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Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais? Mudanças e continuidades na transição para a vida adulta no Brasil (1970 e 2000)

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Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?

Mudanças e continuidades na transição para a vida adulta no

Brasil (1970 e 2000)

Joice Melo Vieira

Palavras-chave: Juventude, transição para a vida adulta, ciclo de vida, análise de entropia de coortes sintéticas.

Resumo

No Seminário “População e Pobreza”, realizado pela ABEP em novembro de 2007, apresentamos resultados preliminares da análise comparativa da transição para a vida adulta no Brasil em 1970 e em 2000, segundo o sexo e estrato de renda. O estudo a ser apresentado agora é o desenvolvimento daquele primeiro empreendimento.

De uma perspectiva sócio-demográfica, a transição para a vida adulta consiste no câmbio de um status social caracterizado pela dependência e pela necessidade de suporte e apoio próprios da condição infanto-juvenil para uma nova condição de indivíduo completamente emancipado e autônomo, já absorvido e adaptado ao sistema de produção e reprodução social.

Um primeiro passo da análise de entropia de combinações de status de coortes sintéticas permite, a partir da visualização gráfica da evolução dos índices de mudança de status identificar idades nas quais as pessoas conservam muito da condição infanto-juvenil (quando a maioria dos indivíduos se concentra em uma combinação de status bem característica: a de estudante, que não trabalha, é membro dependente no domicílio, sem experiência conjugal e sem filhos). Bem como permite identificar quando a ascensão de uma parcela significativa de uma coorte sintética passa a assumir diversas dimensões da vida adulta, a saber: passar de estudante a trabalhador; de membro dependente de um domicílio a responsável por um domicílio ou cônjuge; da condição exclusiva de filho (a) a pai ou mãe. O principal avanço em relação aos resultados apresentados anteriormente consiste em desvendar qual é o peso de cada uma das dimensões (saída da escola/inserção produtiva e formação de núcleo familiar) na linha do tempo da transição para a vida adulta.

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

Doutoranda em Demografia. NEPO/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/ Unicamp. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?

Mudanças e continuidades na transição para a vida adulta no

Brasil (1970 e 2000)

Joice Melo Vieira

1. Introdução

Nos últimos anos têm proliferado na bibliografia internacional, e também na nacional, trabalhos sobre as transformações no curso da vida que se fizeram sentir de maneira particular no final do século XX e início do século XXI. Dentre os trabalhos internacionais, acreditamos destacar-se a publicação de The Structure of the Life Course: Standardized? Individualized?

Differentiated? (2005), por apresentar de maneira clara e concisa questões clássicas dos

estudos dessa temática e, ao mesmo tempo, oferecer um panorama das controvérsias atuais: Afinal, o que mudou no curso da vida? O que há realmente de novo? O que está em debate é justamente como definir o que se passa com o curso da vida: Se tem se tornado (des)padronizado, (des)institucionalizado, e quais as implicações da tendência crescente de individualização que se abate sobre ele. Embora em um primeiro momento possa parecer claro que essas mudanças correspondem a uma forma de organização da vida mais livre e aberta a possibilidades alternativas que fogem a padrões normativos rígidos, tais mudanças podem reproduzir e mesmo reforçar desigualdades que colocam em xeque os limites dessa maior liberdade. Mesmo no Brasil, onde essas discussões são postas mais tardiamente se comparado aos Estados Unidos e Europa, está claro que atualmente vivemos um momento de maiores possibilidades de realização individual. Essas possibilidades representam para uma parcela da população oportunidades diferentes daquelas muito mais restritivas que caracterizaram o curso da vida de gerações anteriores. A universalização do sistema escolar, a participação feminina no mercado de trabalho e uma maior aceitação de uma pluralidade de formas de família são fatores que conjugados trabalham para flexibilizar o curso da vida, em especial o das novas gerações. Todavia os constrangimentos não deixaram de existir. Talvez tenham se tornado menos claros, mas nem por isso, menos imperiosos.

Tratar da transição para a vida adulta requer abordar ainda que sucintamente a questão mais ampla do curso da vida. Pois, é somente tendo como pano de fundo as preocupações teóricas com o curso da vida, que faz sentido falar em transição para a vida adulta. Em verdade, boa parte da teoria sobre o curso da vida se fundamenta de uma forma ou outra nos conceitos-chave de trajetória e transições. O próprio estudo da transição para a vida adulta não desfrutaria da importância que tem se não fosse pela centralidade que se credita a esta transição no encadeamento dos acontecimentos futuros; no papel que desempenha na definição de posições sociais galgadas pelos indivíduos, graças à percepção de que é

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

Doutoranda em Demografia. NEPO/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/ Unicamp. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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principalmente na juventude que se adquire as credenciais que abrem ou fecham campos de possibilidades na progressão do curso da vida.

É certo que se poderia argumentar que parte das posições sociais ocupadas pelo indivíduo por toda sua vida já estão traçadas desde a maternidade. Mas, como afirma Garrido e Requena (1996: 9), a juventude, que em si pode ser entendida como um processo de transição à vida adulta, é uma espécie de “segundo nascimento” onde cada qual precisa definir, adquirir, marcar e consolidar posições e papéis sociais por si mesmo.

Do ponto de vista sócio-demográfico, essas novas posições e papéis são apreendidos por meio da constatação de mudanças de certos status: da identidade de estudante a de trabalhador; da posição de membro dependente de um domicílio a responsável por seu próprio domicílio; de solteiro a pessoa em união e de filho a pai ou mãe. Todas essas transformações profundas que afetam a esfera pública e privada da vida de cada indivíduo caracterizam o abandono de um estado inicial de dependência e carência de proteção e assistência (próprio da fase infanto-juvenil), para conformar-se a um novo estado, no qual passa da condição passiva de protegido, para a ativa, de apto a proteger-se e proteger a outros; assumindo papéis produtivos e reprodutivos cujo pensamento hegemônico-institucional vincula exclusivamente aos adultos.

De acordo com Macmillan (2005:4), o principal eixo do debate atual deriva de evidências de que o curso de vida estruturado, fundado em um conjunto normativo de etapas ordenadas em um contínuo, cede espaço a “conformações novas e potencialmente problemáticas”. Isto se verifica na descompressão dos marcos da vida adulta (por exemplo, maior espaçamento temporal entre a saída da casa dos pais e o casamento); aumento da sobreposição dos papéis sociais (estudar e trabalhar ou aposentar-se e não retirar-se completamente do mercado de trabalho); aumento da reversibilidade e instabilidade dos papéis sociais (o filho que retorna à casa paterna depois de ter tido a experiência de viver só ou em união conjugal) e desarticulação dos diferentes papéis que se tornam difíceis de conciliar ao longo das trajetórias individuais no decorrer da vida (sobretudo, as tensões entre vida familiar e profissional).

Enquanto o conceito de trajetória dá conta da dinâmica de longa duração do curso da vida (é o próprio desenrolar da linha da vida dos indivíduos), o conceito de transição dá conta de períodos de guinadas ou ajustes nesta trajetória. Transições são períodos mais curtos e circunscritos no tempo, mas nem por isso menos importantes. Transições sinalizam o início e o fim de etapas de uma trajetória (Macmillan, 2005).

