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Direito, Justiça E Eficiência: Breves Apontamentos Sobre Análise Econômica Em Direito Comparado –Estados Unidos Da América, União Europeia E Brasil

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Revista da AMDE – ANO – 2015 – VOL. 14

Direito, Justiça E Eficiência: Breves Apontamentos Sobre Análise

Econômica Em Direito Comparado –Estados Unidos Da América,

União Europeia E Brasil

Arthur Villamil

O estudo comparativo da Análise Econômica do Direito no Direito brasileiro, norte-americano e europeu pode contribuir para um melhor entendimento da intrincada questão que se coloca dia após dia aos juristas e legisladores: deve o ordenamento jurídico buscar a justiça ou a eficiência? A resposta a esta indagação, em um primeiro momento poderia ser dada de maneira singela, a firmando-se que o Direito deve buscar a satisfação dos dois ideais, ou seja, deve perseguir a justiça e deve ser eficiente. No entanto, inúmeras vezes, em situações de ordem prática, o criador e o aplicador do Direito são compelidos a escolher qual dos dois princípios deve ser destacado com maior relevo: a justiça ou a eficiência. Na tentativa de traçar breves apontamentos a respeito da questão, o presente artigo partirá de uma apresentação sucinta da Análise Econômica do Direito e apresentará as principais teorias da eficiência comumente abordada em Análise Econômica, bem como as discussões teóricas envolvendo a temática da eficiência e da justiça. Por fim, serão analisadas as proposições de Richard Posner, representante de uma versão mais ortodoxa da Análise Econômica do Direito nos Estados Unidos da América e as proposições de Franceso Denozza e de Hans-Bernd Schäfer e Claus Ott, representando uma visão atual da Análise Econômica do Direito na União Europeia.

PALAVRAS-CHAVE: Direito. Justiça. Eficiência. Análise Econômica do Direito. Direito comparado. Brasil. Estados Unidos da América. União Europeia.

Resumo

The comparative study of the Economic Analysis of Law in Brazilian, North American and European Law can contribute to a better understanding of the intricate question that arises day after day to jurists and legislators: should the legal system seek justice or efficiency? The answer to this question, in a first moment could be given of simple way, being established that the Law must seek the satisfaction of the two ideals, that is, it must pursue justice and must be efficient. However, many times, in practical situations, the creator and the enforcer of the law are compelled to choose which of the two principles should be highlighted with greater emphasis: justice or efficiency. In an attempt to draw up brief notes on the subject, this article will start with a brief presentation of the Economic Analysis of Law and will present the main theories of efficiency commonly addressed in Economic Analysis, as well as the theoretical discussions involving the theme of efficiency and justice . Finally, the propositions of Richard Posner, representative of a more orthodox version of the Economic Analysis of Law in the United States of America, and the propositions of Franceso Denozza and Hans-Bernd Schäfer and Claus Ott, representing a current view of Economic Analysis In the European Union.

KEYWORDS: Law. Justice. Efficiency. Economic Analysis of Law. Comparative law. Brazil. USA. European Union

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Revista da AMDE – ANO – 2015 – VOL. 14 1. INTRODUÇÃO

Justiça e eficiência tem sido tomadas, na maior parte dos ordenamentos jurídicos ocidentais, como meta-princípios ou valores maiores que devem nortear a construção e a aplicação do Direito. A busca por uma conciliação entre eficiência e justiça tem despertado indagações científicas e também de ordem prática de difícil solução, a ponto do jurista, diante de um caso concreto, muitas vezes ter de se perguntar qual o princípio a ser otimizado:1 a justiça ou a eficiência. A mesma pergunta também assalta o

legislador nos processos de construção das normas jurídicas, porque, muitas vezes, o ideal de uma justiça perfeita pode não coincidir com a necessidade de eficiência para a regulação jurídica de determinada questão.

Por isso, os aportes teóricos fornecidos pela Análise Econômica do Direito, em especial no que diz respeito ao desenvolvimento do princípio da eficiência, representam importante contribuição científica para o estabelecimento de lineamentos gerais para a aplicação dos princípios da justiça e da eficiência no ordenamento jurídico brasileiro.

Muito embora o estudo da Análise Econômica do Direito já seja relativamente bem divulgado no Brasil, poucas contribuições a doutrina nacional tem produzido no sentido da construção de uma vertente tipicamente brasileira da Análise Econômica do Direito.

Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo analisar, através de breves apontamentos de direito comparado, qual a concepção atualmente adotada na perspectiva da Análise Econômica do Direito no que diz respeito à eficiência e à justiça. Para tanto, serão apresentadas as principais correntes da Análise Econômica do Direito, que teve seu ponto de inflexão nos Estados Unidos da América, passando pelo

1 Entendemos, com apoio em Robert Alexi mas sem descurar das várias e relevantes críticas a

seu pensamento, que os princípios podem ser considerados como manados de otimização, passíveis de aplicação em diversos graus, ou seja, na maior medida possível, de modo a não entrarem em colisão uns com os outros. Por isso, diante dos fatos da vida o jurista deverá escolher qual o princípio a ser otimizado (aplicado em maior grau) na solução do caso concreto, sem, contudo, eliminar ou se conflitar com o outro princípio em jogo. Sobre o conceito de princípio como mandado de otimização, veja-se ALEXI, Robert. Teoría de los derechos

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pensamento europeu, a fim de estabelecer lineamentos gerais de Análise Econômica do Direito que possam ser aproveitados no ordenamento jurídico brasileiro.

Este estudo não pretende exaurir o tema, mas apenas lançar algumas contribuições para o melhor esclarecimento da importância que a Análise Econômica do Direito tem em relação à maximização da riqueza e da qualidade de vida da população brasileira, sem que seja descartada a ideia de justiça, que é o objetivo maior do ordenamento pátrio. É o que se apresenta ao leitor.

