• Nenhum resultado encontrado

A relação mãe-bebê na estimulação precoce : um olhar psicanalítico

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "A relação mãe-bebê na estimulação precoce : um olhar psicanalítico"

Copied!
133
0
0

Texto

(1)

AMANDA CABRAL DOS SANTOS GORETTI

A RELAÇÃO MÃE-BEBÊ NA ESTIMULAÇÃO PRECOCE: UM OLHAR

PSICANALÍTICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Profa. Dra. Sandra Francesca Conte de Almeida

(2)

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB G666r Goretti, Amanda Cabral dos Santos.

A relação mãe-bebê na estimulação precoce: um olhar psicanalítico. / Amanda Cabral dos Santos Goretti – 2012.

133f. ; il.: 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2012.

Orientação: Profa. Dra. Sandra Francesca Conte de Almeida

1. Mães e filhos. 2. Psicanálise infantil. 3. Comportamento humano. 4. Tratamento psíquico. I. Almeida, Sandra Francesca Conte de, orient. II. Título.

(3)

Dissertação de autoria de Amanda Cabral dos Santos Goretti, intitulada “A

RELAÇÃO MÃE-BEBÊ NA ESTIMULAÇÃO PRECOCE: UM OLHAR

PSICANALÍTICO”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em (data de aprovação), defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

______________________________________ Profa. Dra. Sandra Francesca Conte de Almeida

Orientadora – UCB Mestrado em Psicologia

_________________________________ Profa. Dra. Maria Cristina Machado Kupfer

Membro Externo – USP

__________________________ Profa. Dra. Viviane Neves Legnani

Membro Externo – UnB

_______________________________ Profa. Dra. Carmen de Jansen Cárdenas

Membro Suplente – UCB Mestrado em Psicologia

(4)

Aos meus pais, Cabral e Luzimar, que me convocam a “me dizer”.

(5)

AGRADECIMENTOS

À querida orientadora, Professora Doutora Sandra Francesca Conte de Almeida, por sua implicação subjetiva desde o acolhimento até o último instante, minha infinita gratidão e admiração.

Às professoras Doutora Maria Cristina Machado Kupfer e Doutora Viviane Neves Legnani, pela colaboração tão significativa na banca de qualificação e pela participação na de defesa; à Professora Doutora Carmem de Jansen Cárdenas, pelo aceite do convite à suplência.

Às professoras do Centro de Ensino Especial 02, pelas trocas sempre tão enriquecedoras. Obrigada pelo carinho, pelas contribuições e empréstimos dos livros!

Ao CEPAGIA, lugar onde sempre encontrei amigos e colegas que iluminam meu caminho profissional.

Aos familiares e alunos, que participaram da pesquisa e construíram comigo este trabalho.

Às professoras participantes desta pesquisa que, com muita gentileza e ética, se dispuseram a contribuir e fazer parte do processo.

À Doutora Carla Tomazolli, que, mesmo distante, continua fazendo parte da minha história profissional.

À minha família, sempre tão presente e motivadora, por ser meu porto seguro.

À Márcia Cabral, não só por me mostrar o caminho, mas por retirar dele algumas pedras.

À Daiane Caprine dos Santos, por tudo.

À Ananda, pelos serviços prestados, demonstrando, desde tão cedo, competência e generosidade.

(6)

GORETTI, A. C. A relação mãe-bebê na Estimulação Precoce: um olhar psicanalítico. 2012. 133f. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, 2012.

RESUMO

O profissional da Estimulação Precoce precisa refletir sobre a necessidade e a importância de promover a participação efetiva da mãe nos atendimentos realizados. Diante da dependência do bebê, durante seus primeiros meses de vida, ainda é a mãe a quem culturalmente cabe a função de cuidar e suprir as necessidades e demandas iniciais da criança. Mas como os profissionais da Estimulação Precoce concebem a relação entre mãe e bebê? Em que medida suas práticas e intervenções incluem o Outro no tratamento? Orientados pela perspectiva da psicanálise, investigamos as concepções e práticas de profissionais da Estimulação Precoce e o lugar que atribuem à relação mãe-bebê na intervenção profissional. Os instrumentos utilizados no estudo, entrevista e texto auxiliar, foram baseados no protocolo IRDI (Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvi8mento Infantil), que é capaz de predizer risco psíquico para a constituição subjetiva. Os dados foram analisados por meio da construção de núcleos de significação e sentido. Participaram 17 professores da Secretaria de Educação do Distrito Federal, que atuam com bebês com idade entre zero e 18 meses, no Programa de Estimulação Precoce. Os resultados indicam que profissionais que adotam modelos de intervenção voltados para a criança e seu diagnóstico realizam um desempenho ortopédico das funções de maternagem, enquanto que profissionais que adotam uma concepção e uma prática voltadas para a relação mãe-bebê são capazes de observar os indicadores do protocolo IRDI e de exercer suplência das funções materna e/ou paterna nos atendimentos. Portanto, a grande aposta que se faz, ao defender a relação mãe-bebê como foco de intervenção, é que, mediante essa estrutura, o profissional daria não apenas suporte instrumental-funcional capaz de atender as necessidades da criança, mas, também, suporte às operações constituintes do sujeito. Na perspectiva da articulação entre o sujeito que se constitui e o corpo que se desenvolve, propomos um reordenamento das concepções e práticas acerca da Estimulação Precoce. Além disso, apoiando-se na concepção psicanalítica de sujeito e lançando mão da aplicação do protocolo IRDI, o Programa de Educação Precoce do Distrito Federal, por ser um espaço que se ocupa da primeira infância, poderia vir a utilizar dispositivos clínicos capazes de detectar e encaminhar, a tempo, as crianças em situação de risco psíquico.

(7)

GORETTI, A. C. A mother-baby relationship in Early Stimulation: a psychoanalytic view. 2012. 133p. Thesis (Master in Psycology), Brasilia Catholic University, Brasília-DF, 2012.

ABSTRACT

The Early Stimulation professional needs to reflect on the necessity and importance of promoting the effective participation of the mother in the care provided. Given the dependence of the baby, during its first months of life, culturally fits to the mother the function of caring and also the needs and demands of early childhood. But how the professionals in the Early Stimulation conceive the relationship between mother and baby? To what extent their practices and interventions include the Another one in the treatment? Oriented from the perspective of psychoanalysis, we investigated concepts and practices of Early Stimulation professional and the place they assign the mother-baby relationship in professional intervention. The instruments used in the study, interview and auxiliar text, were based on the IRDI protocol, which is able to predict psychic risk for the constitution of subjectivity. The data were analyzed by the building of meaning and sense core. The participants were 17 teachers from the Education Department in the Federal District - Brazil, who work with babies aged between zero and 18 months, in Early Stimulation Program. The results indicate that professionals who adopt models of intervention for children and its diagnosis performance an orthopedic fulfillment of the infant-care practices, while professionals who adopt a concept and a practice focused on mother-baby relationship are able to observe the IRDI protocol indicators and to exercise the maternal and/or paternal functions in attendance. So the big bet made, to defend the mother-baby relationship as the focus of intervention, is that, through this structure, the professional would not only give instrumental-functional support capable of meeting the needs of the child, but also support the operations of the constitution of subjectivity. In perspective of the relationship between the subject that constitutes and the body that develops, we propose a reordering of concepts and practices about the Early Stimulation. Moreover, relying on the psychoanalytic concept of subject and making use of IRDI protocol, the Early Education Program in the Federal District - Brazil, as a space that occupies the early childhood, eventually could use medical devices able to detect and forward in time, children in psychic risk.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUZINDO A PESQUISA ... 11

1 O PROBLEMA INVESTIGADO ... 11

2 O PERCURSO PROFISSIONAL DA PESQUISADORA ... 18

CAPÍTULO I – A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E A ESTIMULAÇÃO PRECOCE: A PERSPECTIVA DA PSICANÁLISE ... 26

