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A compreensão de professoras de uma

escola pública do Município de São Paulo

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TERESA PALETTA LOMAR

O DIÁLOGO NA PRÁTICA DOCENTE

A compreensão de professoras de uma

escola pública do Município de São Paulo

Dissertação

apresentada

à

Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial

para

obtenção

do

título

de

MESTRE em Educação (Psicologia da

Educação) sob orientação da Profª Drª

Heloisa Szymanski.

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação/tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

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Dedico este trabalho a todos aqueles que se dedicam à humanização do mundo, cuidando para guardar nele as forças que geram vida e transformar aquelas que levam a seu aniquilamento.

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A presente pesquisa buscou conhecer como o diálogo situado na prática educativa em sala de aula é compreendido por professoras de uma escola pública do município de São Paulo, na qual está sendo implementado um projeto de educação em tempo integral, segundo a perspectiva dialógica de ensino.

A compreensão de diálogo aqui adotada fundamenta<se nos pensamentos de Paulo Freire e Martin Buber. Segundo estes dois autores, a educação, estando à serviço do processo de humanização, não pode se fazer sem diálogo, já que este consistiria na atitude essencial humanizadora, por meio da qual o Homem ultrapassa a condição de objeto e realiza<se plenamente como sujeito.

Trata<se de uma pesquisa qualitativa de base fenomenológico<existencial. Participaram do estudo quatro professoras envolvidas no projeto em andamento na escola, com as quais foram feitos cinco encontros coletivos para realização de entrevistas reflexivas, segundo a proposta de Szymanski. A análise dos dados inspirou<se na Fenomenologia Existencial de cunho hermenêutico para se desvelar os sentidos de diálogo presentes no discurso das professoras.

Os resultados alcançados apontam para a compreensão do diálogo como comunicação, associada à liberdade e à consideração do Outro. Apareceu, porém como dissociado da ação educativa que estabelece limites e exerce poder, chamando ao exercício da responsabilidade. O trabalho indica a necessidade de se aprofundar a concepção de educação dialógica junto a professores, reafirmando seu caráter ao mesmo tempo libertário e calcado em uma autoridade responsável e responsabilizadora em relação aos educandos.

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The main objective of this research was to get to know how teachers in a public school in the city of São Paulo, Brazil, understand dialog in educational practices inside a classroom environment where a full<time educational project is being implemented, following the dialogic perspective of teaching.

The understanding of dialog this research is based on comes from the works of Paulo Freire and Martin Buber. For these two authors, education toward humanization can´t happen without dialog because this is the most essential human attitude by which man surpasses his condition as an object to wholy become subject.

This research is qualitative with a fenomenological<existentialist basis. Four teachers involved in the ongoing project in the school participated in this study, and with whom five meetings were arranged where reflexive interviews were done following Szymanski´s proposal. The analysis of the data was inspired by existential fenomenology hermeneutics to reveal the meanings of dialog present in the understanding of the teachers.

The results that were reached show comprehension of dialog as communication, associated with liberty and to consideration towards others. The results, though, show it is unassociated to educational practice which should, instead, establish limits and exert power in order to exercise responsibility. This research indicates the need for reflection and deepening of the meaning of dialogical education by teachers, reaffirming its libertarian character based on a responsible authority that promotes responsibility in fellow students.

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1.1.1. A filosofia do diálogo...17

1.1.2 A educação a partir do diálogo na visão buberiana...18

1.2. Paulo Freire...27

1.3. Algumas Considerações...31

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2.2 O método fenomenológico<existencial...35

2.3. Objetivos da pesquisa...38

2.4. As professoras participantes da pesquisa...38

2.5. Procedimentos de coleta de informações...39

2.6. Descrição dos encontros...43

2.7. Procedimentos de análise...54

1 # 8 3 : ;# ...56

3.1 A comunidade...56

3.1.1 Primeiras impressões...56

3.1.2 Dados estatísticos...58

3.2. A escola...60

3.2.1 Informações técnicas e alguns indicadores...60

3.2.2 Características gerais...62

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1 # 9 3 < ...74

4.1. Constelações...74

4.1.1. A compreensão do diálogo...74

4.1.2. O diálogo na prática educativa em sala de aula...77

4.1.3. Considerações sobre a escuta...79

4.1.4. A relação educador<educando...81

4.1.5. A reflexão e a educação...87

4.1.6. A escola e o diálogo...89

4.1.7. Caracterização da prática docente...93

4.1.8. O Projeto Diálogo e Participação...99

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A pesquisa que apresento nesta dissertação de mestrado insere<se em um projeto maior intitulado Diálogo e Participação: a prática dialógica na família, escola e comunidade, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Heloisa Szymanski, que vem sendo implementado desde meados de 2005 em uma região periférica do município de São Paulo. Seu objetivo geral consiste em introduzir e avaliar uma proposta de educação em tempo integral segundo uma perspectiva dialógica e participativa de ensino, fundamentada na pedagogia de Paulo Freire.

Discute<se muito hoje a viabilidade e a necessidade de uma escola pública em período integral. Muito se falou a respeito das iniciativas visando a sua implantação que ocorreram na história da educação brasileira, abordando<se os aspectos positivos e negativos acerca do modo como se configuraram e a que finalidades serviam1. Não é o caso aqui de retomar essas críticas, mas apenas evidenciar a proposta do presente projeto, distinguindo<a do modelo então comentado.

O que se propõe com educação em tempo integral não é a extensão da jornada diária da atividade escolar, mas a consideração e articulação das diversas instâncias educativas de uma comunidade para que desenvolvam um modo comum de realizar a prática educativa.

Na proposta de Szymanski o diálogo e a participação são tomados como os eixos condutores para a integração dos diferentes contextos educativos, da qual deverá resultar a elaboração de uma proposta educacional comum. Dialogar e participar constituem<se em ações fundamentais para que o produto final seja de fato uma construção coletiva da comunidade em questão e represente os interesses e demandas de cada instância educativa envolvida no processo. São práticas que deverão ser adotadas não só entre educadores, mas também entre estes e seus educandos. Dessa forma, tornam<se também práticas formadoras para aqueles aos quais a proposta se

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dirige – crianças e adolescentes –, preparando<os para o exercício da cidadania e para a construção de uma sociedade democrática.

Na intervenção em curso, os contextos educativos que estão sendo integrados consistem em: uma escola pública municipal de ensino fundamental, uma creche, uma ONG comunitária e as famílias das crianças e adolescentes que são atendidos por estas instituições. A presente pesquisa, no entanto, volta<se apenas para a instituição escolar participante, incidindo seu foco especificamente sobre os professores que nela trabalham. Seu objetivo consiste em conhecer como o diálogo situado na prática educativa em sala de aula é por eles compreendido.

A prática educativa pode ser concebida de diversas formas dependendo do lugar em que se inscreve. Inserida no contexto da educação formal e exercida pelo profissional docente na sala de aula, a prática educativa significa uma ação intencional e estruturada dentro do sistema escolar que implica, como afirma Libâneo (1994), “ações de ensino com objetivos pedagógicos explícitos, sistematização e procedimentos didáticos” (p.18). Supõe também intensas trocas intersubjetivas para a implementação daquelas ações. Conforme apontam Tunes, Tacca e Bartholo Jr. (2005), independentemente dos papéis que desempenham no espaço escolar, professor e aluno “estão em processo contínuo de criação intersubjetiva de significados que, por sua vez, podem gerar novas possibilidades de relação”. Ressalvam, contudo, que este fato não implica “que os que ensinam e os que aprendem percebam, a cada instante, o impacto que sofrem e causam um no outro”

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organizada, sistematizada e veloz” (p.98). Este autor ressalta ainda o papel de destaque que assume especificamente a escola, dentre as instituições que realizam a educação intencional, já que o seu alcance no país “é da ordem de 54 milhões de pessoas” (p.100).