2. AS PRINCIPAIS VERTENTES TEÓRICAS DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Direito e Economia são ciências que se propõem a estudar a conduta humana. No Direito, ciência do dever ser, analisa-se a conduta que deve ser adotada pelo agente, faz-se referência a uma ação prescrita, de acordo com os valores sociais plasmados na norma jurídica e nos costumes sociais. Por outro lado, na Economia, ciência do ser, a conduta humana é analisada sob o aspecto da realidade, do que acontece na vida real e concreta, ou seja, trata-se de uma análise do mundo do ser e não do dever ser. A ponte de ligação entre o Direito e a Economia consiste, pois, na apreciação da conduta humana.

A Análise Econômica do Direito tem por finalidade informar com princípios econômicos a formação (criação) e aplicação (efetividade) do Direito, como defende Guido Alpa em sua obra Análise Econômica na Perspectiva do Jurista.

Essa expressão pode, com efeito, querer dizer que nessa perspectiva analítica se apresentam instrumentos econômicos para examinar em sua concreta atuação os instrumentos jurídicos nas duas fases fundamentais de sua vida: a fase de “criação” e a fase de “efetividade”.2

Para desempenhar seu papel, a análise econômica terá de fornecer ao Direito elementos para sua valoração, ou seja, terá de fazer referências à conduta humana, analisada sob o prisma da Economia.

2 ALPA, Guido. A Análise Econômica na Perspectiva do Jurista. trad. João Bosco Leopoldino da

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O desenvolvimento da Análise Econômica do Direito e as contribuições lançadas sobre a Ciência Jurídica são indiscutíveis, chagando ao ponto de despertar a curiosidade e o respeito de diversos juristas de tradição da denominada Civil Law, em especial, de juristas continentais europeus e de juristas latino americanos.

Os autores divergem quanto às origens da Análise Econômica do Direito, sendo que uma corrente francamente minoritária entende que as primeiras cogitações da Análise Econômica do Direito teriam surgido com os trabalhos de Karl Marx e Frederich Engels, apontados como os primeiros estudiosos das relações entre Direito e Economia, passando em seguida por Pasukanis, Stucka, Ceroni e outros juristas socialistas, o que apontaria para uma teoria marxista-socialista da análise econômica, consoante defende Guiomar Estrella Fraia.3

Todavia, a maior parte dos especialistas aponta para os trabalhos de Ronald Coase, do início da década de 19604, seguidos de estudos de Guido Calabresi5 e Richard

Posner6, nos Estados Unidos da América, como sendo a origem da atual Análise

Econômica do Direito.

Nos anos setenta e início dos anos oitenta, a Análise Econômica do Direito chegou a ser cogitada, de certa forma, como uma teoria de renovação da tradicional Ciência do Direito, já bastante desgastada pelo infrutífero duelo travado entre jusracionalistas tardios e os positivistas e normativistas kleseneanos e neokantianos. A apreciação do valor econômico nas relações jurídicas surgia como uma nova base de legitimidade para a decisão jurídica.

Extrapolando o aspecto da análise do fato econômico, para assentar-se sobre o prisma da valoração econômica da conduta humana, a Análise Econômica do Direito

3 FARIA, Guiomar Theresinha Estrella. Interpretação econômica do Direito. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 1994.

4 COASE, Ronald. The problem of social cost. In: The Journal of Law & Economics. Chicago:

University of Chicago Press. Oct. 1960, v.3.

5 CALABRESI, Guido. Some thoughts on risk distribution and the law of torts. The Yale Law

Journal. Mar/1970, nº 4, v. 70.

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inaugurou as bases de um novo modo de pensar o Direito, as relações sociais e o próprio homem. É sobre as bases da noção de racionalidade econômica que se concentrará a formulação da Análise Econômica do Direito enquanto instrumento jurídico a serviço da justiça e da eficiência.

Nesse sentido, duas grandes correntes da Análise Econômica do Direito se formaram: uma, de conotação mais radical, também chamada de hard core Economic Analysis of Law, cujo maior expoente é Richard Posner, e outra, de feições mais brandas ou temperadas, chamada de soft core Economic Analysis of Law, cujo grande nome tem sido o de Guido Calabresi, acompanhado de outros juristas, como Guido Alpa e Francesco Denozza.

No início da década de sessenta, nos Estados Unidos da América, surge uma nova abordagem para os velhos problemas envolvendo a Economia e o Direito. Fruto do grave descontentamento teórico e prático com a intervenção estatal na economia, e anunciando os últimos suspiros do Estado do Bem Estar Social (Wellfare State) e de seu aparato keynesiano, em 1960 Roanld Coase lança sua ácida crítica à tradição pigouviana da economia do bem estar.

Em seu artigo intitulado The Problem of Social Cost,7 Coase apresentou os argumentos decisivos para a revisão da postura do Estado diante da economia e, em especial, do papel do Poder Judiciário ante os conflitos envolvendo a análise de atividades econômicas capazes de gerar externalidades negativas com forte repercussão sobre o meio social.

Analisando a natureza recíproca do problema (the reciprocal nature of the problem), Coase explicitou a verdadeira pergunta que deve ser respondida nos casos de dano (harmful effects): a quem deverá ser permitido causar dano a outrem. A resposta vem imediatamente: o que se deve evitar é o prejuízo maior, ou seja, na escolha entre dois prejuízos (natureza recíproca da questão conflituosa), deverá se optar sempre pelo menor deles.

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Analisando diversas decisões judiciais famosas na Inglaterra e nos EUA, Coase introduz a noção de custos de transação no arranjo jurídico do conflito, para então prosseguir fazendo uma severa crítica à economia do bem estar de Pigou8 (que ignorava os custos de atuação do Estado) e, por fim, coroar seu raciocínio com o seu teorema dos custos de transação e eficiência na alocação judicial dos recursos, conhecido como Teorema de Coase.

O Teorema de Coase poderia ser assim simplificado: e um sistema em que os custos de transação são insignificantes, qualquer que seja a distribuição inicial dos recursos possibilitará uma solução eficiente, já que a transação entre os agentes econômicos poderá ocorrer sem custos (de transação). Já em um sistema em que os custos de transação sejam altos, ou proibitivos, os recursos devem ser alocados nos seus usos mais eficientes, já que, do contrário, não serão transacionados pelos agentes econômicos diante dos altos custos (de transação), ou seja, diante de custos proibitivos para uma realocação dos recursos econômicos em seus usos (ou alocações) mais eficientes.

