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Tirania e humor no país do homem cordial

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Academic year: 2018

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(1)

D O S

5

I

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Ê

TIRANIA E HUMOR NO PAís DO HOMEM CORDIAL

A

TRADiÇÃO CORDIAL DA CARICATURA BRASIL

ISABEL LUSTOSA*

R E S U M O

U m a p a n o râ m ic a d a h is tó ria d a c a ric a tu ra b ra s ile ira ,

c o m ê n fa s e n a fo rm a c o m o e s ta tra to u o s n o s s o s

p re s id e n te s , n o ta d a m e n te a q u e le s q u e m a rc a ra m s e u s

g o v e rn o s p o r p o lític a s a u to ritá ria s o u m e s m o tirâ n

i-c a s , é o te m a d e s te a rtig o . S u a te s e i-c e n tra l é a d e q u e

c o m o a rm a d e c rític a a o s p o lític o s e à p o lític a a c a

ri-c a tu ra b ra s ile ira fo i, q u a s e s e m p re , c o rd ia l. N o p a n o

-ra m a , e v id e n c ia -s e q u e o h u m o r fo i s e m p re u m a m a rc a

d a im p re n s a b ra s ile ira e q u e , s e o s é c u lo X IX te v e

c o m o p rin c ip a l c a ric a tu ris ta o ita lia n o  n g e lo A g o s tin o ,

a p rim e ira R e p ú b lic a c o n h e c e u o n a s c im e n to d a v e

r-d a r-d e ira c a ric a tu ra b ra s ile ira a tra v é s d o tra ç o d e J .

C a rlo s , K a lix to e R a u l P e d e rn e ira s . C o rd ia l, a le g re ,

a re ja d a , a c a ric a tu ra fo i, d u ra n te a p rim e ira m e ta d e

d e s te s é c u lo , u m a d a s m a is fo rte s e x p re s s õ e s c u ltu

-ra is b ra s ile ira s . S e u s tira n o s , p a ra n o s s a s o rte o u

a z a r, ja m a is a s s u m ira m a c a ta d u ra m a is s o m b ria

q u e s e ria o p rê m io n a tu ra l p o r s u a s a rb itra rie d a d e s .

H o je , e s tra te g ic a m e n te m e n o s im p o rta n te d o q u e fo i

n o s e u a p o g e u , a c a ric a tu ra s e e n c o n tra , n o e n ta n to ,

e s ta b e le c id a c o m o u m a d a s fo rm a s d e e x p re s s ã o d a

im p re n s a . E la s e p e rp e tu a e n q u a n to q u a d ro o b rig a tó

-rio d a p à g in a c e n tra l d e q u a s e to d o s o s g ra n d e sPONMLKJIHGFEDCBAjo

r-n a is d o p a ís .

U

m notável pensador

brasileiro, Sérgio

Buarque de

Holan-da, escreveu, há mais de

cinqüenta anos, um livro

que veio a se tornar um

clássico do nosso

pensa-mento social:cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR a i z e s d o

B r a s i l . Apesar de, até

hoje, ser reconhecido

como um marco na

for-mulação de concepções

so bre as origens e as

especificidades do modo

de ser brasileiro, R a í z e s

d o B r a s i l veio a ser, nas

décadas que se lhe

segui-ram, duramente atacado

por investir na

cristaliza-ção do chamado mito da

"cordialidade". Segundo

aquele mito, o brasileiro

seria homem cordial,

hos-pitaleiro, pouco afeito às

soluções violentas. As

provas estariam na nossa história, onde as

grandes mudanças não foram antecedidas

por revoluções violentas.

Esta teoria foi, durante muitos anos,

considerada extremamente ofensiva pelos

intelectuais de esquerda. Deve-se a uma

in-terpretação literal da expressão "homem

cor-dial", a reação contra seu

u s o para a definição do

modo de ser brasileiro.

Desta maneira, é que toda

a história da violência do

Estado contra o cidadão,

é sempre recuperada

pela bibliografia marxista

brasileira para demonstrar

a inadequação do

concei-to para definir o povo

bra-sileiro. No entanto, no

próprio texto, Sérgio

Buarque a define como

um traço na verdade

ne-gativo da herança da

família patriarcal, que

resultaria numa

irnper-meabilidade às formas

mais impessoais que

mar-cam as relações no

espa-ço público. São aspectos

desta suposta

cordialida-de, a tentativa de

impri-mir um caráter familiar e

intimista a qualquer tipo

de relação e uma

perma-nente afetividade de

ca-ráter superficial intervindo

e mediando as relações no universo do

tra-balho e na vida pública. Prolongando nesta

esfera não só os privilégios e as hierarquias

da sociedade patriarcal, o u s o da fórmula

"você sabe com quem está falando?", como

também o chamado jeitinho brasileiro:

solu-ções improvisadas que envolvem também

P e s q u is a d o ra d a F u n d a ç ã o C a s a d e R u i B a rb o s a

- ó rg ã o d o M in is té rio d a C u ltu ra e a u to ra d eH is tó -r ia s d e p r e s id e n te s - aR e p ú b lic a n o C a te te ; B r a -s il p e lo m é to d o c o n fu s o - h u m o r e b o ê m ia e m

M e n d e s F r a d iq u e e d o liv ro in fa n til O C h ic o e o

a v ô d o C h ic o . T e m a rtig o s p u b lic a d o s s o b re o h u m o r e a irre v e rê n c ia c o m o a s p e c to s d a h is tó ria

c u ltu ra l b ra s ile ira e d e fe n d e u a te s e d e d o u to ra d o

In s u lto s im p r e s s o s - ag u e r r a d o s jo r n a lis ta s n a In d e p e n d ê n c ia .

(2)

relações pessoais para problemas de

natu-reza públicajihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1

Sem querer entrar nesse debate,

pode-ríamos sugerir que outra fonte que poderia

jogar água no moinho da tese de Buarque de

Holanda seria a caricatura brasileira. Esta, como

arma de crítica aos políticos e à política foi,

quase sempre, cordial. Mesmo os maiores

ti-ranos, como Floriano Peixoto, Getúlio Vargas

e os presidentes militares não chegaram a ser

massacrados por ela.