Dessa forma, considerando<se sua relevância para o mundo de hoje, não se pode deixar de atentar para a realidade da escola pública atual, já que é por meio dela que esta oportunidade de aprendizagem específica é democratizada e universalizada para todos.

Segundo Carvalho (2004) a realidade do ensino fundamental público brasileiro tem sido apresentada pela mídia impressa e pelos documentos oficiais (MEC, IBGE, Inep, Ipea) como “dramática”, “trágica”, “preocupante” e “alarmante”. Os documentos e reportagens analisados durante a pesquisa indicam, em relação à qualidade do ensino, a existência de desigualdades entre as diferentes regiões brasileiras e entre o ensino privado e público. Sobre este último, Carvalho destaca a avaliação realizada pelo Saeb, a qual revela que, em 2001, 90% dos alunos brasileiros, após concluírem os quatro ou oito anos formais de escolaridade correspondentes ao ensino fundamental, não apresentavam habilidades e competências em Língua Portuguesa e Matemática adequadas para o prosseguimento nos níveis superiores da educação formal.

Diante da constatação dessa realidade, impõe<se para todos aqueles envolvidos com a área da educação pensar formas de melhorá<la, identificando os fatores que contribuem para a formação desse quadro “alarmante” e refletindo sobre as maneiras de superá<lo. A presente pesquisa abordou essa problemática sob a perspectiva do diálogo, considerando<o como fundamental para a prática educativa e como pressuposto para a sua qualidade. Para a sustentação dessa premissa, este trabalho buscou apoio em dois grandes pensadores que se debruçaram sobre esta questão.

Paulo Freire é o primeiro deles. Educador brasileiro, com publicação vasta, é considerado hoje uma das maiores personalidades no campo da Pedagogia crítica. Segundo Romão2, a importância de seu pensamento pode ser notada na grande contribuição que deu ao avanço da ciência no século XX, pois, a seu ver, “mais do que metas ou objetivos inéditos, ele propôs uma profunda transformação paradigmática na

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maneira de pensar o mundo, dando continuidade à tradição crítico<transformador< libertária do pensamento ocidental” (2002, p.26). Segundo ele, este fato pode ser demonstrado pela “expressiva quantidade de investigações científicas levadas a efeito, em várias partes do mundo, nos mais diversos campos do conhecimento, referenciadas em seu legado teórico e prático” (Idem, ibid.). Não seria exagero se atribuíssemos a ele um papel incisivo na introdução do debate que se fez no Brasil, a partir da década de 1970, acerca das relações entre educação e diálogo e que se desenrola até os dias atuais.

Martin Buber é o outro autor que constituirá o referencial teórico desta pesquisa. Nascido na Áustria, em 1878, produziu muitas obras no campo da Teologia, mais especificamente sobre o hassidismo, corrente da mística judaica da qual fazia parte. Apesar de ser em número menor, também possui produções seminais no campo da Filosofia, em que desenvolve reflexões sobre a relação, o encontro e o diálogo. Como decorrência destas últimas, apresenta ainda algumas reflexões sobre Educação. Inspiraram este trabalho duas conferências sobre o tema, por ele proferidas nos anos de 1925 e 1929, que se mostram ainda hoje de grande atualidade.

Apesar de terem vivido em lugares e momentos históricos diferentes, esses dois autores partilham uma mesma utopia e desenvolvem suas reflexões buscando formas de realizá<la. O projeto comum que os une refere<se à busca pela humanização e a educação é concebida a partir desta finalidade.

Tanto para Freire como para Buber, a condição de “humanidade” não é dada ao homem, mas construída por ele a partir das relações que estabelece com o mundo e com os seus iguais na medida em que cria as condições para sua sobrevivência. Entretanto, para eles, não é qualquer forma de relação que humaniza o homem, mas somente aquela que emerge a partir do reconhecimento do outro como diferente, que lhe confere identidade e, ao mesmo tempo, como igual, com o qual se partilha as mesmas condições de estar no mundo. Tal reconhecimento é a base ontológica do diálogo sobre o qual discorreram em suas obras e que se converte assim em condição para a humanização e em elemento essencial do ato educativo.

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oferecer subsídios para se romper com as visões utilitaristas e tecnicistas nas relações humanas verificadas na sociedade contemporânea e, conseqüentemente, também no campo educacional. Buscando conhecer o modo como professores vêm compreendendo o diálogo na prática educativa, este estudo procurou revelar aspectos presentes nesta compreensão e, assim, indicar caminhos para aqueles que defendem uma proposta educacional dialógica.

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A finalidade deste capítulo é, inicialmente, expor ao leitor o sentido que se atribui ao diálogo neste trabalho, tendo em vista que se procura defender a sua importância para o ato educativo. Essa compreensão se inspira, em larga medida, em formulações de Martin Buber e Paulo Freire3. Por essa razão, será necessário realizar um percurso através do pensamento destes autores, de maneira a explicitar o modo pelo qual conceitos que encontramos em suas obras irão auxiliar na compreensão da realidade empírica que é o foco deste trabalho. Convém esclarecer que a leitura de Buber e Freire foi feita em função das necessidades da pesquisa e, portanto, busca realçar apenas elementos que pareceram ser de fundamental relevância para o tema em questão.

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É difícil definir um pensador como Martin Buber. Tendo atuado em diversas áreas, “não se deixa etiquetar por qualquer sistema doutrinário conhecido” (Zuben, 2003, p.XVIII). Suas obras transitam nos campos da Teologia, Filosofia e Antropologia, sem estabelecer limites rígidos entre eles. No entanto, uma característica que perpassa o seu trabalho e sua vida consiste na busca por compreender o sentido do humano a partir de experiências concretas, vividas, e não através de especulações puramente abstratas, que o levariam à elaboração de um sistema teórico e doutrinário (Zuben, 2003). Talvez por isso, “em virtude de sua maneira de apresentar o existir humano” (Forghieri, 1984, p.19), Buber seja freqüentemente aproximado aos fenomenólogos existenciais.

De sua extensa obra, interessa aqui focar nas reflexões que Buber desenvolve acerca da educação, partindo de duas conferências por ele proferidas intituladas “Da função educadora” (1925) e “A educação para a comunidade” (1929). Como veremos, o conceito de diálogo ocupa um lugar fundamental nessas reflexões, como aliás no

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pensamento de Buber de uma maneira geral. Neste sentido, torna<se impossível entender a concepção buberiana de educação sem antes compreender alguns conceitos que compõem a sua “filosofia do diálogo”.

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Buber desenvolve seu pensamento baseando<se no princípio de que o Homem é um ser de relações. Ou seja, cuja existência se constitui a partir do momento em que se depara com o mundo e com ele faz alguma coisa, com ele se relaciona de algum modo.

O conceito de relação pode ser comparado à noção de intencionalidade da consciência de Edmund Husserl (1859<1938), a qual será retomada mais adiante. Como explica Zuben, “assim como a intencionalidade não significa algo que esteja na consciência, mas sim algo que está entre a consciência e o mundo ou o objeto”, também a “relação não é uma propriedade do homem” (2003, p.XLVI), mas se instaura o Homem e aquilo que se coloca à sua frente.

Buber procura caracterizar os diferentes modos pelos quais estas relações se estabelecem. Fala<nos então de duas atitudes essenciais do Homem ao se dirigir ao mundo, caracterizadas por meio daquilo que ele chama de palavras<princípio: Eu<Isso e Eu<Tu. Estes conceitos foram apresentados e desenvolvidos na obra (publicada originalmente em 1923), considerada por muitos o seu principal trabalho.

O que define as duas atitudes não é o se interage, mas a da relação que se estabelece4. Na forma Eu<Isso, o Homem se relaciona com as coisas tomando<as como objetos, manipulando<as, apropriando<se delas. É um modo de relacionamento funcional, que tem uma finalidade e meios próprios para alcançá<la. Assim, a construção de conhecimento, o desenvolvimento de técnicas, a descrição das coisas e dos fenômenos naturais e humanos, tudo isso se dá a partir da atitude Eu<Isso.