Desenvolvendo o raciocínio de Coase, vários economistas e juristas, em especial aqueles vinculados à Escola de Chicago, passaram a identificar a eficiência como o mais importante princípio a reger o estabelecimento e a aplicação das normas jurídicas.

Prontamente, a resposta aos escritos de Coase vieram com as teorias da distribuição dos riscos da responsabilidade civil de Guido Calabresi9, estabelecendo-se então as bases para a formação de uma outra corrente da Análise Econômica do

Direito, a chamada corrente temperada, que vê na eficiência um princípio jurídico importante, mas não superior ao princípio da justiça. Nesse sentido, importante contribuição científica foi gerada pela Escola de Yale, capitaneada por Calabresi e seus

Law & Econmics. University of Chicago Press: Chicago, Oct. 1960. V.3.

8 PIGOU, A. C. The Economics fo Wellfare. 4. ed. London: Macmillan & Co. 1950.

9 CALABRESI, Guido. Some thoughts on risk distribution and the law of torts. The Yale Law

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alunos. Sobre o tema, veja-se, dentre outros, o artigo entitulado Some thoughts on risk distribution and the law of torts, publicado inicialmente na The Yale Law Journal, em março de 1970.

Porém, em que pesem as diferentes abordagens metodológicas e as visões de mundo diferenciadas, tanto a Escola de Chicago como a Escola de Yale tem em comum a ideia de explicitação dos custos e dos benefícios na atuação jurisdicional, que passam a ser tomados em conta, bem como a teoria distributiva de Calabresi, conduzirão necessariamente à percepção de um novo tipo de racionalidade decisória: a racionalidade econômica, ou seja, a razão de medir os custos e os benefícios, ou o sacrifício e o prazer (Epicuro) ou ainda a felicidade e a dor (Jeremy Bentham), afastando-se inicialmente as ideias jusnaturalistas do justo/injusto e as ideias normativistas formais (dogma da validade e eficácia de Kelsen).

Assim, a “medida do econômico” começa a se explicitar de forma mais contundente, merecendo o elogio da racionalidade. É trazida para o Direito a racionalidade econômica, que aliada ao individualismo metodológico e ao conceito de homo oeconomicus possibilita a teorização completa de uma Análise Econômica. Note-se as palavras de Paloma Durán y Lalaguna10, referindo-se à teoria de Buchanan:

Es portanto fácil descubrir elementos comunes entre la doctrina de Buchanan y los principios inspiradores del anális económico del Derecho. Pero veamos. Los elementos son fundamentalmente tres, si bien que de cada uno de ellos pueden extraerse numerosas consecuiencias:

a) El individualismo metodológico. (...)

b) El homo oeconomicus. (...)

c) La consideración de la política como intercambio.

Como visto, a racionalidade econômica é um dos pressupostos à aplicação da Análise Econômica do Direito. Para que esta seja possível, deverá o jurista abandonar ou, pelo menos, minimizar a visão de justo/injusto, moral/imoral,

10 LALAGUNA, Paloma Durán y. Una Aproximación al Análisis Económico del Derecho.

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certo/errado, para adentrar no complexo campo de definição do valor econômico. Este, a nosso ver, o mais importante aporte teórico trazido pela Análise Econômica do Direito, já que permite uma superação de uma concepção de Direito fundada em regras morais ou religiosas, e permite uma fundamentação do Direito sob a perspectiva da racionalidade econômica.

Se a racionalidade econômica pode servir com um dos fundamentos racionais do ordenamento jurídico, ou seja, como fundamento para a construção e aplicação das normas jurídicas, não há como se desvincular da ideia de eficiência, que é um standard essencialmente econômico. Por isso, o estudo das teorias da eficiência muito poderá revelar acerca da racionalidade ínsita à Análise Econômica do Direito.

3. EFICIÊNCIA: TEORIAS ESTÁTICA E DINÂMICA

3.1 O teorema da eficiência de Pareto: teoria dos ganhos sem perda

Vilfredo Pareto, economista italiano que lecionou na Universidade de Lausanne, na Suíça, é apontado pelos pesquisadores da Análise Econômica do Direito como um dos economistas, ao lado de John Maynard Keynes e Arthur Cecil Pigou, que mais influenciou a construção das políticas econômicas do Estado de Bem-Estar Social.

Pareto desenvolveu a tese de que uma distribuição de recursos será eficiente se for possível melhorar a situação de algum dos agentes econômicos sem piorar a situação dos demais. Assim, uma distribuição de recursos “Y” atenderia ao critério superior de eficiência, segundo Pareto, se com essa distribuição a situação inicial “x” dos envolvidos (e de terceiros) não fosse piorada e, ao mesmo tempo, pelo menos um dos agentes tivesse a sua condição melhorada.

Também é preciso analisar o que seja o critério otimal de Pareto, outra noção de eficiência distributiva muito difundida nas produções científicas geradas ao longo do século XX. Uma distribuição de recursos terá uma eficiência otimal (ótima), no sentido de Pareto, quando nenhuma outra distribuição puder ser feita sem que algum agente econômico piore de situação em relação a sua situação inicial, ou seja, a distribuição

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otimal seria o melhor superior possível de Pareto, o superior máximo, que não pode ser melhorado.

Como se percebe, tanto o critério de superioridade no sentido de Pareto, como o critério de optimalidade de Pareto reconhecem explicitamente a possibilidade de ganho sem perda, ou seja, a possibilidade de melhora para uns sem que haja perda para outros.

3.2 Críticas ao teorema da eficiência de Pareto

Os critérios de Pareto para aferição de eficiência sofrem algumas críticas, dentre as quais as mais importantes são: a) a crítica de Posner, de que eles seriam praticamente impossíveis de verificação prática, ou seja, que a grande maioria das situações da vida gera perdas para uns e ganhos para outros (custos privados), isso sem contar com a ineficiência, que gerará perda sistêmica (custo social); e b) a crítica de Frank Stephen11 e

Andrés Roemer12, que informa que os critérios de Pareto seriam excessivamente

conservadores, ou seja, predispostos à manutenção do status quo.