Os chamados "anos de chumbo", do

golpe militar de 1964 à abertura de 1985,

foram marcados pela censura prévia, que

im-pedia a divulgação de qualquer material

crí-tico ao regime. Mesmo assim, não se assistiu,

no momento seguinte a uma irrupção de

hu-mor mais violento contra os militares.

Tal-vez, porque, ainda na linha da tradição de

cordialidade (da qual, certamente, não faz

parte o exército de torturadores de todas as

nossas ditaduras) a passagem da ditadura para

a democracia se deu sob a forma de uma

distensão lenta e gradual, concedida pelos

militares. Quando a caricatura voltou aos

jor-nais, de fato, a ditadura já havia passado há

muito tempo.

Curiosamente, numa história onde as

maiores violências contra pessoas praticadas

pelo Estado por motivos políticos podem ser

contabilizadas nos momentos em que o

po-der foi empolgado por militares, o presidente

que foi mais diretamente identificado pela

ca-ricatura como um tirano, foi um civil, que

as-sumiu o poder numa eleição que contrariava

os interesses das forças armadas brasileiras:

Artur Bernardes.

Neste artigo, escolhi produzir uma

pa-norâmica da história da caricatura brasileira,

com ênfase na forma como esta tratou os

nos-sos presidentes, notadamente aqueles que

marcaram seus governos por políticas

autori-tárias ou mesmo tirânicas.

74 R E V IS T A D E C U :N C IA S S O C IA IS v .2 9 N . 1 /2 1 9 9 8

A

REVISTA ILUSTRADA E O PAPEL DA CARICATURA NA PROCLAMAÇÃO

o

humor foi sempre uma marca da

im-prensa brasileira. Mesmo as folhas mais

tradi-cionais do século XIX, com sua péssima

paginação, seu amontoado de colunas e de

notas, sem manchetes e sem fios a

destacá-Ias, reservaram sempre um espaço, ainda que

pequenino, para a quadrinha, a nota

malicio-sa sobre as figuras importantes do tempo, ou

mesmo para a pura e simples anedota.

A caricatura, no entanto, só começa a

se tornar freqüente a partir de 1837, com a

publicação dacbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAL a n t e r n a M á g i c a , revista

ilus-trada, de Araújo Porto Alegre. Daí em diante,

multiplicar-se-ão as publicações do gênero,

quase todas de vida efêrnera.

A chegada ao Rio de Janeiro, em 1867,

do italiano Ângelo Agostini, representa uma

força nova na arte da caricatura. Agostini,

an-tes de criar sua própria revista, colabora com

vários periódicos, dos quais o mais famoso

foi OM o s q u i t o (1869-1875). Praticamente até

o final do século XIX a caricatura brasileira

será produzida por estrangeiros ou por sua

inspiração. Além de Agostini, o Rio acolhe

outro italiano, Luigi Borgomaniero

(precoce-mente falecido, vítima de febre amarela, em

1876) e o português Rafael Bordalo Pinheiro.

Nos últimos anos do século, Julião Machado,

outro português, promoverá verdadeira

reno-vação na caricatura brasileira.

Mas, é com Ângelo Agostini e sua R e

-v i s t a I l u s t r a d a (1876-1898) que se constitui

um estilo, senão nacional, pelo menos

carac-terístico de um momento do humor brasileiro.

Predomina no desenho litográfico a técnica

do esfuminho - resultado da ação do lápis

gorduroso sobre a pedra - afeita às nuanças e

aos modelados. O estilo Agostini chegará aos

três primeiros anos deste século, quando

fi-nalmente o artista encerra a carreira em sua

(3)

uma verdadeira escola onde também se

des-tacaram seus seguidores: Pereira etto e

Hilarião Teixeira - cujos desenhos são tão

semelhantes aos do mestre que só um

conhe-cedor é capaz de distinguí-los.

Era um desenho pesado e sem muita

agilidade, que guardava muito do

acade-micismo nos jogos de sombras e formas,

pres-tando-se mais facilmente ao retrato, à

homenagem,jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà representação do humor

sin-gelo de anjinhos barrocos do que à caricatura.

As ilustrações dacbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR e v i s t a I l u s t r a d a

funciona-vam como verdadeiros substitutos da

fotogra-fia que ainda não freqüentava as páginas dos

jornais. Detalhista, a R e v i s t a fazia a crônica

dos acontecimentos políticos da semana na

página central, em seqüências de desenhos

que fazem lembrar as modernas histórias em

quadrinho.

É bem provável que o caráter

fotográ-fico da caricatura naquele momento,

tornan-do familiares rostos e atitudes de políticos e

de gente famosa e possibilitando aos menos

cultos acompanhar os fatos apenas através

das imagens, seja a explicação mais

adequa-da para a penetração que a R e v i s t a teve nas

capitais e no interior, como também para a

sua longa vida. Este caráter pedagógico

tam-bém pode explicar a facilidade com que se

impôs mais fortemente o estilo de desenho

fotográfico de Ângelo Agostini do que o

tra-ço limpo, sutil e elegante de um Rafael

Bordalo Pinheiro.

Quando foi proclamada a República no

Brasil, Ângelo Agostini estava na Europa. Sua

R e v i s t a , que se batera pela causa da

Aboli-ção, marcava posição ao lado dos

republica-nos. Se a magnanimidade de D. Pedro Il, sua

tolerância com os opositores, seu caráter de

príncipe ilustrado, a própria figura

patriar-cal, com a barba branca a cair sobre o peito,

não estimulavam sátiras mais agressivas, o

mesmo não se pode dizer de seus ministros.

Eram de Pereira Netto as caricaturas onde a

figura antipática e irascível do presidente do

último Conselho de Ministros do Império, o

visconde de Ouro Preto, preponderava. O

tipo físico do visconde, magro, alto, de

per-fil anguloso, marcado pelo nariz adunco,

alia-do àsua personalidade autoritária, compunha

a imagem do vilão ideal para os

caricaturis-tas críticos do regime. as folhas da R e v i s t a

I l u s t r a d a , a seqüência dos acontecimentos

que culminaram com a queda da coroa vai

se reproduzindo nas histórias em quadrinho

da página central e nos agressivos editoriais

assinados por Júlio Verim-.

