramos por meio de uma breve descrição como é a estrutura, funcionamento e organização do CEI. Além disso, demonstramos as principais ações desenvolvidas pela Associação como um todo.

No segundo capítulo apresentamos uma introdução teórica. Partimos de um estudo sobre o modo como compreendemos a família. Em seguida, falamos sobre a educação das crianças pequenas como uma prática de responsabilidade da família e das instituições educativas. Num terceiro momento, realizamos um estudo sobre o surgimento das instituições de atendimento às crianças pequenas no Brasil e, por fim, demonstramos o que as pesquisas pontuam sobre o trabalho com famílias.

No terceiro capítulo, encontra-se o referencial de Diálogo de Paulo Freire, que elegemos para esta pesquisa. Antes propriamente de apresentar o referencial sentimos a necessidade de trazer a concepção de ser humano e de educação segundo o referido autor, uma vez que, vê o ser humano como um ente de relações que está no e com o mundo. Ao adentrar no conceito de diálogo de Freire, trouxemos também outros três conceitos de sua obra - humildade, comunicação e pensar crítico. O diálogo para este renomado educador, é pensado dentro de uma trama de relações, sendo quase impossível falar somente dele. Considerando isso, elegemos também estes outros conceitos por considerá-los significativos para a compreensão deste estudo.

O método se encontra no quarto capítulo. Nele demonstramos o caminho que percorremos no tratamento dos dados, na analise e na discussão.

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discussão apenas das constelações que se referem aos objetivos deste estudo. Por último, estão as considerações finais e as referências bibliográficas.

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1. CONTEXTO DA PESQUISA

Para situar o leitor no local e na realidade da comunidade onde a pesquisa será desenvolvida, foi realizado um panorama histórico a partir da descrição feita por Calil (2009) em sua dissertação de mestrado e uma prévia entrevista2 com a liderança da comunidade. Por questões de ética, seu nome e o nome dos projetos/Associação e das pessoas que cita serão substituídos por nomes fictícios.

1.1. Vila Orquídea: Um pouco de história

A Vila Orquídea, local onde hoje se encontra a Associação/CEI Joana D´Arc, em 1987 era um lugar desprovido de todos os recursos básicos que garantem a cidadania às pessoas. Era um lugar onde não existiam água, luz, sistema de esgoto e ruas demarcadas. As pessoas ocuparam esse espaço e viviam em péssimas condições. Moravam em barracos de madeira, sem saneamento básico, sem ruas demarcadas e dominadas pelos grileiros3.

A igreja católica foi uma grande colaboradora na comunidade onde se encontra essa Associação. Alguns padres e seminaristas de diferentes congregações começaram a desenvolver um trabalho junto aos moradores. Uma equipe era responsável pelas questões de procissão, celebração de missas e a outra, por questões de organização, formação de comissão, negociação com advogado, tentativa de articulação com a prefeitura do município, Eletropaulo e a formação de grupo de base. Um dos membros dessa última era Pedro, que mais tarde se tornou líder comunitário e permanece nesse local até hoje.

Esses trabalhos desenvolvidos pelos padres e seminaristas eram interrompidos a cada um ou dois anos, pois os mesmos eram transferidos para outros lugares4, assim, chegavam outras pessoas para assumir, não dando, muitas vezes, continuidade às ações já iniciadas. Essa situação deixava as pessoas da comunidade um pouco apreensivas e inseguras quanto às conquistas que deveriam alcançar com a contribuição dessas equipes, estas que nem sempre tinham um compromisso com os problemas existentes. A saída contínua dos religiosos era bem vista pelos grileiros, que sabiam que depois de um período os religiosos iriam embora e assim teriam a liberdade para continuar dominando a região. O relato de Pedro expressa

2 Entrevista realizada em 01/04/2010 3 Pessoa que vende os lotes ilegalmente.

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sobre isso: “quando o padre saía, eles aproveitavam, essa era a aposta aqui, a aposta era essa”. Os grileiros respeitavam só a presença dos padres, relata o líder comunitário.

Em 1991, o Bispo enviou o líder comunitário Pedro, ainda seminarista, para ajudar os padres. Segundo Pedro, um dos religiosos era muito corajoso, enfrentava os grileiros, não permitindo que vendessem as terras. Os grileiros, por sua vez, questionavam: - “você não é dono das terras, por que não posso vender?”. Certo dia, esses vendedores de terras clandestinas deram uma surra nesse religioso corajoso e o Bispo teve que tirá-lo porque sofria ameaças, conforme comentou Pedro.