Em contraposição, na atitude Eu<Tu não ocorre uma apropriação do mundo e do Outro, o que está em jogo não é uma finalidade, um “para que”, mas o próprio encontro, a relação em si. O que a caracteriza é a reciprocidade. O Tu atua sobre o Eu, assim

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como este atua sobre o Tu. O Eu abrindo<se ao Outro torna<se receptor de um dizer que a presença dele enuncia e a ele responde, aceitando penetrá<lo.5 Diferentemente da atitude Eu<Isso, na qual o Outro se apresenta enquanto objeto de manipulação e experimentação, na relação Eu<Tu o Outro é encontrado e conservado em sua alteridade.

Cabe aqui destacar a influência do hassidismo – seita judaica com a qual Buber manteve profunda intimidade – sobre a ontologia da relação por ele desenvolvida. O grande ensinamento que Buber recebeu da mística hassídica foi a desverticalização entre homem e Deus, realizada a partir da afirmação de que este pode ser encontrado nas relações estabelecidas entre o Homem e o mundo, nas quais a alteridade esteja preservada. É dentro deste contexto, que deve ser compreendida a relação entre Eu e Tu. Em última instancia, ela expressa este encontro entre o Homem e o ser eterno que se realiza a partir do mundo.

É importante notar que, ao designar estas duas atitudes, Buber não faz um juízo de valor. Considera<as, ambas, próprias da condição humana. O Homem não pode viver sem a atitude Eu<Isso, já que é sobre esta que se ergue o conhecimento, a possibilidade de previsão e controle. Entretanto, julga importante alertar sobre a possibilidade de se viver exclusivamente sob a égide desta forma de relacionar<se, tendência que se verifica na sociedade contemporânea orientada pela Ciência e Tecnologia, em que predominam os valores do domínio e da utilização. Pois aquilo que faz do Homem Homem situa<se, para além da funcionalidade implicada na atitude Eu< Isso, na possibilidade do encontro.

É partindo desta constatação que Buber desenvolve a sua filosofia do diálogo, apresentando<a como a base sobre a qual deve se erigir a comunidade entre os homens. A idéia de comunidade é abordada por Buber como sendo uma ligação dinâmica entre os homens que abrange a totalidade de suas vidas. É a união de pessoas que, na diversidade que as constitui, são capazes de manter relações autênticas entre si. Estas relações são entendidas como totais – que não envolvem

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apenas um domínio da vida daqueles que se encontram, mas todo o seu ser – e imediatas, nas quais as pessoas “se relacionem não pelo fato de possuírem algo em comum (interesses, negócio, trabalho (...)), mas ao contrário que se relacionem imediatamente sem intermediários” (Buber, 1987, p.88). A comunidade que Buber almeja alcançar é então a união de pessoas fundamentada no acontecimento entre elas da relação Eu<Tu. Sem excluir o relacionamento Eu<Isso, deve estruturar<se de modo que não reprima a relação Eu<Tu, abrindo espaços para que ela possa se revelar.

Mas como entender a vivência dialógica a partir das atitudes Eu<Isso e Eu<Tu? Nas palavras de Zuben, “Eu<Tu é a relação ontológica, esteio para a existência dialógica, para o diálogo” (1984, p.77). O diálogo é entendido como desdobramento imediato desta relação ontológica que se dá na dimensão do inter<humano. Embora pareça algo de extraordinário, Buber insiste no fato de que tal relação acontece concretamente no cotidiano dos homens, do homem comum.

A vivência dialógica pode ser encontrada no dia<a<dia sob as mais variadas formas e intensidades. Buber nos alerta para que não nos pautemos pelas aparências às quais comumente recorremos para identificar a presença ou não do diálogo em determinada situação. “Não existem somente grandes esferas da vida dialógica que na sua aparência não são diálogo, mas existe também o diálogo que não é dialogo enquanto forma de vida, isto é, que tem a aparência de diálogo, mas não a sua essência” (Buber, 1982b, p.53). É possível, por exemplo, que um homem solitário experimente o diálogo, assim como é possível que ele se faça ausente numa conversação. A distinção entre o diálogo e o não<diálogo situa<se na atitude essencial de abertura ao encontro com o outro presente em cada situação.

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singularidade que não pode absolutamente ser inscrita no círculo do próprio ser e que, contudo, toca e emociona substancialmente a nossa alma” (1982b, p.58).

O que Buber propõe é uma disponibilidade dos homens ao Tu, ao dialógico, que ele possa se manifestar. O ser humano não se reduz à palavra<princípio Eu<Isso, à experimentação do mundo, às objetividades. A humanidade do Homem emerge quando ele se abre ao seu sentido, ao sentido de ser que é confiado a cada homem em sua existência. E esta abertura só pode ser vivida na relação Eu<Tu, na , no . Eis a idéia central para a qual aponta o pensamento de Buber: “E com toda seriedade da verdade, ouça: o homem não pode viver sem o Isso, mas aquele que vive somente com o Isso não é homem” (Buber, 2003, p.39).

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Em conferência realizada em 1925 (Buber, 1982a), na qual foi chamado a falar sobre “o desabrochamento das forças criadoras na criança”, Buber discorre a respeito do que consiste a realidade da educação e da função que a ela se coloca.

Para Buber, a criança representa a manifestação do novo, a possibilidade permanente da condição humana recomeçar. A partir deste entendimento, afirma que ao educador coloca<se a questão de como fazer para que essa possibilidade de inovação não se perca, não seja obscurecida pelos atos das gerações ascendentes, mas, ao contrário, seja por eles iluminada. O talento para a criatividade é uma capacidade da qual todos são dotados e que se manifesta de forma natural e espontânea. O seu fundamento seria “um instinto autônomo, inderivável de outros instintos”, por ele designado como “instinto de autor”, o qual se refere ao desejo humano de “estar na origem de alguma coisa” (Idem, p.6).

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indispensáveis à organização de uma verdadeira vida humana: à participação numa causa e à responsabilidade na mutualidade” (Idem, p.8).

A participação numa causa e a responsabilidade na mutualidade dizem respeito à condição de defrontar<se no mundo com outros, em comunidade, pela qual o Homem percebe que não é apenas um manipulador das coisas, mas que estas também o afetam e limitam. Como fundamento desta experiência, Buber apresenta então um outro instinto, denominado “instinto dos vínculos”, a partir do qual se origina o desejo do Homem de ser acolhido e reconhecido pelo Outro, assim como ele o acolhe e reconhece.

À medida que a obra individual é imbuída de uma causa voltada para a comunidade, a criança deixa de seguir exclusivamente o “instinto de autor” e passa a seguir também o “instinto dos vínculos”. Para Buber é sobre estes dois fundamentos que deve ser edificada a educação. As ações educadoras são, portanto, aquelas que vão ao encontro das forças criadoras assim que libertadas, conduzindo<as para o comprometimento com a comunidade. Essa condução, como afirma, se realiza a partir do olhar interrogador que aquele que educa lança para o que aflora espontaneamente na criança. É a partir desse olhar que a criança é convocada a ser ela própria, vendo<se confrontada com o bem e o mal e passando a desenvolver capacidade crítica e uma consistente escala de valores.

Buber observa, em 1925, que o conflito entre a “velha pedagogia” e a “pedagogia moderna” situa<se na maior ênfase dada a um destes fundamentos. Enquanto a primeira concentra seus esforços em sufocar o agir espontâneo da criança, impondo<lhe o já estabelecido e construído, a última restringe a tarefa educativa à abertura a esta espontaneidade, baseando<se no princípio da liberdade. Buber demonstra como a corrente “moderna” concebe o Homem como pré<formado desde o nascimento, precisando desenvolver aquilo que já é inato. Ele contesta essa visão, afirmando que a constituição do Homem enquanto tal depende da assimilação do mundo que o cerca (natureza e sociedade), o qual lhe mostra tudo o que a ele se opõe, convidando<o a penetrá<lo.

