Resenhas
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Terra Livre São Paulo/SP Ano 29, V.1, n.40 p.161-164 Jan-Jun 2013
RESENHA
CONCEIçãO, Alexandrina Luz (org.). Trabalho e trabalhadores: as novas
configurações espaciais da reestruturação produtiva no espaço rural. São Cristóvão:
Editora UFS, 2011.
MERCEDES SOLá PéREZ1
Alexandrina Luz Conceição, organizadora do livro Trabalho e trabalhadores: as
novas configurações espaciais da reestruturação produtiva no espaço rural, fez graduação
e mestrado em geografia, na Universidade Federal de Sergipe (UFS), e douto-rado em ciências humanas, na Universidade de São Paulo (USP). é professo-ra adjunta da Universidade Fedeprofesso-ral de Sergipe, do Núcleo de Pós-Gprofesso-raduação de Geografia (NPGEO). Coordena o Grupo de Pesquisa “Estado, Capital,
Trabalho e as Políticas de Reordenamentos Territoriais” (GPECT),2 formado
por professores e estudantes pesquisadores de geografia da UFS (campus de São Cristóvão/NPGEO e de Itabaiana), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB – campus de Vitória da Conquista/BA), da Universidade de Pernam-buco (UPE – campus de Petrolina/PE) e da Universidade Federal de Alagoas (UFAL – campus de Arapiraca).
Esta foi a segunda publicação do GPECT. A primeira, tratou-se do livro
Leituras sobre Estado-capital-trabalho e as políticas de reordenamentos territoriais
(edi-ção UESB, 2010),3 e, em 2011, apresentou-se o livro, aqui referido, Trabalho e
trabalhadores: as novas configurações espaciais da reestruturação produtiva no espaço rural.
Dividido em duas partes – a territorialização do capital no espaço agrário e o Estado e a política de desenvolvimento –, o livro possui cinco artigos. Seu objetivo consistiu em “discutir o universo do trabalho no espaço rural, dentro
1 AGB – Seção local Curitiba / Estudante de doutorado em geografia no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco / Bolsista da Fundação de Amparo à Ciên-cia e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) / Integrante do ENCONTTRA (Coletivo de Estudos sobre Conflitos pelo Território e pela Terra), CEGeT (Centro de Estudos de Geografia do Trabalho) e NEACA (Núcleo de Estudos sobre Espaço Agrário, Campesinato e Agroecologia). E-mail: mercedessolap@hotmail.com
2 Para mais informações sobre este grupo, acessar estadocapitaltrabalho.wordpress.com. 3 O terceiro livro foi publicado em agosto de 2013: O capital e a ocupação de terras/territórios.
PéREZ, M.S.
PéREZ, M.S Resenha
da lógica da expansão do sistema do capital, que tem moldado as relações de trabalho de acordo com seu propósito, passando o trabalhador da condição de autonomia à precarização” (Conceição, 2011, p. 19-20).
Os autores dos artigos, Lucas Gama Lima, Wagnervalter Dutra Júnior, Só-crates Oliveira Menezes e Shizieli de Oliveira Shimada trouxeram os resulta-dos de suas pesquisas de mestrado, e Raimunda áurea Dias de Sousa, de seu doutorado em geografia (à época, em fase de andamento, e concluída em 2013, na UFS).
Na Parte I (“A territorialização do capital no espaço agrário”), em artigo intitulado “A sociabilidade reificante do capital por meio da política de desen-volvimento territorial”, Lucas Gama Lima buscou analisar a ação do Estado por meio da política de desenvolvimento territorial, partindo do pressuposto de que a configuração dos territórios de desenvolvimento implicava em uma regionalização que permitia assegurar a reprodução do capital e gerar, intrin-secamente, a exploração do trabalho e a expropriação da terra dos camponeses pelo capital, sob a sua mediação. Na condição aparente de “supraclassista”, o Estado apresentava um discurso de democratização e de consenso de classes, mediante políticas que aliavam interesses privados aos públicos, mas sempre inclinadas à classe capitalista. Com a política de desenvolvimento territorial, o Estado propunha delegar a autonomia sob a responsabilidade dos atores locais, desintegrando o território e ignorando o conflito irreconciliável capital-traba-lho. Lucas Lima identificou, em sua pesquisa empírica no território do Alto Sertão sergipano, um núcleo restrito de participantes (dos 112 entrevistados, menos de 20% participaram do planejamento do referente Território do Alto Sertão de Sergipe), concluindo que a criação da política de desenvolvimento territorial era marginal e não estrutural, pois mantinha o sistema hegemônico capitalista.