Segundo Posner, o problema enfrentado pela teoria da eficiência de Pareto consiste na sua remota aplicabilidade prática, isto é, dificilmente seria possível considerar uma transação eficiente, no sentido superior de Pareto, porque praticamente não existem situações concretas onde haja ganho sem perda. Assim, seria impossível a verificação empírica da teoria do superior paretiano. Posner assim se expressa acerca do sentido de eficiência segundo Pareto,

Ésta es una concepción mui austera de la eficiencia, con pocas aplicaciones en el mundo real, porque la mayoría de las transacciones (si no una sola transacción, sí una seria de transacciones semejantes) tiene efectos sobre terceros, aunque sólo sea porque cambian los precios de otros bienes...13

11 STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. São Paulo: Makron Books, 1993

12ROEMER, Andrés. Introdución al análisis económico del Derecho. Trad. José Luis Pérez

Hernandéz. México DF: Fondo de Cultura Económica, 1998.

13 POSNER, Richard. El análisis económico del Derecho. 4.ed. México, DF: Fondo de Cultura

Económica, 2000, p.21. Tradução livre: “Esta é uma concepção muito austera [rígida] da eficiência, com poucas aplicações no mundo real, porque a maioria das transações (senão apenas uma transação, sim uma série de transações semelhantes) tem efeitos sobre terceiros, ainda que seja somente porque mudam os preços de outros bens...”

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A crítica de Posner pode, então, ser resumida à categoria das críticas que partem da verificação de inviabilidade empírica do critério de superioridade de Pareto. Posner ataca a inviabilidade da teoria paretiana afirmando que o sentido de eficiência nela proposto nunca será satisfeito na prática, ou seja, que tal teoria não seria útil para explicar as relações econômicas ocorridas no mundo da vida.

Por sua vez, Frank Stephen e Andrés Roemer elaboram uma crítica tríplice ao conceito de eficiência de Pareto. A primeira crítica é feita sob o ponto de vista essencialmente metodológico, quando afirma que o critério de Pareto não é isento de valor, já que se pauta por um individualismo metodológico. Para Stephen,14 os

julgamentos de valor em Pareto são de duas ordens: a) com relação ao bem-estar dos indivíduos (o bem-estar social confunde-se com soma hipotética do bem-estar dos indivíduos que compõem a sociedade); e b) o indivíduo seria o melhor juiz do seu bem-estar, e, dessa maneira, o critério de eficiência seria eminentemente subjetivo, eis que fincado na concepção individual de bem-estar de cada qual.

A segunda crítica levantada por Stephen diz respeito ao caráter conservador do critério de eficiência de Pareto, uma vez que segundo a sua teoria, somente seria superior a distribuição que, julgada de acordo com a distribuição anterior, não piorasse a situação de ninguém, ainda que a pessoa que piorasse fosse muito rica e as muitas que melhorassem fossem muito pobres. Assim “o critério de Pareto é muito conservador porque muito poucas distribuições o satisfazem. É pré-disposto ao status quo.”15

Por fim, a terceira crítica dirigida por Stephen ao critério de eficiência de Pareto consiste na constatação de que somente é possível definir o otimal através da introdução de um critério de valor social, porque, a depender do critério adotado, uma distribuição poderá ser ótima ou não em relação à outra distribuição ótima. Isso quer dizer que haveria um número muito grande de distribuições que atenderiam a otimalidade de Pareto.

14 STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. São Paulo: Makron Books, 1993, p.41. 15 STEPHEN, Frank H. Op. cit, p.41.

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Como se vê, Stephen reivindica que somente é possível escolher qual a distribuição é mais eficiente (ótima) introduzindo-se um critério de valor social e que Pareto reluta contra a introdução de referido critério, permitindo, com isso, que existam simultaneamente várias soluções ótimas para a distribuição de recursos escassos entre usos concorrentes. A solução proposta por Stephen seria a introdução de um critério de valor, para que a partir de tal valor fosse possível escolher o optimum optimorum.

Por isso, a teoria da eficiência paretiana não parece ser a mais adequada para a utilização da Análise Econômica do Direito, admitindo-se que a busca pela maximização da riqueza coletiva não pode ficar atrelada a verificação quase impraticável de um critério de eficiência que não se pode observar na realidade econômica. Além disso, é igualmente certo que, em um mundo onde os recursos são escassos, todo o ganho corresponde a uma perda hipotética, atual ou futura, individualizável ou difusa, para o sistema jurídico-econômico ou para as pessoas que compõem a sociedade. Em parâmetros mais próximos da realidade, o que importa para a satisfação de um critério de eficiência não é a inexistência de perdas, mas sim a capacidade de ressarcimento hipotético e concreto que os ganhadores tenham em relação aos perdedores: se os ganhos totais forem maiores que as perdas totais haverá o crescimento ou a maximização da riqueza coletiva e, logo, o atingimento das políticas econômicas implicadas na distribuição equanime e concreta da justiça social.

3.3 O teorema da eficiência de Nicholas Kaldor e John Richard Hicks

Se a teoria da eficiência de Pareto não se presta para uma fundamentação sólida da Análise Econômica do Direito, porque pressupõe ganhos sem perda (o que não se verifica na prática), então uma teoria que pudesse responder melhor aos anseios da comunidade científica certamente seria aquela que previsse a possibilidade de ganhos com perdas, analisando-se a realidade de modo dinânico e não mais estático como propõe Pareto.

Uma teoria que contempla essa possibilidade é a proposta por Nicholas Kaldor e John Richard Hicks (teoria da maximização da riqueza). Segundo ela, uma transação seria eficiente se os ganhadores pudessem, hipoteticamente, ressarcir os perdedores e

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ainda assim melhorar a sua posição inicial. A eficiência na teoria de Kaldor-Hicks cinge-se à maximização da riqueza social (total), devendo, portanto, serem consideradas as perdas totais e os benefícios totais envolvidos e não apenas a posição das partes diretamente envolvidas. Quando os benefícios totais superam as perdas totais, a nova distribuição de recursos escassos entre seus usos concorrentes será a mais eficiente, devendo ser implementada mesmo a despeito da perda sofrida por alguém.

