DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DE VARÍOLA:
I
Resultados do primeiro ano de atividades *
H . G. S chatzm ayr,** e J. A. M esquita***
Os autores escrevem a experiência obtida no Diagnóstico Laboratorial de Varíola, durante o primeiro ano de fu n c io n a m e n to de u m a unidade m o n ta d a para servir à C am panha de Erradicação de Varíola no Brasil.
O exam e de 71 materiais de crostas e de 16 de líquido de vesícula ou pústula, forneceu 28 e 9 amostras de vírus da varíola, respectivamente. As provas de precipitação em ac/ar-gel fo r a m positivas em 21% e 25% dos espécimens respectivam ente (Tabela 1).
A coleta foi m uitas vêzes realizada em regiões distantes e os espécimens levaram algumas vêzes até mais de 15 dias vara chegar ao laboratório, d que influenciou sensivelm ente os resultados obtidos (Tabelas 2 e 3), reduzindo a percentagem de isolamentos.
A reação de precipitação diretam ente a partir do espécímen, não foi útil quando eram disponíveis quantidades reduzidas de material; a reação foi, no entanto, usada com sucesso para in fo rm a r a presença de vírus e m m em branas cório-alantóicas, como confirmação do diaynóstico.
Próxim am ente serão apresentados e analisados com parativam ente os re sultados obtidos nos meses seguintes de trabalho.
Com a in ten sificação das vacinações c o n tra a v aríola e conseqüentem ente com a m elh o ra dos serviços de notificação de casos suspeitos, o p apel do lab o rató rio de diagnóstico a u m e n ta de im p o rtân cia, espe cialm ente em relação àquelas á reas onde a fase de vacinação inicial vai sendo com p letada.
Um laboratório de diagnóstico foi m o n tad o no D ep arta m en to de Ciências Biológi cas da F u n d ação de R ecursos H um anos p a ra a Saúde, o qual começou a receber m a teria is de casos suspeitos, d ire ta m e n te da C a m p a n h a de E rrad icação da Varíola, em fins de m aio de 1968.
MATERIAL E MÉTODOS
E ssencialm ente fo ram usados os m éto dos de tra b a lh o descritos pela O rganização M undial de Saúde (3).
1 — Amostras de casos suspeitos de varíola Crostas, líquido de vesícula ou p ústula, e am o stras de sôro colhidas por pessoal da C a m p an h a de E rrad icação d a Varíola, fo ram recebidas pelo lab o rató rio de dife re n te s p a rte s do Pais e p re p a ra d a s como descrito abaixo:
* T r a b a l h o tio L a b o r a t ó r i o r ir Vírus Ver.íoularon o E x a n t P i n á ü r o s , D e p a r t a m e n t o do C i ê n c i a s Biológicas
d a F i m d a c a o d e líecur;-.:js Humanee:. i.;.ia a M aude, C a i x a Po::tai it;: Z C -2 4, MamMijnbc.t., R k j d e J a n e i r o . P r o f e s s o r - A d j u n t o , rt- sp o n ia v e ) p e lo s L a b or a tó ri o: ', d».- Virn.í.
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a) C rostas fo ram tritu r a d a s em tubosde vidro de fundo esm erilhado, n a proporção de cêrca de 10 c ro sta s/m l de PBS, pH 7,2, com antibióticos, c u sad as p a ra as provas de inocula- ção em ovos em brionados e em te s tes de p recipitação em agar-gel. b) Líquido de vesícula ou p ú stu la —
o conteúdo de tubos capilares e o m a te ria l sêco d a superfície de lâ m in as fo ram recolhidas por lavagens rep etid as com pequeno volume de PBS e usados p a ra inoculação de ovos em brionados. A precip itação em ag ar-g el foi realizada com o co n te ú do de tubos capilares, sem diluição, q uando h av ia m a te ria l suficiente. c) A m ostras de sôro — fo ram in a tiv a -
das a 56°C, por 30 m inutos e u sa das em provas de fixação do com plem ento e de inibição da hem ag lu - tin ação segundo técn icas d escritas (4).
2 — Inoculação em ovos embrionados Ovos em brionados de 11 dias fo ram ino- culados n a m e m b ra n a có rio -alan tó ica (MCA), com a suspensão inicial do m a te ria l e com a diluição 1:100 desta, 0,lm l p a ra ca d a ôvo. Os ovos inoculados foram m a n ti dos a 35°C por ap ro x im ad am en te 60 horas, após o que fo ram recolhidas as MCA, e x a m in a d a s e e v en tu alm en te tritu ra d a s em gral ou em hom ogeneizador elétrico, p a ra reinoculação.