1.1 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO ... 26

1.1.1 A constituição do sujeito com possibilidade de risco psíquico ... 37

1.2 A ESTIMULAÇÃO PRECOCE ... 40

1.2.1 Breve histórico ... 40

1.2.1.1 A infância ... 40

1.2.1.2 O bebê com deficiência ... 42

1.2.1.3 A história da Estimulação Precoce ... 44

1.2.2 O cenário atual da Estimulação Precoce ... 46

1.2.2.1 Intervenções com foco na relação profissional-bebê ... 46

1.2.2.1.1 Programa de estimulação psicomotora ... 47

1.2.2.1.2 Terapia psicomotora... 48

1.2.2.1.3 Intervenção precoce ... 48

1.2.2.1.4 Educação precoce... 49

1.2.2.2 Intervenções com foco na relação mãe-bebê ... 50

1.2.2.2.1 Observação de bebês ... 51

1.2.2.2.2 Psicoterapia breve mãe-bebê ... 51

1.2.2.2.3 Psicanálise com bebês ... 52

1.2.2.2.4 Estimulação Precoce ... 53

1.2.2.2.5 Educação terapêutica ... 54

CAPÍTULO II – MÉTODO ... 57

2.1 OBJETIVO GERAL ... 57

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 57

2.3 PARTICIPANTES ... 57

2.4 SELEÇÃO DOS PARTICIPANTES ... 59

(9)

2.6 INSTRUMENTOS ... 59

2.6.1 Roteiro de entrevista ... 59

2.6.2 Texto auxiliar ... 59

2.6.3 Diário de campo ... 60

2.7 PROCEDIMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE DADOS DA PESQUISA ... 60

2.8 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS ... 63

CAPÍTULO III – RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS... 66

3.1 CARACTERIZAÇÃO GERAL DOS PARTICIPANTES... 66

3.2 CONSTRUÇÃO DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO: ENTREVISTA E TEXTO AUXILIAR ... 67

3.2.1 Bloco I – Concepção de Estimulação Precoce ... 71

3.2.1.1 Conteúdo temático: definição e objetivos ... 71

3.2.1.2 Conteúdo temático: referencial teórico-prático ... 75

3.2.1.3 Conteúdo temático: diferença entre Estimulação Precoce e Educação Precoce ... 78

3.2.2 Bloco II – Relação Mãe-Bebê ... 79

3.2.2.1 Conteúdo temático: conceito de Relação Mãe-Bebê ... 79

3.2.2.2 Conteúdo temático: identificação dos IRDI’s ... 81

3.2.2.3 Conteúdo temático: relação Mãe-Bebê no atendimento ... 85

3.2.3 Bloco III – Prática ... 90

3.2.3.1 Conteúdo temático: planejamento ... 90

3.2.3.2 Conteúdo temático: atendimento ... 92

3.2.3.3 Conteúdo temático: avaliação ... 96

3.2.3.4 Conteúdo temático: participação da mãe no atendimento ... 97

3.3 OBSERVAÇÃO DOS ATENDIMENTOS... 101

3.3.1 Bethânia ... 101

3.3.1.1 Alberto ... 101

3.3.1.2 Bruna ... 103

3.3.2 Vanessa ... 104

3.3.2.1 Carolina ... 105

3.3.2.2 Daniel ... 107

(10)

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 113

REFERÊNCIAS ... 116

APÊNDICE A – ROTEIRO ORIENTADOR DA ENTREVISTA ... 123

APÊNDICE B – TEXTO AUXILIAR DA ENTREVISTA ... 125

ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 126

ANEXO B – DECLARAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA ... 129

ANEXO C – PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO ... 130

ANEXO D – INDICADORES CLÍNICOS DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL (IRDI) (KUPFER et al., 2010) ... 132

(11)

INTRODUZINDO A PESQUISA

1 O PROBLEMA INVESTIGADO

Não há nenhuma possibilidade que um recém-nascido sobreviva sem ajuda de um semelhante, mesmo quando se encontra em seu estado clínico ótimo ao nascimento. Segundo Crespin (2004), a expectativa de vida na ausência de um semelhante é de quatro a cinco horas, se não estiver muito frio. Mas o fato de ser semelhante parece não ser suficiente. Para Freud além de ser da mesma espécie, esse outro deve ter o desejo que o recém-nascido sobreviva; alguém capaz não só de cuidar das necessidades orgânicas do bebê, mas que fará um investimento de amor estabelecendo assim o que Lacan (1995) chama de relação primordial, sustentada não só pela necessidade, mas, fundamentalmente, pela satisfação de prazer que permeará todo o processo de desenvolvimento do bebê (BASTOS, 2003; CRESPIN, 2004; LEVIN, 1995).

A demanda em si se dirige a algo mais do que as satisfações a que ela apela. Ela é a demanda de uma presença ou de uma ausência. Aquilo que a relação primordial à mãe manifesta, em estar grávida desse Outro a situar aquém das necessidades que ele pode suprir. Ela o constitui como já tendo o ‘privilégio’ de satisfazer as necessidades, isto é, o poder de privá-las da única coisa pela qual elas são satisfeitas. Esse privilégio do Outro desenha assim a forma radical do dom do que ele não tem, ou seja, do que se denomina seu amor (LACAN, 1996, p. 268).

(12)

É no intervalo entre esses dois significantes que vige o desejo oferecido ao balizamento do sujeito na experiência do discurso do Outro, do primeiro Outro com o qual ele tem que lidar, ponhamos, para ilustrá-lo, a mãe, no caso. É no que seu desejo está para além ou para aquém no que ela diz, do que ela intima, do que ela faz surgir como sentido, é no que seu desejo é desconhecido, é nesse ponto de falta que se constitui o desejo do sujeito (LACAN, 1993, p. 207).

Em outras palavras, o bebê se constituirá enquanto sujeito a partir do que a mãe diz, do que ela faz valer, do que ela significa segundo seus desejos. Portanto, os elementos psíquicos que farão parte do universo simbólico constitutivo desse sujeito, começam a ser construídos muito antes do nascimento: quando a mãe imagina como será seu bebê, com quem se parecerá, o que gostará de comer, de fazer, de vestir. Há, portanto um imaginário, uma expectativa, uma fantasia sobre o bebê que vai nascer que, juntamente com a história da família, o contexto social e cultural em que estão inseridos, permite o estabelecimento da relação primordial, a entrada deste grande Outro que possibilitará o desenvolvimento do bebê (BASTOS, 2003; CRESPIN, 2004; FREIRE, 2003; JERUSALINSKY, J., 2002; LAJONQUIERE, 1993). Segundo Kupfer (2010b), “[...] esse Outro é propriamente a estrutura da qual a criança pequena deverá extrair a argamassa e os tijolos com os quais construirá a sua subjetividade” (p. 270).

Ao nascimento então, quando o bebê tem finalmente um rosto, um corpo, um nome, inicia-se entre ele e este Outro um jogo de ação, espera e reação. A mãe se dirige ao seu bebê e aguarda dele uma resposta. À medida que ele vai respondendo novas ações vão sendo ofertadas e a relação primordial vai se fortalecendo. A mãe, desta forma, dá subsídios para que o seu bebê construa uma base psíquica que norteará as demais aquisições (CRESPIN, 2004; JERUSALINSKY, J., 2002).

(13)

função (CRESPIN, 2004). Se considerarmos as transformações culturais da atualidade, traduzidas pelo questionamento das tradições, o surgimento de novas estruturas familiares e a mudança dos papéis sociais de homem e de mulher, podemos perceber que esta função vem sendo desempenhada não só pela figura da mãe, mas por tantos outros que são colocados nesse lugar.

Falamos em vertente materna do laço primordial, pois há também uma vertente paterna que fornece os limites desta relação. A função paterna, portanto, é mais facilmente encarnada pelo pai, já que ele não pensa no seu filho como uma parte dele mesmo, podendo atuar como um operador psíquico de separação. O laço primordial na vertente paterna introduz a dimensão de alteridade, funcionando como mais uma dimensão que contribui para que o psiquismo da criança possa desenvolver-se (CRESPIN, 2004). Mais uma vez, ressaltamos que, numa estrutura familiar tradicional, o pai é quem mais comumente exerce essa função, mas podemos verificar que este lugar vem sendo ocupado por um avô, uma avó, um tio ou até mesmo pela própria mãe sem que isso produza efeitos negativos no desenvolvimento da criança. Segundo Santana e Lima (2006), a ausência do pai biológico, inclusive, pode ser suprida por outros ideais que estejam relacionados ao desejo da mãe.

A função paterna é o que possibilita a entrada da criança no meio social por meio dos cortes que rompem a relação primordial estabelecida entre a mãe e o filho. Mas essa função só se faz presente quando a mãe se destitui da posição de onisciência acerca de seu bebê e autoriza a entrada de um terceiro na relação (BASTOS, 2003; CRESPIN, 2004; FREIRE, 2003; GOMES, 2009; JERUSALINSKY, J., 2002).