O teorema de Kaldor-Hicks foi sintetizado nas palavras de Stephen, que o conceitua como:

Uma proposta para uma mudança na economia deve ser levada a termo se aqueles que tiveram sua situação melhorada por essa mudança poderem [sic] compensar aqueles que tiveram sua situação piorada por essa mudança, para que estes fiquem tão bem como antes da mudança (em seu próprio julgamento) e os primeiros fiquem em melhor situação (em seu próprio julgamento).16

Uma abordagem do tipo da proposta por Kaldor-Hicks possui maior vantagem para a explicação científica dos fenômenos econômicos do que o limitado conceito de eficiência segundo Pareto, que é de difícil verificação empírica. Por isso que, partindo-se do pressuposto de que não é possível ganho sem perda nas atvidades econômicas típicas do modo de produção capitalista, o teorema da eficiência segundo Kaldor-Hicks é o mais apropriado para uma abordagem daquele fenômeno na atualidade. Explicando a preferência pelo critério de Kaldor-Hicks em termos de regulação das políticas econômicas, Kip Viscusi afirma que,

A generally accepted alternative standard in applied microeconomics is the

compesnation principle, which is equivalent to choosing polices that yeld the

highest total economic surplus. The basic idea is that if the “winners” from any policy change can, in principle, compensate the “losers” so that everyone is better off, then it is a “good” change. Note that actual compensation of the losers is not required. If it were required, of course, it would satisfy the Pareto criterion.17

16 STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. São Paulo: Makron Books, 1993, p.55. 17 VISCUSI, W. Kip; VERNON, John M; HARRINGTON JR, Joseph E. Economics of Regulation

and Antitrust. Cambridge: The MIT Press, 2000, p.76. Tradução livre: “Um parâmetro alternativo

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O incremento da riqueza total (agregada) nas transações ou distribuições de recursos e, logo, no exercício da livre concorrência, é que apontaria, teoricamente, para o que Posner chama de maximização da riqueza social. O aumento do valor total (e tenha-se aqui em mente o conceito de valor em Posner, que significa disposição de pagar por um bem ou o quanto se demandaria para se desfazer de um bem) dos recursos em uma dada sociedade é que gera a maximização de sua riqueza.

4. A TEORIA DA MAXIMIZAÇÃO DA RIQUEZA SOCIAL DE RICHARD POSNER – UMA VISÃO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NORTE AMERICANO

Posner parte de três pressupostos importantes para o desenvolvimento de sua proposição em termos de Análise Econômica do Direito, que são: a) na ausência dos custos de transação, o mercado é o melhor meio para a distribuição de recursos escassos entre usos concorrentes, independentemente de a quem sejam atribuídos inicialmente os direitos sobre tais recursos (Teorema de Coase); b) nem sempre os custos de transação são baixos ou inexistentes, impedindo assim a distribuição mais eficiente dos recursos; e c) quando os custos de transação são proibitivos, os direitos devem ser atribuídos àqueles que mais os valorizem, ou seja, àqueles que maximizem o seu valor (Proposição de Posner).18

A primeira premissa de Posner pode ser explicada da seguinte maneira: em um mercado de concorrência perfeita, os bens tendem a ser distribuídos (adquiridos) por aqueles que mais lhes valorizem, ou seja, pelos agentes econômicos que estejam dispostos a pagar a maior quantidade de dinheiro por tais bens. Assim, na dinâmica das

para a escolha de políticas que rendem o maior benefício econômico. A ideia básica é a de que os “ganhadores” de alguma mudança política possam, em princípio, compensar os “perdedores” de modo que o todo seja melhorado, então esta é uma “boa” mudança. Note-se que a compensação atual [real] dos perdedores não é requerida. Se fosse requerida, é claro, isto satisfaria o critério de Pareto.”

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trocas em um mercado de livre concorrência, os bens sempre atingirão o maior valor19

que lhes possa ser atribuído. Desse modo, em uma negociação livre de custos de transação, ou naquela em que os custos de transação forem pequenos, sempre será possível atingir o maior valor para os bens negociados, o que satisfaz o critério de eficiência do Teorema de Coase.

A segunda premissa se assenta na constatação empírica de que muitas vezes existem custos de transação elevados (ou proibitivos) e que por isso não será possível o funcionamento da dinâmica do mercado de livre concorrência, o que impedirá as transações para que os bens (recursos) sejam adquiridos por quem lhes dá o maior valor (quem tem a maior disposição a pagar), ou, em outras palavras, haverá impedimento de uma eficiente distribuição de recursos.

A terceira proposição de Posner é a afirmação de que, quando os custos de transação prejudicam a livre negociação entre agentes econômicos que disputam a propriedade de recursos ou de direitos escassos, o Direito deverá intervir de modo a regular a disputa simulando ou recriando um ambiente de livre mercado, ou seja, concedendo os recursos a quem mais os valorize (quem esteja disposto a pagar o maior preço).

Toda a articulação das teses fundamentais de Posner gravita em torno do conceito de eficiência enquanto distribuição de recursos tendente a lhes aumentar o valor20. Esse aumento intencional do valor dos recursos através de uma distribuição

eficiente é que vai sinalizar o que Posner chama de maximização da riqueza social, ou da riqueza total. O incremento da riqueza social pode então ser medido por um critério monetário, já que valor aumentado deve ser medido em termos de “disposição para

19 Lembre-se mais uma vez que o conceito de valor para Posner não significa a utilidade do

bem (o seu valor de uso), mas sim o seu valor de troca, ou seja, a quantidade de dinheiro que alguém esteja disposto a pagar por tal bem ou, se já o possui, a quantidade de dinheiro que pede para dele se desfazer. Veja-se POSNER, Richard. El análisis económico del Derecho. 4.ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 2000, p.19.

20 POSNER, Richard. El análisis económico del Derecho. 4.ed. México, DF: Fondo de Cultura

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pagar”21, e não em termos de utilidade (que se vincula a uma análise subjetiva típica do

utilitarismo de Jeremy Bentham e John Stuart Mill).