Com a Proclamação da República, em

15 de novembro de 1889, os vilões saem

de cena. Começa o ciclo dos heróis e, para

estes, a caricatura não é a expressão mais

adequada. O enferrniço marechal Deodoro

da Fonseca, por exemplo, se verá, nas

pá-ginas da R e v i s t a I l u s t r a d a , glamourizado,

re-juvenescido e cheio de vitalidade. Ora

aparece separando a Igreja do Estado, ora

ao lado de Benjamin Constant, a cortar as

cabeças da hidra das intrigas. Belos

tam-bém aparecerão os ministros Rui Barbosa,

Quintino Bocaiúva e Campos Sales. A

cari-catura cede lugar à outra vocação natural

da R e v i s t a . O desenho de origem

acadêmi-ca, em esfuminho, encontra sua essência na

apologia dos heróis republicanos. Raras são

as situações caricatas, raros os Deodoros de

grande cabeça e corpo pequenino na forma

típica da caricatura do tempo>.

A

REVELAÇÃO DE FLORIANO, O DISSIMULADO

O marechal Deodoro da Fonseca

ocu-pou a Presidência da República de 1889 (data

da Proclamação) até novembro de 1891,

quan-do foi levaquan-do a renunciar sob a ameaça do

almirante Custódio José de Melo que apontou

os canhões do n a v i o A q u i d a b a n contra o Rio

de Janeiro, exigindo a sua deposição.

(4)

Apesar dos inúmeros equívocos que

marcaram a sua passagem pelo poder, Deodoro

mereceu sempre a consideração da imprensa

jovem. Esta, freqüentadora das mesas da

Con-feitaria Pascoal e das calçadas da rua do

Ouvidor", tinha em nomes como Olavo Bilac,

Guimarães Passos, Pardal Mallet, Luiz Murat,

Emílio de Menezes e Coelho Neto? as mais

brilhantes expressões do momento. Boêmios

todos, encontravam abrigo nas folhas do

jor-nal de outro boêmio incorrigível, José do

Pa-trocínio''cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA( C i d a d e d o R i o ) , e na G a z e t a d e

N o t í c i a s , de Ferreira de Araújo. Num tempo

em que a anedota, o chiste, o trocadilho e as

quadrinhas satíricas eram supervalorizados,

muitos destes jovens poetas e escritores

con-quistavam espaço na imprensa pela

capaci-dade de fazê-Ias mais criativas, mais

engraçadas.

O presidente Floriano Peixoto

(1891-1894) marcou sua passagem pelo governo e

pela história do Brasil por seu caráter

enig-mático. A aparente indecisão nos

aconteci-mentos que marcaram a Proclamação da

República e a sua ascensão ao poder não

en-contraram, até hoje, explicadores adequados.

Cognominado o C o n s o l i d a d o r d a R e p ú b l i c a ,

mesmo esta denominação é discutível pois

se, de fato, o seu governo garantiu a

transi-ção para os governos seguintes, não está

cla-ramente estabelecido se a transição era projeto

do ditador.

Sem um aspecto característico,

fisicamen-te inexpressivo, típico caboclo do Nordeste

brasileiro, o M a j o r como era então chamado,

não se prestava facilmente ao traço dos

cari-caturistas. O tipo comum, aliado ao mistério

das suas intenções, à fisionomia onde nada se

revelava, não permitia ressaltar pelo exagero

o detalhe, a característica de onde os

carica-turistas retiram o efeito cômico, essência do

seu humor.

A caricatura privilegiará o enigma como

marca de Floriano. Na capa da R e v i s t a I l u s t r a

-76

jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR E V IS T A D E C ltN C IA S S O C IA IS v .2 9 N .1 /2 1 9 9 8

d a , a. 17, nQ 640, março de 1892, sua cabeça

aparecerá encimando o corpo de uma

esfin-ge. Mais adiante, quando tem início a

repres-são, a R e v i s t a apresenta Floriano diante de

um espelho onde aparece a imagem de

Deodoro": No texto, o caricaturista expressa

a perplexidade da opinião pública diante dos

desmandos de um governo que subira ao

po-der justamente para acabar com a ilegalidade

em que mergulhara o governo anterior.

Célebre se tornará a caricatura da

pá-gina central do nQ 641 da

R e v i s t a , onde

Floriano aparece caracterizado de Hamlet

caboclo. Esta caricatura fora inspirada em

paródia satírica publicada por Olavo Bilac

no jornal C i d a d e d o R i o . Ali, o marechal

apa-recia como o atormentado príncipe

dinamar-quês se debatendo em meio a angústias que

diziam respeito à vontade de continuar no

poder e às ameaças de deposição. Ofélia é

a Constituição que, apaixonada e

reconheci-da ao ditador por este ter lhe dado

elastici-dade de uma lei de borracha, é convidada

por Hamlet a partir para os EUA, sua

verda-deira pátria, após a dramática confissão do

príncipe: n u n c a t e a m e i ! 8.

Enigmático e dissimulado, segundo as

críticas fortes do jovem Olavo Bilac, o ditador

é apresentado em outra paródia do poeta

como o Tartufo, de Moliere, a seduzir Elmira,

a Constituição. Com estas e outras paródias

inspiradas, Bilac ia conquistando espaço na

imprensa e fazendo-se credor dos cinco

me-ses que amargaria preso na Fortaleza de Lages

e dos outros tantos de exílio forçado em

Mi-nas Gerais.

A liberdade de imprensa fora uma

rea-lidade no Império. Falava-se o que se queria

do imperador e de seus ministros. Com

Deodoro, pouco acostumado a críticas,

verifi-cou-se o empastelamento do jornal

monar-quista, T r i b u n a . Mas este foi fruto de ação

paralela, nunca assumida pelo governo. As

(5)

apoiavam a República, nada sofreram em

ter-mos de repressão. Acostumados a este clima

de liberdade, os jornalistas contrários a

Floriano, como Bilac, dão asasjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà imaginação

em busca das imagens mais fortes e capazes

de satirizar o marechal.

