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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

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N.º 595/2018 – SFCONST/PGR Sistema Único n.º 370.357/2018

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.661/PI

REQUERENTE: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

INTERESSADOS: Assembleia Legislativa do Estado do Piauí Governador do Estado do Piauí

RELATORA: Ministra Rosa Weber

Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber,

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS ESTADUAIS N.ºS 4.254/1988 E 6.920/2016. ESTADO DO PIAUÍ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. PARCIAL CONHECIMENTO DA AÇÃO. CUSTAS JUDICIAIS. TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTRO. VALIDADE. PRECEDENTE DO STF. TAXA JUDICIÁRIA. COBRANÇA CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. EXORBITÂNCIA NA MAJORAÇÃO DE CUSTAS (INICIAIS E RECURSAIS). NÃO CORRESPONDÊNCIA COM O INCREMENTO NO CUSTO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. PRESENÇA.

1. A ausência de impugnação específica quanto ao art. 4.º–§3.º da Lei estadual n.º 6.920/2016 inviabiliza o conhecimento da ação direta nesse ponto.

2. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de ser válida a cobrança de taxa de fiscalização das atividades notariais e de registro, como decorrência do poder de polícia dos Estados, exercido por órgãos diretivos do Poder Judiciário.

3. O Supremo Tribunal Federal admite a possibilidade de existência concomitante de taxa judiciária e de custas judiciais, desde que o valor total a ser pago pelas partes não seja excessivo, a ponto de superar os custos dos serviços ou de criar obstáculo ao acesso à Justiça.

4. Embora a Lei n.º 4.254/1988 não disponha expressamente sobre limite máximo para a taxa judiciária, o Tribunal de Justiça do Piauí conferiu interpretação conforme a Constituição ao diploma, na ADI n.º 99.001896-2, para fixar o limite máximo em dez mil reais.

5. O art. 40 da Lei n.º 6.920/2016 não estabelece que as taxas servem para “remunerar” a atuação dos magistrados; apenas define o seu fato gerador.

6. A Lei n.º 5.526/2005, que previa o pagamento de taxa judiciária em primeira instância, foi revogada pelo art. 43 da Lei n.º 6.920/2016. 7. A majoração exorbitante das custas (iniciais e recursais), sem correspondente incremento no custo da contraprestação estatal e sem

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outra justificativa aparente, revela-se incompatível com os postulados da proporcionalidade (proibição de excesso) e da razoabilidade (imoderação estatal). Presente, portanto, o fumus boni iuris quanto aos Códigos “1.22 a 1.25” da Tabela I e “24.01 a 24.25” da Tabela II do Anexo I da Lei estadual n.º 6.920/2016.

8. O periculum in mora está caracterizado no evidente prejuízo que a cobrança de custas judiciais (iniciais e recursais) exorbitantes causam aos jurisdicionados, restringindo o direito de acesso à Justiça.

Parecer pelo parcial conhecimento da ação direta e pela concessão parcial da medida cautelar.

I

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra dispositivos da Lei estadual n.º 6.920, de 23 de dezembro de 2016, que dispõe sobre custas judiciais, emolumentos e despesas processuais no Estado do Piauí, bem como da Tabela III da Lei estadual n.º 4.254, de 27 de dezembro de 1988, que dispõe sobre a base de cálculo das taxas judiciárias. Apontou ofensa aos arts. 5.º–

caput(princípio da isonomia)–XXXV(direito de acesso à Justiça)–LV(ampla defesa), 145–II

(malversação da utilização de taxa para fins meramente fiscais) e 150–IV (proibição de utilização de tributo com efeito de confisco) da Constituição.