É nesse contexto que esse Líder comunitário chega e assume o compromisso de levar adiante os trabalhos que pudessem garantir a cidadania para essa comunidade. Depois de um tempo atuando junto a ela, seu superior pediu para que fosse transferido. Para não deixar a responsabilidade que assumiu junto àquelas pessoas, resolveu sair do seminário e continuar trabalhando com elas. A proposta do seminário já não correspondia mais aos seus anseios.

Quando estava fazendo um mutirão para a construção de ruas, Pedro diz que um dos grileiros, que estava instalado na Vila Joana D´Arc, veio dar os parabéns para ele por estar batalhando por melhorias para aquele grupo.

Eram muitos os problemas a serem solucionados a fim de garantir o mínimo de dignidade àquelas pessoas: moradia, luz, água, demarcação e construção de ruas, construção de creches, praças etc.

A grande preocupação inicial de Pedro era com a água e a luz. Verificou que as pessoas tinham que andar muitos quilômetros para conseguir um pouco de água. Diante daquela situação, foi em busca de soluções, uma vez que esses problemas o incomodavam.

Pedro conta que só tinha um ponto de distribuição de água e enquanto estava tentando ajeitar outras saídas, duas gangues entraram em conflito e um dos representantes de uma das gangues levou um tiro no peito. Nesse momento, o colega de Pedro, que era um religioso, foi socorrer o ferido, enquanto ele ficou cuidando para não roubarem os canos que foram comprados com muito sacrifício para arrumar a água. De repente, o outro representante da gangue adversa começou a comemorar por ter atingido o inimigo e acertou o próprio pé. Assim que seu colega chegou do pronto socorro, Pedro foi levar o outro ferido ao hospital e este ficou olhando para que não roubassem os materiais.

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A narrativa abaixo demonstra um pouco mais sobre o contexto em que surgiu a Associação/CEI.

Quando implantamos aqui a água, compramos cano, fizemos mutirão, era um ponto só de distribuição de água, era um inferno [...] eu ficava impressionado, com a fila de 50 a 100 pessoas com uma lata na mão para pegar água, brigas, os caras mais violentos e mais bravos botavam os outros pra correr, tinha uns que conseguiam pegar água e outros não conseguiam. Prá lavar roupa as pessoas tinham que lavar no córrego, tinha violência contra a mulher, a mulher ia lavar roupa e tinha que ficar alguém, ter um homem de boa vontade que ficasse ali por perto porque era muito perigoso. Eles matavam o pessoal na beira desses córregos aí. Eu ficava impressionado, a violência e a água, a energia também, porque era tudo clandestino. Mas o que me impressionava muito era a violência, como que [isso pode ocorrer] tão perto da cidade, há 20 km da Praça da Sé. Eu falava assim, não é possível. Depois a prefeitura colocou uma pipa [...] o pessoal não pagava e a prefeitura cortou e foi ligado de modo clandestino [...] e a gente queria colocar a creche para funcionar.

Solucionado a questão da água, começaram a batalhar pela energia elétrica. Num primeiro momento, tiveram que se utilizar da energia clandestina, pois a Eletropaulo não permitia instalar a luz sem que as pessoas estivessem com suas moradias regularizadas. Porém, para isso, era necessário resolver outro problema, conseguir comprar 62.000 m² (metragem que as famílias ocupavam) para iniciar o processo de regularização das moradias. Desafio nada fácil de ser ultrapassado.

Pedro, juntamente com sua comissão, fundou oficialmente, em 1994, a Associação dos moradores (AME) e começou a arrecadar dinheiro para comprar a quantidade de terra ocupada. No ano de 2000, essa compra se concretizou.

A partir dessa grande conquista, os terrenos foram demarcados e assumidos pelas famílias, foi dada entrada, junto à prefeitura, ao processo de regularização da mesma, assim como, ao processo de regularização da luz junto à Eletropaulo.

Nessa época, Pedro ministrava aula de filosofia e história em uma escola da redondeza e, quando as pessoas dessa escola descobriram que ele trabalhava na Vila Orquídea, elas comentavam: - “esse trabalha na favela, no meio dos matadores, dos traficantes”. A imagem desse lugar era de que as pessoas faziam as coisas mais absurdas. Elas demonstravam um grande preconceito por essa comunidade.

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pessoas não eram autorizadas por essas gangues a sair à noite. A única saída autorizada era para a procissão que acontecia na igreja.

Pedro relata que hoje a violência acontece de maneira mais sutil, ela acontece nos guetos, nos barracos. “Eles pegam a pessoa e desaparecem com ela à noite (...) nos guetos de violência (...) o PCC5 é muito forte nessa região toda, tem os irmãos, os generais, os soldados e por ai vai” (Pedro).