Mas o que de fato se deseja dizer quando se afirma que o curso da vida está se tornando mais (des)institucionalizado, (des)padronizado, ou ainda, o que significa na prática uma maior individualização do curso da vida? Como isto se reflete em específico na passagem para a vida adulta?

A institucionalização do curso da vida (Brückner e Mayer, 2005) diz respeito às regras que orientam a estruturação do curso da vida. Trata-se, sobretudo, de marcos legais ou normativos. A legislação é sem dúvida o instrumento mais claro da institucionalização, quando estabelece uma faixa etária de escolaridade obrigatória, idades mínimas para o trabalho e a aposentadoria e também para o casamento. Dizer que o curso da vida está mais institucionalizado é reconhecer a influência ou mesmo a força de instituições, especialmente do Estado através da aplicação de legislações nacionais, nas trajetórias e transições dos indivíduos de uma população, fazendo-os se enquadrarem a certa forma de estruturar o curso da vida. Por exemplo, crianças apenas estudam, adultos trabalham e idosos retiram-se da vida produtiva. A desinstitucionalização representa o retrocesso dessa presença legalista e normativa no curso da vida, como exemplo, poder-se-ia citar o aumento da informalidade nas uniões conjugais.

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Segundo Brückner e Mayer (2005:32), “a padronização do curso da vida se refere a processos nos quais certos estados ou eventos específicos e a seqüência em que eles ocorrem torna-se mais universal para uma dada população ou que seu timing torna-se mais uniforme”. Afirmar que o curso da vida é padronizado significa que na realidade há uma alta prevalência de determinados eventos que ocorrem em um mesmo timing e dentro de uma mesma seqüencia para praticamente todos os indivíduos. A despadronização dá conta justamente do fenômeno inverso, ou seja, da descompressão temporal dos eventos, quando se tornam mais dispersos e se sucedem sem que se possa identificar uma ordem recorrente.

Considerando os avanços representados no Brasil pela universalização do ensino básico de caráter obrigatório e as políticas de redução e combate ao trabalho infantil que assumiram como ideal que não se exerça trabalho produtivo antes dos 16 anos, é plausível o argumento de que a transição para a vida adulta no que tange à escola e ao trabalho, ao menos nas primeiras idades, tenha se tornado mais institucionalizado. No entanto, mudanças, sobretudo na família, que hoje aceita e absorve uma diversidade de situações – como jovens mães que não se casam e continuam na casa dos pais ou se tornam chefes de domicílio; filhos de ambos os sexos que formam par conjugal e permanecem como dependentes na casa paterna; jovens que optam por não formar família, mas têm total independência financeira –, produzem uma pluralidade de trajetórias possíveis e perfeitamente realizáveis que subvertem as expectativas de transições compactas no tempo e marcadas por experiências totalmente universais. Com isso, a transição para a vida adulta pode ser institucionalizada segundo alguns critérios, e desinstitucionalizada sob outros.

Toda essa ampliação de possibilidades perfeitamente exeqüíveis gera maior heterogeneidade intragrupo etário. Quanto maior a heterogeneidade de combinações de status escolar, laboral e familiar realizáveis, maior a complexidade do curso da vida e mais difícil se torna vislumbrar um padrão etário rígido. Isso dá a impressão de uma crescente individualização, no sentido de que as pessoas já não se deixariam guiar tanto pelas convenções sociais, e passariam a delinear por si mesmas os rumos de suas trajetórias ou o

timing e a ordem dos eventos de suas transições.

Neste estudo, temos sustentação empírica para discutir a (des)padronização e a (des)institucionalição, mas discutir em profundidade a individualização exigiria dados mais substanciais, de modo que aqui poderemos enunciar apenas algumas conjecturas. A julgar pelas diferenças na transição para a vida adulta segundo o sexo e a camada social, nos inclinamos a ver com alguma ressalva argumentos demasiado otimistas que vêem na individualização do curso da vida a primazia do autocontrole sobre a própria vida. Não se trata de defender a ausência total de controle ou qualquer tipo de determinismo social, mas constrangimentos relacionados ao sexo e à camada social produzem diferenças na transição para a vida adulta que facilmente podem ser lidas como formas de reiterar desigualdades.

Todas essas discussões sobre as mudanças no curso da vida, especialmente sobre o caráter potencialmente problemático dessas mudanças, e desigualdades, sejam associadas ao sexo ou à renda, são de interesse da demografia social à medida que se pode estabelecer relação com níveis de bem-estar da população atuais e futuros.

2. Objetivo

Realizamos neste estudo a comparação da transição para a vida adulta no Brasil em dois momentos: 1970 e 2000. O principal objetivo é responder à pergunta que intitula este artigo. Afinal, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais? O que há de novo e o que se perpetua na transição para a vida adulta no Brasil? Como essas mudanças e continuidades se traduzem segundo a terminologia empregada no debate atual sobre o curso

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de vida? Em que ponto nós nos situamos em termos da contraposição padronização versus despadronização e institucionalização versus desinstitucionalização?

3. Dados e método

Neste estudo são utlizados dados dos levantamentos censitários de 1970 e 2000 provenientes do IPUMS – Integrated Public Use Microdata Series-International (2002), disponibilizado pelo Minnesota Population Center da Universidade de Minnesota. A vantagem de manusear os dados do IPUMS, ao invés de recorrer aos micro-dados cedidos pelo próprio IBGE, resulta do fato de a tarefa de compatibilização e harmonização dos dados censitários já ter sido feita no bojo do projeto do IPUMS. Isso confere ao nosso próprio trabalho maior facilidade e agilidade.

A decisão por trabalhar com os dados censitários de 1970 e 2000 certamente não foi arbitrária. Assumiu-se como pressuposto que o espaçamento de trinta anos constitui tempo suficiente para podermos falar não apenas em termos de experiências de coortes distintas, mas também de gerações, uma vez que é bastante plausível imaginar que parte dos jovens descritos pelo censo de 1970 são pais dos jovens de 2000. Outro aspecto que vale sublinhar é que os cenários socioeconômico e político-cultural mudaram significativamente neste intervalo, ainda que não nos caiba detalhar todo este processo nesta ocasião.

Entre os anos 1950 até o final da década de 1970, o Brasil passou por um processo intenso de urbanização e modernização econômica que imprimiram profundas mudanças estruturais (Madeira, 1986; Faria, 1991). Trata-se de um período caracterizado por elevadas taxas de crescimento econômico e que costuma ser lembrado como um marco na história nacional por ser ponto de mutação da sociedade brasileira – até então, uma sociedade de economia e valores rurais – que rapidamente se transforma e se assemelha a uma sociedade urbano-industrial complexa, na qual se acirram a pobreza e a desigualdade.

Durante os trinta anos que separam os dois levantamentos censitários, a metamorfose em direção a uma sociedade cada vez mais urbanizada foi acompanhada, dentre outras coisas, por uma tendência à concentração de renda, pelo crescimento do acesso à escolarização e pela progressiva entrada das mulheres na força de trabalho, o que alterou radicalmente o papel social feminino e, conseqüentemente, pode-se presumir, ou ao menos tomar como hipótese, que isso teve impacto sobre o curso de vida feminino.