O requerente criticou o art. 40 da Lei estadual n.º 6.920/2016, que estabelece que as taxas judiciárias previstas na Tabela III da Lei n.º 4.254/1988 servem para remunerar a utilização dos serviços de atuação dos magistrados vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Defendeu que, diante da natureza jurídica de taxa, as custas judiciais servem para remunerar os serviços prestados aos jurisdicionados, não podendo servir para o custeio de pessoal. Impugnou o art. 17 da Lei estadual n.º 6.920/2016, que institui a “Taxa de

Fiscalização Judiciária”, fixando como fato gerador o poder de política exercido pela

Corregedoria-Geral de Justiça e pelo Juiz Corregedor sobre os delegatários responsáveis por atos notariais e de registro, por ofensa à autonomia do Poder Judiciário. Disse que a arrecadação das taxas judiciárias no Estado do Piauí é desvinculada do custo da prestação do serviço. Entendeu ser manifestamente excessivo e desproporcional, com ofensa ao direito de acesso à Justiça, a cobrança de taxa judiciária de 1% (hum por cento) do valor da causa, sem limitação de valor máximo e com incidência nos dois graus de jurisdição. Alegou que o pagamento da taxa judiciária concomitantemente com as custas judiciais representa

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tributação bis in idem. Discorreu sobre a impossibilidade de utilização de taxa para fins meramente fiscais. Criou uma situação hipotética para demonstrar que uma ação com custas iniciais, custas recursais gerais e custas de interposição de agravo de instrumento gera, na Justiça Estadual, custas judiciais no total de R$ 52.131,79, enquanto na Justiça Federal totaliza R$ 2.146,58. Concluiu que “uma ação ajuizada na Justiça Estadual tornar-se-ia

24,28 vezes mais onerosa do que se fosse processada perante a Justiça Federal do Piauí”.

Afirmou que a desproporcionalidade apontada demonstraria que o Estado do Piauí utiliza a taxa judiciária com efeito confiscatório. Sustenta ser abusiva e desarrazoada a imposição de custas judiciais de mais de duzentos por cento do valor da causa para as faixas iniciais. Nessa linha, apontou restrição ao direito de acesso à Justiça e ao devido processo legal, bem como ofensa aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva. Requereu, ao final, seja declarada a inconstitucionalidade do arts. 2.º, 4.º–II(primeira parte)–§3.º, 16–§1.º(no que se refere à “Taxa de Fiscalização”), 17, 18, 19–parágrafo único e 40, além dos Códigos “1.22 a 1.25” da Tabela I e “24.01 a 24.25” da Tabela II do Anexo I da Lei estadual n.º 6.920/2016, bem como da Tabela III da Lei estadual n.º 4.254/1988.

O Ministro relator submeteu a tramitação da ação direta ao disposto no art. 10 da Lei n.º 9.868/1999.

A Assembleia Legislativa do Estado do Piauí afirmou que a norma estadual impugnada apenas atualizou os valores das custas processuais e da taxa judiciária já praticados no Estado. Alegou que a norma está em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que admite o cálculo das custas sobre o valor da causa, desde que fixadas alíquotas mínimas e máximas. Assegurou não haver duplicidade de cobrança, porquanto as custas judiciais possuem fato gerador diferente das taxas judiciárias, nem vinculação entre a taxa de fiscalização judiciária e a remuneração dos juízes.

O Governador do Estado do Piauí ressaltou que há limite de taxa judiciária no Estado, porquanto, na ADI n.º 99.001896-2, o Tribunal de Justiça conferiu interpretação conforme à Lei estadual n.º 4.254/1989 para estabelecer o limite máximo de dez mil reais. Afirmou que essa situação não foi alterada pela Lei estadual n.º 6.920/2016, que não revogou o sistema jurídico anterior. Lembrou, ainda, que o Provimento n.º 1/2017-TJPI, posterior, portanto, à norma impugnada, prevê o limite de dez mil reais para a taxa judiciária. Criticou a