Em seu artigo “Geografia, capitalismo e desenvolvimento – ensaio sobre o ‘Estado de exceção’”, Wagnervalter Dutra Júnior tratou da intervenção do Estado visando a garantir a reprodução ampliada do capital. Enfatizou, espe-cialmente, a face coercitiva do Estado assimilando-se às ações de um Estado de exceção devido aos conflitos inerentes que se apresentavam diante da con-tradição da sociabilidade capitalista (produção social x apropriação privada). Ele analisou esta questão a partir de três tópicos gerais que diziam respeito a: como se apresentava o Estado de exceção, o atual contexto de acumulação por despossessão globalizado e a financeirização do capital. Em linhas gerais, este autor identificou que o Estado de exceção se apresentava exercendo, por vezes, a violência e impondo a ditadura do mercado – entendendo-se acumulação por
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despossessão como propulsora da reprodução ampliada do capital e a financei-rização implicando em créditos, especulação e criação de dinheiro para gerar mais dinheiro sem a necessidade de passar pelo capital produtivo. Este tripé perpetuava o sistema do capital e, portanto, a concretude da barbárie social.
Na Parte II (“A territorialização do capital no espaço agrário – as consequên-cias para os que vivem no campo”), Shiziele de Oliveira Shimada, em artigo intitulado “A relação capital-trabalho no corte da cana e as novas formas de travestimento do trabalho ‘escravo’”, enfatizou a exploração e a expropriação dos trabalhadores da cana-de-açúcar. Inicialmente, apresentou reflexões teó-ricas sobre a relação capital-trabalho a partir de análise bibliográfica e de um estudo de caso sobre os trabalhadores da cana-de-açúcar, no estado de Sergipe. Sua pesquisa permitiu observar que o fato de os trabalhadores ganharem por produção levava à superexploração e ao esforço excessivo, que provocavam problemas de saúde e, inclusive, mortes. Ela referiu-se à mobilidade sazonal do trabalho, característica do corte da cana, e às más condições dos alojamentos às quais se submetiam os trabalhadores na condição de trabalho escravo. Esta
autora apresentou um quadro elucidativo, publicado pelo site do Repórter
Bra-sil, sobre as atuais condições de escravidão em relação à antiga escravidão legal. E, por meio de diversos indicadores, demonstrou que a nova escravidão era mais perversa que a anterior, pois criava uma propaganda de crescimento do emprego em que o trabalho era precarizado, temporário e pago por produção, sob o fetiche da carteira assinada.
Raimunda áurea Dias de Sousa, em “Trabalho e os trabalhadores: desven-dando a realidade no Vale do São Francisco”, apresentou a mudança na lógica do valor de uso da terra, no Vale do São Francisco, para a territorialização do agro-hidronegócio pelo projeto modernizador de produção para exportação. Para demonstrar isto, a autora analisou o conceito de trabalhador camponês, utilizando autores como Antunes (2006), Conceição (1991), Martins (1982, 2003, 2004), Marx (2010), Mészáros (2007) e Shanin (2008). Ela caracterizou os perímetros irrigados instalados no polo Juazeiro/Petrolina e desvendou as implicações desta mudança no território. Raimunda de Sousa considerou que a política de desenvolvimento de instalação de perímetros irrigados implicou no estranhamento, no assalariamento e na expropriação do trabalhador camponês. A reflexão de Sócrates Oliveira Menezes, em “Entre o campo e a cidade: trabalho e trabalhadores dentro dos territórios de luta”, deu-se em torno dos depoimentos dos trabalhadores do assentamento Zumbi dos Palmares e do acampamento Santos Dias (do Movimento dos Trabalhadores Desempregados de Vitória da Conquista – BA). Preocupado em entender o sentido do trabalho,
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identificou que, no contexto de reestruturação produtiva do capital, a condição de alienação se apresentava pela intensificação da acumulação, a falta de empre-go e de terra. Explicou que “a naturalização do mundo dominado pela lógica do lucro e pela propriedade privada, pelas mediações do capital, efetiva-se na desefetivação do trabalhador que se apresenta de mãos atadas” (Menezes, 2011, p. 209), e concluiu que as formas de realização do trabalho pelos trabalhadores eram precárias e degradantes. Por conta, e apesar disso, os trabalhadores não reconheciam como trabalho a energia humana dispensada, mas representavam um potencial questionador da lógica imposta pelo capital.
Todos os autores e autoras aqui citados trabalharam com categorias caras ao Grupo de Pesquisa “Estado, capital, trabalho e as políticas de reordena-mentos territoriais” (tais como: a centralidade do trabalho, os trabalhadores e seus territórios inseridos no contexto de reestruturação do capital), entendidas a partir da teoria marxista de uma análise da totalidade. A divulgação destas pesquisas é fundamental para a compreensão da relação capital-trabalho, no atual contexto de reestruturação do capital. Contudo, a linguagem utilizada, ao longo dos artigos, foi extremamente acadêmica, e, nesse sentido, possivelmen-te, não se mostrará acessível a um leitor não especializado na discussão teórica de suas temáticas.