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libertação de forças criativas tendem a considerar a “liberdade” como o oposto de “coação”. Entretanto, a posição antagônica à da coação seria, para Buber, não a liberdade, mas a ligação. A partir disso, compreende<se que o que está colocado fundamentalmente no autoritarismo, mais do que a ausência de liberdade, é a

, do reconhecimento do outro como um igual com o qual se partilha as mesmas condições de estar no mundo.

Este apontamento é de extrema relevância para os tempos atuais, já que resgata uma perspectiva de compreensão da distinção entre autoridade e autoritarismo pouco aproveitada nas discussões que hoje se fazem na área educacional. A autoridade da figura do educador, entendida à luz desta idéia buberiana, implica restrições à liberdade tanto de educandos como do próprio educador, aceitas a partir do reconhecimento de que estão fundamentadas na consideração e no respeito mútuos, servindo ao bem<estar de ambos e ao objetivo comum em torno do qual se reúnem. Espera<se do educador que ele exerça uma autoridade, e para isso é pelos educandos e pela sociedade como um todo. Mas ele não pode qualquer coisa, o seu poder lhe é conferido apenas com o objetivo de educar. Por isso mesmo, o educando, que vê restringida a realização de suas vontades, também tem o poder de exigir limites do educador. O autoritário é aquele que exerce um poder desautorizado, sem limites, que desconsidera e desrespeita o outro e o sentido da relação que ambos constroem no processo educacional.

Buber afirma ainda que a educação, como temos hoje, consciente e voluntária “significa ‘seleção do mundo que age’ através do homem” (1982a, p.11). Sem negar a possibilidade da educação se realizar de maneira não intencional, ele destaca a importância da educação sistematizada, já que a tarefa de educar na sociedade contemporânea é atribuída a determinadas instituições, que só podem realizá<la por meio de uma ação planejada com objetivos determinados. Ele diz ainda que, ao invés de tentar negar esta realidade da educação atual, devemos trabalhar para aprimorá<la, empenhando<nos na sua humanização.

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sistematizada, o educador falhará, entretanto, em sua intervenção, se nela ele desaparecer enquanto pessoa. Recuperando as atitudes essenciais apresentadas anteriormente, o educar, enquanto atividade que tem uma finalidade, erige<se a partir da atitude Eu<Isso; contudo, se esvazia de sentido se a dimensão Eu<Tu for deixada de lado e o educador desconsiderar o educando enquanto sujeito.

Para exercer sua função, o educador deverá, assim, experimentar ao mesmo tempo atitudes de proximidade e reserva, de familiaridade e distância. Pois, por um lado, deve partir de relações reais de ser humano a ser humano estabelecidas com seus alunos e para isso deverá estar próximo a eles. Por outro lado, o educador deverá também se reservar desta entrega para preservar os papéis que ambos cumprem na relação educativa.

Dentro destes limites, a função educadora, segundo Buber, deve se basear no . Envolver<se significa tornar o outro inteiramente presente, o que só pode ocorrer diante de um Tu. Significa, para o educador, poder experimentar a situação comum pelo outro experimentada. Buber considera dialógicas as relações marcadas em maior ou menor grau pelo envolvimento.

Embora haja uma na relação dialógica – já que para tornar o Outro presente é preciso fazer<se presente também –, isso não implica necessariamente a existência da entre as partes. No caso da relação educadora, reciprocidade não quer dizer correspondência no envolvimento, pois a relação professor<aluno é marcada por um envolvimento unilateral. Como afirma Buber: “(...) o educador experimenta como o aluno é educado; o aluno, pelo contrário, não pode experimentar como o educador o educa” (1982a, p.21).

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certa freqüência renovar a experiência de se colocar no lugar do aluno para que o envolvimento, o diálogo, não se interrompa.

Explicitado, em linhas gerais, o modo como Buber concebe a educação, cabe agora destacar seus apontamentos para um projeto educacional que tenha como finalidade a promoção de práticas dialógicas – como é o caso do projeto de pesquisa e intervenção Participação e Diálogo, no qual o presente trabalho está inserido.

Em conferência proferida em 1929 (Buber, 1987), Buber discorre sobre o que seria a educação que visasse à construção de uma comunidade concreta entre os homens, entendendo<se esta como a união de pessoas que, na diversidade que as constitui, são capazes de manter relações dialógicas entre si.

A pergunta que ele se faz é sobre como a educação de pessoas – “de pessoas em desenvolvimento” (Buber, 1987, p.87) – pode preparar o advento desta comunidade, ou, dito de outra forma, como ela pode proporcionar uma maior penetração do sentido de comunidade na sociedade de sua época.

Como primeiro ponto, Buber estabelece que esta educação só pode se dar através da própria comunidade. Porque a educação não é teórica, mas concreta; ela se faz na presença. A educação para algo exige a presença deste algo; seu objetivo, sua finalidade devem ser revelados por meio das práticas nas quais ela se concretiza. Além da presença, Buber considera a espontaneidade como elemento constituinte do ato educativo. Afirma que “aquele que quer educar não educa” (Idem, p.90), pois a educação não se faz através de propaganda consciente daquilo que se quer ensinar, mas através do testemunho de sua existência pessoal dado pelo educador. Este testemunho se dá de forma espontânea, sem que o educador o perceba, possa controlá<lo ou planejá<lo. É importante ressaltar aqui que, com esta afirmação, Buber não visa a destituir a educação de sua finalidade ou negar a relevância de se planejar o ensino a partir de uma intencionalidade. Ele apenas destaca a existência de uma influência que o educador exerce sobre os alunos que escapa ao controle de qualquer sistematização.

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indiretos entre os homens às relações diretas, dos contatos movidos por interesses para as relações cujo fim são elas mesmas” (Idem, p.93). Sendo a educação para a comunidade capacitação para a relação direta entre os homens, ou seja, para a relação entre Eu e Tu, ela implica uma condição fundamental, sobre a qual já se discorreu anteriormente: o voltar<se<para<o<outro. “Este ‘voltar<se’ recíproco de pessoa a pessoa é algo muito simples, a saber: o encontro do homem com o seu semelhante. Acontece que isso foi esquecido e desprezado” (Idem, p.94).

A partir dos pontos que já foram até agora levantados, pode<se admitir que tal educação, se fazendo na presença e na espontaneidade, não se confina a um local específico, mas pode se dar em qualquer ambiente no qual a comunidade esteja presente. Buber, no entanto, orienta a sua reflexão mais especificamente para o espaço da escola, indicando os tipos de relações comunitárias que podem existir neste espaço e como a educação para a comunidade pode nele se realizar.

Primeiramente ele aponta para a necessidade da existência de relações comunitárias entre os próprios docentes e entre estes e as demais pessoas que trabalham na escola. Em seguida, afirma a exigência de que estas se estendam também às relações entre professor e aluno. Pois só se relacionando dentro do espírito comunitário com o seu aluno, o professor poderá transmitir algum sentido deste a ele: “Isto surge a partir deste fundamento, a saber, quando o professor tem o senso natural de comunidade, de acordo com o seu ser, e o transmite a seu aluno, então ela surge, só então ela se irradia” (p.95).

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tarefa, ao contrário, é prepará<las para este mundo, para nele ingressarem ativamente e a ele darem a sua contribuição.

Também compreendida entre as relações comunitárias que a escola estabelece em suas vinculações com o mundo circundante, Buber considera de suma importância a ligação que se estabelece entre a escola e o “lar”. A esse respeito, o autor reconhece o papel que pode vir a exercer o “Conselho de Pais”, quando este tem presente o espírito comunitário.