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interpretação de que o art. 40 da Lei estadual n.º 6.920/2016 daria azo a que as taxas judiciárias previstas na Tabela III da Lei n.º 4.254/1988 sirvam para remunerar magistrados e servidores do Poder Judiciário. Asseverou que o dispositivo apenas descreve o fato gerador da taxa judiciária e não a sua destinação. Alegou ser incorreta a interpretação de que são devidas custas judiciais distintas, calculadas autonomamente com base no valor da causa, para a promoção da demanda em primeira e segunda instâncias. Disse que a gratuidade da justiça compreende tanto a taxa quanto as custas judiciais, de forma a garantir o acesso à Justiça. Discorreu sobre a regularidade das custas judiciais, fazendo referência à jurisprudência do STF. Assegurou que a aplicação do benefício da gratuidade da justiça anula o efeito confiscatório temido pelo autor da ação direta, porquanto se o contribuinte não faz jus ao benefício significa que possui capacidade contributiva suficiente para arcar com as custas e as taxas judiciais. Alegou que a taxa de fiscalização judiciária é taxa de polícia e, não, taxa de serviço, de tal forma que seria equivocado afirmar que referida taxa remunera a atuação da Corregedoria-Geral de Justiça e do Juiz Corregedor. Lembrou que o Supremo Tribunal Federal já admitiu a instituição de taxa de polícia sobre os emolumentos cobrados por titulares de serviços notariais e de registro.

A Advocacia-Geral da União manifestou-se pelo parcial conhecimento da ação, tendo em vista a ausência de impugnação a todo o complexo normativo em relação à Tabela III da Lei n.º 4.254/1988. No mérito, manifestou-se pelo indeferimento do pedido de medida cautelar. Entendeu que as disposições questionadas são proporcionais e razoáveis. Afastou a alegação de que as taxas judiciárias teriam por finalidade o custeio de pessoal. Não viu configurada a bitributação apontada na petição inicial.

II

A petição inicial não apresentou impugnação específica quanto ao art. 4.º–§3.º da Lei estadual n.º 6.920/2016, que prevê que “nos inventários, arrolamentos, ações de divórcio

e outras, em que haja patilha de bens ou direitos, as custas serão fixadas segundo o valor envolvido, conforme fixado na tabela de faixas”. A circunstância inviabiliza o conhecimento

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III

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de ser válida a cobrança de taxa de fiscalização das atividades notariais e de registro, como decorrência do poder de polícia dos Estados, exercido por órgãos diretivos do Poder Judiciário. A propósito, vale conferir o seguinte julgado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCISO V DO ART. 28 DA LEI COMPLEMENTAR 166/99 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. TAXA INS-TITUÍDA SOBRE AS ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTRO. PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DESTINADO AO FUNDO DE REAPARELHAMENTO DO MI-NISTÉRIO PÚBLICO.

1. O Supremo Tribunal Federal vem admitindo a incidência de taxa sobre as

ativi-dades notariais e de registro, tendo por base de cálculo os emolumentos que são co-brados pelos titulares das serventias como pagamento do trabalho que eles prestam aos tomadores dos serviços cartorários. Tributo gerado em razão do exercício do poder de polícia que assiste aos Estados-membros, notadamente no plano da vigi-lância, orientação e correição da atividade em causa, nos termos do § 1º do art. 236 da Constituição Federal.

2. O inciso V do art. 28 da Lei Complementar 166/99 do Estado do Rio Grande do Norte criou taxa em razão do poder de polícia. Pelo que não incide a vedação do inciso IV do art. 167 da Carta Magna, que recai apenas sobre os impostos.

(…) 4. Ação direta que se julga improcedente.

(ADI 3.028, rel. o Ministro Marco Aurélio, rel. para o acórdão o Ministro Ayres Britto, DJe 1º.7.2010) (grifei)

Não há, portanto, inconstitucionalidade nos arts. 16–§1.º(no que se refere à “Taxa de Fiscalização”), 17, 18, 19–parágrafo único da Lei estadual n.º 6.920/2016, que tratam da “Taxa de Fiscalização Judiciária”, cobrada como decorrência do poder de polícia exercido pela Corregedoria-Geral de Justiça e pelo Juiz Corregedor sobre os delegatários responsáveis por atos notariais e de registro.