Diante disso começamos a perceber a importância que a mãe ou quem quer que ocupe este lugar de grande Outro tem no desenvolvimento psíquico da criança e, consequentemente em seu desenvolvimento global.

(14)

(DISTRITO FEDERAL, 2010, p.104). Este tipo de intervenção, apesar de considerar os aspectos biopsicossociais do bebê em tratamento, privilegia os aspectos orgânicos desconsiderando, na maioria das vezes, a relação mãe-bebê como fator essencial do desenvolvimento. E quando a interação entre eles é estimulada, existe ainda a possibilidade de, diante um lugar de déficit que o bebê é colocado, a mãe não conseguir estabelecer o vínculo com ele de forma a armar uma estrutura psíquica que viabilize seu desenvolvimento. Assim, são colocadas em risco todas as possibilidades de aquisições dessa criança. O desenvolvimento dos aspectos motores, cognitivos, afetivos e sociais pode não acontecer de maneira satisfatória porque este vínculo primordial não foi estabelecido (CRESPIN, 2004; JERUSALINSKY, J., 2002; PICCININI, 2010).

Partindo destes pressupostos, o profissional da Estimulação Precoce deve refletir acerca da necessidade e da importância de promover a participação efetiva da mãe nos atendimentos. Neste trabalho, portanto, optamos por investigar a relação mãe-bebê ou, mais especificamente, a função materna, mesmo acreditando na importância de toda a estrutura familiar para o desenvolvimento infantil, respaldados, inclusive, por Lacan (2002), que afirma ser a família a condutora dos processos fundamentais do desenvolvimento psíquico. Todavia, diante da dependência e do desamparo do bebê durante seus primeiros meses de vida, ainda é à mãe a quem culturalmente cabe a função de cuidar e suprir as necessidades e demandas iniciais do filho. Isso se evidencia na prática, pelo fato de a maioria dos bebês serem levados por suas respectivas mães às consultas médicas e atendimentos especializados.

Mas como será que os profissionais da Estimulação Precoce concebem a relação entre mãe e bebê? Em que medida suas práticas e intervenções incluem o Outro no tratamento do bebê?

(15)

visam, sobretudo, funcionalidade e utilidade. Esquecemo-nos da primeira pergunta que deveríamos fazer ao iniciar uma intervenção com bebês colocada com muita propriedade por Molina (1998): “Quem é este bebê que ainda não fala, que antes de começar a ser no laço familiar, já pode ter sua estruturação psíquica ameaçada e, portanto, também impedida sua possibilidade de futura integração social?” (p. 11).

Segundo Santana e Lima (2006), os atendimentos voltados para bebês reduzem-se a métodos e técnicas que visam à correção de um desvio maturacional, substituindo as esteriotipias das crianças por outras mais aceitas socialmente, o que impede que a intervenção tenha efeitos subjetivantes.

Para levar em consideração os aspectos psicológicos da criança, podemos recorrer às teorias psicológicas cognitiva, social, diferencial, do desenvolvimento, da aprendizagem, entre outras. Estas psicologias, segundo Almeida (1994), têm como objeto o sujeito psicológico, ou seja, o sujeito da consciência, do ego, dos comportamentos. Cada uma delas produzirá um determinado discurso de acordo com a fragmentação que farão do objeto.

Uma outra possibilidade é buscar a fundamentação teórica da Psicanálise, cujo objeto não é o sujeito psicológico visto que não se apoia na consciência, mas no inconsciente, baseando-se nos processos de constituição dos sujeitos humanos (ALMEIDA, 1994).

Assim, a Psicanálise contribui neste processo de pensar para além do orgânico (PEREIRA, 2009). Segundo Legnani e Almeida (2009), ela recusa o enfoque no déficit e vai acessar aquilo que o bebê necessita não só para desenvolver-se, mas para constituir-se enquanto sujeito. Como aponta Mannoni (1999), a realidade da doença não é subestimada pela Psicanálise, mas há uma preocupação em como a situação real é vivida não só pela criança, mas pela sua família. Para Teperman (2005), adotando esta perspectiva, a Psicanálise pode auxiliar pais desorganizados por uma diferença inesperada a retomar o desejo ao qual o corpo danificado impôs um obstáculo, minimizando os efeitos negativos que essa desorganização pode causar na constituição do sujeito.

(16)

pelas áreas da Saúde e da Educação que diverge da noção de sujeito adotada pelas teorias psicanalíticas.

A Psicanálise é capaz de introduzir no campo das Ciências da Saúde, como vem fazendo na Educação, um conceito fundamental de “sujeito” que pode dar suporte a uma nova maneira de intervir. Diferentemente da Psicologia e da Filosofia, que propõem o sujeito cartesiano da consciência e do conhecimento, “Penso, logo existo”, a Psicanálise vem conceituar “sujeito” fora dessa noção de completude e consciência, adotando uma concepção baseada na definição originária da palavra sujeito (do latim subjectum) que quer dizer aquele que está sujeitado, submetido (KUPFER, 2010). “O sujeito do enunciado (sujeito psicológico) pensa, raciocina, expressa necessidades, interesses, temores. O sujeito da enunciação (sujeito psicanalítico), recalcado e inconsciente, deseja” (ALMEIDA, 1994, p. 24).

Para a Psicanálise não se trata então de um sujeito livre e autoconsciente, mas de um sujeito descentrado, efeito da linguagem e do discurso, dependente do sistema linguístico, preso ao discurso do Outro (ALMEIDA, 1994; BASTOS, 2003; LEVIN, 1995; KUPFER, 2010b).

O sujeito é uma noção que não coincide com as noções de EU ou de personalidade, mas uma instância psíquica inconsciente. Constrói-se desde o início da vida de uma criança a partir de um campo social pré-existente – a história de um povo, de uma família, do desejo dos pais – mas a partir dos encontros, intercorrências e acasos que incidem na trajetória singular da criança (KUPFER, 2010b, p. 50).

Adotando, pois, este conceito de sujeito e considerando então as várias vertentes dentro da Psicanálise, optamos por abordar o ponto de vista da psicanálise lacaniana neste estudo para sustentar que este sujeito do inconsciente é estruturado como uma linguagem que, por sua vez, só se constitui por intermédio do Outro e, portanto, nosso discurso, nossa imagem e nossos desejos são produzidos e sustentados pelo Outro (LACAN, 1979), o que justifica e fundamenta uma intervenção na Estimulação Precoce focada na relação entre o bebê e seu primeiro cuidador que é quem primeiro empresta discurso, imagem e desejo a este novo sujeito que se constitui.

(17)

Depois de compreender mais a fundo de que sujeito estamos falando, abordaremos como este sujeito se constitui pois este é o foco de uma concepção psicanalítica acerca da intervenção na Estimulação Precoce. Investigaremos as concepções e as práticas dos profissionais que atuam na Estimulação Precoce para entender como a relação mãe-bebê é levada em conta durante os atendimentos. Por fim, faremos uma análise da prática e das concepções adotadas pelos profissionais a partir da teoria da Psicanálise. Não restringiremos, pois, a nossa investigação a nenhum tipo específico de transtorno psíquico ou orgânico já que a Estimulação Precoce é uma intervenção que atua, na maioria das vezes, num tempo de indefinição diagnóstica e, na sua totalidade, atua, ou deveria atuar, no bebê e não na patologia. (JERUSALINSKY, J.,2002).

Para Oliveira e Ponte (1996), as concepções desempenham um papel estruturante no pensamento e na prática do profissional. Assim, relacionar concepção e prática possibilita a conexão entre pensamento e ação que permeiam as intervenções em Estimulação Precoce (LIMA, 2007). Estudar as concepções dos profissionais da Estimulação Precoce implica considerar não só o conhecimento técnico do professor, mas o conhecimento adquirido ao longo de suas experiências, sejam elas pessoais ou profissionais, o que influi significativamente na forma como este(a) vê e interpreta seu fazer e seus percursos formativos (LIMA, 2007). Portanto, as concepções caracterizam-se por construtos sempre atualizados e organizados pelas situações vividas, pelos questionamentos que surgem ao longo da prática e da formação e pela influência do meio social e cultural. Revelam não um conhecimento científico, mas prático, cuja subjetividade está subentendida nas crenças, nos significados, conceitos, proposições, regras, imagens mentais, preferências e gostos de cada entrevistado (LIMA, 2007).