Uma vez que para Posner a maximização da riqueza social é o objetivo maior do Direito22, este passa a ser um mecanismo de aplicação de normas eficientes,

isto é, de normas que possam gerar resultados eficientes ou normas para a maximização da riqueza total. Com isso, Posner desvincula a ideia de justiça de um fundamento metafísico ou transcendente, eliminando a pesada carga retórica que acompanha a palavra justiça. Referido autor propõe, expressamente, que uma das acepções da palavra justiça, e talvez a mais usual, é a de eficiência. A justiça social e, por consequência a função social ficam dessacralizadas, ou desmitificadas em Posner, já que sua existência pode ser esclarecida em termos científicos e discursivos (não mais em fundamentos transcendentais e metafísicos) e que pode ser medida ou constatada empiricamente através da medição do aumento de valor ou da maximização da riqueza social. Posner propõe a seguinte explicação da justiça com significado de eficiência:

Un segundo significado de justicia, tal vez el más común, es el de la eficiencia. Entre otros ejemplos, veremos que cuando los individuos califican de injusto le hecho de condenar a una persona sin someterla a juicio, de expropriar sin una compensasíon justa o de no obligar a un automovilista a que pague los daños a la víctima de sua negligencia, esto no significa nada más que la afirmación de que ese comportamiento desperdicia recursos (véase más adelante § VIII.3). Incluso el principio de enriquecimiento ilicito puede derivarse del concepto de la eficiencia (más adelante § IV.14). Y con un poco de reflexión no nos sorprederá que, en un mundo de recursos escassos, el desperdicio debe considerar-se inmoral.23

21 O termo em inglês é willingness-to-pay (disposição de pagar, em um sentido literal).

22 Posner afirma especificamente que o Common Law tende sempre para a solução mais

eficiente, ou para a aplicação da norma mais eficiente, rejeitando as normas que geram resultados ineficiente. Veja-se a respeito POSNER, Richard. El análisis económico del Derecho. 4.ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 2000, p.29; POSNER, Richard. Wealth maximization and judicial decision making. In: International Review of Law and Economics, 1984, v.4. Para uma crítica dessa teoria, veja-se PACHECO, Pedro Mercado. El analisis

economico del Derecho: una reconstruccion teorica. Madrid: Centro de Estudios

Constitucionales, 1994, p.52-58.

23 POSNER, Richard. El análisis económico del Derecho. 4.ed. México, DF: Fondo de Cultura

Económica, 2000, p.32. Tradução livre: “Um segundo significado de justiça, talvez o mais comum, é o da eficiência. Entre outros exemplos, veremos que quando os indivíduos qualificam de injusto o fato de condenar uma pessoa sem submetê-la a juízo, de expropriar sem uma compensação justa ou de não obrigar um condutor de automóveis a pagar os danos causados a uma vítima de sua negligência, isto não significa nada mais que a afirmação de que esse comportamento desperdiça recursos (veja-se mais adiante § VIII.3). Inclusive o princípio

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Posner desmistifica o Direito e a Justiça mediante o abandono dos princípios do “dar a cada um o que é seu” e do neminem leadere, pois, seguindo a abordagem recíproca do problema do custo social proposta por Coase,24analisa a temática sob a

ótica da maximização do valor e não da moralidade retórica “daquilo que é devido”. Em Posner, o que é devido é a maximização da riqueza social através da eficiência e não a adoção de princípios morais ou religiosos que marcaram o Direito por milhares de anos. Essa completa laicização do Direito em Posner é que vai propiciar a construção de uma equação da distribuição de justiça, segundo a Análise Econômica do Direito, capaz de enfrentar com maior clareza as hipóteses em que a livre concorrência deverá ceder espaço a outras medidas de política econômica que melhor satisfaçam o princípio da eficiência.

5. DIREITO, JUSTIÇA E EFICIÊNCIA – O DEBATE DE POSNER COM DWORKIN

Partindo da concepção de que o mundo em que vivemos é um mundo de recursos escassos, Posner considera que o desperdício (ou seja, o agir inficiente) é imoral e injusto e, então, a contrário senso, o agir eficiente equivaleria ao ato de justiça. Certamente, Posner não iguala eficiência à justiça, já que há na justiça elementos outros que não apenas as considerações de ordem econômica. Porém, na maior parte dos casos eficiência e justiça andam juntas. Veja-se a elucidativa passagem da sétima edição do Economic Analysis of Law, em que Posner assim apresenta seu pensamento:

The economic approach to law is criticized for ignoring “justice”. One must distinguish between the different meanings of this word. Sometimes it means distributive justice, the proper degree of economic equality – and sometimes it means efficiencey. (…) One shuld not be surprised that in a world of scarce resources waste should be regarded as immoral. But ther is mor to notions of justice than a concern with efficiency.25

do enriquecimento ilícito pode ser derivado do conceito de eficiência (mais adiante § IV.14). E com um pouco de reflexão não nos surpreenderá que, em um mundo de recursos são escassos, o desperdício deve ser considerado imoral.”

24 COASE, Ronald. The problem of social cost. In: The Journal of Law & Economics. Chicago:

University of Chicago Press. Oct. 1960, v.3, p.96.

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Como se vê, a eficiência desempenha um papel fundamental na teoria do Direito proposta por Posner, a ponto de muitas vezes (ainda que com certas ressalvas, como visto acima) se identificarem eficiência e justiça, nuna tentativa de fundamentação moral do princípio da eficiência.

Analisando a obra de Posner, Guiomar Estrella Faria indica que uma crítica comumente feita à Posner, a de que teria tendência conservadora, é contraditada por tal autor com o argumento de que “quando um ponto de vista se torna dominante ele deixa de ser percebido como tendo um caráter ideológico”.26 Segundo tal autora, a teoria de

Posner teira tomado a interpretação marxista da história pelo avesso, pois Posner só veria interesses econômicos da maximização da riqueza, sem qualquer preocupação como as que nortearam a obra de um Pasukanis, por exemplo.

Outra crítica, pelo próprio Posner relatada e discutida, é de que a sua teoria ignoraria a justiça. Porém, Posner hama atenção para a necessidade de distinguir diversas acepções da palavra justiça, lembrando que a própria expressão aristotélica de justiça distributiva pode ser considerada ou, nas suas próprias palavras, ser cruamente definida como o adequado grau de desigualdade econômica (the proper degree of economical inequality).27

Afirma Guiomar Estrela Faria que:

Dworkin, na mesma linha (op. cit., p. 237) afirma: “A sociedade maximiza sua riqueza quando todos os recursos dessa sociedade estão de tal forma distribuídos que a soma dessas valorizações individuais seja a mais alta possível.”