Como liderança dessa comunidade, sofreu ameaças por diversas vezes pelo PCC, por lutar pela cidadania das pessoas que ali habitavam. Relata que em vários momentos se viu pressionado a desaparecer ou a enfrentar as ameaças. A sua decisão foi a de assumir todos os desafios e ir até o fim.

A formação de comissões não era uma tarefa fácil, as pessoas da comunidade tinham medo de participar, pois, caso Pedro os deixasse, poderiam sofrer ameaças das gangues. Esse medo não era por acaso, quando participaram da comissão anteriormente formada por um dos padres e este foi embora, as gangues localizaram as residências de algumas pessoas que eram integrantes dessa comissão e colocaram fogo em suas casas.

Por fim, Pedro relata quais eram as suas inseguranças da época, que o afetavam fisicamente e emocionalmente: uma delas era o medo de que as pessoas fossem despejadas e a outra era a violência.

Como se pode notar, o surgimento da Associação/CEI se dá neste contexto de luta da liderança e das pessoas que ali moravam, de modo que seus direitos fossem garantidos. O saneamento, a luz, a abertura de estradas não eram suficientes para suprir todas as necessidades daquelas pessoas. Era necessário, também, pensar na educação das crianças que, muitas vezes, ficavam trancadas ou sozinhas, para que seus pais trabalhassem. Assim, O CEI foi construído na década de noventa, como um grande apoio às famílias.

1.2. O Centro de Educação Infantil Joana D´Arc

Tendo explicitado um pouco do contexto em que viviam as pessoas da Vila Orquídea, cabe, a seguir, relatar a história do CEI pertencente à Associação Joana D´Arc e que será foco deste estudo.

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Sua fundação ocorreu em 1992, a partir de um incêndio que matou duas crianças que estavam trancadas, dentro de casa, enquanto seus pais trabalhavam (CALIL, 2009). O Padre João (um dos designados a trabalhar nessa comunidade por um tempo), que pertencia à Paróquia da Conceição, localizada no Jardim das Flores – zona norte, contou com o apoio financeiro de uma ONG italiana6 para subsidiar os principais gastos no início da construção. Com essa colaboração, o CEI foi construído em mutirão pelos moradores.

No ano de sua fundação, a comunidade à qual ele pertencia era chamada de Vila Orquídea, nome sugerido pelo Padre Paulo, colega de trabalho do Padre João e de Pedro. Mais tarde, foi registrada oficialmente como Conjunto Residencial Joana D´Arc.

Um ano depois de aberto, por motivos de falta de administração, o CEI foi fechado. O Padre João foi transferido para a Itália, a pedido de seu superior. Um ano depois, em 1993, o líder comunitário Pedro não tinha como meta reabrir o CEI, mas sim, resolver as questões relacionadas a moradia, água e luz. Como o espaço de atendimento às crianças estava fechado, o Padre João, que já morava na Itália, queria que ele fosse entregue à Igreja e, para que isso não acontecesse, Pedro e algumas mulheres que já trabalhavam com as crianças antes desse espaço ser fechado decidiram reabrí-lo com 65 crianças. A partir dessa reabertura, esta instituição “passou a ser o principal referencial da comunidade” (CALIL, 2009).

Pedro diz que as condições estruturais do CEI eram péssimas, pois não tinha recursos suficientes para mantê-lo. A luz, por exemplo, era clandestina.

Com a contribuição de parcerias como o grupo da Itália e o convênio com a prefeitura, foi possível melhorar as condições estruturais de atendimento às crianças e ampliar o número de 60 para 113 crianças. Além disso, atender também os adolescentes em um Centro de Crianças e Adolescentes (CCA).

Com essas conquistas, esse lugar de referência passou a ser chamado de Associação Joana D´Arc, com mais de uma unidade de atendimento (CEI e CCA). Essa comunidade, que era totalmente desprovida em 1991, em 1993 já se encontrava com duas Associações – a de moradores e a voltada à educação.

Em 1991, Pedro diz que conheceu a professora Heloisa Szymanski. De acordo com Calil (2009), em 1994 o Grupo de Pesquisa em Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional à Família, Escola e Comunidade (Ecofam), do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação (PUC/SP), coordenado por essa professora, começou a

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desenvolver um trabalho de articulação nessa comunidade, com o objetivo de realizar estudos interventivos com as famílias.

Com o passar dos anos, a proposta de articulação se expandiu com o trabalho desenvolvido por esse grupo de pesquisa da PUC e em 2009 diversas já eram as parcerias: Pós Graduação - Educação Psicologia da Educação da PUC/SP (Szymanski, doutorandos e mestrandos); Associação Educacional Labor; Associação FICAS; Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Che Guevara; e, atualmente EMEF Paulo Freire; Organizações informais, como Conselho Tutelar, Organizações Não Governamentais (ONGs), cujo objetivo é desenvolver uma proposta de educação integrada, assegurando a educação em período integral, em parceria com as famílias e a comunidade.