(18)

2 O PERCURSO PROFISSIONAL DA PESQUISADORA

Pensemos primeiramente num bebê desejado e planejado. A expectativa do nascimento. As antecipações já desde a gestação sendo formuladas pelos pais: a cor dos olhos, a boca, o nariz, o temperamento, o primeiro passo, a primeira palavra, a profissão. De repente, uma intercorrência: um parto prematuro, a detecção de uma cardiopatia no bebê, uma encefalopatia causada durante o parto, ou qualquer outro evento que ponha em risco o desenvolvimento da criança. E tudo o que fora desejado, planejado, antecipado pelos pais, dá lugar a médicos especialistas e inúmeras intervenções. Os cuidados iniciais da mãe são substituídos por cuidados médicos. Vários especialistas, cada qual encarregado por uma área específica, numa aposta multidisciplinar de que a melhora isolada em cada área produzirá melhoras gerais no desenvolvimento do bebê. No lugar do filho entra em cena um corpo danificado. No lugar do nome da criança aparece um diagnóstico ou a procura incessante por um. No lugar de um futuro, uma incógnita.

Mas ao longo desse processo de consultas, exames, a espera de um diagnóstico e a busca pela cura, as questões dos pais e as produções do bebê encaminham-se para além das técnicas e das intervenções, dando voz a uma demanda que extrapola os aspectos orgânicos. A mãe começa a questionar a utilidade de determinada manobra realizada com seu bebê, a criança chora incessantemente durante as intervenções, o pai estuda na internet sobre o possível diagnóstico do filho. Estas são apenas algumas situações para exemplificar como a postura dos pais e do bebê indica necessidades que superam a proposta de tratamento puramente voltada para a patologia. Quando isso acontece, os profissionais ora colocam os pais para fora da sala, para que não impeçam o andamento do programa com suas questões, ou para dentro da sala, para dar-lhes orientações técnicas acerca de como proceder com o bebê. Portanto, o olhar do especialista se volta para um lugar físico que os pais devem ocupar no tratamento, desconsiderando o lugar que os pais demandam para que sua relação com seu filho se estabeleça (JERUSALINKY, J., 2002).

(19)

inclusive, que o excesso de intervenção substitui o nome da criança por seu diagnóstico gerando efeitos iatrogênicos em seu desenvolvimento psíquico.

Portanto, falaremos neste estudo sobre um dos tipos de intervenção que bebês são submetidos quando há algum atraso no seu desenvolvimento: a Estimulação Precoce. Como ela proporciona, ou deveria proporcionar a diminuição dos riscos de um bebê vir a apresentar um transtorno psíquico ao longo de seu desenvolvimento. Para isso, não definiremos um grupo específico de bebês com um mesmo diagnóstico já que a Estimulação Precoce atende crianças com os mais variados diagnósticos, crianças sem diagnóstico que apresentam atraso no desenvolvimento e crianças que não possuem nenhuma patologia ou atraso aparente em seu desenvolvimento, mas que são consideradas de risco. Além disso, como já mencionado anteriormente, é preciso focar este tipo de intervenção no bebê e não em sua patologia (BERNARDINO, 2007; JERUSALINSKY, J., 2002).

Para compreender estes riscos e começar a pensar no lugar que os pais devem ocupar no atendimento da Estimulação Precoce levei um tempo. E já para ilustrar que o que constitui o sujeito e marca suas escolhas tem a ver com fatores simbólicos situados em tempos culturais, históricos, sociais e individuais muito peculiares e devem ser levados em consideração, voltarei a um tempo da minha história que revelam informações a respeito da construção desta pesquisa, apesar de tempos muito anteriores já terem produzido efeitos que também a modelam.

No Ensino Médio decidi que iria trabalhar com crianças com necessidades especiais. Mesmo não havendo na minha família próxima (pais, irmãos, tios e primos) pessoas com necessidades especiais, esse público sempre me fascinou. Conversando com parentes, professores e amigos, decidi fazer simultaneamente os cursos de Fisioterapia e Educação Física. Queria ser reconhecida profissionalmente e supunha que proporcionar o desenvolvimento da motricidade de crianças com distúrbios no desenvolvimento motor seria o caminho para este reconhecimento já que uma das primeiras questões que aparece aos pais destas crianças é se elas andarão. E eu seria a responsável por tal façanha.

(20)

funcionamento normal do ser humano, faziam referência às questões psicológicas do desenvolvimento, tão entrelaçadas às patologias que estudei na Fisioterapia e úteis à prática clínica que estava disposta a desenvolver.

Na prática, desde os estágios, busquei imediatamente o público infantil. Mesmo estando certa que gostaria de trabalhar com crianças com necessidades especiais, fui orientada a conhecer e nunca perder de vista o desenvolvimento dentro dos padrões normais. Assim, atuando como professora de Educação Física de alunos da Educação Infantil de uma escola particular, tive contato com o universo da “normalidade”, das possibilidades que cercam as crianças que não têm limitações orgânicas. Lá, encantei-me com a vitalidade das crianças, com a capacidade que elas têm de aprender umas com as outras, com toda a afetividade que envolve o aprender, o desenvolver-se. Só então comecei a entender sobre a zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (1994) e a questionar a utilidade dos testes aplicados às crianças com limitações orgânicas que visam detectar em que fase do desenvolvimento elas se encontram. Para Vygotsky (1994), aquilo que a criança consegue fazer com ajuda dos outros poderia ser muito mais indicativo de seu desenvolvimento do que aquilo que ela consegue realizar sozinha. Essa hipótese não é considerada nos testes comumente realizados com bebês e crianças que apresentam atraso em seu desenvolvimento.

(21)

Precoce, como utilizar as técnicas fisioterápicas sem perder de vista o aspecto psicológico que compõe o desenvolvimento global de um bebê.

Fiz um curso de especialização em Fisioterapia Neurológica em 2001-2002 onde aprendi técnicas de reabilitação, como, por exemplo, a abordagem clássica mais utilizada na clínica fisioterápica com bebês desde a década de 1980, no Brasil, denominada método Bobath, que, sinteticamente, consiste na facilitação motora por inibição de padrões tônicos patológicos através de pontos chave de controle (BOBATH, 1990). Mais uma vez, minha formação limitava-se às questões orgânicas. O discurso e a literatura utilizados no curso falavam sobre o desenvolvimento global, a importância do lúdico na aplicação das técnicas, a necessidade de considerar as particularidades de cada paciente, mas não falava sobre as implicações dessas intervenções no desenvolvimento dos aspectos psicológicos daqueles que recebem tratamento. Tanto na Educação como na Fisioterapia me deparei com um saber absoluto, atrelado unicamente pela consciência. Percebi que o enfoque universal dado às teorias do desenvolvimento, até mesmo àquelas que consideram as influências socioculturais, acaba padronizando e classificando comportamentos e os profissionais que se utilizam destas teorias parecem estar mais preocupados em identificar em qual etapa do desenvolvimento seu aluno, cliente ou paciente se encontra do que conhecer sua singularidade (BASTOS, 2003).

(22)

Constatava então, de um modo empírico, que as aquisições da criança estão diretamente ligadas à relação que ela estabelece com o outro, mas não um outro qualquer e sim um outro que estabelece com ela um vínculo de amor, alguém que a Psicanálise denomina de Outro Primordial (BASTOS, 2003; GOMES, 2009; JERUSALINSKY, A., 1999; JERUSALINSKY, J., 2002).

Comecei a trabalhar como fisioterapeuta numa clínica interdisciplinar que atende crianças e adolescentes. Esta clínica tem como eixo norteador de sua prática a Psicanálise. Foi lá que, pela primeira vez, deparei-me com textos que abordavam os aspectos estruturais e instrumentais do desenvolvimento infantil. Conheci parte da produção escrita de Julieta Jerusalinsky (2002) que afirma que o bebê desenvolve-se, desde que atrelado a um desejo de um outro não anônimo, e é por isso que o cuidado do bebê não deveria limitar-se a um plano orgânico mas também na relação estabelecida entre ele e seus pais. Tive acesso, pela primeira vez, à literatura que realmente fundamentava a prática que eu acreditava como sendo a mais eficiente, a prática que tem um olhar voltado para as capacidades da criança com limitações orgânicas, mas que considera as questões relacionais e afetivas como fundamentais para o êxito de qualquer intervenção. Mas isso é o que tem em comum entre a Psicanálise, as teorias sócio-históricas e psicogenéticas de Vygotsky e Wallon (LEGNANI; ALMEIDA, 2004). Questionei-me então sobre o lugar que os pais têm ocupado não só nos atendimentos, mas na vida destas crianças. Para que um bebê realize os atos motores tão esperados pelos pais e especialistas, este bebê precisa, primeiramente, conhecer o desejo por meio do desejo do outro. E aí, encontra-se a diferença entre a Psicanálise e as demais teorias: para a Psicanálise, a constituição do sujeito acontece no seio da cena edipiana que atrela o desenvolvimento da criança à relação que estabelece com seus cuidadores (LEGNANI; ALMEIDA, 2004).