Os demais dispositivos impugnados pelo requerente dizem respeito às custas judiciais e à taxa judiciária. A diferença entre ambas já foi esclarecida pelo Ministro Moreira Alves no julgamento da Representação n.º 1.077 (DJ 28.9.1984). A inteligência do voto subsiste mesmo na atual ordem constitucional, não tendo havido alteração quanto à natureza jurídica da taxa judiciária e das custas judiciais. Ambas são tributos da espécie taxa, mas enquanto a primeira serve como contraprestação à atuação de órgãos judiciários, como a Magistratura, as segundas voltam-se às despesas de movimentação dos atos judiciais. Esse é o trecho mais esclarecer do voto a esse respeito:

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Portanto, não só com base na tradição da técnica do direito brasileiro, mas também da legislação federal a ela pertinente, verifica-se que a taxa judiciária é taxa que se adstringe aos serviços forenses – “é um tributo pago pelo autor para ter direito à atividade dos órgãos judiciários” –, ao passo que as custas e emolumentos (denominados, as mais das vezes, com relação às retribuições pelos atos extrajudiciais, como emolumentos apenas) dizem respeito às despesas de movimentação dos atos judiciais ou extrajudiciais e ao salário ou remuneração dos serventuários cartorários – excluídos, portanto, o Juiz (este, inclusive, por força da vedação do artigo 114, II, da Constituição) e o Ministério Público – que os realizam.

A taxa judiciária, inclusive pelo sistema constitucional vigente – em que ela, custas e emolumentos são exclusivamente remuneratórios de serviços prestados pelo Estado – só se justifica como contraprestação à atuação de órgãos da Justiça (assim, o Juiz e o Ministério Público, quando não é parte) cujas despesas não são cobertas por custas e emolumentos.

Na espécie, o art. 2.º1 da Lei nº 4.254/1988, com redação dada pelo art. 40 da Lei n.º 6.920/2016, estabelece que a taxa judiciária tem como fato gerador “a utilização dos

serviços de atuação dos magistrados vinculados ao Tribunal de Justiça no Estado do Piauí”.

As custas judicias, por sua vez, segundo o art. 3.º2 da Lei n.º 6.920/2016, têm como fato gerador “a prestação de serviços públicos de natureza forense, devidas pelas partes,

excluídos os serviços de atuação dos magistrados do Poder Judiciário do Estado do Piauí”.

A disciplina não destoa, portanto, da orientação firmada há muito pelo Supremo Tribunal Federal. Se, ademais, os fatos geradores são diferentes, não há que se falar em tributação bis

in idem.

O Supremo Tribunal Federal admite a possibilidade de existência concomitante de taxa judiciária e de custas judiciais, desde que o valor total a ser pago pelas partes não seja excessivo, a ponto de superar os custos dos serviços ou de criar obstáculo ao acesso à Justiça. A propósito:

E se considerarmos que, além da taxa judiciária, as partes ainda pagarão custas, custas que, por sua vez, foram também acrescidas, segue-se que os valores a serem cobrados parecem superar o custo real dos serviços, ou do proveito do contribuinte. (trecho do voto do Min. Carlos Velloso na ADI 1.772, DJ 8.9.2000)

I. - Taxa judiciária e custas: são espécies tributárias, classificando-se como taxas, resultando da prestação de serviço público específico e divisível e que têm como base de 1 Art. 2.º As taxas de competência do Estado têm como fato gerador o exercício do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, bem como, especificamente em relação ao Poder Judiciário, a utilização dos serviços de atuação dos magistrados vinculados ao Tribunal de Justiça no Estado do Piauí.

2 Art. 3.º. As custas judiciais, destinadas exclusivamente ao custeio dos serviços afetos as atividades específi-cas da Justiça e prestados exclusivamente pelo Poder Judiciário, têm por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devidas pelas partes, excluídos os serviços de atuação dos magistrados do Po-der Judiciário do Estado do Piauí.