Para efetuarmos a comparação da transição para a vida adulta no Brasil em 1970 e 2000, utilizamos a metodologia de análise de entropia de combinações de status de coortes sintéticas (Fussell, 2005; Fussell, 2006; Fussell, Evans e Gauthier, 2006). Valemo-nos também de indicadores propostos por Modell, Furstenberg e Hershberg (1976) para o estudo da transição para a vida adulta: medida de timing das transições, cuja proxy são as idades medianas; a duração das transições e o índice de congruência etária. Mais adiante nos ocuparemos de esclarecer como foi construída cada uma dessas medidas e o que elas nos revelam2.

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Camarano, Kanso e Mello (2006) calcularam as idades medianas e a duração das diversas passagens que caracterizam a transição para a vida adulta considerando a população brasileira de 15 a 29 anos em 1980 e 2000. Os resultados que apresentamos aqui para o ano 2000 diferem do trabalho acima citado, porque levamos em conta faixas etárias diferentes. Partindo do pressuposto que a saída da escola e a entrada no mercado de trabalho ocorriam mais cedo em 1970, adotamos como idade mínima considerada na construção desses indicadores 13 anos e como idade máxima 30 anos.

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O quadro 1 indica os quesitos considerados no estudo e qual informação sobre os status pertinentes à transição para a vida adulta eles nos fornecem:

Quadro 1 – Apropriação de quesitos para construção de indicadores

Quesitos da base do IPUMS Status na transição para a vida adulta

SCHOOL (School Attendance): indica se a pessoa freqüentava escola na data do censo ou em

algum período específico de tempo anterior ao censo.

Status educacional Estudante versus

não-estudante (indicativo de término, interrupção ou abandono da formação escolar). EMPSTAT (Employment status): indica se a

pessoa fazia parte da força de trabalho – trabalhando efetivamente ou procurando trabalho – em um período de tempo específico fixado pelo censo.

Status ocupacional

Trabalhador versus não-trabalhador (indicativo de dependência econômica). RELATE (Relationship to household head):

descreve a relação do indivíduo com o responsável pelo domicílio.

Status residencial

Dependência versus autonomia residencial (se o jovem ocupa a posição de responsável pelo domicílio ou de cônjuge, caracteriza-se a

autonomia residencial). MARST (Marital status): descreve o status

marital corrente de acordo com as leis ou costumes do país. Pessoas casadas ou em união consensual estão enquadradas indistintamente em uma mesma

categoria.

Status conjugal

Esteve/está em união versus nunca esteve unido(a).

(Children ever Born): número de filhos que

cada mulher teve até a data do censo.

Status parental

Iniciou a constituição de prole versus nuca teve filhos.

Fonte: Documentação de variáveis, IPUMS (2002). Elaboração própria.

Em artigo anterior (Vieira, 2007), comparamos a transição para a vida adulta considerando clivagens baseadas no sexo, na situação de domicílio e na renda para os anos 1970 e 2000, e também na cor, para 2000, utilizando como ferramenta a análise de entropia de combinações de status de coortes sintéticas. Os resultados evidenciavam significativas diferenças na transição para a vida adulta, sobretudo, no que se refere à renda e ao sexo. Aqui nos detemos sobre essas duas clivagens e buscamos melhor caracterizar no calendário da transição quais são as mudanças de status que podem estar acentuando essas diferenças.

O índice de entropia (do grego en: em, trope: transformação)3 é aplicado nas mais diferentes áreas, da Física à Economia e em diferentes campos das Ciências da Informação, seja para mesurar desigualdades, transformações ou mesmo o caos.

Do ponto de vista de seu potencial explicativo, a técnica serve para medir diferenças no

timing da transição para a vida adulta ao longo do tempo, pela comparação de duas ou mais

coortes sintéticas tomadas de uma seqüência de levantamentos censitários, ou de dois censos que retratam momentos históricos distintos. Além disso, viabiliza a comparação do processo de transição para a vida adulta entre subgrupos de uma mesma coorte sintética mediante a exploração de clivagens fundadas no sexo, na situação de domicílio (rural ou urbano), na renda, na raça entre outras segmentações que as informações dos censos envolvidos na análise permitirem.

Todo o raciocínio baseia-se na utilização do índice de entropia geral de Theil (1972):

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Ver Colovan, 2004.

Ex =

Σ

ps, x * ln (1/ps,x) s

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Onde, S indica uma determinada combinação de status a uma idade x e ps é a proporção

da população desta idade no estado s. O cálculo da entropia é obtido pelo produto da proporção da população da idade x no estado considerado pelo log natural da probabilidade inversa da combinação de status particular, nossa ps. A somatória de todas as medidas assim

construídas considerando cada combinação de status possível para a população de uma dada idade específica resulta em um número, o índice de entropia geral, que indica o grau de heterogeneidade das combinações de status àquela determinada idade (Fussell, 2006: 9).

A amplitude do índice de entropia geral varia de 0, quando há perfeita homogeneidade (ou seja, todos os indivíduos estariam concentrados em uma única combinação de status) até a entropia máxima (máxima heterogeneidade, situação na qual haveria exatamente o mesmo número de indivíduos em cada uma das combinações de status possíveis). O valor numérico da entropia máxima depende de quantos status estão sendo combinados, já que no cálculo da entropia máxima é preciso conhecer o número total de combinações de status possíveis:

Sendo, Emax a entropia máxima e Cs o número total de combinações de status possíveis. Para que o índice de entropia se torne uma grandeza de mais fácil compreensão, Fussel sugere que ele seja transformado em uma porcentagem da entropia máxima. Quanto mais próximo de 100% (entropia máxima), maior é a dispersão dos indivíduos em diferentes combinações de status. Uma entropia seria de 100% se todas as possibilidades de combinações de status fossem encontradas empiricamente e se encontrássemos em cada uma dessas combinações um mesmo número de indivíduos. Inversamente, quanto mais próximo de zero é o índice, mais os indivíduos estão concentrados em algumas poucas combinações de status, havendo, por conseguinte, uma estrutura mais rígida de papéis assumidos por grande parte das pessoas àquela idade.

Calculando-se os índices de entropia por idade específica conforme foi descrito acima e, a partir desses resultados, construindo um gráfico simples de linhas, é possível identificar quando a transição para a vida adulta começa e termina, bem como quando atinge um pico. O recurso gráfico permite visualizar que partindo de idades mais próximas à infância (quando a maioria das pessoas está concentrada em uma combinação de status bem característica: a de estudante, que não trabalha, é na maioria das vezes dependente de um dos pais ou de ambos, nunca teve uma experiência conjugal e não tem filho) ao longo dos anos que compõem a adolescência, em algum ponto o índice de entropia aumenta significativamente, o que evidencia que as pessoas estão mudando de status e, portanto, há novas combinações de status. Essa idade na qual boa parcela das pessoas escapa da combinação típica da figura do estudante-filho-depentente, marca o início do período de transição para a vida adulta. Analogamente, idades nas quais o índice de entropia cai ou relativamente estabiliza-se, são consideradas como o fim do período de transição.