Em 1892, Olavo Bilac, Pardal Mallet e

Luiz Murat fundam OcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAC o m b a t e . Através de

suas páginas passam a atacar diretamente

Floriano e a pedir a volta de Deodoro ao

poder. No aniversário deste, 10 de abril de

1892, o jornal convida para manifestação em

sua homenagem. A manifestação, reunindo

todos aqueles que combatem o presidente,

acaba se transformando em movimento

sedi-cioso, tentativa de deposição. Floriano,

in-formado em casa do que se passava, tomou

o trem, saltou na Central do Brasil? e veio a

pé até o Quartel-General do Exército, no

Campo de Santana. Ali, encontrou o general

Mena Barreto, um dos sediciosos, dando-lhe

imediatamente ordem de prisão. O tom com

que O C o m b a t e narra os acontecimentos é

de acrimônia mas, também, de perplexidade.

. . . D e p o i s , s a b e - s e o q u e h o u v e : h o u v e

a d e s c i d a d o S r . P l o r i a n o d aPONMLKJIHGFEDCBAP ie d a d e '" ,

fa r d a d o , fi n g i n d o d e h e r ó i , d i s fa r ç a d o e m

S a l v a d o r d a R e p ú b l i c a , m a n d a n d o i l u m i n a r

o I t a m a r a t i , m a n d a n d o t o c a r o h i n o . . .

E , l o g o e m u m d o s s a l õ e s d o I t a m a r a t i

c o m e ç o u a s e r o r g a n i z a d a a l i s t a d a s p r i s õ e s .

A o p o s i ç ã o t i n h a c a í d o n o l a ç o ( . .. )

É n e c e s s á r i o q u e u m a v e z a o m e n o s o

S r .F lo r ia n o P e i x o t o d e i x e c a i r d o r o s t o a v e l h a

m á s c a r a q u e u s a - m á s c a r a q u e S .E X . a . t r a z i a

n a n o i t e d e 14p a r a 15d e n o v e m b r o q u a n d o

t r a i u oS r . A fo n s o C e l s o ( v i s c o n d e d e O u r o P r e

-t o ) p a r a s e r v i r oS r . D e o d o r o e n a n o i t e d e 2 2

p a r a 2 3 d e n o v e m b r o q u a n d o t r a i u o S r .

D e o d o r o p a r a s e r v i ro S r . C u s t ó d i o .

A o m e n o s u m a v e z op a í s p r e c i s a s a

-b e r d e q u e c o r é a v e r d a d e i r a fa c e d o S r .

P l o r i a n o .

Presentes neste texto a referência ao

caráter dissimulado do marechal e a

perspec-tiva equivocada dos que

°

combatiam

atribu-indo-lhe a intenção de servir ao almirante

Custódio José de MeIo, contra quem Floriano

combateria no ano seguinte, para debelar a

revolta da Armada.

É ainda igualmente curioso que,

quan-do o artigo citaquan-do acima foi publicaquan-do em O

C o m b a t e , de 21 de abril de 1892, seus

direto-res, Bilac, Mallet e Murat já se encontravam

presos, pois é de 12 de abril o decreto que

determinava a prisão destes dentre tantos

ou-tros nomes ilustres da vida pública brasileira.

Da mesma forma surpreende a agressividade

dos editoriais do jornal de José do Patrocínio

contra o governo, quando este já havia sido

deportado para Cacuí, no Amazonas, por conta

de sua participação no movimento sedicioso.

Diz Francisco de Assis Barbosa que

Floriano, "bom psicólogo, sentia que aquela

elite hostil não era perigosa e que a sua força

repousava no crescente apoio popular"!'.

Le-ôncio Basbaum registra, na H i s t ó r i a s i n c e r a

d a R e p ú b l i c a , dois chistes atribuídos a Floriano

Peixoto. No primeiro, o marechal, ao saber

que o Congresso discutia a legalidade da

pri-são de alguns parlamentares, teria comentado

irônico: "Vão discutindo que eu vou

mandan-do prender". Em outro, referindo-se ao

man-dato de b a b e a s - c o r p u s impetrado por Rui

Barbosa junto ao Supremo Tribunal Federal

em defesa dos presos, dissera: "Não sei

ama-nhã quem dará b a b e a s - c o r p u s aos ministros do Supremo"!".

Estes chistes casam à perfeição com um

comentário de Bilac publicado em 1898, em

pleno governo de Prudente de Morais, sobre

Floriano e seus ministros. Bilac recorda que o

que mais intrigava a imprensa e a opinião

pública no governo Floriano era a origem

ab-solutamente anônima de seus ministros. Diz o

poeta que estas nomeações causavam surpresa

porque "todo o mundo estava convencido de

(6)

que para o Marechal o cargo de ministro

ti-vesse alguma importância ... Puro engano! Para o Marechal de Ferro, ministro era menos que

criado, menos que copeiro'?".

Homem de pouco falar, Floriano não atri-buía grande valor às palavras. Para um

incré-dulo como ele, desprovido de qualquer

romantismo, as leis eram meros jogos de

pa-lavras, passíveis de múltiplas interpretações

e, ao fim e ao cabo, derivavam sua força da

espada dos militares. Sua atitude com relação

aos jornais que lhe fazem oposição, que

con-tinuam a atacá-lo em pleno estado de sítio, é

quase de indiferença. Pois sabe que não

se-rão as belas palavras dos jornalistas

parna-sianos que irão arredá-Io do poder.

Esta indiferença parece, da ótica de

hoje, torná-I o mais próximo do povo que

as-sistira "bestializado'r" ao advento da

Repú-blica. Ao povo analfabeto, que não participara

dos acontecimentos, também pareciam

indi-ferentes não só as leis que, como sempre

serviam mais aos poderosos, como também

as belas palavras dos poetas e jornalistas que

escreviam para o pequeno público da elite.jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

É , no entanto, através das críticas da

im-prensa, que vem expressa em editoriais

rai-vosos, em quadrinhas humorísticas e nas

caricaturas que, pouco a pouco, vai se

cons-truindo a imagem de Floriano e de seu

gover-no. Leitura parcial que seja, essas notas dão o

tom do período. A esfinge, o mascarado, o

Hamlet, o Tartufo vão deixando entrever os

contornos do grande ditador. O humor

per-manece na linguagem da imprensa enquanto

.arma alternativa contra a violência do regime.