Buber aponta ainda que a organização do sistema educacional deve incluir a interação entre as classes etárias e entre os sexos e horas de descanso. As duas primeiras exigências visam a proporcionar uma maior interação entre as pessoas na diversidade que as constitui, colaborando para que se diminuam as reservas entre elas e abrindo espaço para o advento da relação autêntica. A terceira diz respeito à importância de haja momentos sem qualquer outro objetivo senão o próprio ato de conviver. Momentos em que a finalidade educacional possa ser deixada de lado e o aluno exercite apenas a vida comunitária com tudo o que lhe é essencial.

Por último, Buber menciona as contribuições que o próprio ensino pode dar objetivando a educação para a comunidade. Estas são situadas em dois domínios: o primeiro corresponde à formação de conhecimento sobre a comunidade; o segundo diz respeito ao caráter deste ensino. Mais importante que o conteúdo a ser transmitido é a forma como ele é ensinado. Como foi dito, sendo o seu objetivo a comunidade, ou seja, o encontro entre os homens, a educação que se faz na presença só pode se realizar à medida que tal encontro se concretize em suas práticas.

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Para entender a importância que Freire atribui ao diálogo na educação, faz<se necessário, antes de tudo, explicitar a finalidade que ele atribui ao processo educativo: a humanização.

Sua concepção de educação constrói<se a partir da constatação de que existe uma realidade opressora, cindida entre dominadores e dominados, na qual uns poucos detêm o poder e os meios para mantê<lo e outros que se vêem obrigados a trabalhar para estes e pouco usufruem do resultado de seu esforço. Esta realidade é, segundo ele, desumanizadora, pois violenta os homens em suas características essenciais, já que dominados e dominadores são ambos transformados em objetos. Os primeiros, porque se convertem em instrumentos por meio dos quais os últimos mantêm o seu poder. Estes, por sua vez, também se objetificam, pois sua violência também os desumaniza (Freire, 1983). Objetificar o outro gera a desumanização porque, para Freire, é a partir do reconhecimento da alteridade que o Homem se constitui.

O Homem, segundo ele, é um ser inacabado, que consciente de sua inconclusão busca aprimorar<se para Ser mais Homem, nesta concepção, só é possível a partir do momento em que ele reconhece a si e ao outro como seres livres, responsáveis, éticos e esperançosos, capazes de inventar e reinventar o real, não apenas se adaptando, mas se inserindo ativamente e podendo nele intervir. Assim, é desta concepção de Homem que Freire parte para elaborar a sua pedagogia.

A constatação da existência de uma realidade opressora que nega a vocação ontológica do Homem para leva Freire a afirmar a necessidade de uma ação libertadora, que transforme esta situação de dominação. Tal ação, contudo, sob seu ponto de vista, só pode ser realizada por aqueles que têm sua humanidade roubada, a partir do momento em que se conscientizam da situação de opressão em que se encontram. Este processo de conscientização, como pretende defender, possui um caráter eminentemente pedagógico (Freire, 1983).

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enfim, o sujeito do processo; o educando – sendo aquele que é educado, pensado, que escuta docilmente a palavra, que segue a prescrição – é mero objeto na relação pedagógica. O termo “bancária” com o qual caracteriza este tipo de educação refere<se ao fato de ele consistir em depositar, encher de conteúdos os educandos, tomados, assim, como recipientes daquilo que não possuem e precisam – segundo a óptica do educador – arquivar. Como diz Freire: “A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra ôca, em verbosidade alienada e alienante. Daí que seja mais som que significação e, assim, melhor seria não dizê<la” (Idem, p.65).

A educação problematizadora, por outro lado, pretende superar a contradição educador<educando. Esta superação se dá a partir do diálogo, elemento conciliador dos dois sujeitos envolvidos na relação pedagógica que fundamenta esta concepção de educação. Nesta, o educando é chamado a conhecer, ao invés de arquivar conhecimentos. E o educador é considerado um sujeito cognoscente não só quando se prepara para dar uma aula, mas também quando se defronta dialogicamente com os educandos. Isto quer dizer que não existe um saber pronto, acabado, que o educador transmite ao educando, mas que este é construído na relação entre ambos. Quer dizer, como afirma o autor, “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (Freire,1983, p.79)6.

A educação é problematizadora à medida que desafia o educando a desvelar o contexto no qual está inserido, ajudando a compreendê<lo criticamente. O que se busca neste tipo de educação é a inserção crítica na realidade para transformá<la. Seu objetivo não é transformar a mentalidade dos educandos e, sim, transformar a situação que gera opressão. O educador que pretende se sobrepor aos educandos, que quer impor a sua forma de pensar a estes, está ele também exercendo desta forma um processo de dominação.

6

Convém aqui ressaltar a necessidade, dentro deste referencial, de se substituir a idéia de

pela idéia de . Conforme indica Faundez

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A pedagogia que, ao contrário, exerce um processo de libertação é, segundo Freire, aquela que visa à autonomia do educando. “No fundo, o essencial nas relações entre educador e educando (...) é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia” (2003, p.94). Este aprendizado se dá através do exercitar<se como um ser pensante, ativo, construtor e inventor da realidade. Como afirma:

A autonomia (...) é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade. (2003, p. 107)

Isto quer dizer que, se a prática pedagógica tem como finalidade a humanização, ela só poderá se concretizar se fundamentada em práticas humanizadoras. É por este motivo que Freire defende a dialogicidade como essência deste processo7. Assim, se na educação ensaia<se o assumir<se enquanto sujeito autônomo, responsável, livre, ético e criador, é importante esclarecer o sentido freireano desta assunção: “A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a ‘outredade’ do ‘não< eu’, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu” (1983, p.41). É por este motivo que o diálogo, nesta concepção, se torna essencial nesta proposta educacional e se converte no elemento conciliador da dicotomia educador<educando.

Para Freire, dialogar significa pronunciar a palavra autêntica, a palavra que está compromissada com o mundo, que não o perde de vista. Ela não pode se dissociar de nenhum dos dois elementos que a constituem: a ação e a reflexão. Sem o primeiro, torna<se vazia, converte<se em discurso alienante, pois não se compromete com a transformação do mundo. Neste caso, a própria reflexão também é necessariamente sacrificada. Mas sem o segundo elemento (a reflexão), a palavra se converte em ativismo, perde sua criticidade e, conseqüentemente, sua eficácia na transformação da realidade no sentido da humanização (Freire, 1983).

Freire define o diálogo como o “encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para ” (Idem, p.93, grifo do autor). Ele se funda na esperança, confiança e humildade. Só pode haver diálogo se houver o sentimento de humildade pelo qual o eu

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descobre<se inacabado e por isso abre<se à contribuição do outro. Esta abertura, por sua vez, pressupõe confiar em que o outro tenha algo a contribuir na busca pelo ser mais, daí a razão de se compartilhar com ele a construção e invenção do real. É preciso ainda esperar que algo se desdobre do encontro, pois “se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu quefazer já não pode haver diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É burocrático e fastidioso” (Idem, p.97). Por último, é necessário que haja amor, que significa compromisso com os homens, e a fé em seu poder de reinventar o real.

A dialogicidade que Freire defende como essência de sua proposta educacional é o respeito essencial existente entre os sujeitos engajados na relação pedagógica, entendida como a ação cultural para libertação dos oprimidos. Ao contrário da ação antidialógica, que leva apenas à conquista, divisão, manipulação e invasão cultural daqueles para os quais ela se dirige, a adoção da ação cultural dialógica tem como conseqüências inversas a colaboração, a união para a libertação, a organização e a síntese cultural dos que estão nela envolvidos (Idem, p.143<218). Ou seja, a educação fundamentada no diálogo implica que todos que estão nela engajados trabalhem juntos para libertarem<se da opressão, numa busca incessante por restituir<lhes a humanidade roubada e assim concretizar sua vocação ontológica para .

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O leitor terá notado, sem que fosse necessário apontar a cada momento, que há múltiplas convergências entre os pensamentos de Martin Buber e Paulo Freire no que se refere ao sentido do diálogo e seu papel na prática educativa. Não é o caso aqui de desenvolver uma reflexão mais aprofundada sobre a extensão e os limites de tais aproximações. No entanto, tendo em vista o propósito desta pesquisa, tentarei aqui realizar uma síntese de alguns aspectos que serão de importância central para as análises. Desta maneira, espero deixar claro ao leitor qual compreensão de diálogo na prática educativa será adotada neste trabalho.