Uma segunda etapa da análise consiste em avaliar a contribuição de cada um dos status na produção da heterogeneidade por idade. Isso pode nos dar uma indicação de quais mudanças se status são mais importantes em cada idade, ou ainda, o quanto do índice de entropia se deve a um status em particular (Fussell, 2005). Para isso, se calcula o índice eliminando um status por vez. Com a eliminação de um dos status, obviamente se espera uma queda da entropia máxima. Então, calcula-se a diferença percentual entre a entropia total (Ef – ou seja, aquela que considera todos os status) e a entropia quando um dos status não é incluído no cálculo, que chamaremos de entropia reduzida (Er). Conhecendo a entropia parcial para cada status eliminado e a entropia total, podemos encontrar a heterogeneidade

observada (O) e compará-la com a heterogeneidade predita (P):

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Onde, O é a heterogeneidade observada; Ef, a entropia final e Er, a entropia reduzida.

Onde, P é a heterogeneidade predita; Max Ef, a entropia máxima quando se considera todos os status e Max Er, a entropia máxima excluindo um status. No caso das mulheres, para as quais consideramos cinco status (escolar, laboral, residencial, conjugal e maternidade), a entropia máxima Ef será:

Max Ef =

Σ

(1/32) * ln [1/(1/32)] = 3,466

A entropia máxima quando um dos status é excluído no caso das mulheres será:

Max Er =

Σ

(1/16) * ln [1/(1/16)] = 2,773

Logo, a heterogeneidade predita (P) para mulheres é: P = ((3,466 – 2,773)/ 3,466)*100 = 20%

Analogamente, para os homens, para os quais não temos a informação sobre a existência de filhos, temos:

Max Ef =

Σ

(1/16) * ln [1/(1/16)] = 2,773 Max Er=

Σ

(1/8) * ln [1/(1/8)] = 2,079

Sendo, a heterogeneidade predita (P) para homens de: P = ((2,773 –2,079)/ 2,773)*100 = 25%

A heterogeneidade predita serve apenas para termos um parâmetro de referência para avaliar a heterogeneidade observada. Sempre que a heterogeneidade observada for maior que a heterogeneidade predita, isto é, superior a 20% quando se tratar de mulheres e acima de 25%, no caso dos homens, podemos interpretar que o status eliminado contribui significativamente mais para elevar a entropia total comparado aos demais status.

Outras medidas complementares empregadas neste estudo são: idade mediana, duração da transição e índice de congruência etária (Modell, Furstenberg e Hershberg, 1976). Essas medidas são bastante rústicas e simples, mas diante da escassez de pesquisas longitudinais que captem o calendário da transição à vida adulta, acreditamos que permitem traçar um perfil geral, ainda que imperfeito e sujeito a críticas.

Não temos a informação exata de quando as pessoas realizaram cada uma das mudanças de status, quando deixaram de estudar, começaram a trabalhar etc. Mas podemos eleger como medida de timing a idade mediana, compreendendo-a como a idade em que metade das pessoas de um grupo particular se encontrava na situação que previamente definimos como indicadora da mudança de status. Por exemplo, será considerada a idade mediana de saída da escola a idade em que metade das pessoas já não está estudando. Como Modell, Furstenberg e Hershberg (1976) alertam, a rigor não seria uma idade mediana, porque nada garante que as demais pessoas que não realizaram o evento venham algum dia a realizá-lo, bem como estamos todo o tempo assumindo como pressuposto que os dados transversais de que dispomos reproduzem o comportamento de uma coorte hipotética.

A duração é o período de tempo necessário para que uma proporção pré-fixada da população realize a transição. Na prática, é a diferença entre a idade ao nono decil e ao

O = ((Ef – Er)/Ef)*100

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primeiro decil considerando exclusivamente os indivíduos de uma faixa etária pré-estabelecida que de fato realizaram um determinado evento. Vale atentar que para encontrar a idade mediana consideramos todos os indivíduos, tendo ou não realizado o evento, mas para calcular o primeiro e o nono decis necessários para se conhecer a duração, só nos interessa aqueles que já realizaram a passagem. Desconsideramos os que realizam a passagem em idades inferiores ao primeiro decil ou depois do nono decil, que podem ser tomados como

outliers. No cálculo da duração, foram considerados os indivíduos com idades de 13 a 30

anos. Atualmente, a definição operacional oficial de população jovem no Brasil compreende a população com idade entre 15 e 29 anos (Secretaria Nacional de Juventude, 2006 e Novaes et. al., 2006). No entanto, algumas passagens, sobretudo a saída da escola e a entrada no mercado de trabalho, ocorriam antes dos 15 anos para uma parcela significativa da população em 1970. Por isso, recuamos um pouco mais para retratar essa realidade, bem como adotamos como limite máximo os 30 anos completos para considerar as pessoas que podem ter realizado a transição ao longo dos 29 anos.

O índice de congruência etária (age-congruity) nos informa o quanto a duração de duas diferentes transições se sobrepõe no tempo. Se duas transições ocorrem em um mesmo espaço de tempo, ou seja, estão concentradas em um mesmo intervalo etário (e tem a mesma duração), o índice de congruência etária será próximo de 1. Por outro lado, se as transições em questão são incongruentes, ou seja, ocorrem em idades nitidamente diferentes, o valor do índice será baixo, tendendo a zero. Este índice pode variar de zero, completa incongruência, a 1, total sobreposição das idades de ocorrência das transições consideradas.

De posse dessas ferramentas, mensuramos as transformações e as continuidades na transição para a vida adulta no Brasil pela contraposição dos resultados obtidos para 1970 e 2000, segundo o sexo e a renda domiciliar per capta dos indivíduos. Os resultados contemplam o conjunto total da população feminina e masculina e a segmentação segundo renda domiciliar per capita (rdpc), contrastando os membros da camada de baixa renda (os 20% mais pobres) com aqueles pertencentes à camada de alta renda (os 20% mais ricos) da população brasileira.

4. Resultados e Discussão

O Gráfico 1 apresenta os índices de entropia segundo o sexo para os anos 1970 e 2000. Observa-se que, nas primeiras idades, o índice de entropia é sempre mais baixo, justamente porque uma grande parcela das pessoas se enquadra no perfil de filho-solteiro-estudante-dependente. À medida que a idade aumenta, esse perfil vai paulatinamente perdendo importância frente a outras combinações de status, o que explica o aumento do índice até atingir um ápice que significa que os indivíduos se encontram dispersos nas mais diferentes combinações, ou seja, a coorte encontra-se em pleno estado de efervescência, em trânsito para combinações de status típicas do estado adulto, a saber: responsável por domicílio-cônjuge-trabalhador-independente.