(23)

Ingressei na Secretaria de Educação do Distrito Federal em 2007 atuando como professora de Educação Física no Programa de Educação Precoce que atende crianças de zero a três anos de idade encaminhadas por médicos com as mais variadas queixas: atraso global do desenvolvimento, prematuridade, síndrome de Down, anóxia perinatal, cardiopatia congênita, dentre tantos outros diagnósticos.

A partir deste momento, as minhas angústias começaram a tomar uma forma mais investigativa, começaram a transformar-se num problema científico.

Percebi que as escalas de desenvolvimento utilizadas para orientar o trabalho pedagógico, como, por exemplo, a escala de Denver II (FIGUEIRAS, 2003) desconsidera os aspectos psicológicos da criança que está em atendimento. Existe uma preocupação exclusiva em estimular que o aluno faça o que está descrito nas escalas, como relata também Bolsanello (1998) numa pesquisa realizada no programa de Estimulação Precoce oferecido em Londrina, no Paraná. Estes testes são conjuntos de itens construídos através do exame de desempenho das crianças de uma amostra de padronização que comparam o desempenho das crianças segundo sua idade cronológica (BAYLEY, 1993). Já de antemão deparamo-nos com três fatores que devem ser considerados: estes testes não são validados para a população brasileira, não estão adequados para crianças que possuam prejuízos severos nas suas habilidades funcionais e limitam-se a avaliar um nível motor e um nível mental de desenvolvimento. Segundo Dor (2003), o simples fato de a criança descobrir o rosto coberto por um lenço (ato muito estimulado nos atendimentos) não quer dizer muita coisa se não estiver atrelado ao desejo da criança em realizar este ato. Para ele é preciso compreender as dimensões psicoafetivas da criança para que não estimulemos fazeres vazios, ou seja, para que a criança não faça por fazer, mas que saiba aplicar aquilo que aprende em contextos diversos.

Por estar envolvida neste universo da intervenção em bebês, resolvi investigar o lugar atribuído à relação mãe-bebê nas concepções e práticas de intervenção de Estimulação Precoce pelos professores que atendem crianças de zero a 18 meses de idade na Secretaria de Educação do Distrito Federal.

(24)

Promover o desenvolvimento das potencialidades da criança de 0 a 3 anos no que se refere aos aspectos físicos, cognitivos, psico-afetivos, sociais e culturais, priorizando o processo de interação e comunicação mediante atividades significativas e lúdicas, assim como a orientação, o apoio e o suporte à família e ao processo verdadeiramente inclusivo fundado na dimensão humana (Distrito Federal, 2006, p.11).

Os programas que atuam segundo o objetivo exposto, portanto, não consideram a criança como um sujeito (o sujeito conceituado pela Psicanálise). Este tipo de intervenção adota, na maioria dos modelos propostos, uma acepção predominante na cultura ocidental atual, ou seja, que considera a criança especial como um indivíduo, que possui suas singularidades e, apesar delas, deve ser incluído na sociedade (KUPFER, 2010b). Mas, na prática, na intervenção dos professores, como aparece esse conceito de sujeito? Como esse processo de desenvolvimento de potencialidades dos bebês é promovido? E o discurso destes profissionais, será que está em consonância com a prática e com a teoria adotada pelo programa? Quais seriam as contribuições de passar a ver a criança como sujeito e não apenas como indivíduo?

Segundo Alfredo Jerusalinsky (1999), o verdadeiro objetivo da Estimulação Precoce ou de qualquer tipo de intervenção voltada para bebês seria “[...] prover apoio à mãe a fim de reconstruir a função materna ou substituí-la quando necessário e assim facilitar a interação mãe-bebê a ponto de a mãe desejar investir no desenvolvimento do filho” (p.64).

Esta indicação de Alfredo Jerusalinsky (1999) adota uma acepção de sujeito da Psicanálise. Nesta abordagem, o sujeito a ser tratado não será pensado como sujeito agente e livre como é o sujeito da Educação, mas como um sujeito-efeito da estrutura da linguagem e do discurso do Outro. O sujeito, para a Psicanálise, está posicionado na convergência entre as forças libidinais e as práticas socioculturais que ele só terá acesso pela via do discurso do Outro (KUPFER, 2010b; LEVIN, 1995).

(25)
(26)

CAPÍTULO I – A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E A ESTIMULAÇÃO PRECOCE: A PERSPECTIVA DA PSICANÁLISE

1.1 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO

A troca de expectativas, de olhares e desejos entre a mãe e seu bebê, funciona como uma rede que captura o bebê para depois movê-lo no sentido de separar-se da mãe e constituir-se sujeito (BASTOS, 2003). Nas palavras de Jardim (2010), “[...] o sujeito psíquico advém de uma operação que vai do corpo à imagem, da imagem à palavra e da palavra ao desejo” (p.227).

Como afirma Bernardino (2008), o bebê já nasce com uma vocação para ser sujeito, mas vai ter de receber da mãe, ou de quem quer que esteja investido desse Outro, o significante que marcará o corpo do bebê.

O bebê, que nada sabe de si, para aceder a uma condição de ser falante, carece de marcas que fundem nele uma história: a mãe, ao pegar seu bebê, ao trocá-lo, ao amamentá-lo, ao dirigir-lhe palavras, faz muito mais que pegar, tocar, falar; junto com os atos que promove no corpo da criança, a mãe testemunha a participação dela no mundo dos homens, ela oferece a linguagem, oferece o que Lacan denominou ‘tesouro dos significantes (JARDIM, 2010, p.228).

Num momento posterior, o modo como a criança é olhada pelos adultos, percebida por eles, e a maneira como ela reage a isso também vai construindo seu olhar sobre si, marcando sua história, suas simbolizações, orientando suas escolhas. Para Lacan (1995), todos estes acontecimentos que marcam a constituição psíquica de cada sujeito envolvem três dimensões: o real, o imaginário e o simbólico. O real tem relação com aquilo que é da ordem do impossível, do não representável; o imaginário tem relação com as imagens, com a dimensão enganosa do sujeito e o simbólico com a linguagem, com as leis que regem o inconsciente. A linguagem não é um meio de comunicação e expressão, não é uma função a ser estabelecida ou reabilitada. A linguagem é o que constitui de fato o universo simbólico. Ela existe antes do sujeito e não a partir dele (LEVIN, 1995).

(27)

ser vivenciada de três maneiras: pela frustração, pela privação e pela castração (LACAN, 1995).

A frustração, segundo a teoria analítica descrita por Lacan, está ligada à investigação dos traumas, fixações, impressões, provenientes dos primeiros anos de vida.

A frustração é, pois, considerada como um conjunto de impressões reais, vividas pelo sujeito num período de desenvolvimento em que sua relação com o objeto está centrada habitualmente na imago dita primordial do seio materno, como referência ao qual vão se formar nele o que chamei há pouco de suas primeiras vertentes, e inscrever-se suas primeiras fixações, aquelas que permitiram descrever os tipos de diferentes estados instintuais (LACAN, 1995, p. 62-63).

Assim, a frustração é um dano imaginário causado por um objeto real desejado, que não é obtido (LACAN, 1995).

Neste evento, o agente causador é a mãe por meio da presença-ausência. A privação pode ser considerada como uma falta real de um objeto simbólico. Por ser real, esta falta não se encontra no sujeito.

“O furo real da privação é justamente uma coisa que não existe. Sendo o real pleno por sua natureza, é preciso, para fazer um furo real, nele introduzir um objeto simbólico” (LACAN, 1995, p. 255).

Em outras palavras, Lacan (1995) reafirma:

“Para que o sujeito tenha acesso à privação, é preciso que ele conceba o real como podendo ser diferente do que é, isto é, que já o simbolize” (LACAN, 1995, p.54-55).

