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Rev. Estud. Fem. vol.16 número3

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Academic year: 2018

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Estudos Feministas, Florianópolis, 16(3): 424, setembro-dezembro/2008

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Pensar o outro ou quando as

mulheres viajam

Apresentação

Para Miriam Lifchitz Moreira Leite

Copyright  2008 by Revista Estudos Feministas.

Constância Lima Duarte

Universidade Federal de Minas Gerais

Zahidé Lupinacci Muzart

Universidade Federal de Santa Catarina

Artigos temáticos

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Apesar de consideradas pela crítica, durante muito tempo, uma manifestação menor da literatura, as narrativas de viagem viveram momentos de glória no passado. Inúmeros escritores se dedicaram ao gênero, e eram muitos os leitores aficionados pelos relatos de aventuras. Na forma de diários, memórias ou simplesmente impressões de viagens, os textos surgiam aos borbotões, nos séculos XVIII e XIX, ora inspirados pelo Velho, ora pelo Novo Mundo, expressando sempre o olhar fascinado, a curiosidade e o desejo do viajante de deixar registrada a sua experiência, que ele julgava ímpar.

Na Europa, os destinos mais buscados eram a Alemanha, a Itália e a Espanha, seja pela mitologia, pela glória passada ou pela profusão de ruínas históricas. E não importava se a viagem durasse semanas, meses ou anos; interessava relatá-la e assim se inscrever na tradição do gênero. Dentre os mais ilustres viajantes, Goethe, Mme. de Stäel, Victor Hugo, Michelet, Lamartine e Mérimée foram autores que incentivaram outros escritores a também excursionar e a escrever sobre as novas terras.

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arqueó-CONSTÂNCIA LIMA DUARTE E ZAHIDÉ LUPINACCI MUZART

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logos ou simples aventureiros –, ainda que a maioria não tivesse pretensões literárias e quisesse apenas fazer anotações acerca da geografia, fauna e flora tropical das novas terras.

Octavio Ianni, em A metáfora da viagem, afirma que a história dos povos “está atravessada pela viagem”,1 não

importa se real (se ocorre o deslocamento geográfico, espacial e temporal), ou metafórica (sem o deslocamento físico, mas apenas o sensível ou sensorial), pois toda sociedade trabalha a viagem, “seja como modo de descobrir o ‘outro’, seja como modo de descobrir o ‘eu’”. A viagem destina-se, portanto, a ultrapassar fronteiras, a demarcar as diferenças e as semelhanças entre os povos.

E, se consideramos as condições em que os deslocamentos eram realizados, as enormes distâncias, o desconforto de navios, carros de bois e ferrovias, além dos perigos de toda natureza a que estavam sujeitos, causa espanto encontrar tantas mulheres, dentre os viajantes, que ousaram deixar a segurança de seus lares, suas famílias e enfrentar o preconceito, as novas fronteiras, o desconhecido. É ainda Octavio Ianni quem afirma:

Quem viaja larga muita coisa na estrada. Além do que larga na partida, larga na travessia. À medida que caminha, despoja-se. Quanto mais descortina o novo, desconhecido, exótico ou surpreendente, mais liberta-se de si, do seu passado, do seu modo de ser, hábitos, vícios, convicções, certeza. Pode abrir-se cada vez mais para o desconhecido, à medida que mergulha no desconhecido. No limite, o viajante despoja-se, liberta-se e abre-se, como no alvorecer: caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao andar.2

É o que nossas viajantes fazem: abandonam parte de si, o próprio passado, e realizam a viagem para o conhecimento – do outro e de si mesmas. Na presente seção temática, procuramos publicar artigos de especialistas não só no tema que nos ocupa, a viagem, como no da escritura dessas mulheres do século XIX, especiais aventureiras que ousadamente relataram suas aventuras. De nobres (como a Baronesa de Langsdorff ou a Princesa da Baviera) a burguesas (como Nísia Floresta, Eduarda Mansilla, Mme. van Langendonck, Adalzira Bittencourt ou Ida Pfeiffer), naturalistas (como a Princesa da Baviera), pintoras (como Marianne North) ou professoras (como Maria Graham – ou Ina von Binzer), todas foram mulheres audaciosas, despertam ainda hoje nossa atenção, e seus escritos contribuem como fontes privilegiadas para o conhecimento da história social. Como assinala a crítica cubana Nara Araújo, “lo autobiográfico, la representación, la posición enunciativa y la construcción 2 IANNI, 2000, p. 30.

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PENSAR O OUTRO OU QUANDO AS MULHERES VIAJAM

del otro son objeto de estudio en el análisis de los textos de viaje”,3 ou seja, por meio dos relatos é possível conhecer

não apenas a viagem propriamente dita, mas a experiência única e pessoal da mulher que escreve.

Os seis textos que compõem o presente dossiê ilustram bem a diversidade de cada viajante, as motivações das viagens e mesmo a modalidade literária utilizada no relato da experiência.