3 — Sôro âe referência
Obtido de coelhos hiperim unizados com vírus vaccínico, fornecido pelo L a b o rató rio de V írus Vesiculares do NCDC, A tlan- ta, Geórgia, USA.
4 — Vírus de referência
a) V accinia — sob a fo rm a de vacinas liofilizadas, fornecidas pelo Dr. José F onseca d a C unha, do In s titu to Os- w aldo Cruz.
b) A lastrim — passagem em MCA, fo r necido pelo Dr. Luiz F. de Salles Go mes, do In stitu to Adolfo Lutz.
5 — Provas de Precipitação era agar-gel Rt-alizada sóbre lâm in as de microscópio, de acórdo com padrões e técnicas estab ele cidas (2,3).
O antíg en o de referên cia foi p rep arad o por tritu ra ç ã o de MCA in fectad as com ví rus vaccínico ou de alastrim .
RESULTADOS
F o ram exam inados 90 espécim ens, se n do 71 am o stras de crostas, 16 de líquido de vesícula ou pú stu la e 3 am o stras de sôro. A tab ela 1 resum e os resu ltad o s ob tidos.
O teste de p recipitação em ag ar-g el foi positivo em ap en as 21 dos m ate riais de cro sta e em 25 cr dos m a te ria is de lí quido de vesícula ou p ústula.
Os isolam entos em MCA alc a n ç ara m 39% e 56r c respectivam ente, p a ra os m a te ria is de cro sta e líquido de vesícula ou p ústula.
A prova de ag ar-g e l não foi realizad a em algum as o p o rtu n id ad es devido à re duzida q u a n tid ad e de m aterial, disponível ap en as p a ra as incculações em ovos em brionados.
Na ta b ela 2 são a p re se n ta d as as p e r cen tag en s de isolam ento em relação ao núm ero de dias e n tre a coleta do m a te - rial e o exam e de laboratório. C onsiderá veis d istân cias fo ram algum as vêzes per ■ corridas (tabela 3), o que decisivam ente influenciou n a s ta x a s de isolam ento de ví rus.
U m a a m o stra do vírus da vaccinia foi isolada de crostas coletadas de bovinos, que adoeceram após co n tacto com pessoas r e cen tem en te vacinadas (5).
DISCUSSÃO
Os resu ltad o s aqui ap resen tad o s re fle tem diversos problem as do diagnóstico de v aríola n as condições b rasileiras.
As am o stras isoladas n ã o foram e s tu d ad as no sentido de d iferenciação e n tre varíola m ajo r e alastrim . A p rim eira po rém n ão tem sido assin a la d a no B rasil, e x ceto em u m a com unicação (1).
Ncv.-Dezembrc, 1970
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T abela 1
RESULTADOS DOS EXAMES LABORATORIAIS DE ESPÉCIMENS SUSPEITOS DE VARÍOLA
Espécim ens Tipos
C rostas Liq. Ves. Pust. Sôros T otal N.< 71 16 3 90 Isclam en to em M.C.A. 28 (39%) 9 (56% ) 37 A gar ( + ) Gel 15 (21%) 4 (25%) 19
c o n stitu íra m um problem a im p o rtan te, po rém a p re se n ta ram -se com c e rta periodici dade em. ovos em brionados, adquiridos sem pre n a m esm a fonte.
R einoculações a p a r tir de m em b ran as fo ram in icialm en te realizad as ap en as q u a n do o resu ltad o d a le itu ra era duvidoso (es- pessam ento de m em b ran as, lesões m al d e fin id as etc.). Neste caso as m e m b ran a s fo ra m tritu ra d a s em gral com cuidados es peciais e a suspensão inoculada em outros ovos. E sta decisão foi a d o ta d a devido às
condições “a b e rta s ” do tra b a lh o no la b o ratório, nos prim eiros meses. P o sterio rm en te as m e m b ran as p a ssa ra m a ser tr i t u r a das em um ap arelh o O m ni-m ixer, em reci pien tes fechados com 5ml de capacidade sem adição de diluente, o que em nossa ex periência ap resen to u excelentes re s u lta dos.