Em 2000 verifica-se uma queda significativa do índice de entropia nas idades inferiores a 15 anos, se comparado a 1970. Isso se deve ao fato de a condição de filho-estudante-dependente ter se tornado mais comum. Tanto em 1970 quanto em 2000, as curvas que descrevem o comportamento dos cursos de vida femininos partem de níveis mais baixos de entropia para as primeiras idades, posto que as mulheres circunscrevem-se mais ao perfil de

Índice de congruência etária = 2 * (no anos sobrepostos das duas transições) duração da transição A + duração da transição B

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dependência acima enunciado. O comportamento da curva que representa o curso de vida masculino em 1970 encerra certas particularidades que merecem ser comentadas. Em primeiro lugar, já aos 13 anos os meninos estavam mais dispersos em diferentes combinações de status. Essa distribuição especialmente distinta se deve, sobretudo, ao sistema escolar não absorvê-los ou retê-los. Diferentes combinações de status escolar e laboral (só estudar, só trabalhar, trabalhar e estudar, ou não ter nenhuma dessas ocupações) se concretizam empiricamente entre os garotos, e mais acentuadamente em 1970.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 Idade Gráf ico 1

Índice de entropia segundo o sexo, Brasil, 1970 e 2000

Mulheres (1970) Homens (1970)

Mulheres (2000) Homens (2000)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados censitários de 1970 e 2000, IBGE/IPUMS.

Vale destacar ainda que embora já parta de patamares mais altos, o índice de entropia masculino se mantém estável dos 15 aos 18 anos em 1970, sugerindo que o serviço militar, uma experiência mais presente na história de vida dos rapazes dos anos 70 que dos jovens de 2000, devia frear alguns câmbios de status, adiados para depois do cumprimento do serviço obrigatório. Apesar de não haver perdido sua obrigatoriedade, o serviço militar já não é uma experiência universal. Muitos jovens são dispensados, seja por contenção de gastos das forças armadas (Kuhlmann, 2001); seja porque com o fim da ditadura desapareceu a necessidade de aproximar a juventude dos ideais compartilhados pelos militares; ou ainda, porque as forças armadas se tornaram de fato mais seletivas, seja por conta da maior profissionalização do exército e, residualmente, pelo surgimento de denúncias de que jovens treinados pelas próprias forças armadas eram mais tarde assediados por facções criminosas interessadas em seus conhecimentos no trato com armamento pesado (Zaluar, 2006).

As garotas tendem a ter um comportamento mais uniforme enquanto grupo nas primeiras idades. No entanto, a partir dos 17 anos em 1970, e dos 16 anos em 2000, as garotas apresentam índices de entropia maiores que os dos garotos. Em 1970, acima de 29 anos a diferença entre o índice de entropia feminino e o masculino se torna cada vez maior. Isso ocorre porque os homens tendem a se concentrarem na condição de chefes de família-cônjuge-trabalhador e as mulheres se dispersam em diferentes combinações, por conta de trabalhar fora de casa não ser uma norma entre as elas e também porque os status

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relacionados à constituição de família (experiência de união e maternidade) geram mais heterogeneidade entre elas. Em 2000, o índice de entropia feminino supera o masculino já por volta dos 16 anos e mantém-se em patamar superior para todas as demais idades. No entanto, dos 24 anos em diante as curvas feminina e masculina apresentam um comportamento praticamente paralelo. O comportamento das curvas referentes às mulheres, ao descrever uma maior heterogeneidade de combinações de status para a população feminina, sugere de certo modo uma maior complexidade do curso de vida feminino. As combinações de status escolar, laboral, conjugal, residencial e parental são menos previsíveis entre elas marcadamente em 2000 e desde o final da adolescência.

A julgar pelas idades que podemos considerar o ápice do trânsito de status: 21 anos para as mulheres e 23 anos para os homens em 1970, e 22 anos para homens e mulheres em 2000, se antes a transição se processava um pouco mais cedo para as mulheres, há sinais de que o calendário masculino e feminino tende a convergir ao menos quanto a este aspecto.

O Gráfico 2 apresenta o índice de entropia para mulheres brasileiras em 1970 e 2000, bem como o comportamento diferencial que se observa segundo o pertencimento ao grupo de baixa renda (20% mais pobres), ou ao grupo de alta renda (20% mais ricos) nesses dois momentos. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 Idade Gráf ico 2

Índice de entropia para mulheres, Brasil, 1970 e 2000

Mulheres (1970) Mulheres (2000)

Mulheres de baixa renda (1970) Mulheres de baixa renda (2000) Mulheres de alta renda (1970) Mulheres de alta renda (2000)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados censitários de 1970 e 2000, IBGE/IPUMS.

Há claro indicativo de que as mulheres de baixa renda realizam a transição para a vida adulta mais precocemente que as mulheres de alta renda, tanto em 1970 quanto em 2000. Em 1970, o ápice da heterogeneidade de status se dava aos 21 anos para as mulheres de baixa renda e aos 23 anos para as de alta renda. Os índices de entropia caem substancialmente nas idades abaixo dos 17 anos marcadamente para as mulheres de alta renda entre 1970 e 2000. No entanto, entre as jovens de baixa renda o mesmo se observa apenas aos 13 anos. Já durante a adolescência, antes dos 20 anos, a heterogeneidade de status aumenta intensamente entre as jovens de baixa renda. Há incluso o rejuvenescimento do ápice da heterogeneidade que passa a ser aos 20 anos em 2000, em contraste com as mulheres de alta renda, para as quais ocorre

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um adiamento de um ano se comparado a 1970. Em 2000, as mulheres de alta renda atingem o ápice da heterogeneidade, ou seja, do movimento de mudança de status, aos 24 anos. Houve, portanto, um aumento da desigualdade no calendário feminino de transição para a vida adulta das mulheres de baixa renda se comparadas às mulheres de alta renda domiciliar per capita.

As adolescentes de alta renda domiciliar per capita são as que mais se enquadram ao perfil de filha-solteira-estudante-dependente e foram as que mais parecem ter se beneficiado da expansão educacional no Brasil, acentuando-se a prática de dedicação exclusiva aos estudos. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 Idade Gráf ico 3

Índice de entropia para homens, Brasil, 1970 e 2000

Homens (1970) Homens (2000)

Homens de baixa renda (1970) Homens de baixa renda (2000) Homens de alta renda (1970) Homens de alta renda (2000)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados censitários de 1970 e 2000, IBGE/IPUMS.

Tal como ocorre entre as mulheres, os homens de alta renda domiciliar per capita são os que apresentam os menores índices de entropia nas idades mais jovens, quer em 1970 ou em 2000. O grupo masculino é aquele em que houve menor mudança quando se contrasta os resultados de 1970 e 2000. Nota-se também que a queda do índice de entropia ao redor da idade do serviço militar é bastante nítida para os jovens de baixa renda em 1970 e ausente para os jovens de alta renda, muito provavelmente porque não tinham para esses jovens o mesmo impacto que para os primeiros.

Se entre as moças de baixa renda a transição para a vida adulta ocorre mais cedo e se processa mais rapidamente (a curva atinge um auge e depois declina de modo mais drástico que entre outros subgrupos), entre os rapazes do mesmo estrato social a situação não é muito diferente, conforme se pode visualizar no Gráfico 3. Também entre eles o ápice do processo de transição foi antecipado em um ano: passou de 23 anos em 1970 para 22 anos em 2000. Para aqueles de alta renda, não houve modificação. Tanto e m1970 quanto em 2000, o auge da heterogeneidade de combinações de status ocorre aos 24 anos. O que há de interessante é a convergência quanto a este aspecto entre a transição de homens e mulheres de alta renda domiciliar per capita.