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cálculo o valor da atividade estatal referida diretamente ao contribuinte, pelo que deve ser proporcional ao custo da atividade do Estado a que está vinculada, devendo ter um limite, sob pena de inviabilizar o acesso de muitos à Justiça. Rep. 1.077-RJ, Moreira Alves, RTJ 112/34; ADIn 1.378-ES, Celso de Mello, "DJ" de 30.05.97; ADIn 948- GO, Rezek, Plen., 09.11.95.

(...) IV. - Necessidade da existência de limite que estabeleça a equivalência entre o valor da taxa e o custo real dos serviços, ou do proveito do contribuinte. Valores excessivos: possibilidade de inviabilização do acesso de muitos à Justiça, com ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle judicial de lesão ou ameaça a direito: C.F., art. 5º, XXXV. V. - Cautelar deferida.

(trechos da ementa na ADI 1.772 MC, rel. o Ministro Carlos Velloso, DJ 8.9.2000)

No âmbito do Poder Judiciário, é notória a dificuldade de se precisar o quantum despendido na prestação do serviço ao jurisdicionado. Embora a equivalência entre o custo da atividade e o valor do tributo não seja estrita, isso não autoriza a desconsideração de sua natureza contraprestacional – que deflui do caráter específico e divisível das taxas –, sob pena de desnaturar as custas judiciais como taxa de serviço público e atribuir-lhes feição mais aproximada à dos impostos. As custas devem, portanto, ser proporcionais à despesa da atividade estatal e ter um limite máximo razoável, sob pena de inviabilizar, em decorrência da quantia cobrada, o acesso de muitos ao Judiciário, em ofensa à garantia constitucional de inafastabilidade da jurisdição.

O valor das custas judiciais não pode, ademais, levar em conta qualidades estranhas à atividade judiciária exercida, muito menos servir para fins de arrecadação. A partir de certo patamar, afinal, a taxa perde a correspondência com a atividade específica e divisível do Poder Judiciário e passa a servir essencialmente como fonte de obtenção de recursos. Nessa circunstância, há desobediência ao comando do art. 98–§2.º da Constituição, segundo o qual “as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos

serviços afetos às atividades específicas da Justiça”. A não correlação com o custo do

serviço, que dá causa a uma onerosidade excessiva na cobrança das taxas, ofende, ainda, o disposto no art. 150–IV da Constituição, como já decidiu o STF:

[...] TAXA: CORRESPONDÊNCIA ENTRE O VALOR EXIGIDO E O CUSTO DA ATIVIDADE ESTATAL.

– A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixadas em lei.

– Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à

disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o

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custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro),

configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV, da Constituição da República.

Jurisprudência. Doutrina. [...].

(ADI 2.551 MC–QO/MG, rel. o Ministro Celso de Mello, DJ 20.4.2006) (grifei)

A possibilidade de utilização do valor da causa ou da condenação como base de cálculo das custas judiciais é reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em numerosos julgados, desde que fixados limites mínimo e máximo de cobrança, com a manutenção de razoável correlação das custas judiciais com o custo da atividade. A propósito:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 7.603, DE 27.12.2001, DO ESTADO DE MATO GROSSO. CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS. ALEGA-ÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 5º, XXXV, LXXIV, 7º, IV, 22, I, 145, II E § 2º E 154, I, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. A jurisprudência desta Corte vem admitindo o cálculo das custas judiciais com

base no valor da causa, desde que mantida razoável correlação com o custo da ativi-dade prestada. Precedentes: ADI 948, Francisco Rezek, DJ 17.03.2000, ADI 1.926-MC,

Sepúlveda Pertence, DJ 10.09.1999, ADI 1.651-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 11.09.98 e a ADI 1.889-MC, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 14.11.2002. Presentes um

va-lor mínimo e um vava-lor máximo a ser cobrado a título de custas judiciais, além de uma alíquota razoável (um por cento), não cabe reconhecer qualquer risco de invia-bilidade da prestação jurisdicional ou de comprometimento ao princípio do acesso ao Judiciário. Precedentes: ADI 2.040-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 25.02.2000 e