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historicamente. Esta tendência se verifica ainda hoje, quando se percebe o predomínio do individualismo e das visões utilitaristas e tecnicistas nas relações humanas8, assim como a grande parcela de direitos que são negados por nossa sociedade à maioria da população.9

A humanização é buscada por Buber no desenvolvimento de uma ontologia da relação, em que se explicita a possibilidade de duas atitudes essenciais do homem frente ao mundo. Já em Freire, a busca se dá pelo desenvolvimento de uma pedagogia baseada no processo de conscientização daqueles que têm sua humanidade roubada e na sua luta para superar a opressão sofrida. Apesar dos enfoques diferentes, o diálogo se revela nos dois pensamentos como a atitude essencial humanizadora, por meio da qual o homem ultrapassa a condição de objeto e realiza<se plenamente como sujeito.

Não se pode esquecer que para Buber o conceito de diálogo revela em última instância aquilo que fundamentalmente ocorre entre o Homem e o ser eterno. Apesar de não ser este o enfoque da presente pesquisa, cabe ressaltar a importância da contribuição buberiana quando aponta que tal encontro só se torna possível quando o respeito à alteridade é resguardado nas relações estabelecidas entre o Homem e o mundo.

É esse respeito fundamental, abordado pelos dois autores, que inspira a compreensão do diálogo de que parte o presente trabalho. Entende<se, como é demonstrado por Buber e Freire, o diálogo como uma comunicação que se completa fora dos conteúdos comunicados, pois consiste acima de tudo em uma postura do homem diante do mundo, fundada no reconhecimento do Outro como diferente e ao mesmo tempo como um igual com o qual se partilham as mesmas condições de existência.

8

A esse respeito Aguilar Sahagún, referindo<se a Gadamer, destaca o temor por ele levantado já no final de sua vida acerca da possibilidade da desumanização, pois a aprendizagem, assim como o diálogo e a capacidade de compreensão que aquela supõe estariam sendo ameaçados pela “especialización y todo lo que significa vivir en um mundo tecnificado (los peligros de los médios masivos para la cultura de la comunicación, el funcionamiento masivo de las universidades, la ética del rendimiento, el optimismo del progreso)” (2002, p.60).

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Alguns aspectos, no entanto precisam ser apontados quando se pensa a transposição deste conceito para a realidade educacional. A finalidade do ensino, que em última instância, como aponta Freire, visa à autonomia do educando, é efetivada na educação escolar por meio de uma ação pedagógica sistematizada. O professor apresenta aos alunos conteúdos recortados do patrimônio cultural acumulado pelas gerações anteriores e, assim, procura desencadear o processo de construção de conhecimentos.

Desse modo, na realidade empírica sobre a qual se debruça o presente estudo, a da prática educativa em sala de aula, o diálogo entendido como respeito fundamental deverá se revelar não apenas no encontro interpessoal entre educador e educando, mas também no processo de construção de conhecimentos, cuja condução é tarefa do educador. No entanto, as possíveis concepções de diálogo que virão à tona nas falas das professoras entrevistadas durante o processo da pesquisa serão todas levadas em conta para que se possa, à luz dos pensamentos de Buber e Freire, reposicionar a questão do diálogo em relação a suas realidades vividas.

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7

A descrição do método a seguir parte do pressuposto de que há múltiplas formas do Homem conhecer o mundo e a si próprio, de se aproximar de tudo aquilo que se coloca a sua frente. Será portanto explicitada a via a que recorri para efetivar tal aproximação e as razões porque a considerei a mais adequada para captar e expressar o objeto de investigação deste trabalho.

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Optei pela modalidade qualitativa de pesquisa por ser o foco da presente investigação a busca dos sentidos do diálogo na prática educativa em sala de aula desvelados por professores. Tenho como pressuposto a inviabilidade da apreensão do por meio de procedimentos de quantificação. Como apontam Martins e Bicudo (2005), fenômenos que apresentam dimensões pessoais, como acontece com muitos daqueles que são próprios do campo da Psicologia, podem ser estudados de forma mais aprofundada numa abordagem qualitativa. Como afirmam, “os estudos assim realizados apresentam significados mais relevantes tanto para os sujeitos envolvidos como para o campo de pesquisa ao qual o estudo desses fenômenos pertence” (p.27).

Perguntar pelo sentido significa indagar pela iniciativa do Homem na produção de sua ação, o que já aponta para o princípio de que este, apesar de sofrer condicionamentos, não se reduz a eles, tendo a capacidade de ultrapassá<los, interpretando e atribuindo direções a suas vivências. Tal concepção de Homem tem como implicação imediata a constatação da impossibilidade de se compreender o comportamento humano apenas a partir de explicações causais que permitiriam o controle e previsão de ações futuras.

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seu estudo um conjunto metodológico (...) que leve em conta que o homem não é um organismo passivo, mas sim que interpreta continuamente o mundo em que vive” (Moreira, 2002b, p.44).

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Dentre as inúmeras correntes pertencentes ao paradigma qualitativo de pesquisa, o presente trabalho se apoiou mais especificamente nas contribuições oriundas da Fenomenologia Existencial.

A Fenomenologia é uma corrente filosófica surgida no século XX que desde o seu início esteve muito próxima da recém<criada Psicologia (Moreira, 2002b). Ela nasce com Edmund Husserl, o qual inaugura uma nova forma de conceber o processo de construção do conhecimento. Embora Husserl possa ser considerado o fundador da Fenomenologia, outros fenomenólogos importantes apareceram em sua época que a desdobraram em algumas variantes e ramificações. A qualificação de “existencial” refere<se a uma dessas vertentes, que se caracterizou, sobretudo, pela explicitação da existência concreta a partir da qual se funda a experiência e toda a possibilidade do conhecimento10.

Husserl propõe a Fenomenologia como uma tentativa de superar a crise instalada na Filosofia, nas Ciências Humanas e nas ciências em geral derivada do debate dicotomizado entre sujeito e objeto que se travava no final do século XIX. De um lado, havia os naturalistas, no domínio das ciências, os quais, inspirados pelo Positivismo, afirmavam como parâmetros verdadeiramente científicos aqueles seguidos nas Ciências Naturais, nos quais se buscava o máximo do que chamavam de objetividade, eliminando<se do campo de investigação tudo o que não fosse mensurável e controlável. De outro, já no âmbito filosófico, se colocavam os idealistas, os quais questionavam os fundamentos e as possibilidades de alcance da ciência positivista ao afirmar a existência de um “‘sujeito puro’ que asseguraria a objetividade e a coerência dos diferentes domínios do conhecimento objetivo” (Dartigues, 2005, p.15).

10

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Husserl buscou superar essa dicotomia entre objetivismo e subjetivismo desenvolvendo a idéia da intencionalidade da consciência – formulada pela primeira vez por Franz Brentano –, que se constitui num dos principais pilares do pensar fenomenológico. Segundo esta idéia, afirma<se a inexistência de uma consciência pura, anterior às coisas, aos acontecimentos, já que esta estaria originariamente voltada ao mundo. Dessa forma, seria impossível falar tanto numa consciência quanto numa realidade em si, já que a consciência é sempre consciência de algo e, portanto, sujeito e objeto emergem concomitantemente ao se encontrarem. Ao encontro entre sujeito e objeto, Husserl deu o nome de fenômeno, que significaria então aquilo que se mostra para um determinado olhar (Idem).

A idéia de consciência intencional e o conceito de fenômeno dela derivado traduziram<se em posturas metodológicas, as quais são incorporadas no presente estudo. Tais pressupostos põem em destaque uma nova forma de se conceber o processo de construção de conhecimento, o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível. É enfatizada a interação que se estabelece entre estes dois últimos, tomando<a como o ponto de partida para o conhecer.