Como se pode notar, o CEI que estava fechado por falta de estrutura voltou a funcionar com a contribuição das diversas parcerias. Hoje ele é um espaço que contribui com a formação de mais de 100 famílias e crianças.

1.3. Estrutura, Funcionamento e Organização

O CEI foi construído com dois andares. No térreo, encontra-se a cozinha, um refeitório, a sala das educadoras, juntamente com a sala da coordenação e uma sala de crianças do segundo estágio (20 crianças de 5 anos).

No primeiro andar, encontra-se uma sala de berçário I (7 crianças de 3 meses a um ano), uma sala de berçário II (11 crianças de um a dois anos), uma sala de mini grupo (10 crianças de 2 a 3 anos) e uma sala de primeiro estágio (5 crianças de 4 anos). No piso superior está o solárium.

No térreo, há também uma área externa dividida em dois ambientes – num deles tem areia e alguns brinquedos de uso coletivo, tais como: trepa-trepa, balanço, escorregador etc. O outro espaço é uma área que pode ser usada para realizar diferentes atividades, tanto com as crianças como com os pais.

Bem na entrada do CEI, encontra-se um corredor e nele foi construído um bebedouro/lavatório com várias torneiras.

Ao lado do refeitório, há uma sala grande, que é usada para várias finalidades – coordenação, atendimento de pais e sala de professores; e uma cozinha.

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anos). Esse espaço contém, ainda: duas quadras; um refeitório grande que é usado por estas crianças, por todos os funcionários e pelas crianças e adolescentes que frequentam o CCA; uma cozinha grande (cujo projeto futuro é criar uma padaria profissionalizante) e o escritório da Associação de moradores.

O horário de funcionamento é das 7h00 às 17h00. Às vezes, abre aos finais de semana, para atendimento às famílias da comunidade e para realizar os encontros reflexivos com pais e mães.

A equipe da creche é composta pelos seguintes funcionários: 9 educadoras, 1 coordenadora pedagógica, 1 diretora, 2 auxiliares de limpeza, 1 cozinheira, 2 auxiliares de cozinha.

1.4. Ações desenvolvidas

Torna-se importante mencionar aqui as ações de articulação e colaboração que são desenvolvidas pelas instituições educativas formais e por outras parcerias públicas e privadas junto à Associação/CEI.

Mensalmente, durante duas horas, há um voluntário, psicólogo, que contribui com o processo de formação continuada das educadoras. Ele proporciona um espaço de reflexão voltado para a prática delas com as crianças, famílias e consigo mesmas.

A faculdade de psicologia da PUC/SP, representada pela professora responsável pelos estágios e pelas estagiárias do 5º ano, contribui no desenvolvimento do Projeto Travessia, nome dado pela equipe do CEI. O Objetivo é discutir a passagem das crianças da educação infantil para o ensino fundamental, processo este que não é tão simples de ser enfrentado por elas, pois sofrem, muitas vezes, angústias, tensões e dúvidas. São realizados grupos de discussão com professores que atuam com as crianças do último ano da educação infantil, com professores que irão recebê-las no primeiro ano do ensino fundamental, com coordenadores das duas instituições e com as famílias destas crianças. Além desta proposta, as estagiárias realizam uma intervenção na classe das crianças que vão sair do CEI no final do ano. Discutem com elas e com suas professoras esta passagem de uma fase a outra.

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Para os encontros com os pais, são os pesquisadores homens que desenvolvem a proposta e para os encontros com as mães, são as pesquisadoras mulheres. Os temas a serem discutidos nos grupos são levantados a partir das necessidades manifestadas pelos participantes, tais como: sexualidade, violência, funk, drogas, educação e tecnologia. A partir destes temas, a equipe de pesquisadores da PUC/SP se reúne e planeja o próximo encontro.

Trimestralmente, são realizadas reuniões do Projeto Diálogo e articulação em conjunto com o núcleo de Estudos de Pós Graduação em Psicologia da Educação da PUC/SP, Associação FICAS, EMEF Che Guevara, EMEF Paulo Freire. Esse projeto visa a construção de uma proposta educacional integrada, assegurando uma educação em período integral, por meio da articulação entre as famílias, as escolas e as organizações não escolares que, de uma maneira ou outra, se dedicam à educação complementar.

As reuniões são de troca de experiências que estão sendo realizadas em cada unidade, de avaliação do trabalho entre escola, família e comunidade e de estabelecimento de objetivos e metas comuns.