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Um dado significativo é que, tanto entre homens quanto entre mulheres em 2000, nas idades superiores a 30 anos há certa tendência de convergência no grau de heterogeneidade de combinações de status dos subgrupos de alta e baixa renda, sendo o grande diferencial observado para as idades mais jovens, especialmente de 13 a 24 anos, para os quais o calendário da transição é mais precoce e concentrado entre os mais pobres.

A avaliação da importância isolada de cada um dos status na produção da heterogeneidade no período de transição para a vida adulta e meados das idades maduras, confirma a hipótese de que os status têm de fato pesos diferentes, segundo o sexo e a renda domiciliar per capita do subgrupo populacional em questão.

Considerando primeiramente os homens, a observação dos Gráficos 4, 5 e 6 revela que o status escolar gerava maior heterogeneidade apenas aos 13 anos. Como estudar não era uma experiência universal, já a esta idade estar inserido ou excluído do sistema educacional era um primeiro fator a produzir diversidade entre os garotos desta idade. Entre os jovens de baixa renda este status perde importância mais rapidamente com o avançar da idade dado que a parcela que estava inserida vai deixando a escola mais precocemente que o grupo de alta renda. A inclinação descendente da curva de status escolar perde força mais lentamente entre os rapazes de alta renda, apontando justamente que uma parcela mais significativa deste grupo conserva a condição estudantil por mais tempo.

O peso do trabalho na produção de heterogeneidade de status dos jovens de baixa renda é forte em todas as idades adolescentes, e supera com sobras o peso do status escolar até os 25 anos, quando os status residencial e conjugal aumentam sua importância. Entre os homens de alta renda, os status residencial e conjugal superam em importância os demais a partir dos 26 anos e conservam a posição de principais geradores de heterogeneidade nas idades subseqüentes. A realidade retratada para os homens de baixa renda é um pouco mais confusa, porque a relação com o trabalho parece ser mais instável. O trabalho continua sendo um fator de peso que produz heterogeneidade entre os homens mesmo nas idades de 25 a 30 anos em que as transições relacionadas a constituição de núcleo familiar têm sua maior participação. O trabalho produz bem menos heterogeneidade entre os homens de alta renda dos 21 anos em diante e só voltam a aumentar sua importância por volta dos 40 anos. Entre aqueles de baixa renda, a importância do trabalho na produção de diversidade intra-grupo se mantém em patamares mais altos e apresenta comportamento ascendente de sua importância dez anos antes, ao redor dos 30 anos. As curvas referentes ao status residencial e conjugal apresentam comportamentos relativamente similares. Destacaríamos apenas que o status residencial tem um peso ligeiramente superior ao conjugal entre as idades de 17 e 25 anos, sendo isso mais proeminente entre os homens de alta renda.

Em 2000 (Gráficos 7, 8 e 9), como a experiência de estar inserido no sistema escolar se torna mais comum, o status escolar perde peso frente ao status laboral em todas as idades inferiores a 17-18 anos. O trabalho continua sendo o principal gerador de heterogeneidade para o grupo masculino de baixa renda e o comportamento da curva pouco se altera para as idades de 20 anos e mais se comparado ao que se observava para 1970.

Chama a atenção que se distanciando do que notávamos para 1970, em 2000 as curvas referentes ao status conjugal e residencial perdem o paralelismo que as caracterizava entre os homens de baixa renda, mas não entre os de alta renda. Entre aqueles de baixa renda, o status conjugal tem relativamente proeminente entre os 15 e os 21 anos se comparado ao status residencial; sendo que nas idades seguintes, a relação se inverte.

Em 1970, o status escolar é o que mais produz heterogeneidade entre as mulheres, seja de baixa ou alta renda, nas idades inferiores a 18-19 anos. Nas idades superiores a 20 anos, o status laboral é de longe o que mais produzia heterogeneidade entre a população feminina.

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Entre as mulheres de baixa renda em 1970, as curvas referentes aos status residencial, conjugal e maternidade formam um feixe mais ou menos compacto. Isso evidencia que essas transições ocorrem quase que simultaneamente para as mulheres de baixa renda desta coorte. Nada podemos afirmar em termos do que se passa nas trajetórias individuais, mas enquanto experiência de coorte é nítido que o calendário dessas transições está bastante interligado. Já entre as mulheres de alta renda domiciliar per capita, os níveis de importância de um cada desses três status que marcam a transição para a vida adulta são mais distintos entre si. Considerando apenas os status mais ligados à esfera familiar (status conjugal, residencial e maternidade), o que mais produz heterogeneidade entre as mulheres de alta renda em 1970 a partir dos 19 anos é a maternidade, seguida pelo status residencial e conjugal.

Tal como se observou anteriormente para os homens, também para as mulheres com a expansão da inserção escolar juvenil, o status escolar perde importância frente ao status laboral na produção de heterogeneidade na adolescência (idades abaixo de 18-19 anos). O status laboral permanece sendo o principal produtor de heterogeneidade intra-grupo para as mulheres de 19 anos e mais, de baixa renda. No entanto, refletindo a participação das mulheres de alta renda no mercado de trabalho, tornam-se mais comum trabalhar, o que passa a gerar maior heterogeneidade entre as mulheres desse grupo com idades de 26 a 33 anos é a experiência de ter filhos. O comportamento da curva que revela a importância do status conjugal mais ou menos acompanha a curva referente ao status residencial para as mulheres de alta renda. No entanto, entre aquelas de baixa renda o mesmo só se observa até os 27 anos. Nas idades superiores aos 27 anos, o status conjugal produz bem mais heterogeneidade que o status residencial.

Quando se considera a população brasileira em seu conjunto, sem desagregar por nível de renda, a impressão geral é que o comportamento da população se aproxima mais da realidade descrita para as pessoas de baixa renda, com a ressalva de sustentar uma aparência suavizada ou uma espécie de “média” entre os extremos sociais.

A Tabela 1 apresenta indicadores completares que dizem respeito ao timing da transição para a vida adulta segundo o sexo e a renda domiciliar per capita. A maior mudança se deu quanto à idade mediana de saída da escola. O tempo de retenção no sistema escolar aumentou de pouco mais de um ano no caso dos garotos de alta renda a até 4,5 anos no caso dos garotos e garotas de baixa renda. Se em 1970 eram os rapazes de alta renda que permaneciam na escola por mais tempo, em 2000 são as garotas dessa mesma camada social que apresentam a mais alta idade mediana de saída da escola.

Quanto à idade mediana referente ao status laboral, esta é mais baixa entre os homens do que entre as mulheres. Houve um ligeiro aumento de pouco mais de um ano na idade mediana de inserção laboral para os homens de baixa renda entre 1970 e 2000. A idade mediana associada à vida produtiva é superior aos 16 anos em todos os grupos em 2000, muito provavelmente uma conseqüência das mudanças institucionais que culminaram no combate ao trabalho infantil.

Houve um rejuvenescimento da idade mediana de autonomia residencial par os homens de baixa renda, que passou de 24,09 anos em 1970, para 23,68 anos em 2000; enquanto no mesmo período ocorreu um adiamento da autonomia residencial para os homens de alta renda, entre os quais a idade mediana desse câmbio de status passou de 25,76 para 27,05 anos.