[...]

Em outro artigo – Why efficiency? – (Por que eficiência?), publicado na coletânea Law, Economics and Philosophy (Direito, Economia e Filosofia) (cujo subtítulo é Uma resposta aos professores Calaabresi e Posner), Ronald Dworkin (1983, p. 123) a firma: “O professor Posner acredita que as agências

26 FARIA, Guiomar Theresinha Estrella. Interpretação econômica do Direito. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 1994. p. 39.

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do governo e particularmente as cortes, poderiam tomar decisões políticas de tal forma a que se obtivesse a maximização da riqueza.”

Nesse artigo, em que responde ao escrito de Posner intitulado “Utilitarismo, Economia e Teoria Jurídica”, Dworkin (1979) afirma que Posner procura demonstrar, não como anteriormente, que a sociedade como um todo procuraria em cada decisão política a maximização da riqueza social.

Nessa linha de raciocínio, Dworkin (op. cit., 240) conclui: “A riqueza social pode ser entendida não como um componente, mas um instrumento de valor. Aumentos na riqueza social não são valorizáveis em si próprios, mas valorizáveis porque eles podem produzir outros incrementos, que são valorizáveis em si próprios.”28

Nesse ponto, é de grande pertinência a crítica de Dworkin, uma vez que o que se busca em termos de justiça no paradigma da democracia não é a riqueza social per se (eis que não possui valor em si mesma), mas sim os incrementos que poderão ser gerados a partir de tal maximização, isto é, a satisfação de direitos fundamentais que, na democracia, estão indissociavelmente ligados ao padrão constitucional de justiça.

O diagnóstico de Dworkin, nesse ponto, assemelha-se muito ao raciocínio de que o dinheiro, por si, não vale nada, é simples recorte de papel como qualquer outro pedaço de celulose industrializada. No entanto, o que vale no dinheiro são os bens e serviços pelos quais pode ser trocado. O mesmo se passa com a maximização da riqueza total (ou social), uma vez que essa riqueza originada em processos de negociações ou distribuições eficientes não teria, a seu ver, uma correspondência direta com a justiça.

Ao que tudo indica, a crítica de Dworkin não pode ser considerada uma crítica radical, mas sim uma crítica parcial. Ela não afirma que a eficiência para a maximização da riqueza coletiva seja algo ruim ou destituído de fundamento jurídico, mas cinge-se à constatação de que não é possível reduzir a justiça a um critério de eficiência. Essa crítica pode não ser bem fundamentada, já que o próprio Posner reconhece pelo menos três acepções de justiça, e deixa claro que a justiça não está confinada à eficiência, porém a eficiência é uma ferramenta importante para a consecução da Justiça.29

28 FARIA, Guiomar Theresinha Estrella. Interpretação econômica do Direito. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 1994, p.48 e 50.

29 POSNER, Richard. El análisis económico del Derecho. 4.ed. México, DF: Fondo de Cultura

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O que mais importa para o desenvolvimento das ideias deste trabalho é que o impulso inicial de desmitificação da justiça empreendido por Posner abriu a possibilidade de reflexão do que seja justiça na modernidade tardia, em uma sociedade pluralista e hiper-complexa. Ao desvincular a ideia de justiça da concepção retórica jusnaturalista e ao romper com o positivismo estrito que havia alijado toda e qualquer ideia de justiça do Direito (positivo), Posner inaugura uma nova etapa do pensamento jurídico.

Todavia, a crítica de Dworkin, ainda que possa ser tomada como uma crítica parcial e não frontal, deve ser levada em consideração. A final, a maximização da riqueza social não pode ser um fim em si mesma, mas sim um meio para a construção de uma sociedade melhor.

Em resumo, percebe-se que a vertente mais radical da Análise Econômica do Direito norte americano (e a que mais se tem destacado) conduz seu raciocínio para uma preferência da eficiência (possivelmente mais concreta) em relação à justiça (possivelmente mais abstrata). Essa tensão entre eficiência e justiça, refletica em especial no Direito Econômico de um paíse em desenvolvimento como o Brasil (onde certamente os recursos são escassos, e muito escassos), há que ser melhor explicitada em termos paradigmáticos, ou seja, à luz do paradigma do Estado Democrático de Direito, a fim de possibilitar uma formulação de uma genuína Análise Econômcia do Direito aplicável ao caso brasileiro.

6. NORMAS EFICIENTES: AS PROPOSIÇÕES DE HANS-BERND SCHÄFER E CLAUS OTT E DE FRANCESCO DENOZZA – UMA VISÃO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO EUROPEU

Acima foram apresentadas as principais proposições da Análise Econômica do Direito no Direito Norte Americano. Uma visão, ainda que breve, do atual estágio de desenvolvimento da Análise Econômica do Direito na Europa certamente poderá contribuir para a construção de um modelo para a Análise Econômica no Brasil.

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de Análise Econômica do Direito Civil), de Hans-Bernd Schäfer e Claus Ott, manifestamente declara que nem toda norma eficiente é justa, mas toda norma ineficiente é necessariamente injusta, já que:

... hasta el lector más excéptico estará de acuerdo em que, si bien la justicia no se pode reducir a la eficiência, las reglas jurídicas que llevan a situaciones generalizada y duraderas de ineficiência econômica sob sencillamente injustas.30

Mais adiante, desenvolvendo essa linha de raciocínio, Schäfer e Ott argumentam que a Análise Econômica do Direito se preocupa com a análise das normas jurídicas sob o ponto de vista de sua eficiência, ou seja, a Análise Econômica do Direito tem como ponto fundamental a verificação da eficiência das normas jurídicas, seja no seu momento de criação ou de aplicação. E, por se tratar de uma análise de eficiência, defendem que a preocupação central da AED consiste justamente em saber como evitar, através em um sistema normativo, desperdício de recursos escassos e a maximização de tais recursos. Segundo Schäfer e Ott:

El análises económico del Derecho aplica este punto de vista a las normas del Ordenamiento jurídico considerando como tarea legítima y necesaria de la ciencia jurídica, analizar em qué medida las reglamentaciones jurídicas evitan el despilfarro de recursos y aumentan la eficiencia. (...) Este punto de vista explica hasta qué punto evitar el despilfarro es ina obligación de justicia y que la eficiencia y la justícia pueden coincidir em determinados ámbitos.31

Na visão dos supracitados autores, a eficiência e a justiça podem, e muitas vezes devem, andar juntas, sendo que o papel da Análise Econômica do Direito consiste justamente em analisar a eficiência das normas jurídicas que compõem o ordenamento, de modo que as mesmas sejam direcionadas a produzir maior eficiência econômica.