Na privação, o agente da operação é o pai imaginário.

(28)

Estes três eventos, portanto, permeiam e sustentam o que Lacan chama de “complexos familiares”. Para ele, os complexos são momentos críticos da infância que organizam o psiquismo e são dominados por fatores históricos, sociais e culturais que compõem as dimensões real, imaginário e simbólico, já que os modos de organização da autoridade familiar, as leis de sua transmissão, os conceitos de descendência e do parentesco que a ela estão unidos, as leis da herança e da sucessão que aí se combinam, interferem diretamente no desenvolvimento psíquico da criança (LACAN, 2002).

Estes complexos definem como se dará o processo de constituição do sujeito, e por considerar a família o pilar dos processos mais importantes do desenvolvimento psíquico, estes complexos foram denominados familiares. O elemento fundamental do complexo é a representação inconsciente que se revela através dos sonhos, atos falhos e chistes muito estudados por Freud (LACAN, 2002).

A) Complexo do desmame

O primeiro complexo é a primeira crise do psiquismo observada no ser humano e foi denominado por Lacan de complexo do desmame. Este funda os sentimentos mais primitivos e estáveis de vínculo da criança especialmente com sua mãe.

“O complexo do desmame fixa no psiquismo a relação da alimentação, sob o modo parasitário que as necessidades dos primeiros meses de vida do homem exigem; ele representa a forma primordial da imago materna” (LACAN, 2002, p.22).

Em outras palavras, a amamentação satisfaz não só o bebê, mas também os desejos mais primitivos de quem o alimenta. Nesta relação dialética de amor, a criança passa a ser capaz de tomar-se como objeto de amor da mãe, sabendo que é ela quem dá prazer à mãe, dá satisfação de amor (LACAN, 1995). Por isso o desmame apresenta-se inicialmente na ambivalência de aceitação e resistência a ele tanto por parte da mãe como do bebê, mesmo que uma destas atitudes prevaleça sobre a outra.

(29)

autônoma) enquanto que o desmame é a experiência de separação que implica numa falta daquilo que satisfaz, portanto fundante de desejo.

Assim, este complexo revela que, a relação entre mãe e bebê estabelecida pela amamentação não é instintiva, já que, no ser humano, é a regulação cultural que condiciona não só a amamentação como o desmame (LACAN, 2002). Para ilustrar esta afirmação, podemos pensar nas campanhas do Ministério da Saúde incentivando o aleitamento materno, na preocupação que as mães têm do leite “secar” ou não ser “forte” para seu bebê, nos casos de crianças que mamam até os seis anos de idade, mesmo já sendo alimentadas por outras vias.

Não sendo, pois, um instinto, nesta fase, já há um início de evolução psíquica, uma construção de imagem do objeto de satisfação (BASTOS, 2003). Mas ainda não podemos falar em autoerotismo, visto que não há um eu constituído; nem em narcisismo, pois ainda não há imagem do eu (LACAN, 2002).

Neste complexo, a mãe, que é o agente simbólico, ou seja, o grande Outro encarnado, funciona como termo essencial da relação do bebê com o seio materno (objeto real) que é o objeto de satisfação. Quando a mãe passa a não responder mais, ou só responde a seu critério, ela sai dessa estruturação e se real, torna-se uma potência. A partir de então, quando a mãe sai da sua posição simbólica para assumir a dimensão do real, os objetos oferecidos por ela, que eram meramente objetos de satisfação, tornam-se objetos simbólicos (LACAN, 1995).

Em outras palavras, a partir desse jogo de presença e ausência, a mãe torna-se real e o objeto, simbólico. O objeto passa a valer, a partir destorna-se evento de frustração, como prova de potência materna (LACAN, 1995).

Precisamos nos atentar para as vertentes do laço primordial presentes neste complexo, que vão garantir esta construção psíquica: a amamentação que sustenta a função materna e o desmame que caracteriza a função paterna de separação.

Assim, os prelúdios do processo de constituição do sujeito estão atravessados pela mediação psíquica realizada durante os complexos, a inscrição no mundo simbólico a partir do Outro, a percepção da presença e da ausência materna estabelecida incialmente na amamentação e no desmame, sua fusão inicial com a mãe e sua separação (BASTOS, 2003).

(30)

alienante (a amamentação) e um ato de separação (o desmame). Assim, podemos identificar neste complexo o “princípio de prazer”, manifestado pela relação que o bebê estabelece com o seio materno (objeto) e o “princípio da realidade”, baseado no fato de que o bebê deve aprender a abster-se deste objeto. Para Lacan (1995), o que estrutura a constituição do sujeito é a vivência destes princípios por meio da articulação de quatro operações muito bem explicadas por Julieta Jerusalinsky (2011):

• O estabelecimento da demanda – é a correspondência entre as urgências vitais do bebê e o que sua mãe pontua como uma significação capaz de produzir satisfação aliada à lei simbólica.

• A suposição de sujeito – quando a mãe supõe que seu bebê é o portador da resolução do enigma sobre seu desejo e, assim, o supõe enquanto sujeito nesse laço.

• A alternância – quando a mãe não se coloca em pura ausência ou pura presença nos cuidados exercidos, criando um cenário de constante presença-ausência: olhar-não-olhar; voz-silêncio; fome-saciedade; sono-vigília.

• A alteridade – quando a mãe não toma o bebê como puro objeto de sua satisfação e não coloca essa satisfação acima da lei.

Embora todas estas operações evidenciem a função materna, o bebê também precisa possuir uma postura ativa que está vinculada à sua capacidade fisiológica de provocar na mãe reações que desencadeiem estas operações. Por isso, um bebê que, por um comprometimento neurológico está impossibilitado de olhar para sua mãe, coloca em risco sua constituição enquanto sujeito.

B) Complexo de intrusão

(31)

como uma identificação mental e não como uma manifestação de rivalidade (BASTOS, 2003).

Mais uma vez, a vertente materna, que estabelece a fusão entre a mãe o bebê, é barrada pela vertente paterna, que apresenta ao bebê uma nova realidade por meio da entrada de outros sujeitos em sua vida. Há neste momento um corte realizado pela função paterna, mas que só opera com o consentimento de quem realiza a função materna.

Este não é um complexo muito estudado nem muito encontrado na literatura, mas ilustra também a circulação das funções no processo de desenvolvimento psíquico do bebê, salientando, mais uma vez, a importância das relações estabelecidas nos primeiros anos de vida.

C) Complexo de Édipo

Este é o momento da entrada mais efetiva de um terceiro na relação dual e fusional entre mãe e filho. É por meio deste complexo que a criança definitivamente inscreve-se numa ordem simbólica, ou seja, na linguagem. Até então, esta primeira relação com a mãe e com essa imagem especular não possibilitavam que cada um (filho, mãe, pai, irmãos e outros) fosse colocado no seu devido lugar (GOMES, 2009).

Se, por um lado, é pelo amor materno que a criança é convocada a desenvolver-se, por outro lado, ela ficaria presa ao corpo materno e ao seu próprio corpo se dissesse sempre ‘sim’ a este chamado. Logo, é apenas ao dizer ‘não’ a esse amor que a criança tem a possibilidade de desenvolver-se (LEVIN, 2007). Mas a criança só pode dizer não, se um terceiro entrar nesta relação dual, rompendo com a estrutura fusional estabelecida entre mãe e filho. Embora este terceiro já produza suas marcas, desde antes do nascimento do bebê, assumindo a função paterna, como vimos nos complexos familiares anteriores, é no Complexo de Édipo que ele tem um papel estruturante mais definitivo e crucial. “É o jogo jogado com o pai, o jogo de quem perde ganha, se assim posso dizer, que por si só permite à criança conquistar o caminho por onde nela será depositada a primeira inscrição da lei” (LACAN, 1995, p.214).

(32)

partir daqui, o objeto, que não é mais um objeto imaginário, passa a ser mostrado por um Outro capaz de revelar que o bebê não o tem, ou o tem de forma insuficiente, dando ao objeto uma instância simbólica. Assim,

Somente a partir do fato de que, na experiência edipiana essencial, ela está privada do objeto por aquele que o tem, que sabe que o tem, que o tem em todas as ocasiões, é que a criança pode conceber que este mesmo objeto simbólico lhe será dado um dia (LACAN, 1995, p.213).