A

CARICATURA BRASILEIRA NA VIRADA DO SÉCULO

Raul Pederneiras, Kalixto e J. Carlos

es-tréiam na imprensa quase ao mesmo tempo:

na virada deste século. Pode-se dizer que a

caricatura genuinamente brasileira surge a

78

R E V IS T A D E C IIÔ N C IA S S O C IA IS v .2 9 N . 1 /2 1 9 9 8

partir desta estréia. Com eles nasce a

carica-tura de autor, cada um mantendo um estilo

próprio que se evidenciava inclusive na

es-colha das temáticas.

Ao mesmo tempo, a incorporação de

novas técnicas de impressão libertava a

cari-catura do traço litográfico. Passa a

predomi-nar nas páginas o desenho ligeiro, de

apreensão rápida. Nas capas, os artistas ainda

se dão a requintes de elaboração. Mas esta

não se vale mais do pesado jogo de sombras e formas, vai ser antes o privilégio do uso da

cor o que predominará nas composições.

O marechal Hermes da Fonseca,

presi-dente do Brasil entre 1909 e 1915 ficaria

mais conhecido pelo apelido que lhe deu a

imprensa, "Dudu", e por sua enorme

urucu-baca" (azar). O governo Hermes sob a

tute-la do caudilho gaúcho, Pinheiro Machado, é

apenas a caricatura do que fora o governo

dos militares nos primeiros anos da

Repúbli-ca. Incompetência e azar se unem contra o

marechal-trapalhão, personagem predileto

dos caricaturistas (visto que perdeu apenas

para Getúlio Vargas). Predileto não só dos

humoristas do traço mas também dos

irreverentes da música popular, dos

carna-valescos de 1915 que lhe faziam marchinhas

e que se mascaravam de "Dudu", saindo

pe-las ruas a imitar a sua fala característica.

Na imprensa da época, o registro que

permaneceu não foi o das insurreições e

dos bombardeios nos Estados. Estes foram

superados de longe pela imagem caricata

do marechal-presidente. Na revistaPONMLKJIHGFEDCBAC a r e t a ,

a mais popular naquele período, toda a

se-mana se publicava a "última do marechal".

Magistralmente ilustrada por J. Carlos, a

"úl-tima do marechal" dizia respeito à burrice e

à ignorância que lhe atribuíam os

adversári-os. Foi na cara de perplexidade diante da

má sorte; no ar risonho e feliz de noivo de

air de Teffé " e na alegria com que

(7)

carica-. ra perpetuou as imagens de Hermes e de

seu governo.

Artur Bernardes 0922/1926)

gover-aando sob estado de sítio e restringindo a

berdade de imprensa, não tratou com bom

mor os que o satirizaram na crise que

.•.•tecedeujihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà posse. Tão logo esta

aconte-ceu foram chamados a depor pelo chefe de

lícia, Geminiano Franca, os compositores

::eire Júnior e Careca, autores da

- pularíssima "Ai, seu Mé", que

terneraria--::ente preconizava que o "seu Mé",

apeli-de Artur Bernardes, "lá no Palácio das

•.. ías'", olé" não haveria de pôr o pé.

Pre-, tambémPre-, entre muitos outros, foram o

rnalista Mário Rodrigues, diretor dePONMLKJIHGFEDCBAA M a -cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ã , e seu caricaturista, o célebre paraguaio

__-: rés Guevara, que trouxera para a

cari-_ ra brasileira um estilo novo. A

virulên-dos ataques da M a n h ã contra Bernardes

.eram a Mário Rodrigues dois processos

: L uns meses como hóspede car cerário

Estado.

Durante o ano de 1927, depois que

- _.•ardes deixou o governo, a imprensa

pro-- -eu a grande revanche. Bernardes se

reti-_ sob o fogo cerrado das sátiras e das

. ruras. Através de versinhos, charges e

. todas fortes, algumas rebarbativas,

jor-- e revistas se esmeravam em fazer em

_-o tempo o que não puderam fazer

du-.., quatro anos.

, .otabilizou-se nesta empreitada a revista

u i x o t e , fundada por Bastos Tigre, que

, va em seu corpo de ilustradores com a

--:...::.vv.raçãodos já célebres Kalixto e Raul e

o desenho mais jovem de Théo

(forte-•., influenciado por J. Carlos). Colaborava

::...,. om o D . Q u í x o t e um paulista genial:

- ate. São dele as melhores caricaturas

cresídente mineiro. a capa da C a r e t a ,

rase em que dela se afastou J. Carlos, o

. . - . . . : " - • • • ' 1o de Storni, compara Bernardes aos

::. res da Europa.

A

ERA VARGAS

A primeira República conheceu o

nasci-mento da verdadeira caricatura brasileira.

Co-nheceu também o seu apogeu. Com o governo

Vargas, começa um novo período, a imprensa

vai mudando, ampliando-se em jornais e

revis-tas, onde a fotografia prepondera. O espaço

da caricatura tende a se reduzir. Poucas, daí

em diante, serão as revistas especializa das no

gênero. A C a r e t a e OM a lh o , que alcançaram a

segunda metade do século, mudam de

roupa-gem, ampliando o espaço da crônica sobre

moda, do comentário político mais sisudo, da

crítica de cinema, dos concursos de misses.

Getúlio Vargas ocupou a presidência da

República entre ]930 e 1945 e voltou ao

po-der, pelo voto popular, em 1951. Vargas

as-sumiu o governo provisório em 1930, em meio

a uma revolução. Era um político cheio de

manhas, de poucas palavras, muito simpático

e que sabia ser duro com os adversários e

com os aliados na hora da necessidade.