Por sua vez, Francesco Denozza argumenta que a eficiência das normas jurídicas consiste na preocupação central das temáticas desenvolvidas pela Análise Econômica do Direito, prevalecendo em tal campo as preocupações mais ligadas à

30 SCHÄFER, Hans-Bernd; OTT, Claus. Manual de Análisis Económico del Derecho Civil. Trad.

Macarena Von Carstenn-Lichterfelde.Mardid: Tecnos, 1991. p. 17.

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eficiência do que propriamente à justiça:

Il tema della efficienza delle regole, intesa come qualitá dichiaratamente distinta e, se del caso, anche contraposta Allá giustizia, è al centro dell’elaborazione dell’ “analisi economica del diritto”. (...) L’analisi economica del diritto assume come obiettivo la formazione di regole che garantiscano la realizazione delle transazioni (cioè di quegli scambi e di quelle assegnazioni di risorse) che sono in grado di massimizare il benessere complessivo.32

Da leitura dos trabalhos de Denozza e de Schäfer-Ott, percebe-se claramente como a tradição do Civil Law marca a visão que tais autores tem da Análise Econômica do Direito, preocupando-se tais autores centralmente com a análise de eficiência da norma jurídica, ou do ordenamento jurídico como um todo. Já a versão norte americana da AED, em especial nos trabalhos desenvolvidos pela Escola de Chicago e por Richard Posner, apontam para uma outra preocupação central, tipicamente de Common Law, qual seja, a análise de eficiência da solução para o caso concreto, ficando em segundo plano a análise da eficiência da norma jurídica.

Porém, o que as duas versões da Análise Econômica do Direito (americana e europeia) tem em comum é justamente a preocupação central com a eficiência, ou seja, com uma regra de maximização de riqueza coletiva.

Assim, seja na tradição da Civil Law, seja na tradição do Common Law, o ponto em comum da Análise Econômica do Direito consiste basicamente em análises do tipo custos x benefícios, seja da norma jurídica em si, seja da solução (muitas vezes consuetudinária ou jurisprudencial) dada para o caso. No final das contas, o que se busca é evitar o desperdício e maximizar a riqueza, através da alocação e do uso eficiente dos recursos escassos.

O que se precisa indagar, então, para concluir o pensamento ora esposado, é como construir uma vertente da Análise Econômica do Direito aplicável à realidade brasileira.

32 DENOZZA, Francesco. Norme Efficienti – L’analisi economica delle regole giuridiche. Milano:

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As preocupações com a distribuição e a eficiente alocação de recursos (eficiência de Kaldor-Hicks) não podem ser ignoradas. Se o próprio Posner reconhece, a partir de uma justificativa (ainda utilitarista) de que o incremento da riqueza total significa maiores chances de satisfação das necessidades humanas (utilidade ou maior felicidade)33, é preciso então averiguar o que vem a ser riqueza coletiva no Estado Democrático de Direito vigrante no Brasil, superando-se assim o liberalismo de Posner para que se possa fazer o aproveitamento de sua teoria no paradigma democrático brasileiro, inauguando-se, então uma verdadeira vertente brasileira da Análise Econômica do Direito, compatível com nossa realidade jurídica, econômica e social.

Por outro lado, tendo em vista que o Brasil filia-se à tradição do Civil Law, as contribuições da visão europeia, centradas na análise de eficiêcnia das normas jurídicas, são também aproveitáveis, levando-se em conta que todo o ordenamento jurídico brasileiro está junguido ao princípio da reserval legal ou da legaldiade estrita, sendo regulada juridicamente através de normas expressas (leis , em sentido lato) toda e qualquer conduta relevante para o Direito.

Assim, para a formulação de uma vertente titpicamente brasileira da Análise Econômica do Direito, há que se colher as lições da corrente norte americada e europeia, mas ainda será preciso definir, no caso concreto do Brasil, qual a riqueza coletiva que se quer maximizar, e isto, certamente, só poderá ser feito através da instauração de processos abertos, participativos e democráticos de construção do provimento legal e do provimento judicial e administrativo, ou seja, através da instauração de devido processo, permanente e incessante, para a definição e redefinição dos standards e parâmetros para a construção da ideia de riqueza coletiva na sociedade brasileira.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise comparativa da doutrina norte americana e europeia revela-se extremamente útil e proveitosa para a construção de uma linha interpretativa

33 POSNER, Richard. El análisis económico del Derecho. 4.ed. México, DF: Fondo de Cultura

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(hermenêutica) adequada para a construção de uma vertente tipicamente brasileira da Análise Econômica do Direito. Eficiência e justiça não são princípios ou valores antagônicos. Antes, justiça e eficiência são princípios complementares e, na maior parte dos casos interdependentes. Em uma sociedade em que os recursos são escassos, o desperdício é imoral e injusto, e a eficiência quase sempre poderá apontar para a construção ou aplicação da norma mais justa, ou par a adoção da solução mais justa para o caso concreto. Muito embora possam existir, em alguns remotos casos, antagonismos entre eficiência e justiça, uma visão paradigmática da eficiência, pautada nos princípios democráticos da Constituição brasileira, de 1988, poderá fornecer uma solução justa e eficiente, no sentido de ser aquela que maximiza a riqueza coletiva para os brasileiros, podendo-se, a partir de então, se inaugurar uma vertente tipicamente brasileira da Análise Econômica do Direito.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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