Dor (2003) resume o complexo de Édipo como sendo o processo marcado pela localização do lugar do falo no desejo da mãe pela mãe, pela criança e pelo pai, passando de uma dialética do “ser” o falo materno, para uma dialética do “ter” o falo materno.

O complexo de Édipo acontece basicamente em três tempos:

1) Quando a criança se identifica com o objeto de desejo da mãe e funde-se a ela. Este assujeitamento priva a criança de sua subjetividade, mas garante a formação do vínculo. Acontece nos primeiros meses de vida do bebê, quando ele vive momentos de frustração proporcionados pela mãe e a toma como objeto de amor.

(33)

bebê, preocupando-se em retomar sua vida pessoal e profissional, permitindo a entrada de outros de forma mais significativa nesta relação.

3) O terceiro tempo do complexo é quando o pai age como detentor do falo, fazendo valer sua palavra e o lugar que a mãe o fez ocupar. É quando a criança passa a compreender que existem leis maiores que sua relação com sua mãe. E, a partir de então, o menino, na fórmula comum da castração, se identificará com o pai, aquele que possui o falo, e a menina se identificará com a mãe, que não tem o falo, mas é quem o sustenta.

Esse processo de separação entre mãe e filho, anunciado pelo Complexo de Édipo por meio da castração, possibilita a criança deparar-se com a falta do Outro. Lembremos que estamos falando do Outro, com letra maiúscula, portanto não é um outro real, físico que se separa do bebê, mas uma instância simbólica, que antes preenchia um vazio e agora não mais. Neste momento é que o desejo finalmente se institui e marca simbolicamente a constituição do sujeito do desejo (GOMES, 2009).

Portanto, um sujeito constitui-se por meio da sua relação estabelecida com o Outro Primordial, que possibilitará momentos de alienação e separação característicos da função materna e paterna, respectivamente. O fim deste processo é marcado pela castração e concede ao sujeito, sua inserção nos registros real, imaginário e simbólico, sustentados pela linguagem.

“O fim do complexo de Édipo é correlativo da instauração da lei como recalcada no inconsciente, mas permanente [...]” (LACAN, 1995, p.214). Portanto, a sua resolução marca a formação do supereu, que consiste num núcleo permanente de consciência moral que encarna em cada sujeito sob as formas mais “[...] variadas, extravagantes, caricatas [...]” (LACAN, 1995, p.216).

(34)

D) Estádio do espelho

Para melhor compreender o processo de constituição do sujeito, precisamos abordar um evento que, embora não seja considerado um complexo familiar, é um momento crucial para o desenvolvimento da criança, que também mostra a importância do papel da mãe nesse processo.

Segundo Lacan (1998), acontece entre os seis e os 18 meses de idade o estádio do espelho, que consiste no drama da criança em, ocupando o lugar de desejo dos pais, identificar-se a uma imagem especular, que é constituída ilusoriamente pelos desejos e ideais alheios. É o momento em que a criança tem a possibilidade de vivenciar a unidade de seu corpo, mesmo que ainda seja apenas uma unidade imaginária, alienante, virtual. É quando surge o fascínio e o júbilo do corpo despedaçado pelo encontro de sua unidade na imagem do outro, que é a antecipação da sua própria imagem (BASTOS, 2003; LEVIN, 1995, 2007).

O estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência à antecipação que, para o sujeito, preso na ilusão da insuficiência espacial, maquina os fantasmas que se sucedem de uma imagem do corpo fragmentado a uma forma que chamaremos ortopédica de sua totalidade e à armadura enfim assumida de uma identidade alienante que vai marcar com a sua estrutura rígida todo seu desenvolvimento mental (LACAN, 1998, p.268).

A imagem corporal é conquistada, pois, de forma gradativa. Primeiro, do nascimento até os quatro meses de idade, há uma confusão entre si e o outro, quando a imagem é ainda um corpo real que não é seu. Existe um registro imaginário que permite que a criança tenha suas vivências por meio do corpo do outro. Partindo apenas de suas sensações e experiências corporais (estímulos intero ou exteroceptivos), a criança ainda não consegue formar uma imagem unificada do seu corpo por uma imaturidade do processo de mielinização do sistema nervoso. Assim, a criança só é capaz de reconhecer o desejo por intermédio da imagem especular, que ela obtém por meio do corpo do Outro primordial, ou seja, não é em sua organicidade biológica que a criança reconhece seu corpo como forma inteira, ela se reconhece nessa imagem que vem de fora e que a mãe deseja (LEVIN, 1995, 2007).

(35)

momento em que o bebê, diante o espelho, brinca e alegra-se com o que vê, mesmo ainda não sabendo que se trata da sua própria imagem refletida. Mais uma vez, é preciso salientar que esta fascinação pela imagem só é produzida se houver um Outro que libidinize esta imagem, que a deseje, para que, na próxima etapa, o bebê possa identificar-se a ela (LEVIN, 1995).

Por fim, além de saber que se trata de uma imagem, a criança passa a reconhecer essa imagem como sendo sua. Este, portanto, é o resultado do rebatimento do olhar do sujeito no olhar do Outro, ou seja, “no corte simbólico da imagem especular” (JERUSALINSKY, A., 1999, p.68).

Este momento onde acaba o estádio do espelho inaugura, pela identificação à imago do semelhante e o drama do ciúme primordial [...], a dialética que desde então liga o [eu] a situações socialmente elaboradas (LACAN, 1998, p.270).

O estádio do espelho é fundamental para a identidade do sujeito e tem a ver com a maneira que o sujeito perceberá o mundo que o cerca. Portanto, o sujeito aprende a reconhecer seu próprio corpo e seu desejo por meio do outro. “Através do Outro, da linguagem, se dará a identificação do sujeito, e pelo efeito dessa identificação lhe será permitido incluir-se na ordem simbólica [...]” (BASTOS, 2003, p.106). Assim, o sujeito acredita ser esta imagem, “[...] mas como não coincide totalmente com ela, sempre procura reassegurar-se e voltar a reconhecer-se, situação imaginária que se repete constantemente [...]” (LEVIN, 1995, p.63).

Para BASTOS (2003), o que permite que o sujeito se relacione com os outros e seja reconhecido por eles são justamente as etapas vividas neste estádio: o processo de identificação com sua imagem, a diferenciação que estabelece entre ele e o outro e o acesso ao universo simbólico por meio deste registro imaginário.

(36)

Neste processo, a criança, para construir seu espaço e seu corpo, deverá identificar-se com a imagem especular e separar-se dela. Para isso, construirá um espaço e um corpo diferentes do corpo materno e só assim começará a suportar a ausência da mãe. Isso será realizado por meio de uma brincadeira muito observada durante o estádio do espelho, denominada por Freud “fort-da”.

O fort-da foi observado por Freud ao perceber que seu neto jogava um carretel para debaixo da cama fazendo-o desaparecer do seu campo visual e dizia “fort” (em alemão quer dizer “ir embora”) e, ao puxá-lo para perto de si fazendo-o reaparecer, regozijava-se dizendo “da” (traduzido do alemão para o português – “aqui” ou “aí”). Este jogo de ausência e presença marca o corpo da criança, possibilitando-lhe representar a ausência na presença e a presença na ausência. A partir desta brincadeira, várias noções irão constituir-se: interno-externo, continente-conteúdo, dentro-fora, perto-longe, eu-não eu (LEVIN, 1995).

O estádio do espelho, portanto, é uma fase caracterizada pela dimensão do Outro como causador de uma descontinuidade no corpo da criança, uma diferença, uma marca de ausência e presença que garantirá que o bebê desloque do registro imaginário para o registro simbólico (LEVIN, 1995). Citando Julieta Jerusalinsky (2011) para ilustrar, em outras palavras, o que este estádio representa:

Serão necessários sucessivos momentos de alienação e separação na relação com o Outro para que a criança possa constituir uma unidade imaginária de seu corpo (pela dimensão especular) e para que possa chegar a situar-se enquanto sujeito da enunciação que afirma ‘este corpo é meu’ (p.142).

Assim, a função deste estádio é “[...] estabelecer uma relação do organismo com sua realidade [...]” (LACAN, 1998, p.278).

(37)

1.1.1 A constituição do sujeito com possibilidade de risco psíquico

O acesso à condição de sujeito depende do filhote humano ter passado por este processo: pela função materna, que permite existir através do desejo desse outro da espécie; e pela função paterna que, ao desviar o foco do desejo da mãe, que até então incidia exclusivamente na criança, deixa um espaço livre para a criança ocupar, inaugurando seu próprio desejo e seu próprio questionamento sobre si (BERNARDINO, 2007, p.55).