Nara Araújo, da Universidade de Havana, em “Verdad, poder y saber: escritura de viajes femenina”, faz uma aguda reflexão sobre relatos de viagens, discurso moderno, diversidades e alteridades. Considerando, segundo Foucault, os relatos como exercício de poder, lembra a importância das descrições do Novo Mundo pelos primeiros cronistas, tomadas como reveladoras dos mistérios, dos costumes e das relações familiares dos novos povos. Para ilustrar as narrativas de mulheres viajantes e a especificidade pertinente em suas abordagens, cita a Marquesa Calderón de la Barca (“Life in Mexico during a residence of two years in that country”, de 1843), a Condessa de Merlín (“La Havane”, de 1844) e Nísia Floresta (“Itinerário de uma viagem à Alemanha”, de 1857), que, cada uma a seu modo e a seu tempo, impuseram-se no espaço público e apresentaram discursos com sólidos conhecimentos da história do país que visitavam.

Zahidé Lupinacci Muzart, em “A paixão das florestas ou as viagens de Mme. van Langendonck”, brinda-nos com as aventuras da ilustre dama que, em 1857, com mais de 60 anos, abandona a Europa e vem construir uma nova vida no Rio Grande do Sul. Em sua narrativa – inteligente, perspicaz e corajosa – ela revela seu pensamento acerca de tudo o que via, bem como suas idéias sobre imigração. Ana Lúcia Almeida Gazzola, em “O Brasil de Marianne North: lembranças de uma viajante inglesa”, parte de reflexões sobre a mulher e a feminilidade no período vitoriano, a explosão do mercado literário no século XIX e o acesso da mulher à educação, à literatura e ao jornalismo para introduzir Marianne North, uma pintora inglesa que tomou gosto pelas viagens e se especializou na pintura de flores, particularmente da exótica flora tropical. Marianne percorreu inúmeros países, como Canadá, Estados Unidos, Jamaica, Brasil, Teneriffe, Japão, Bornéu, Java, Ceilão, Singapura, Índia, Gales, Austrália, Nova Zelândia, Tasmânia, África do Sul, as ilhas Seychelles e Chile, e deixou registradas algumas centenas de espécies de plantas, algumas ainda pouco conhecidas dos estudiosos. O texto trata, portanto, da dupla condição de Marianne North – pintora e autora de relatos – e de seu profissionalismo, o que a distingue das demais viajantes do século XIX.

3 Nara ARAÚJO, 2009. Ver nesta

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CONSTÂNCIA LIMA DUARTE E ZAHIDÉ LUPINACCI MUZART

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Estudos Feministas, Florianópolis, 16(3): 1005-1008, setembro-dezembro/2008

Constância Lima Duarte, em “As viagens de Nísia Floresta: memória, testemunho e história”, chama a atenção para essa exceção dentre as mulheres brasileiras, por ter viajado durante parte de sua vida e ainda publicado livros a respeito das viagens. Nascida no interior do Rio Grande do Norte, em 1810, Nísia Floresta residiu em Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro antes de se mudar para a Europa, em 1849, e visitar diferentes países até falecer, em 1885, em Rouen, na França. Dentre os títulos que publicou – entre romance, novela, contos, poemas e ensaios, escritos em português, francês e italiano –, estão “Itinéraire d’un voyage en Allemagne” (1857) e “Trois ans en Italie, suivis d’un voyage en Gréce” (1864 e 1871), que, escritos em francês, sob a forma de diário ou de cartas, revelam, bem ao gosto da época, as emoções e as impressões da autora diante de cada cidade ou país que visita.

Stella Maris Scatena Franco, em “Uma dama argentina em terras yankees: os Recuerdos de viaje, de Eduarda Mansilla”, analisa o relato de viagem da escritora argentina Eduarda Mansilla aos Estados Unidos, em 1882. Oriunda de uma família tradicional e pertencente à elite política argentina, a escritora expõe um ponto de vista particular sobre as condutas das norte-americanas que conhece em sua viagem e revela sua concepção sobre os papéis sociais femininos.

Por fim, Peggy Sharpe analisa o ensaio de Adalzira Bittencourt, intitulado Trinta e sete dias em Nova York, fruto da viagem que fez aos Estados Unidos, em 1939. O ensaio da jovem advogada e educadora paulista – que conta em detalhes sua visita a escolas, hospitais e orfanatos de Nova York e à Feira Mundial – é interessante em vários aspectos, principalmente pelo modo com que a autora se engaja no debate sobre o papel social da ciência em relação aos princípios eugênicos em voga nos primórdios do século XX e a comparação entre valores culturais do Norte e do Sul do país que visita.

Esta seção temática é dedicada à pioneira dos estudos sobre mulheres viajantes, a professora Miriam Lifchitz Moreira Leite, cujos trabalhos nos inspiram e continuam motivando nossas pesquisas e a republicação dos textos dessas escritoras.

Referências bibliográficas

Referências bibliográficas

Referências bibliográficas

Referências bibliográficas

Referências bibliográficas

ARAÚJO, Nara. “Verdad, poder y saber. Escritura de viajes femenina”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 3, 2009.

IANNI, Octavio. “A metáfora da viagem”. In: ______. Enigmas

da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilização

Referências

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