ADI 2.078-MC, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 18.05.2001. (ADI 2.655, rel. a Ministra Ellen Gracie, DJ 26.3.2004) (grifei)

Não há inconstitucionalidade, portanto, na fixação do valor da causa como base de cálculo das custas judiciais ou da taxa judiciária. A utilização de tal parâmetro tampouco implica, por si só, em cobrança desvinculada do efetivo custo da prestação do serviço.

Na espécie, embora a Lei n.º 4.254/1988 não disponha expressamente sobre limite máximo para a taxa judiciária, o Governador do Estado do Piauí noticiou que o Tribunal de Justiça conferiu interpretação conforme a Constituição ao diploma, na ADI n.º 99.001896-2, para fixar o limite máximo em dez mil reais. Informou, ainda, que tal limitação é expressa no Provimento n.º 1/2017-TJPI. Não há que se falar, portanto, inexistir no Estado do Piauí limitação de valor para a taxa judiciária, como alegado na petição inicial.

Não se depreende, ademais, do art. 40 da Lei n.º 6.920/2016, que o produto da arrecadação da taxa judiciária seja destinado ao custeio de pessoal. O dispositivo não estabelece que as taxas servem para “remunerar” a atuação dos magistrados, como interpretado na petição inicial. Há tão somente a definição do fato gerador da taxa:

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Art. 40. O art. 2.º da Lei 4.254, de 27 de dezembro de 1988, passa a ter a seguinte redação:

Art. 2.º. As taxas de competência do Estado têm como fato gerador o exercício do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, bem como, especificamente em relação ao Poder Judiciário, a utilização dos

serviços de atuação dos magistrados vinculados ao Tribunal de Justiça no Estado do Piauí.

(grifei)

A alegação do requerente de que a taxa judiciária é cobrada tanto na primeira quanto na segunda instância tampouco subsiste. A petição inicial afirma que o pagamento em primeira instância tem substrato na Lei n.º 5.526/2005, enquanto o pagamento em segunda instância tem respaldo na Lei n.º 6.920/2016. A Lei n.º 5.526/2005 foi, porém, revogada pelo art. 43 da Lei n.º 6.920/2016.

Quanto à alegação de falta de razoabilidade e de desproporcionalidade do aumento das custas, razão assiste ao requerente. A Lei estadual n.º 6.920/2016 não apenas atualizou os valores das custas judiciais previstos na Lei n.º 5.526/2005, mas também criou novas faixas de custas iniciais, aumentou o valor do teto e criou nova tabela de custas recursais. Quanto às custas iniciais, o seguinte quadro comparativo elucida a majoração havida:

Lei n.º 5.526/2005 Lei n.º 6.920/2016

TABELA VI – DOS PROCESSO CÍVEIS E CRIMINAIS – EM GERAL

Percentual de aumento

TABELA I - PROCESSOS CÍVEIS E CRIMINAIS EM GERAL 48) Custas iniciais 1. Causas em geral