A palavra “fenomenologia” deriva de duas expressões gregas, e . Martin Heidegger, a partir dessa etimologia, atribui<lhe o significado de “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo” (Heidegger, 2002, p.65). Enquanto método de investigação, a postura fenomenológica apresenta então um grande diferencial em relação ao método tradicional das ciências: seu discurso volta<se para o esclarecimento do fenômeno em vez dos fatos.

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Esta distinção entre o dirigir<se para o real tomando<o como fenômeno em vez de fato – a qual, segundo Critelli, “consiste na determinação mais básica do pensamento fenomenológico” (1996, p.9) – trouxe como implicação direta para o presente estudo um destaque importante conferido ao como foi experienciado pelas entrevistadas o tema da pesquisa: o diálogo na prática educativa. Este não foi buscado em sua universalidade a partir da extração de uma essência abstrata que o constituiria, mas em sua concretude, no modo particular como foi vivido e experimentado pelas participantes da pesquisa.

Da mesma maneira, também se destacou o como eu, enquanto pesquisadora, acessei a vivência dos participantes e o como experienciei a compreensão do seu sentido. Isto quer dizer que os resultados a que esta pesquisa chegou não correspondem a um suposto sentido em si atribuído pelas professoras, mas ao modo como este sentido se desvelou para o olhar da pesquisadora. Partiu<se do princípio de que o desvelar<se e o ocultar<se do fenômeno constituem a dinâmica de seu aparecer e que, portanto, o seu aparecimento está sempre atrelado ao olhar que o iluminou (Critelli, 1996).

Como o olhar fenomenológico está voltado para a compreensão do fenômeno, a sua principal preocupação será compreender como o homem se relaciona intimamente com o mundo, como ele o experiencia antes de qualquer tematização (Merleau<Ponty, 1971), já que é desta experiência original que nasce toda possibilidade de conhecimento. Trata<se de “voltar à coisa mesma”, como enunciado por Husserl, o que nas palavras de Maurice Merleau<Ponty significa:

retornar a este mundo antes do conhecimento [do qual o] conhecimento fala sempre, e com respeito ao qual toda determinação científica é abstrata, representativa e dependente, como a geografia com relação à paisagem onde aprendemos primeiramente o que é uma floresta, um campo, um rio. (1971, p.7)

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própria realidade e não a partir dos conceitos, de crenças e predicados que veiculam sobre ele” (p.14).

Neste estudo o que foi posto em suspensão diz respeito aos preconceitos e valores da pesquisadora e à compreensão de diálogo aqui adotada. Embora se saiba que a suspensão completa de idéias prévias, crenças e valores seja impossível, o que se procura destacar é a necessidade de se empreender um esforço permanente de abertura ao fenômeno para que ele possa se mostrar sob faces inéditas, ainda não conhecidas, que as categorias teóricas já estabelecidas não nos permitiriam enxergar.

Expostos os princípios metodológicos que sustentam este trabalho, retomo, a seguir, os objetivos desta pesquisa e apresento as pessoas que dela participaram, os procedimentos de coleta de informações, uma descrição dos encontros realizados com as participantes e, por fim, os procedimentos de análise adotados.

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O objetivo desta pesquisa consiste em compreender quais sentidos do diálogo na prática educativa em sala de aula podem ser desvelados a partir das falas de professores de uma escola pública do município de São Paulo ao longo da implantação de uma proposta participativa e dialógica de ensino.

Entende<se por sentido a direção, o rumo, que se imprime ao diálogo dentro da trama de relações que estes professores estabelecem com o mundo e com seus iguais. É importante reiterar que, como já foi dito, o diálogo não foi abordado segundo definições previamente estabelecidas, mas sim a partir do modo como os professores pesquisados o consideraram e formularam.

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Assim, foram convidadas quatro professoras que estiveram presentes em algumas das reuniões coletivas promovidas junto aos representantes das diversas instituições envolvidas e que participaram diretamente das atividades ligadas à etapa de “diagnóstico participativo”11, prevista no projeto mais amplo. As quatro aceitaram o convite, porém duas delas não puderam participar de todos os encontros realizados por motivo de licença médica ou devido a contratempos ocorridos na escola que exigiram a sua presença em outras atividades.

É importante destacar que uma das docentes participou, além desta pesquisa, também de um estudo de iniciação científica de outra pesquisadora, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Heloisa Szymanski. Neste estudo, buscou<se conhecer como a proposta educacional dialógica e participativa está sendo incorporada na prática de ensino, a partir do acompanhamento semanal em sala de aula.

Por fim, cabe apontar que, voltado para estas professoras, mas não só para elas e sim a todos educadores da escola (incluindo<se funcionários e gestores), esteve disponível, ao longo da presente pesquisa, o serviço de plantão psicoeducativo12 oferecido por uma mestranda da PUC<SP. Este plantão tem como objetivo, a partir de atendimentos individuais, propiciar um espaço de escuta, no qual os educadores possam refletir, questionar, significar e construir uma melhor compreensão de suas práticas.

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Para a coleta das informações, realizaram<se “entrevistas reflexivas”, segundo a proposta de Szymanski (2002). A opção pela realização de entrevistas em vez da observação em sala de aula deveu<se à consideração de que os relatos verbais

11

Esta etapa consistiu no levantamento da realidade educacional de cada instituição, a partir da realização de entrevistas com todos os segmentos que as constituem. Estas professoras participaram como entrevistadoras e observadoras das atividades que ocorreram nas instituições envolvidas (com exceção da escola onde trabalham), sendo que uma delas ficou responsável pelo processo de digitação dos registros.

12

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permitem um acesso privilegiado às crenças, valores e significados que atravessam a compreensão das professoras acerca do fenômeno investigado.

A modalidade reflexiva de entrevista consiste em um conjunto de procedimentos formulado para atender às condições que permeiam o estudo de fenômenos humanos e que são explicitadas na própria situação da entrevista. Esta, como afirma Szymanski, “é fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado” (2002, p.12). Estão em jogo também, como continua a autora, uma intencionalidade por parte do pesquisador e daquele que aceita participar do estudo; uma desigualdade de poder a favor do entrevistador, já que é ele quem define a questão a ser estudada, seleciona os participantes e dirige a situação de entrevista; e distorções e ocultamentos presentes inevitavelmente na fala dos entrevistados que limitam suas possibilidades de representatividade.

Além destas condições, Szymanski aponta ainda para o caráter reflexivo que constitui a situação de entrevista, já que esta se configura como “um momento de organização de idéias e de construção de um discurso para um determinado interlocutor” (2002, p.14). Muitas vezes, como lembra a autora, as configurações que adquirem as informações trazidas pelo entrevistado podem se mostrar inéditas até para quem as emitiu, pois é possível que elas nunca tenham sido expostas numa narrativa ou tematizadas antes. Dessa forma, torna<se um pressuposto para o uso deste procedimento a consideração de que o produto final dele gerado deve ser tomado como resultante da interação específica estabelecida entre entrevistador e entrevistado.

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entrevistado a possibilidade de rever sua fala, refletindo sobre ela, e de modificá<la, complementando<a, negando<a ou reafirmando<a de acordo com sua vontade.

Optou<se no presente estudo pela realização de entrevistas coletivas, entendendo<se que a reflexão no grupo propicia situações de confronto que permitem que o tema em questão seja abordado de maneira mais complexa.

Ao todo foram realizados cinco encontros, com aproximadamente uma hora de duração. O intervalo entre cada encontro foi condicionado pela disponibilidade das participantes e da pesquisadora e do tempo necessário para a elaboração da transcrição a ser entregue na reunião seguinte. Além da transcrição, também foram entregues às docentes cópias das sínteses elaboradas pela pesquisadora para orientação da devolutiva.