Na criança com problema no desenvolvimento (decorrente de uma lesão, de uma incapacidade genética ou constitucional), as dificuldades podem situar-se tanto na função materna quanto na função paterna.

Quando este problema revela-se muito cedo, na gestação ou no período em que o bebê está num estado ainda fusional com a mãe, ele afasta-a do lugar de falo materno. Quem exerce a função materna tem, então, seu narcisismo abalado e, por isso, poderá apresentar reações inconscientes de negação, rejeição ou superproteção, prejudicando o aparecimento das quatro operações constituintes do sujeito (estabelecimento da demanda, suposição do sujeito, alternância e alteridade). Battikha (2008) entrevistou mães de bebês que nasceram com alterações orgânicas graves durante o período de internação do bebê na UTIN e constatou que, independentemente da gravidade da alteração sofrida, a marca já a afasta da normalidade e a diferença é o que a denomina. “A maior parte das entrevistadas iniciou seu discurso pelo momento da comunicação diagnóstica: foi quando este bebê passou a ser referido [...]” (BATTIKHA, 2008, p.137). O bebê deixa de ser o objeto de desejo da mãe e passa a ser um objeto de cuidado. Segundo Oliveira (2008), o saber médico é promovido à condição de único saber sobre a criança e o discurso parental é substituído por um discurso científico que passa a orientar o fazer da mãe, “[...] não em nome do desejo, mas em nome do que deve ser feito [...]” (p.4).

(38)

acrescenta-se ao quadro da deficiência orgânica, uma estruturação psicótica (BERNARDINO, 2007).

Segundo uma pesquisa realizada por Gomes (2007) para investigar o impacto da psicoterapia breve sobre as representações maternas acerca do desenvolvimento de um bebê com malformação cardíaca detectada intraútero, as representações maternas podem estar distorcidas, havendo necessidade de intervenções psicológicas que adequem estas representações de modo a facilitar o desenvolvimento físico e psíquico do bebê. Diante de uma malformação, de acordo com este estudo, os pais ficam impossibilitados, por uma realidade médica, de ter uma formulação mais concreta de futuro para a criança. Assim, um dos fatores que prejudica o estímulo e o investimento das mães no desenvolvimento dos filhos com malformação tem a ver com a ameaça constante de perdê-los. O afeto fica suspenso, até que haja mais certeza a respeito da sobrevida do bebê (GOMES, 2007).

Existe um tempo de reconhecimento primordial, que possibilita o encontro entre o bebê real e o bebê que foi imaginado e esperado. Esse tempo permite que a mãe atribua os objetos de seu desejo a este bebê que se tornou seu. Qualquer evento que coloque em risco as aquisições do bebê pode interromper este tempo de reconhecimento (CRESPIN, 2004).

Assim, o risco corresponde, além da doença ou da malformação propriamente dita, ao fato que o anúncio do diagnóstico, ou da possibilidade de um, acentua o abismo entre o bebê que foi imaginado e esperado e o bebê real, tornando este encontro impossível. Crespin (2004) pontua que este anúncio, portanto, é capaz de provocar uma “catástrofe subjetiva”, ou seja, um desinvestimento do bebê real, que pode ser traduzido tanto por um abandono como uma superproteção, já que, neste último caso, é a deficiência que se encontra superinvestida, e não o bebê enquanto sujeito que se torna um objeto mero de cuidados.

(39)

Partindo deste pressuposto, podemos afirmar que, não é propriamente uma limitação do bebê, mas uma limitação da mãe em reconhecê-lo como objeto de seu desejo, como falo (BERNARDINO, 2007). Segundo Crespin (2004), uma mãe deprimida ou psiquicamente ausente na relação passa para o bebê uma imagem dele mesmo que é problemática. O bebê não recebe de volta o que oferece à mãe, produzindo um retraimento, passando a olhar para o nada.

A limitação pode ser também física, no caso de internações da mãe ou do bebê que impossibilitam o contato entre eles, ou até mesmo nos casos em que o bebê, apesar de estar junto à mãe, não pode ser amamentado por ela. Para Farias (1998),

A mãe que se distancia do seu filho nos momentos iniciais de vida, não se oferece à especularidade. Ao não se situar na função materna, uma insuficiente inscrição pulsional, ocasiona irregularidades no funcionamento das funções. O funcionamento fica desprovido de todo registro imaginário e simbólico, ficando impossibilitada a organização das funções instrumentais (p. 91).

Uma pesquisa, realizada em 2005 pelo Instituto de Saúde Coletiva, pelo Departamento de Psicologia e pelo Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal da Bahia, analisou a associação entre a qualidade do estímulo doméstico e o desempenho cognitivo infantil e revelou a importância da dinâmica familiar para o desenvolvimento global da criança. Os pesquisadores apontaram a pertinência de ações de intervenção que favoreçam a relação cuidador-criança para o desenvolvimento (ANDRADE, 2005). Embora não seja um estudo com base teórica psicanalítica, podemos usá-lo para refletir acerca das relações estabelecidas entre crianças e seus cuidadores como catalisadoras do desenvolvimento cognitivo infantil e a necessidade de compreender um problema do desenvolvimento também no âmbito simbólico, para melhor fundamentar uma intervenção voltada para bebês e crianças, seja ela no campo clínico ou educacional.

(40)

um diagnóstico preciso pode ter efeitos iatrogênicos quando passa a representar uma verdade única, absoluta e imutável.

Atualmente, as neurociências, com a descoberta da plasticidade neuronal, possibilitam a articulação entre o organismo e os conceitos de sujeito e desejo já que permitem compreender como as intervenções, sejam elas clínicas ou educacionais, quando aplicadas em um contexto de significações capaz de despertar o interesse da criança, dando lugar ao desejo, podem ser eficazes até mesmo reorganizando a estrutura cerebral antes lesionada (BERNARDINO, 2007).

Cada ser humano pertence a uma família na qual recebe um lugar e passa a fazer parte de uma história. Tem direito a apropriar-se desses elementos simbólicos e a estruturar sua personalidade a partir das relações que vivencia. Esse é o ponto essencial a ser considerado, quer se trate de uma criança que tem um curso de desenvolvimento considerado normal, quer tenha recebido um diagnóstico de deficiência, lesão cerebral, psicose, delinquência, neurose (BERNARDINO, 2007, p.50).

1.2 A ESTIMULAÇÃO PRECOCE

1.2.1 Breve histórico

Para situarmo-nos no cenário deste estudo, faremos uma retrospectiva histórica. Primeiramente da criança e sua relação com o mundo que a cerca, depois das intervenções voltadas para as patologias infantis e, finalmente, da Estimulação Precoce.

1.2.1.1 A infância

Já que, a dimensão simbólica que constitui o sujeito é composta por elementos históricos, sociais e culturais, precisaremos entender como historicamente foi se dando o conceito de criança e infância até a atualidade. Este percurso tem a ver com a forma como as sociedades e as culturas tratam as crianças nos dias de hoje, influenciando a maneira que as mães constroem os laços primordiais com seus filhos.

Referências

Documentos relacionados

Foi uma reunião simples, aqui ao lado, em que nós nos propúnhamos a ter uma agenda para chamar a atenção do País para a questão dos direitos humanos e para mostrar que nós

Os Colégios da Polícia Militar do Estado de Goiás surgem como um novo modelo de escola pública, pois não são considerados escolas particulares, mesmo cobrando

2) Fase de TESTE / Caracterização da qualidade da RNA para generalizar: temos novos pares X e y, com y guardado “na gaveta”, usado apenas para avaliação, não para

Exteriorização do cateter; Não reintroduzir catéter; registrar no prontuário; comunicar médico para solicitação de RX e averiguar se posição central

Com a mudança do foco para clientes com consumos menores, os valores médios de perda evitada tanto da fraude quanto da avaria estão decaindo ao longo do tempo, assim como os valores

Constatamos que os profissionais dos centros obstétricos que comunicam aos pais o diagnóstico do filho e os terapeutas quando realizam a estimulação precoce do bebê, em geral,

Atualmente é professor titular aposentado da Universidade de São Paulo, consultor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, bolsista de

Portanto, como kramsch (2014) indica, "[...] nunca houve tanta discrepância entre o que é ensinado em sala de aula e o que os alunos precisarão no mundo real depois de saírem