As instituições EMEF e Associação/CEI realizam um trabalho de troca de experiências e formação continuada. Juntas, socializam saberes que contribuem para a prática educacional.

A Associação/CEI mantém parceria com a Prefeitura Municipal de São Paulo, que, através de convênio estabelecido, contribui mensalmente com recursos financeiros para atender as 113 crianças. Há também um convênio com a Secretaria do Estado de Esporte, Lazer e Turismo, que financia o Projeto Esporte Social, que ocorre na Praça Teresa de Calcutá.

Outro importante parceiro é o Instituto AZZI. Ele mantém o projeto Se Essa Rua Fosse Minha, que busca realizar melhorias em habitações populares. Tais melhorias são realizadas com a participação efetiva da comunidade, que elege as residências em situações mais precárias e de risco, para que sejam revitalizadas. Tal projeto incentiva o protagonismo comunitário.

Todas estas ações mostram que o trabalho que é desenvolvido na Associação/CEI vai muito além da sala de aula. Ele envolve outras escolas, universidades, ONGs, a comunidade e as famílias.

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2. INTRODUÇÃO

2.1. A família: uma instituição que se transformou

Para mencionar o tema família, consideramos importante apresentar um breve histórico sobre as alterações pelas quais ela passou na Europa e no Brasil. Em seguida, faz-se necessário pontuar sobre qual família estamos falando, bem como sua importância para o desenvolvimento da criança.

A família não foi sempre a mesma e, por assim ser, ela não se constitui e nem se organiza da mesma maneira nas diferentes regiões e nos diferentes momentos da história.

A família europeia do século XIV ao XIX foi identificada por Poster (1979) dentro de várias estruturas de modelos sendo denominados de família aristocrática, camponesa, burguesa e de classe trabalhadora.

Cada uma dessas estruturas de modelos tinha suas especificidades, as quais tornavam as famílias diferentes. Tal fator mostra que a família pode ser considerada como um grupo de pessoas que se organiza, dentro de alguns princípios, valores e diante de um contexto histórico, social, político e econômico. A organização que cada família assume viver em seu micro sistema – a residência, não se justifica apenas por uma opção de seus participantes, mas também por fatores presentes em uma estrutura maior, a sociedade.

Dentre as tantas contribuições que Poster (1979) traz aos novos estudos realizados sobre as famílias, pode-se dizer que uma delas é a de que a família foi se transformando, no decorrer da história, até chegar a um modelo que fosse o mais comum nas diferentes culturas, o nuclear burguês. Os quatro modelos identificados por esse autor, na Europa, evidenciam uma transformação no modo de ser das famílias, que foi acompanhando o percurso histórico. O que se pôde notar é que o modelo nuclear burguês não permaneceu apenas na realidade do continente europeu, mas seguiu para outros, como o latino-americano, no período da colonização.

Ao discutir esse tema, Szymanski (2003) diz que a família “nuclear conjugal moderna” ou burguesa, composta por pai, mãe e filhos, resulta das mudanças no modo de atuar da Igreja e do Estado, ao começarem a valorizar o “sentimento de família7”. Segundo Ariès (1984), esse sentimento surge a partir de 1870, quando as famílias passam a demonstrar um sentimento afetivo para com as crianças, não se permitindo perdê-las. Portanto, a criança começa a ser considerada como um ser insubstituível, sendo sua perda irreparável. Segundo

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esse autor, nos séculos XIX e XX, diferente dos séculos anteriores, a família se voltou para a criança, dando a ela uma enorme importância, tirando-a do anonimato. Esse novo olhar para a criança fez com que o número de filhos fosse reduzido, a fim de que melhores cuidados lhes fossem oferecidos.

A cultura africana, que começou a fazer parte do Brasil no período da colonização, demonstrou esse sentimento de família ao se libertar das famílias patriarcais.

Negros e negras buscavam viver nos quilombos as relações afetivas e familiares que em geral não conseguiam ter no mundo dos brancos. Morar juntos, dividir os trabalhos da sobrevivência e criar filhos era o objetivo de muitos deles (DEL PRIORI, 1999, p.37).

Esse desejo dos descendentes africanos, de viver num ambiente mais íntimo para criar os filhos e dividir os trabalhos, foi percebido por Ariès (1978) quando estudou as famílias europeias. Segundo ele, “os progressos do sentimento de família seguem os progressos da vida privada, da intimidade doméstica. O sentimento de família não se desenvolve quando está muito aberto para o exterior: ele exige o mínimo de segredo” (p. 164).