O primeiro encontro ocorreu no mês de setembro, no qual apresentei às professoras os objetivos do trabalho e fiz um convite formal para que dele participassem, assegurando<lhes o direito ao anonimato, ao esclarecimento de dúvidas e questões e ao abandono da pesquisa no momento em que desejassem. Neste primeiro contato foi solicitada ainda a permissão para se gravar as entrevistas, garantindo<se às participantes a possibilidade de acesso às gravações assim como às transcrições. Como todas concordaram em participar, a primeira entrevista iniciou<se imediatamente13.

A modalidade reflexiva de entrevista, como proposta por Szymanski, inicia<se sempre com uma pergunta desencadeadora que tem como objetivo “trazer à tona a primeira elaboração, ou um primeiro arranjo narrativo que o participante pode oferecer ao tema que é introduzido” (2002, p. 28). Esta deve ser elaborada a partir dos objetivos da pesquisa a fim de direcionar os participantes para o ponto que se quer estudar, ao mesmo tempo em que deve ser ampla o suficiente para que estes possam escolher por onde começar.

No quadro abaixo são apresentados os objetivos que se colocaram para cada encontro e as questões desencadeadoras que foram propostas às participantes.

13

(42)

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Objetivos: conhecer melhor as participantes e a primeira

elaboração que fazem a respeito do diálogo na prática em sala de

aula.

Questões desencadeadoras:

1 – “Para começar eu queria pedir que vocês se apresentassem,

falassem a disciplina que lecionam, série, há quanto tempo

lecionam, e que contassem como está sendo participar desse

projeto Diálogo e Participação: qual era a que vocês

tinham e como está sendo a de participação.”

2 – “Descrevam uma situação de diálogo ou que chamariam de

dialógica que vocês viveram na prática educativa em sala de

aula.”

Estela

Alice

Maria

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'=$2'$&''E

Objetivo: devolutiva.

Estela

Alice

Maria

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Objetivo: finalização da devolutiva.

Estela

Alice

Maria

@ @ 9

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Objetivo: levar as professoras a refletirem sobre a experiência

dialógica na prática educativa.

Questões desencadeadoras:

1 – “Você acha que o diálogo ajuda na sua prática educativa? Se

sim, dê exemplos.”

2 – “Você acha que há momentos em sua prática educativa em

que não cabe o diálogo? Se sim, dê exemplos.”

3 – “Descreva uma situação no seu dia<a<dia profissional em que

você considere que falta diálogo.”

4 – “Descreva uma situação no seu dia<a<dia profissional em que

você considere que haja bastante diálogo.”

(43)

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A seguir são apresentadas sínteses de cada encontro, das entrevistas e devolutivas realizadas, contendo o modo como transcorreram e os principais assuntos que foram discutidos14.

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Participaram do encontro as professoras Estela, Alice e Maria. Isabel não pôde ir, pois estava em licença médica. A entrevista teve início com o pedido às participantes para que se apresentassem, contando a disciplina e série em que trabalham, há quanto tempo lecionam e como estava sendo a experiência de participar do projeto Diálogo e Participação em andamento na escola.

Estela começou se apresentando. Disse que é professora de Geografia e História e que trabalha há cinco anos naquela escola e há 17 anos na educação. Atualmente é professora também numa escola estadual, onde dá aulas no ensino médio para as três séries. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) estudada – a qual será denominada, neste trabalho, pelo nome fictício EMEF Sabiá –, leciona na Educação de Jovens e Adultos (EJA) no turno da noite, atendendo alunos na faixa etária entre 15 e 70 anos.

Maria, por sua vez, se apresentou como professora de Matemática. Também trabalha na EJA onde dá aula para as 8as séries. Entretanto, diferentemente de Estela, atua também no ensino fundamental, junto aos alunos das 5as, 6as e 7as séries. Não acumula trabalho em outras escolas e disse estar há 15 anos lecionando.

Por fim, Alice, apesar de ser a mais velha das três, contou que é a mais nova na profissão docente, na qual atua há quatro anos. É, assim como Maria, professora de Matemática, mas trabalha apenas na EJA. Disse que nunca pretendeu lecionar e que somente optou pela profissão depois que perdeu o emprego de bancária após a venda

14

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do banco para o qual trabalhava. Mostra<se satisfeita com a opção que fez, mas considera que está “engatinhando” na educação. Por este motivo, e também por sugestão do diretor e da coordenadora pedagógica, procura participar de todos os projetos em andamento na escola, nos quais diz estar aprendendo muito.

Com relação à experiência no projeto Diálogo e Participação, as três docentes mostraram<se muito satisfeitas, mencionando diversas contribuições por ele trazidas: a oportunidade de ouvir o que os outros segmentos têm para falar (diretor, funcionários e alunos), inclusive as críticas; a oportunidade de se pôr no lugar do outro, refletir e rever os próprios conceitos mobilizada a partir da possibilidade de escuta; a oportunidade de dizerem e serem ouvidas no que pensam também; a troca de informação e valores; e, finalmente, a possibilidade de melhorar a escola e o desempenho dos alunos. Como contribuições especificamente voltadas para a prática educativa em sala de aula, foram apontadas: a utilização junto aos alunos de técnicas aprendidas no projeto com o objetivo de promover o diálogo e a participação; a melhoria da escuta enquanto educadora e, conseqüentemente, da relação com os alunos.

Em seguida foi proposto às professoras que descrevessem uma situação que chamariam de dialógica vivida na prática educativa em sala de aula e o como se sentiram.

Estela relatou uma situação em que transitou por diversas áreas do conhecimento dentro de uma única aula, dialogando com os alunos a respeito de práticas transformadoras da realidade em que vivem. Contou que, numa aula seguinte, obteve o retorno de que a discussão tinha resultado em ações que surtiram efeitos práticos na vida dos alunos. Disse ter se sentido feliz e importante ao se perceber mudando a realidade do país.

Tal como Estela, Alice descreveu uma situação na qual trabalhou determinados conteúdos pensando a sua relação com o cotidiano da turma. Relatou ter se sentido realizada ao ver os alunos interessados e motivados durante a aula e mostrando<se apropriados daquilo que ela queria passar.

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tratavam, valendo<se do diálogo para dar a sua opinião, ouvir a opinião deles e fazer com que eles escutassem a opinião do colega. Comentou que a atividade apresentou bons resultados, mas que não gostou do rearranjo das classes feito para o ano seguinte, pois a impediu de ver a continuidade de seu trabalho.

A partir das colocações que iam sendo feitas à medida que as participantes traziam suas experiências no projeto e descreviam situações vividas em sala de aula, alguns assuntos foram postos em destaque e geraram uma discussão mais aprofundada. Os temas destacados foram os seguintes: a dificuldade de escuta por parte dos docentes e os poucos espaços e momentos de reflexão que caracterizam sua profissão, atribuídos entre outros fatores à jornada dupla de trabalho e ao número excessivo de alunos por sala; a importância da reflexão para a melhoria da prática educativa e para garantia de uma ação transformadora; a satisfação com os cursos de formação que propiciam a reflexão e a partilha com outros colegas das experiências vividas em sala de aula; os “chacoalhões” que os alunos provocam no educador; a sensação de “estresse” que permeia o trabalho do professor; o desrespeito na relação professor<aluno; a indisciplina e a disciplina na sala de aula; a “elevação da auto< estima” dos estudantes como uma das tarefas da ação docente; e, por fim, a importância do professor fazer uso de sua autoridade, definindo algumas regras e impondo determinados limites.

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O segundo encontro, no qual estavam presentes as mesmas professoras, foi iniciado com a retomada de seu objetivo, ressaltando<se a intenção de apresentar a elas a compreensão que tive a partir de suas falas e de abrir<lhes a possibilidade de rever, refletir, complementar, confirmar ou negar o que haviam dito. A partir da exposição dos pontos destacados, aprofundou<se a reflexão acerca de determinados assuntos, novas informações foram acrescentadas e algumas ponderações foram feitas.

Referências

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