48.1) Processos de procedimentos

ordinários. Valor inestimável R$ 199,90

R$ 0,00 a 500,00 R$ 126,54 57,97% 1.01 R$ 0,00 a 999,99 R$ 199,90 R$ 500,01 a 1.000,00 R$ 173,99 14,89% R$ 1.000.01 a 1.500,00 R$ 197,71 41,57% 1.02 R$ 1.000,00 a 1.499,99 R$ 279,90 R$ 1.500,01 a 2.000,00 R$ 221,44 62,52% 1.03 R$ 1.500,00 a 1.999,99 R$ 359,90 R$ 2.000,01 a 3.000,00 R$ 268,89 63,59% 1.04 R$ 2.000,00 a 2.999,99 R$ 439,90 R$ 3.000,01 a 4.000,00 R$ 316,34 73,83% 1.05 R$ 3.000,00 a 4.999,99 R$ 549,90 R$ 4.000,01 a 5.000,00 R$ 363,79 51,15% R$ 5.000,01 a 6.000,00 R$ 411,24 60,46% 1.06 R$ 5.000,00 a 5.999,99 R$ 659,90 R$ 6.000,01 a 7.000,00 R$ 458,69 67,84% 1.07 R$ 6.000,00 a 6.999,99 R$ 769,90 R$ 7.000,01 a 8.000,00 R$ 506,14 73,84% 1.08 R$ 7.000,00 a 7.999,99 R$ 879,90 R$ 8.000,01 a 9.000,00 R$ 553,60 78,81% 1.09 R$ 8.000,00 a 8.999,99 R$ 989,90

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R$ 9.000,01 a 10.000,00 R$ 601,05 82,99% 1.10 R$ 9.000,00 a 9.999,99 R$ 1.099,90 R$ 10.000,01 a 15.000,00 R$ 672,22 79,98% 1.11 R$ 10.000,00 a 12.999,99 R$ 1.209,90 R$ 15.000,01 a 20.000,00 R$ 862,03 61,23% 1.12 R$ 13.000,00 a 15.999,99 R$ 1.389,90 82,11% 1.13 R$ 16.000,00 a 19.999,99 R$ 1.569,90 R$ 20.000,01 a 25.000,00 R$ 1.051,83 66,36% 1.14 R$ 20.000,00 a 24.999,99 R$ 1.749,90 R$ 25.000,01 a 30.000,00 R$ 1.241,63 55,43% 1.15 R$ 25.000,00 a 29.999,99 R$ 1.929,90 R$ 30.000,01 a 40.000,00 R$ 1.518,43 50,80% 1.16 R$ 30.000,00 a 39.999,99 R$ 2.289,90 R$ 40.000,01 a 50.000,00 R$ 1.874,31 60,58% 1.17 R$ 40.000,00 a 49.999,99 R$ 3.009,90 R$ 50.000,01 a 60.000,00 R$ 2.230,20 67,24% 1.18 R$ 50.000,00 a 59.999,99 R$ 3.729,90 R$ 60.000,01 a 70.000,00 R$ 2.586,08 72,07% 1.19 R$ 60.000,00 a 69.999,99 R$ 4.449,90 R$ 70.000,01 a 80.000,00 R$ 2.941,96 75,72% 1.20 R$ 70.000,00 a 99.999,99 R$ 5.169,90 R$ 80.000,01 a 90.000,00 R$ 3.297,84 56,76% R$ 90.000,01 a 100.000,00 R$ 3.653,73 41,49% R$ 100.000,01 a 110.000,00 R$ 4.009,61 57,61% 1.21 R$ 100.000,00 a 124.999,99 R$ 6.319,90 R$ 110.000,01 a 130.000,00 R$ 4.721,37 58,21% 1.22 R$ 125.000,00 a 249.999,99 R$ 7.469,90 Acima de 130.000,00 R$ 4.745,10 81,65% 1.23 R$ 250.000,00 a 499.999,99 R$ 8.619,90 108,00% 1.24 R$ 500.000,00 a 999.999,99 R$ 9.869,90 131,60% 1.25 Acima de 1.000.000,00 R$ 10.989,90 As custas foram majoradas, portanto, em todas as faixas sem uniformidade no percentual de aumento, que variou entre 14,89% e 131,60%. O requerente limitou-se, porém, a impugnar tão somente as faixas 1.22 a 1.25 da Tabela I da Lei n.º 6.920/2016.