Go-vernou em regime autoritário a partir de 1937,

quando, adotando o modelo das ditaduras

eu-ropéias de direita, deu o golpe de estado que

fundou o Estado ovo. Durante o seu

primei-ro governo, principalmente após as

fracassa-das tentativas de golpe dos comunistas em

1935 e dos Integralistas'? em 1938, houve

muitas prisôes e violências indescritíveis

fo-ram praticadas contra os presos políticos. No

entanto, essa imagem negativa de Vargas não

foi a que ficou na caricatura. Talvez por que

ela estivesse mais ligada ao período em que

houve censura prévia à imprensa (entre 1935

e 1945) ou talvez porque à imagem do

Getú-lio ditador se sobrepunha a do político

ladi-no, sempre driblando os adversários com

"carradas" de bom humor. Não se pode

es-quecer também que Vargas teve a seu favor a

ação de um Departamento de Imprensa e

Pro-paganda que, além de fazer a censura prévia

aos jornais e revistas publicados no país,

(8)

tribuiu, junto com os programas sociais, para

criar a imagem do Vargas "pai do pobres", o

político populista que criou a primeira

legis-lação trabalhista implantada no Brasil.

Figura de contornos fáceis de captar e

caricaturar, Getúlio mereceu a atenção de

qua-se todos os caricaturistas do período. Se a

complexidade do personagem escapava,

mui-tas vezes, aos políticos e mesmo ao povo, ela

era perfeitamente apreendida pela imprensa,

através de seus desenhistas de humor. Diz

Herman Lima:

ocbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

q u e r e s s a l t a , a n t e s d e m a i s n a d a , a l é m d a i n t e r p r e t a ç ã o fí s i c a d o m o d e l o , n o

t r a ç o d e T h é o , S t o r n i , j . C a r l o s , N á s s a r a e n a

m o d e r n í s s i m a H i l d a W e b e r , e m s u a s l i n h a s

i r ô n i c a s o u m a l i c i o s a s , é a p e r s o n a l i d a d e s i n

-g u l a r d o e s t a d i s t a c o n s u m a d o q u e , p o r m a i s

t e m p o , d o m i n o u o c e n á r i o p o l í t i c o n a c i o n a l ,

m e r c ê d a s u a i n s u p e r á v e l t á t i c a d e

e n v o l v i m e n t o e a n u l a ç ã o d e t o d o sjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo sp o d e r e s a r u a g õ n i c o s " .

Por Gip (Luís Peixoto), é ele

apresenta-do ora como mágico, ora como domador de

feras, mas sempre como o personagem do

circo da política, hábil e maroto. Todavia, a

c h a r g e que melhor o define é a de J. Carlos,

publicada na revista C a r e t a , em janeiro de

1937. Nela, aparece Getúlio em frente ao

Pa-lácio do Catete, pondo cascas de banana na

calçada e indagando: - Para que arame

farpa-do se é possível arranjar tufarpa-do com as

habitu-ais cascas de banana? Ou seja, para que a

força se posso fazê-los escorregar e cair com

as minhas mesmas velhas armadilhas?

As melhores caricaturas de Vargas

seri-am as que mencionavseri-am o seu continuísmo,

a vontade de permanecer na presidência

mes-mo depois de 1945, mesmo depois da

ade-são do Brasil aos Aliados, quando sua imagem

estava definitivamente identificada com a dos

ditadores europeus. A melhor é a de Théo,

80

R E V IS T A D E C IIÔ N C IA S S O C IA IS v.29 N . 1/2 1998

para o jornal O G l o b o , onde se faz um

troca-dilho com a palavra passageiro, no sentido

de pessoa que viaja no transporte coletivo e

no sentido de coisa que tende a passar. Do

mesmo gênero é outra de J . Carlos, onde

Vargas está no barbeiro, que faz sobre o

pen-teado escolhido o comentário: ..O freguês é

caprichoso. Ele quer ondulado, mas

"perma-nente".

A

CARICATURA DOS ANOS DE CHUMBO

Sob a influência do desenho moderno

do paraguaio Guevara, que chegou ao Brasil

ainda na década de 20, a caricatura se torna

mais angulosa, estilizada, econômica de

tra-ços. Surgem novos nomes como Ãlvarus,

Augusto Rodrigues e Nâssara. Um desenhista

como Théo, que surgira com um traço

marcadamente influenciado por J. Carlos, sob

a nova influência, adota o traço duro,

quebra-do. Em Guevara, especialmente, muitas

ve-zes o humor cede lugar à denúncia e algumas

de suas imagens sombrias, fazendo lembrar

G u e r n i c a de Picasso, menos convidam ao riso

do que à reflexão. De qualquer maneira,

Guevara é um estrangeiro e, os seus

seguido-res, se apreendem muito do seu estilo, do

caráter inovador do seu traço, acabam

sem-pre por voltar ao veio nativo, ao humor mais

debochado, mais benevolente, humor de país

do carnaval, o humor do homem cordial.

Herdeiro do estilo de Guevara, mas logo

seguindo trilha própria, Antônio Gabriel

Nássara foi o melhor caricaturista dessa

gera-ção. ássara que além de caricaturista foi um

grande compositor popular, autor de músicas

que marcaram muitos carnavais, é a síntese

mais perfeita da cultura carioca da década de

30 à de 50, no que esta cultura tem de mais boêmio, irreverente, musical. Seu traço

angu-loso, sempre representou de forma alegre,

(9)

que com isto se prejudicasse o potencial de

denúncia da caricatura que fazia. O tempo só

contribuiu para aprimorar sua capacidade de

síntese. Quando morreu, em dezembro do ano

passado, aos 86 anos, era ainda um artista

atuante e atual.

Em 1964, aconteceu no Brasil um

gol-pe militar que implantou um regime de

ex-ceção que se estenderia até 1985. Durante

este período, muitos brasileiros foram

pre-sos, torturados e mortos pelo aparelho

re-pressivo do Estado.