A idade mediana de união conjugal permanece praticamente inalterada quando se considera a população masculina como um todo. Todavia, para os homens de baixa renda

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Variação da importância de cada status na produção de heterogeneidade ao longo de parte do curso de vida de coortes de 1970 e 2000.

__

Status escolar

__

Status laboral

__

Status conjugal

__

Status residencial Fonte: Elaboração própria a partir dos dados censitários de 1970 e 2000, IBGE/IPUMS.

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Variação da importância de cada status na produção de heterogeneidade ao longo de parte do curso de vida de coortes de 1970 e 2000.

__

Status escolar

__

Status laboral

__

Status conjugal

__

Status residencial

__

Status parental (maternidade)

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houve um ligeiro rejuvenescimento (passou de 23,96 para 23,02 anos); e diversamente um adiamento para os homens de alta renda, cuja idade mediana era, em 1970, 26,30 anos se altera para 27,44 anos em 2000.

Tabela 1 – Idade mediana e duração das transições segundo sexo e rdpc, Brasil, 1970 e 2000

Homens Mulheres Transições

1970 2000 1970 2000

Idade mediana (todos) 15,14 18,46 14,69 18,4

Baixa rdpc 13,36 17,90 13,17 17,68

Alta rdpc 19,53 20,62 18,70 21,26

Idade 1º decil (todos) 14,52 17,21 14,49 17,27

Baixa rdpc 13,35 15,69 13,65 16,06

Alta rdpc 17,83 18,86 17,34 19,02

Idade 9º decil (todos) 28,33 28,67 28,25 28,67

Baixa rdpc 28,14 28,51 28,47 28,56 Alta rdpc 28,81 28,96 28,56 28,97 Duração (todos) 13,81 11,46 13,76 11,39 Baixa rdpc 14,79 12,82 14,82 12,50 Saída da escola Alta rdpc 10,98 10,10 11,22 9,94

Idade mediana (todos) 15,42 16,10 ** 18,07

Baixa rdpc 14,77 16,22 ** **

Alta rdpc 17,50 17,40 ** 18,12

Idade 1º decil (todos) 14,86 15,83 14,57 16,06

Baixa rdpc 13,58 14,53 13,44 14,58

Alta rdpc 17,32 17,39 17,21 17,71

Idade 9º decil (todos) 28,31 28,36 27,64 28,37

Baixa rdpc 28,39 28,18 27,74 28,20 Alta rdpc 28,59 28,67 28,17 28,67 Duração (todos) 13,45 12,53 13,07 12,30 Baixa rdpc 14,80 13,65 14,30 13,62 Entrada no mercado de trabalho Alta rdpc 11,27 11,27 10,95 10,96

Idade mediana (todos) 24,64 25,48 22,10 22,94

Baixa rdpc 24,09 23,68 22,17 21,07

Alta rdpc 25,76 27,05 23,39 24,75

Idade 1º decil (todos) 21,17 20,77 18,90 18,81

Baixa rdpc 21,59 20,32 19,80 18,31

Alta rdpc 21,37 21,87 19,44 20,46

Idade 9º decil (todos) 29,38 29,26 29,13 29,03

Baixa rdpc 29,56 29,24 29,40 28,99 Alta rdpc 29,30 29,38 28,98 29,21 Duração (todos) 8,21 8,49 10,23 10,22 Baixa rdpc 7,97 8,93 9,61 10,69 Autonomia residencial Alta rdpc 7,94 7,50 9,53 8,75

Idade mediana (todos) 24,53 24,82 21,47 22,15

Baixa rdpc 23,96 23,02 21,84 20,66

Alta rdpc 26,30 27,44 22,72 24,50

Idade 1º decil (todos) 21,30 20,48 18,65 18,24

Baixa rdpc 21,75 20,02 19,58 17,71

Alta rdpc 22,03 22,01 19,30 20,13

Idade 9º decil (todos) 29,38 29,22 29,08 28,95

Baixa rdpc 29,55 29,19 29,38 28,91 Alta rdpc 29,36 29,39 28,93 29,17 Duração (todos) 8,08 8,74 10,43 10,71 Baixa rdpc 7,81 9,17 9,80 11,19 União conjugal Alta rdpc 7,33 7,38 9,63 9,04

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Idade mediana (todos) - - 22,54 22,20

Baixa rdpc - - 21,90 19,46

Alta rdpc - - 25,42 28,70

Idade 1º decil (todos) - - 19,33 18,52

Baixa rdpc - - 19,79 17,97

Alta rdpc - - 20,35 20,50

Idade 9º decil (todos) - - 29,17 28,98

Baixa rdpc - - 29,39 28,86 Alta rdpc - - 29,13 29,31 Duração (todos) - - 9,84 10,45 Baixa rdpc - - 9,60 10,89 Maternidade Alta rdpc - - 8,79 8,81

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados censitários de 1970 e 2000, IBGE/IPUMS.

** Considerando as idades simples, a participação feminina no mercado de trabalho não alcança 50% em nenhuma idade.

Para as mulheres de baixa renda, verifica-se o rejuvenescimento da idade mediana de autonomia residencial, união conjugal e mesmo da maternidade. O mais surpreendente é que paralelamente houve um adiamento de todas essas idades medianas para as mulheres de alta renda domiciliar per capita. Ou seja, o calendário da transição das transições referentes à esfera familiar parece estar seguindo tendências divergentes segundo a estratificação de renda, antecipando-se para os pobres e adiando todas elas para os mais ricos. A idade mediana da maternidade é a que aponta maior contraste. Entre 1970 e 2000, diminui de 21,90 anos para 19,46 anos entre as mulheres de baixa renda, e aumenta de 25,42 anos para 28,70 anos entre as mulheres de alta renda. A subida da idade mediana da união conjugal é menos gritante, mas significativo entre essas últimas, passa de 22,72 para 24,50 anos.

O índice de congruência etária apresentado na Tabela 2 vem confirmar algumas das afirmações já feitas anteriormente. Os pares de transição saída de escola/entrada no mercado de trabalho e autonomia residencial/união conjugal apresentam uma alta congruência etária (acima de 0,9), ou seja, tendem a se processar simultaneamente para as coortes consideradas.

Entretanto, a sobreposição dos eventos de mudança de status escola/trabalho diminui sua congruência etária entre 1970 e 2000 em todos os subgrupos considerados, segundo sexo e rdpc. Isto indica que havia em 2000 um leve descompasso entre um evento e outro se comparado ao que ocorria em 1970.

Quanto às transições familiares (relacionadas aos status residencial, conjugal e maternidade), elas se mantém relativamente estáveis com poucas oscilações, destacando-se, entretanto, o aumento de quatro pontos percentuais da congruência etária autonomia residencial/união para os homens de alta rdpc. Da mesma maneira aumenta a congruência etária entre maternidade/autonomia residencial entre as mulheres de alta renda rdpc. Ou seja, esses eventos tendem a ocorrer simultaneamente em períodos que devem estar sendo particularmente densos do ponto de vista de transformações de status na esfera privada (ou se preferirmos, no âmbito familiar).