Ao estudar a família no Brasil colonial dos séculos XVI e XIX, Del Priori (1999) mostra que o modelo nuclear chegou ao Brasil por intermédio do europeu. O homem e a mulher deveriam se casar perante a Igreja Católica para corresponder aos ideais dela. Essa Instituição religiosa tinha como objetivo tornar a “família instrumento de luta contra a Reforma Protestante e difusora do catolicismo no novo mundo” (p.6) – o Brasil. Com a chegada dos filhos, o casal deveria assumir a responsabilidade de educá-los segundo suas normas e seus valores.

Porém, afirma Szymanski (2003), os habitantes que aqui viviam tinham uma organização social própria e, com o passar dos anos, chegaram os africanos, cujos grupos eram de sociedades com tradição matriarcal, também com uma organização singular.

A integração dessas diferentes culturas contribuiu para que ocorresse uma transformação no modo de ser e de viver das famílias no Brasil, que começava a ser formado por várias culturas, isto é, diferentes tribos indígenas, imigrantes europeus e pessoas escravas de diferentes povos africanos.

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os portugueses se casarem com as Índias, assim, pediam que mandassem ao Brasil as órfãs e as prostitutas – as primeiras casavam com os ricos e as segundas com os pobres (DEL PRIORI, 1999). Com essa imposição, os padres tinham a intenção de acabar com a miscigenação.

Os estudos realizados por Del Priori (1999)8 mostrou que o modelo de família que o europeu trouxe ao Brasil foi o nuclear, porém ele acabou se tornando um modelo de família semelhante ao patriarcal europeu. Escravos e outros empregados se integraram ao ambiente familiar, tornando-a extensa. Nesse modelo, o chefe era sempre um homem, que ditava as leis para que as pessoas integrantes desse grupo – mulheres, crianças, escravos e outros empregados - as executassem. Esse modelo de família foi resumido por Capistrano de Abreu (apud Del Priori, 1999, p. 9) da seguinte forma: “pai saturno, mulher submissa, filhos aterrados”. Mas, o que a autora notou foi que ele não conseguiu se restringir a essas três pessoas, conforme menciona Abreu, elas eram apenas o núcleo central.

Pesquisando sobre o tema em questão, essa autora percebeu que, apesar do modelo de família patriarcal brasileira que se formou no Brasil colonial, outras formas de organização familiar existiam, tais como: “famílias pequenas, famílias de solteiros e viúvos, famílias de mães e filhos sem pais, famílias de escravos” (ibidem).

Como se pode notar, desde a época da colonização havia diversas alterações, assim como transformações na família, a depender dos grupos sociais e das regiões do país.

Complementado sobre as mudanças ocorridas na estrutura das famílias, Genofre (1995, p. 107) diz: “a família e nela a mulher - é uma organização que mudou na história”. De acordo com ele, a Constituição de 1988 representou um marco na evolução do conceito de família, corporificando o conceito de Lévy-Brul, hoje bastante atual: “o traço dominante da evolução da família é a sua tendência a se tornar um grupo cada vez menos organizado e hierarquizado e que cada vez se funda mais na afeição mútua” (p.99).

Analisando a atual sociedade ocidental capitalista, Rossetti (2000) afirma que, apesar da estrutura predominante familiar ser a nuclear (pai, mãe filhos), novos padrões familiares têm emergido. A autora observa que há uma crescente coexistência de diferentes padrões de relações afetivo-sexuais, ou seja, mães e/ou pais solteiros ou descasados, famílias agregadas com filhos de diferentes casamentos, famílias com filhos adotivos e famílias de homossexuais.

8 Dois grandes autores contribuíram para a realização do estudo da autora sobre a família no Brasil, Gilberto

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Nessa visão da dimensão afetiva predominando, ao invés do modelo hierarquizado e da maneira de estruturação da família que tende a se dar na atualidade, Szymanski (2003) pesquisou a família urbana que vive na periferia de São Paulo. Notou que há uma constante mudança do companheiro, o que faz com que a organização da família se dê em torno da figura materna (matrifocal). Além disso, percebeu que, “ao mesmo tempo em que as famílias iam vivendo e adaptando-se aos problemas do dia-a-dia, havia um modelo de família que ia por trás” (p. 18). Ao primeiro ela denominou de família vivida e ao segundo de família pensada.

“A família vivida refere-se aos modos de agir habituais dos membros de uma família. É a que aparece no agir concreto do cotidiano e que poderá ou não estar de acordo com a família pensada” (Szymanski, p. 27). Esta última, na definição da autora, é aquela cujo homem é o chefe provedor e a mulher, a que tem a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos.