A partir de 1968, driblando com

dificul-dade a censura, o humor e a irreverência como

marca da tradição cultural brasileira, seriam

preservados através de OcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAP a s q u i m , editado,

como não poderia deixar de ser, no Rio de

Janeiro, a antiga capital do Brasil, que

perma-nece sendo, até hoje, sua capital cultural. Um

grupo do primeiro time de jornalistas e

cari-caturistas começou, justamente quando a

re-pressão iniciava sua marcha ascendente, a

publicação desse periódico iconoclasta que,

através da irreverência, atacaria os setores das

elites e da sociedade mais francamente

iden-tificados com o regime. Destaque merece o

traço de um grafismo elaborado mas também

de um humor genuinamente brasileiro de

Ziraldo, que reinterpretava a natureza do

bra-sileiro e debochava da repressão e do

conservadorismo das elites; o texto genial de

Millôr Fernandes, o papa do humorismo

naci-onal, que estabelecia correlações entre o

n o n s e n s e do regime de arbítrio e a veia

hu-morística nacional e as tirinhas de Jaguar,

cri-ador do personagem símbolo do jornal, o rato

Sig (de Sigmund Freud) que deixou impressa,

através da caricatura, a crônica dos costumes

cariocas daquelas duas décadas.

Uma outra expressão da caricatura que

estreou na imprensa nos anos 70, é Cássio

Loredano. Loredano foi um dos grandes

ino-vadores da caricatura brasileira daquele

perí-odo. Com ele, a caricatura perdeu em humor

e ganhou em sofisticação intelectual,

aproxi-mando-se das artes plásticas como forma de

expressão. Loredano é o nosso intelectual da

caricatura. Nele, a distorção inteligente da

imagem cria figuras, por vezes intrigantes, de

um grafismo elaborado, onde o artista, menos

que buscar conquistar seu público pelo

hu-mor fácil, obriga o espectador a trabalhar no

sentido de reconhecer as analogias. Loredano

conseguiu, num conjunto extremamente

ex-pressivo e sem palavras, produzir a

imagem-síntese do período, representação precisa do

tirano quase sem rosto, escondido atrás do

aparelho da repressão. Pois, durante aquele

período, menos do que a figura do "general

de plantão", como então se dizia, a tirania era

identificado pelos vitimados com o próprio

regime. Agrupar os generais que ocuparam o

poder durante aqueles anos foi um exercício

a que se dedicaram tanto o jovem Loredano,

quanto o veterano Nãssara.

Os irmãos Chico e Paulo Caruso, que

estrearam na imprensa também na década

de 70, trabalhando separadamente mas com

grandes identidades no traço e na

concep-ção, recuperaram para a caricatura brasileira

um pouco de seu papel de registro quase

fotográfico que tivera no tempo de Agostini.

Ao invés do traço duro, da excessiva

econo-mia de detalhes, a caricatura dos irmãos

Caruso, quando de sua estréia, retomava em

bico de pena, o compromisso com o traço

elaborado, com a composição detalhada dos

personagens.

Cordial, alegre, arejada, a caricatura

bra-sileira foi uma das mais fortes expressôes

cul-turais brasileiras. Seus tiranos, para nossa sorte

ou azar, jamais assumiram a cata dura mais

som-bria que seria o prêmio natural por suas

arbi-trariedades. Ao contrário disto, os presidentes

na República Velha seriam chamados na

re-presentação afetiva do Z é - P o v o , de P a p a i

G r a n d e . Tratamento recorrente nas

caricatu-ras do tempo, que era a continuidade da re-jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(10)

presentação paternal que se fazia, durante o

Império, dejihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAD . Pedro lI.

Tratamento que se prolongaria, com

outras expressões, até o último governo Vargas.

Após o seu suicídio, em agosto de 1954, sua

imagem paternal seria evocada nas cenas que

a fotografia guardou, do povo em prantos,

por todas as capitais do Brasil. A violenta

co-moção popular que então tomou as ruas, atesta

a continuidade do mesmo sentimento afetivo,

de natureza familiar em relação a

persona-gens da vida pública que Sérgio Buarque

iden-tificara como marca da brasilidade. Ao invés

do tirano e das cenas mais tenebrosas dos

porões de sua ditadura a imagem que ficou,

elaborada pela imprensa e pela caricatura foi

da político simpático, risonho e esperto.

Al-guém muito familiar, um velho conhecido,

quase um parente.

Hoje, estrategicamente menos

impor-tante do que foi no seu apogeu, a

caricatu-ra se encontra, no entanto, estabelecida

como uma das formas de expressão da

im-prensa. Ela se perpetua, até hoje, enquanto

quadro obrigatório da página central de

qua-se todos os grandes jornais do país. O

cari-caturista, ao registrar o momento histórico,

o fato político significativo do dia, compõe,

de certa maneira, um aspecto da

personali-dade de seu jornal, identifica uma

tendên-cia, firma uma posição.

NOTAS

Sobre estas práticas sociais que caracterizam até

hoje a sociedade brasileira ver o importante

tra-balho de Roberto da Mata,cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAC a r n a v a i s , m a l a n d r o s

e h e r ó i s .

Pseudônimo de Luís de Andrade, que a partir de

1890 se toma o principal articulista da R e v i s t a .

Seu prestígio de jornalista garante-lhe a vaga de

deputado na Assembléia acional Constituinte

Republicana.

82

R E V IS T A D E C I~ N C IA S S O C IA IS V .2 9 N . 1 /2 1 9 9 8

Deodoro da Fonseca (1827/1892) foi o primeiro

presidente do Brasil (1889/1891). Benjamin

Constant (1836/1891) foi um militar positivista

de grande influência sobre a juventude do

Exér-cito, contribuindo diretamente para a

Proclama-ção da República, da qual foi ministro Guerra e da Instrução no primeiro gabinete. Rui Barbosa,

(1849/1923), intelectual e político liberal de

gran-de atuação durante o final do Império e a

Pri-meira República (1889/1930), foi ministro da

Fazenda de Deodoro, duas vezes candidato à

Presidência e Senador. Quintino Bocaiúva (1836/ 1912), político, jornalista e escritor , conspirou

pela queda do Império e foi Ministro da

Agricul-tura e Relações Exteriores do primeiro gabinete. Várias vezes eleito Senador. Campos Sales (1841/

1913), foi Ministro da Justiça no mesmo

gabine-te dos outros e, presidengabine-te da República (1898/

1902), quando implementou uma política

eco-nômica extremamente austera, que minou sua

popularidade.