Todos os m a teriais positivos (m em b ra n a s com lesões típicas de varíola) p a s s a ra m tam b ém a ser tr itu ra d a s e as su sp en sões u sad as em um teste de p recipitação
T abela 2
PERCENTAGEM DE ISOLAMENTOS EM RÍELAÇAO AO NÚMERO DE DIAS ENTRE A COLETA E O EXAME DO MATERIAL
Número de N úm ero de ! A m ostras isoladas
Dias Espécim ens em M.C.A.
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em agar-gel, como confirm ação d efin itiv ad a p resen ça de an tíg en o do grupo (3). Em nossa experiência, m e m b ra n as tr itu ra d a s em frascos contendo pérolas de vidro a p re se n ta ra m resu ltad o s irreg u lares quando u sad as como a n tíg en o em provas de a g a r- gel.
O diagnóstico por meio de m icroscopia eletrô n ica n ão foi utilizado, nem té c n i cas de m icroscopia fluorescente. Em razão d a p ró p ria n a tu re z a dos m a te ria is recebi dos, cro stas e líquido p u stu la r, n ão fo ram
T abela 3
ORIGEM DOS MATERIAIS EXAMINADOS
E stados N.° de espécim ens
C eará 12 P a ra íb a 8 P ernam buco 3 Alagoas 2 Goiás 14 D istrito F ederal 16 B ah ia 24 Rio de Ja n e iro 11
realizados m étodos de coloração. P or ou tro lado, como os espécim ens fo ram sem pre recebidos sem refrigeração, não fo ram realiz ad as te n ta tiv a s de isolam ento do ví ru s d a Varicela.
Observações a n terio res têm m ostrado que o diagnóstico p resuntivo pela prova de ag ar-g el, em casos de a lastrim , é ú til ap e n a s quando se dispõe de razoável q u a n ti dade de m a te ria l (6). Isto foi por nós con firm ad o em diversas oportunidades.
Dados com parativos sôbre a sobrevivên cia de vírus em espécim ens colhidos sóbre lâ m in a s ou em tubos cap ilares não sf.o a p rese n tad o s devido à g ra n d e v ariação das condições em que êstes m a te ria is fo ram colhidos e ch eg aram ao laboratório.
Em pró x im a com unicação serão a p re sen tad o s os resu ltad o s obtidos em meses se g uintes de tra b a lh o , u m a vez que espéci m ens p a ra exam e co n tin u a m a 3er recebi dos de diversas p a rte s do País.
AGRADECIMENTOS
Os au to res agradecem a todos que co lab o raram , sob as m ais diversas form as, p a ra a m ontagem e fu n cio n a m en to do L a bo rató rio de Vírus V esiculares e E x an te- m áticos do D e p artam en to de Ciências Bio lógicas de nossa F undação.
A gradecem a in d a ao P ra tic a n te de L a boratório Ism ael da R ocha Lopes pela ex celente assistên cia té cn ica p restad a.
S U M M A R Y
T he authors describe the experience of th e smallpox laboratory diagnosis, d uring the first year of activity of a Unit prepareã as a support to th e Sm all- p o r Eradication Campaign in Brazil.
Frorn th e specim ens — 71 crusts and 16 vesicular pustular fluid — respectively 28 and 9 smallpox strains zoere isolated, anã the agar-gel precipit- atlon test was positive in respectively 21% and 25% of the specim ens (table 1). D ifferen t periods of tim e were ta hen to th e specimens reach the laboratory, w h a t in flu en c ed th e percentage of virus isolation (tables 2 and 3).
The agar-gel test w ith th e original specim ens showed positive results only w h e n enough material was available; the test, however, ivas useã as a confirm ation of virus isolation, using egg m e m b ra n e w ith virus lesions.
Set.-Outubro, 1970
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B I B L I O G R A F I A 1 — CLAUSELL, D.T. — Sem inário sôbre
o diagnóstico la b o ra to ria l de varíola. W HO/PAHO, Rio de Jan e iro , 9 a 14 de setem bro de 1968.
2 — DUMBELL, K.R. & NIZAMUDDIN, MD. — An ag ar-g el p re cip itatio n te st fo th e L aboratory diagnosis of Sm all- pox. L ancet, i .'916-917, 1959.
3 — G uide to th e L aboratory Diagnosis of Sm allpox. W orld H ealth O rgani- zation, G eneva, 1969.
4 — KEMPE, G.H. & ST. VINCENT, L. — V ariola an d V accinia Viruses, D ia- gnostic P rocedures fo r Virus an d R ick ettsial Diseases. 3.a ed., N. York: A m erican Public H e a lth A ssociaton, 1964, pp. 665-692.