Os desafios referentes à tentativa de viver a família pensada são uma realidade em muitas famílias. Isso se justifica pelo fato de, na sociedade atual, nem sempre ter trabalho para todos e, por conta disso, o homem dificilmente conseguir ser o provedor continuamente. Diante dessa situação, a esposa “quebra” esse ideal de família e sai para trabalhar, muitas vezes em segredo, para impedir que haja conflito com o esposo e, ao mesmo tempo, para garantir a sobrevivência (Szymanski, 2003).

Samara (1992), ao estudar as novas imagens da família brasileira, notou que é difícil obter uma imagem única e aplicável aos diferentes contextos sociais nos diferentes momentos de nossa história. Ao observar as imagens da família Paulista, percebeu que ela se apresentava de maneira multifacetada, com diferentes modos de organização, sendo que os valores morais e ideológicos dos grupos dominantes nem sempre correspondiam à realidade das populações mais pobres. “Numa cidade de mulheres sós, de mulheres chefes de domicílio integradas em negócios, no comércio de rua e na prostituição, as imagens por vezes se confundem e fogem do esperado e convencional” (SAMARA, 1992, p. 63).

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2.2. Educação da criança: um papel da família e das instituições educacionais

Depois que o sentimento de família começou a fazer parte da vida familiar, a responsabilidade pelo cuidado e pela educação da criança se tornou, cada vez mais, um papel da família. Ela constitui um espaço social distinto, assegura Poster (1979), pois gera e consubstancia hierarquias de idade e sexo.

O texto a seguir demonstrará que a família, assim como o CEI, constituem contextos que proporcionam a aprendizagem, o desenvolvimento social, intelectual e psíquico da criança. Por assim ser, um trabalho conjunto entre as duas instituições torna-se essencial.

Poster (1979) defende que é na família que a estrutura psíquica da criança se configura e é nela que a criança vivencia a experiência, num primeiro momento, por meio de padrões emocionais. Ela é a localização social em que a estrutura psíquica é o ponto central e decisivo.

Na visão de Meira (2004), a família é o primeiro contexto de inserção da criança no mundo social. Ela é a base que contribui com a promoção da aprendizagem de linguagem, hábitos, costumes, valores, padrões de comportamento e atitudes. Em outras palavras, essa autora pensa na mesma direção de Poster (1979), ao afirmar que é na família que a criança constrói as suas estruturas elementares de personalidade e identidade.

No que se refere à socialização e à formação da identidade da criança, Szymanski, (2004) acredita que

é na família que a criança encontra os primeiros “outros” e com eles aprende o modo humano de existir. Seu mundo adquire significado e ela começa a constituir-se como sujeito. Isso se dá na e pela troca intersubjetiva, construída na afetividade e constitui o primeiro referencial para a sua constituição identitária (p.7).

Os outros, isto é, todos os membros da família, são uma presença na vida da criança, portanto, segundo Andrade (2005), eles desempenham o papel de mediadores entre a criança e a sociedade, possibilitam a sua socialização, elemento essencial para o desenvolvimento cognitivo infantil.

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Bahia (2008) diz que, independente do modelo de família, há que se reconhecer que ela pode ser um espaço em que a criança é tratada com afetividade e segurança; mas, por outro lado, sabe-se que esse espaço pode representar também medos, incertezas, rejeições, preconceitos e até violência.

Diante do exposto, é inegável que a família ocupa um lugar fundamental na educação informal da criança. O CEI e as demais instituições educacionais, por sua vez, são um importante colaborador da família na socialização, educação e proteção da criança. Por esse motivo, não podem ficar alheias às suas necessidades, anseios, expectativas, sonhos e conquistas. Devem agir constituindo interação entre ela e a comunidade, a fim de que a educação e o cuidado das crianças se dêem de maneira compartilhada, responsável e harmônica, proporcionando assim crescimento, desenvolvimento saudável e de qualidade (MEIRA, 2004).

Nesse sentido, a participação dos pais desde o princípio no trajeto educacional do filho, acompanhando seus esforços na descoberta do saber, é muito necessária. Em Portugal, por exemplo, Pedro (1999) afirma que há maior envolvimento das mães no jardim de infância; já nas séries seguintes foi notado que essa participação é mais irregular e menos frequente e, quando ocorre, refere-se à avaliação e à resolução de situações e problemas mais formais. Segundo ela, pesquisas evidenciam que os benefícios da interação mais estreita entre família e instituição, no movimento educacional da criança, atingem o desenvolvimento emocional, intelectual e social.

Como se pode notar, a família não é a única a contribuir com o desenvolvimento da criança. Meira (2004) defende que o desenvolvimento dela com eficiência, eficácia e efetividade deve passar pelo vínculo dos membros da instituição educativa com a família e a constituição desse vínculo precisa ser permeada pelo respeito às questões culturais, históricas e sociais.