O melhor da vida social, cultural e mesmo política

do Rio de Janeiro, durante boa parte do século passado e início deste, acontecia numa rua do centro da cidade chamada rua do Ouvidor. Lá

fica-vam os cafés, os bares, as sedes dos grandes jor-nais e as melhores lojas de moda feminina. Era

uma artéria muito agitada e inspirou uma

infinida-de infinida-de artigos e alguns livros. Era moda entre a

fina flor da boêmia intelectual da nossa b e l l e

é p o q u e freqüentar as Confeitarias da rua do

Ouvidor, As mais famosas foram a Pascoal, a

Cailtaux e a Colombo (esta na rua Gonçalves Dias,

existe até hoje).

Nomes do grupo boêmio que liderou a vida

cultu-ral da cidade no Rio de Janeiro da virada do

sécu-lo. Olavo Bilac era então considerado o maior poeta

brasileiro e foi eleito o Príncipe dos Poetas. Seu

amigo, Coelho Neto, era o escritor mais

reconhe-cido e aclamado pela crítica e pelo público. De

estilo pesado, extremamente acadêmico, poucos de seus livros sobreviveram ao tempo. Emílio de

Menezes foi o maior dos satíricos do tempo, autor

(11)

a fazer parte de um repertório humorístico então

muito em voga.

6 José do Patrocínio (1854/1905) foi uma das

maio-res figuras da vida política e intelectual do Brasil

daquele período. Negro, ativista da campanha pela

Abolição, jornalista polêmico era também um bo-êmio inveterado, mais velho que Bilac e Coelho

Neto, era ligado ao grupo liderado por eles.jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

É curioso comparar esta com outra caricatura

publicada em 26/04/1927, por Guevara nocbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAM a

-n h ã . Sob o título "É ou não é", o autor apresenta

Washington Luiz diante de um espelho onde apa-rece a imagem de Bernardes. Também como na

caricatura da R e v i s t a I l u s t r a d a , aludindo ao fato

de que os atos do novo governo se iam asseme-lhando muito aos do anterior.

8 Citado por Eloy Pontes in:A v i d a e x u b e r a n t e d e

O l a v o B i l a c .Rio de Janeiro, LivrariaJosé Olympio

Editora, 1944, p. 209-21I.

9 A Central do Brasil é a gare de onde partem e

chegam os trens de subúrbio no Rio até hoje.

i o P l o r i a n o P e i x o t o m o r a v a n o s u b ú r b i o c a r i o c a

d a P i e d a d e , e v i n h a d e t r e m p a r a o c e n t r o d a

c i d a d e , o n d e fi c a v a o P a l á c i o d o I t a m a r a t i , e n

-t ã o s e d e d o G o v e r n o . A C e n -t r a l d o B r a s i l fi c a a

p o u c a s q u a d r a s d o I t a m a r a t i . D e p o i s q u e a P r e

-s i d ê n c i a fo i t r a n -s fe r i d a p a r a oP a l á c i o d o C a t e t e ,

e m 1897, l á fu n c i o n o u a s e d e d o M i n i s t é r i o d a s

R e l a ç õ e s E x t e r i o r e s , a t é 1 9 6 0 , q u a n d o a c a p i t a l

d o B r a s i l p a s s o u a s e r B r a s í l i a .

A d i p l o m a c i a d o m a r e c h a l . I n t e r v e n ç ã o e s t r a n

-g e i r a n a r e v o l t a d a A r m a d a , SérgioCorrêa da Costa.

Rio de Janeiro, Ed. Tempo Brasileiro, 1979,

prefá-cio de Francisco de Assis Barbosa.

- História sincera da República - de 1889 a 1930.

São Paulo, Edições LB, 1962, 2ª edição, p. 34.

., In:A Bruxa, a. 1, nQ

21, 26/6/1898.

.• A expressão é de Aristides Lobo, que fora

minis-tro de Deodoro e, depois apoiaria Floriano.

Dis-se ele que "O povo assistira bestializado à

Proclamação da República." No sentido de que o

povo estivera totalmente alheio ao

acontecimen-to. O cientista político e historiador, José Murilo

de Carvalho, recuperou-a em seu livro Os

B e s t i a l i z a d o s , 1989, onde analisa a reação do

povo diante daquele episódio e da Monarquia

que findara.

15 U r u c u b a c a foi uma palavra inventada pelo

cari-caturista Yantok para nomear o tremendo azar do Presidente Hermes da Fonseca. Hoje,

definitiva-mente incorporada ao vocabulário nacional, tem

o mesmo sentido de "azar, falta de sorte,

infortú-nio involuntário". Quem tem urucubaca, não só

tem azar como também atrai azar para qualquer pessoa ou empreendimento a que se associar.

16 Segunda mulher de Hermes da Fonseca, Nair de

Teffé era 30 anos mais nova que ele, bonita e boa caricaturista. O casamento aconteceu em 1912,

em pleno governo do Marechal.

17 O c o r t a - j a c a foi um ritmo da música popular brasileira, divulgado pela famosa maestrina

ca-rioca do começo do século, Chiquinha Gonzaga. O corta-jaca foi tocado no Palácio do Catete,

sede da presidência, para deleite do Marechal

presidente, da primeira dama e de seus

convi-dados, o que motivou um escândalo na

socie-dade brasileira do tempo que via a música de

origem popular como manifestação inferior das

artes.

18 Palácio das Águias era um dos nomes populares que

se costumava dar ao Palácio do Catete. V. nota lI.

19 A Ação Integralista Brasileira foi um

movimen-to de direita, surgido em 1932, que se inspirou

no fascismo italiano, arregimentou milhares de

militantes por todo o Brasil e reunia, na sua

li-derança, inúmeros intelectuais, escritores e po-etas brasileiros de tendências nacionalistas.

2 0 LIMA,Herman. H i s t ó r i a d a C a r i c a t u r a n o B r a

-s i l . Rio de Janeiro, José Olímpio, 1963, 4

volu-mes. p. 346.

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