No que tange às transições mistas, aquelas que consideram um evento de câmbio frente à esfera pública em contraste com outro importante frente à esfera familiar, os resultados apontam que houve aumento da sobreposição etária nos diferentes grupos considerados. Isso parece indicar que tanto os que adiam as transições quanto os que as têm antecipado, o fazem em bloco. Estão aproximando o calendário dos câmbios na esfera pública e privada.

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Tabela 2 – Índice de congruência etária (medida de sobreposição etária das transições):

Homens Mulheres Transições de jovens brasileiros

1970 2000 1970 2000 Todos Baixa rdpc Alta rdpc Todos Baixa rdpc Alta rdpc Todas Baixa rdpc Alta rdpc Todas Baixa rdpc Alta rdpc Não-familiar Escola/trabalho 0,99 0,98 0,97 0,93 0,94 0,92 0,97 0,97 0,98 0,94 0,93 0,92 Nascimento do primeiro filho/união - - - 0,96 0,99 0,93 0,99 0,99 0,97 União/autonomia residencial 0,99 0,99 0,95 0,98 0,98 0,99 0,99 0,99 0,99 0,97 0,97 0,98 Familiares Nascimento do primeiro filho/autonomia residencial - - - 0,98 1,00 0,94 0,98 0,98 0,99 Escola/nascimento do primeiro filho - - - 0,76 0,71 0,82 0,93 0,91 0,90 Escola/união 0,64 0,57 0,74 0,81 0,77 0,80 0,79 0,72 0,89 0,94 0,92 0,93 Escola/autonomia residencial 0,65 0,58 0,79 0,79 0,75 0,81 0,78 0,71 0,88 0,91 0,88 0,91 Trabalho/nascimento do primeiro filho - - - 0,73 0,67 0,79 0,87 0,84 0,83 Trabalho/união 0,65 0,59 0,71 0,74 0,72 0,71 0,76 0,68 0,86 0,88 0,85 0,85 Mistas Trabalho/autonomia residencial 0,66 0,60 0,75 0,72 0,70 0,72 0,75 0,66 0,85 0,85 0,81 0,83 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados censitários de 1970 e 2000, IBGE/IPUMS.

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19 5. Conclusão

Se pensarmos o que se passa com a transição para a vida adulta no Brasil em 1970 e 2000, buscando compreendê-la em termos de padronização x despadronização e de

institucionalização x desinsitucionalização, está bastante nítido que houve maior

institucionalização. Políticas de expansão do sistema educacional e de erradicação do trabalho entre indivíduos abaixo dos 16 anos produziram objetivamente transformações importantes no processo de transição para a vida adulta, as quais se reverteram em alguns anos a mais de escolarização e em um início um pouco mais tardio da vida produtiva em 2000, quando comparado a 1970. Embora essas mudanças sejam importantes do ponto de vista da própria história social brasileira, elas são bastante modestas quando comparadas com o adiamento da entrada na vida adulta observado em países desenvolvidos. A alta congruência etária entre os eventos que marcam a transição para vida adulta classificada como familiar indica a conservação de um modelo tradicional de passagem para a vida adulta, onde é alta a associação entre as idades de sair de casa e formar par conjugal. Não podemos fazer afirmações contundentes sobre trajetórias individuais porque os dados não o permitem, mas os resultados sugerem como hipótese que os indivíduos em ambas as coortes saíam de casa para formar imediatamente o próprio núcleo familiar, sem períodos muito significativos de vivência solitária.

Pelos resultados obtidos com aplicação da técnica de análise de entropia, é visível que o momento e o ritmo da transição estão associados à renda domiciliar per capita do indivíduo, principalmente entre os 13 e os 24 anos. As jovens de baixa renda, especialmente as meninas, fazem a transição para a vida adulta mais cedo e mais rapidamente do que os outros jovens. O adiamento da constituição de união e da maternidade ocorre marcadamente para as mulheres de alta renda, mas entre as de baixa renda observa-se até o rejuvenescimento dessas mudanças de status. Algo análogo se observa com as idades medianas dos rapazes em relação à união conjugal, ligeiro adiamento para os de alta renda e um pequeno rejuvenescimento para os de baixa renda. Os mais pobres estão fazendo a transição mais cedo do que os seus pais e os mais ricos, mais tarde que seus pais.

Poder-se-ia questionar o porquê desta divergência e o porquê, a despeito das mudanças operadas na família e sociedade nas últimas décadas, a mudança no calendário dessas mudanças de status é modesta para uma parcela muito grande da população, e mesmo contraria a expectativa de que com a expansão educacional, a transição para a vida adulta seria adiada. A evidência mais óbvia é que embora os eventos de saída da escola e entrada no mercado de trabalho – que muitas vezes são apontados como condicionantes das demais transições – tenham ocorrido mais tarde, continuam ocorrendo na faixa etária adolescente, antes dos 19 anos. Mudanças na transição para a vida adulta em outros países aparecem sempre claramente vinculadas à expansão dos anos de escolaridade. No caso do Brasil, pode-se dizer que a mudança para o conjunto da população é modesto, porque de certa forma foi modesto o ganho educacional se comparado aos processos observados em outras partes do mundo. Se a escolarização tivesse avançado para idades iguais ou superiores aos 20 anos, se o ensino secundário houvesse se universalizado, é provável que os resultados fossem distintos. Não se trata julgar se o processo de adiamento da transição para a vida adulta seria bom ou ruim, mas tão somente de buscar explicação de o porquê o fenômeno entre a porção mais pobre da população brasileira tem seguido uma tendência oposta ao que se observa na literatura sobre transição para a vida adulta. Vale lembrar que entre as mulheres de alta renda, justamente as que apresentam idade mediana de saída da escola mais elevada, são as que apresentam um adiamento mais significativo de outras transições, seja pela observação das idades medianas de outros eventos, seja pela observação da representação gráfica dos índices de entropia.

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Interpretando a padronização na acepção de experiências que se tornam universais e uniformes para uma população, o curso de vida está mais padronizado em 2000 do que em 1970 nas idades escolares, posto que os índices de entropia para essas idades se reduziram substancialmente, evidenciando que havia menos combinações de status alternativas àquela de filho-solteiro-estudante-dependente. No entanto, o aumento deste índice em 2000, a partir dos 16-19 anos (conforme o subgrupo populacional considerado), conservando-se mais altos que em 1970 para todas as idades subseqüentes, especialmente para as mulheres, sugere a existência e convivência de muitas combinações de status alternativas para essas idades mais elevadas. Baseado nisto, pode-se dizer que, encerrada a adolescência, é possível que o curso de vida tenha se tornado despadronizado, por haver menor homogeneidade de combinações de status. Uma vez que o índice de entropia muitas vezes é usado como uma medida de complexidade (Colovan, 2004), está claro que o curso de vida tem se tornado mais complexo.

Mas o mais importante é sem dúvida chamar a atenção para a desigualdade que se manifesta na transição para a vida adulta, que certamente tem implicações sérias no desenrolar do curso de vida dos indivíduos. As escolhas futuras e o grau de individualização aberto a esses jovens se tornam relativos e estão associados às variáveis sócio-demográficas que os descrevem, às quais fogem completamente ao controle individual. Isso faz com que seja possível falar em padrões distintos de transição para a vida adulta segundo o sexo e a renda domiciliar per capita.

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