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2.3. Primeiras instituições de atendimento às crianças: a roda dos expostos

Neste texto, buscamos na história como ocorreu o início do atendimento à infância no Brasil. Este contato com o princípio das instituições de atendimento à infância possibilitará uma compreensão maior sobre o modo como surgiu o CEI que será foco desta pesquisa, bem como de suas dificuldades de se manter funcionando em uma comunidade cuja educação era escassa.

Em 1879, publicaram a primeira referência sobre creche em documentos num jornal chamado “A Mai de Família”. Era um artigo escrito pelo Dr. K. Vinelli, médico dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Sua preocupação era com a Lei do Ventre Livre, “que trazia para as donas de casa, o problema da educação das crianças de suas escravas” (KUHLMANN, 1991).

Naquela época, o que existia para atender as crianças que eram abandonadas por seus pais eram as chamadas Rodas dos expostos. Segundo Trindade (1999), no ínicio, a Roda era um instrumento de recebimento de alimentos para manter as Casas de Misericórdias e os conventos dos religiosos. Os doadores, que geralmente eram penitentes, piedosos, colocavam na parte externa alimentos, mensagens e remédios aos monges. Ao girá-la, estes iam parar no interior da casa ou convento e o anonimato era preservado (TRINDADE, 1999).

Criada na Europa medieval, com origem na Idade Média, ela passou a ser um lugar para abandonar crianças no anonimato. Ou seja, para não deixá-las em bosques, lixo, portas de igrejas ou de casas de família, deixavam-nas nestas Rodas. Na época, era muito comum ver as crianças abandonadas nesse espaço.

O intuito destas Rodas era salvar as crianças, no entanto, acabaram sendo um lugar para camuflar, ser um refúgio dos escândalos e da reprovação da gravidez indesejada de moças solteiras. A maioria destas crianças nascia de relacionamentos entre senhores de engenho e suas escravas, considerados na época ilegais (CARNEIRO, 2007), ilegítimos, “frutos do pecado” e, para preservar o anonimato da caridade cristã na Idade Média, as Rodas passaram acolher recém-nascidos abandonados (TRINDADE, 1999).

Há um consenso, por parte de alguns pesquisadores desse assunto, de que a Roda dos Expostos estimulou o abandono de crianças. Além disso, eram espaços de péssimas instalações e foco de mortalidade infantil.

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1999) e só foi extinta no início do século XX. De cada 100 crianças que entravam nestas instituições, 61 faleciam antes de completar um ano de idade.

Para combater esta realidade e tirar as crianças do abandono, no Brasil, a partir da década de 30, as autoridades começaram, muito timidamente, a criar instituições de atendimento às crianças. Até então, os pequenos eram ignorados por elas, afirma Carneiro (2007). Cabe salientar que depois desta época começaram a surgir as creches e os asilos, que eram instituições de atendimento às crianças pobres. Paralelo à fundação destas instituições, abriram os chamados jardins de infância, cuja finalidade era atender as crianças de famílias abastadas.

2.4. As creches no Brasil: um percurso pela história

Ao tratarmos da temática da educação infantil e família, consideramos importante trazer, neste estudo, um pouco da história do surgimento das creches no Brasil e do seu percurso até chegar aos dias atuais.

Analisando os estudos referentes ao início do atendimento à infância no Brasil, podemos notar que no século XIX (1875) houve a primeira tentativa de abrir um jardim de infância, mas de acordo com Carneiro (2007), ele foi fechado logo em seguida, por falta de incentivo do poder público. Manarcha (2001) complementa essa afirmação dizendo que, no referido ano, na cidade do Rio de Janeiro, a fundação do primeiro jardim de infância particular do Brasil se deu no Colégio Menezes de Oliveira e, em São Paulo, na Escola Americana, em 1877. Como consta no texto anterior, os jardins eram para atender a elite e não propriamente as crianças mais pobres.

As informações acima revelam a existência de duas instituições diferentes de atendimento à criança pequena. A primeira, que buscava manter-se com recursos públicos e por não recebê-los fechou e a segunda, que era particular, fundada para atender meninos da classe alta e se manteve aberta, sendo considerada como primeira por D. Pedro II.

O prestigio a esta instituição pode ser aquilatado pela referência que D. Pedro II faz à Condessa Barral, em carta de 1º. de outubro de 1880, quando diz que havia visitado o Colégio Menezes Vieira por causa do Jardim-de-Infância, o primeiro estabelecimento do Brasil (KUHLMANN, 2001, p. 35).

Imagem

TABELA 1 – Total de CEI e escolas de E.I Municipal
TABELA 2 – Total de CEI, escolas de E.I municipal e particular

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