Quanto às custas de apelação, o aumento é ainda mais exorbitante. As custas, anteriormente calculadas considerando o número de folhas do processo, passaram a ter como base de cálculo o valor da causa. A circunstância fez com que o mesmo recurso que antes gerava, por exemplo, o maior valor de custas (R$ 77,50), agora possa gerar de R$ 199,90 a R$ 10.989,90, a depender do valor da causa – o que representa, na hipótese, um aumento que pode variar de 157,93% a 14.080,51%. É o que se vê do seguinte quadro comparativo:

Lei n.º 5.526/2005 Lei n.º 6.920/2016

Tabela I – ATOS DIVERSOS Tabela II – RECURSOS E COMPETÊNCIAORIGINÁRIA 12) Recurso de Apelação (preparo e porte de

retor): Recurso de Apelação e Competência Originária 12.01 Na Capital - Processo

com até 50 folhas R$ 36,38 R$ 0,00 a 999,99 R$ 199,90 12.02 Na Capital - Processo R$ 52,20 R$ 1.000,00 a 1.499,99 R$ 279,90

(11)

com mais de 50 folhas 12.03 No Interior - Processo

com até 50 folhas R$ 45,87

R$ 1.500,00 a 1.999,99 R$ 359,90 12.04 No Interior - Processo

com mais de 50 folhas R$ 77,50 R$ 2.000,00 a 2.999,99 R$ 439,90 R$ 3.000,00 a 4.999,99 R$ 549,90 R$ 5.000,00 a 5.999,99 R$ 659,90 R$ 6.000,00 a 6.999,99 R$ 769,90 R$ 7.000,00 a 7.999,99 R$ 879,90 R$ 8.000,00 a 8.999,99 R$ 989,90 R$ 9.000,00 a 9.999,99 R$ 1.099,90 R$ 10.000,00 a 12.999,99 R$ 1.209,90 R$ 13.000,00 a 15.999,99 R$ 1.389,90 R$ 16.000,00 a 19.999,99 R$ 1.569,90 R$ 20.000,00 a 24.999,99 R$ 1.749,90 R$ 25.000,00 a 29.999,99 R$ 1.929,90 R$ 30.000,00 a 39.999,99 R$ 2.289,90 R$ 40.000,00 a 49.999,99 R$ 3.009,90 R$ 50.000,00 a 59.999,99 R$ 3.729,90 R$ 60.000,00 a 69.999,99 R$ 4.449,90 R$ 70.000,00 a 99.999,99 R$ 5.169,90 R$ 100.000,00 a 124.999,99 R$ 6.319,90 R$ 125.000,00 a 249.999,99 R$ 7.469,90 R$ 250.000,00 a 499.999,99 R$ 8.619,90 R$ 500.000,00 a 999.999,99 R$ 9.869,90 Acima de 1.000.000,00 R$ 10.989,90

A majoração exorbitante das custas recursais, sem correspondente incremento no custo da contraprestação estatal e sem outra justificativa aparente, é incompatível com os postulados da proporcionalidade (proibição de excesso) e da razoabilidade (imoderação estatal). Os novos valores atribuídos às custas recursais, quando somados às custas iniciais e à taxa judiciária de 1% (hum por cento) do valor da causa, não se revelam proporcionais à despesa da atividade estatal, inviabilizando o acesso de muitos jurisdicionados ao Tribunal de segunda instância.

Está presente, portanto, o fumus boni iuris quanto aos Códigos “1.22 a 1.25” da Tabela I e “24.01 a 24.25” da Tabela II do Anexo I da Lei estadual n.º 6.920/2016.

(12)

O periculum in mora caracteriza-se, por sua vez, pelo evidente prejuízo que a cobrança de custas judiciais (iniciais e recursais) exorbitantes causam aos jurisdicionados, restringindo o direito de acesso à Justiça.

Pelo exposto, a Procuradora-Geral da República opina pelo parcial conhecimento da ação e pela concessão parcial da medida cautelar, para suspender a eficácia tão somente dos Códigos “1.22 a 1.25” da Tabela I e “24.01 a 24.25” da Tabela II do Anexo I da Lei estadual n.º 6.920/2016.

Brasília, 19 de dezembro de 2018.

Raquel Elias Ferreira Dodge

Procuradora-Geral da República

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